terça-feira, 11 de setembro de 2018

Brasil investe porcentagem alta do PIB em educação, mas pouco por aluno, diz OCDE


Renata Cafardo

Em entrevistas, debates e programas de governo, os candidatos à Presidência divergem sobre o investimento do Brasil em educação. Alguns sustentam que o País já coloca na área o mesmo que países desenvolvidos, outros dizem que há dinheiro suficiente, o que falta é uma gestão melhor. E há ainda os que falam que os recursos são insuficientes.
Relatório divulgado nesta terça-feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tenta esclarecer essa confusão. O texto diz que o “Brasil investe relativamente bem em relação ao PIB e também no valor total, mas os gastos por estudante ainda estão muito abaixo do que fazem os países membros da OCDE e parceiros”.
As tabelas do relatório, chamado Education at Glance, comparam os recursos colocados em educação entre os 35 países membros, que são os mais ricos do mundo, e outros 11 considerados parceiros da OCDE, em que se inclui o Brasil.
Lá é possível notar que o Brasil investe 5,5% do PIB em educação, quando a maioria das nações, 5%. Um exemplo é a Alemanha, onde a taxa é de 4% do PIB, abaixo do Brasil.
Mas o PIB da Alemanha é de US$ 3,4 trilhões e o do Brasil, de cerca de US$ 1,7 trilhão.
Já no número de alunos, a proporção se inverte. São cerca de 6,6 milhões de estudantes no ensino básico alemão e 48 milhões no brasileiro, por exemplo.
Por isso, o relatório deixa claro que o Brasil está abaixo da média no valor investido por estudante. Enquanto a Alemanha está acima do que destina a maioria dos membros da OCDE, gastando cerca de US$ 10,8 mil por aluno/ano, o Brasil aparece com cerca de US$ 3,8 aluno/ano. A média da OCDE é US $ 9,4 mil.
O que chega para cada aluno brasileiro, na verdade, é um valor comparável ao investido pela Colômbia. E menos que nossos vizinhos argentinos. Esse investimento por aluno inclui salário de professores, construção e manutenção de escolas, livros, merenda, entre outros itens essenciais para a educação.
Lembrando que esses valores não podem ser convertidos para a cotação atual do dólar no País porque são de 2015 (os mais atuais registrados pela OCDE) e são calculados a partir de uma fórmula que permite a comparação mundial.

Mais da metade dos brasileiros não tem diploma do ensino médio, aponta OCDE



O Brasil é um dos países com o maior número de pessoas sem diploma do ensino médio: mais da metade dos adultos (52%) com idade entre 25 e 64 anos não atingiram esse nível de formação, segundo o estudo Um Olhar sobre a Educação, divulgado nesta terça-feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A organização, com sede em Paris, destaca que o menor nível de escolaridade tende a ser associado com a maior desigualdade de renda.
No caso do Brasil, o país registra o segundo maior nível de desigualdade de renda entre os 46 países do estudo, ficando atrás apenas da Costa Rica.
O índice de pessoas que não cursaram o ensino médio no Brasil representa mais do que o dobro da média da OCDE. Na Costa Rica e no México, o percentual é ainda maior que o do Brasil: 60% e 62%, respectivamente, os mais elevados do estudo.
Outros países latinoamericanos, contudo, têm melhor desempenho que o Brasil. Na Argentina, 39% dos adultos na faixa de 25 a 64 anos não concluíram o ensino médio, no Chile, o percentual é de 35% e, na Colômbia, de 46%.
O estudo abrange as 36 economias da OCDE, a maioria desenvolvidas, e dez países parceiros da organização, como África do Sul, Argentina, China, Colômbia, Índia, Rússia e Brasil.
"Na maioria dos países da OCDE, a ampla maioria dos jovens adultos, com idade entre 25 e 34, tem pelo menos a qualificação do ensino médio. Em poucas décadas, o ensino médio passou de um veículo de ascensão social ao mínimo exigido para a vida em uma sociedade moderna", afirma o relatório.
Segundo a organização, os que deixam a escola antes de completar o ensino médio enfrentam não apenas dificuldades no mercado de trabalho, com menores salários, mas também têm competências cognitivas - memória, habilidades motoras, atenção, entre outras - bem inferiores aos das pessoas que possuem essa formação.
A organização também ressalta o número relativamente baixo de alunos com mais de 14 anos de idade inscritos em instituições de ensino no Brasil.
Apenas 69% daqueles entre 15 e 19 anos e somente 29% dos jovens de 20 a 24 anos estão matriculados, de acordo com a OCDE. A média nos países da organização é, respectivamente, de 85% e 42%.

Desigualdades regionais

O Brasil enfrenta ainda "desigualdades regionais significativas" em relação ao ensino superior, diz o relatório.
No Distrito Federal, 33% dos jovens adultos chegam à universidade. No Maranhão, o Estado com o menor PIB per capita, esse número é de apenas 8%.
Essa disparidade regional entre alunos que conseguem atingir o ensino superior no Brasil "é, de longe, a maior na comparação com toda a OCDE e países parceiros", incluindo grandes países como os Estados Unidos e a Rússia, que também possuem várias áreas de diferentes tamanhos e populações.
"Assegurar que as pessoas tenham oportunidade de atingir níveis adequados de educação é um desafio crítico. O acesso ao ensino superior vem crescendo no Brasil, mas ainda é uma das taxas mais baixas entre a OCDE e países parceiros, e está abaixo de todos os outros países da América Latina com dados disponíveis", ressalta o estudo, citando a Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica e México.
No Brasil, 17% dos jovens adultos com idade entre 24 e 34 anos atingem o ensino superior. Em 2007, o índice era de 10%. Apesar da melhora, o desempenho ainda está cerca de 27 pontos percentuais abaixo da média da OCDE.
"Para melhorar a transição entre o ensino e o mercado de trabalho, independentemente do cenário econômico, os sistemas de educação têm de se assegurar que as pessoas tenham as competências exigidas na vida profissional", diz a organização.
Segundo a OCDE, apesar do Brasil investir uma fatia importante de seu PIB na Educação, os gastos por aluno, sobretudo no ensino básico, são baixos.
O Brasil destina cerca de 5% do PIB à rubrica (dados de 2015), acima da média de 4,5% do PIB dos países da OCDE, diz o relatório.
O governo brasileiro gasta, porém, cerca de US$ 3,8 mil por estudante no ensino fundamental e médio, menos da metade dos países da OCDE.
A despesa com os estudantes de instituições públicas de ensino superior, no entanto, é quatro vezes maior, US$ 14, 3 mil, pouco abaixo da média da OCDE, que é de US$ 15,7 mil.
A diferença de gastos por estudante entre o ensino superior e o básico no Brasil é o maior entre todos os países da OCDE e economias parceiras analisadas no estudo da organização.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Os jovens, esses infelizes

Arriscaria dizer que as escolas estão entre as instituições mais perdidas no mundo
Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Ilustração
Os jovens estão sofrendo. Não confio muito no povo das humanas para pensar nisso: muita ideologia e pouca abertura para pensar a realidade. Trabalho com jovens há 22 anos. Eles estão cada vez mais sofridos: mais inseguros, ansiosos, medicados. Pesquisas de comportamento apontam para o mesmo diagnóstico.
Acho que alguns elementos dificultam a abordagem do tema. Cito um: a eterna indagação metodológica --há de fato uma piora na condição psicológica dos mais jovens (mais depressão, mais ansiedade, mais suicídios) ou o que temos são mais dados e mais acesso a medicamentos?
Mesmo tipo de dúvida: existem mais gays ou os gays se mostram mais? Tem mais mulher apanhando ou mais mulher denunciando que apanha?
O fato é que os jovens —principalmente os de classe social mais alta, mas não somente— têm ao seu dispor uma maior quantidade de ferramentas e profissionais especializados neles. Com isso, um maior "discurso do mestre", como diria Lacan, sobre a "condição jovem".
Mas o fato é que, muitas vezes, parece que esse aumento de discurso especializado apenas piora a questão: uma tagarelice gigantesca enche os nossos ouvidos sobre, por exemplo, se os pais devem ou não dizer X aos filhos. Quais as consequências de mandar o filho calar a boca? Você precisa ser PhD para educar os filhos.
A especialização nos jovens parece ter criado um sintoma novo na humanidade: ser jovem é um sintoma em si. À medida que cresce o mercado de especialistas em jovens, aumenta a geração e a circulação de dinheiro "graças" ao sintoma que ser jovem implica em si mesmo. Com isso, não assumo que haja má-fé nesses profissionais, apenas descrevo um circuito de discurso e dinheiro que se autoalimenta.
Nelson Rodrigues apontava, nos anos 1960, o surgimento da "razão do jovem" como sendo o fato de que um jovem teria razão sobre qualquer absurdo (tipo, devemos abandonar tudo e ir para a então guerra do Vietnã) apenas porque era jovem. A juventude fazia dele um oráculo a priori.
Essa lembrança nos remete diretamente a algo hoje plenamente instalado em nossa cultura que é a ideia de que jovens de 15 anos têm a capacidade de emitir opiniões críticas sobre temas complexos como amor, justiça, política, família, economia, ética e afins.
Jovens, pela própria condição (com algumas exceções), pouco entendem dessas coisas pelo simples fato de que não tiveram tempo de acumular experiências de vida.
Outra questão é a diminuição do número de filhos, logo, de jovens. Os pais, neuróticos e ansiosos, afogados no que o sociólogo Zygmunt Bauman (1925 - 2017) chamava de "medo líquido", vigiam esses infelizes todo o tempo. Atormentam os coitados, com demandas de "evolução" por parte desses mesmos infelizes. Vigiados o tempo todo, esses infelizes devem dar conta de tudo que a humanidade não deu até hoje: salvar o mundo, ser ético todo o tempo, ter afetos corretos e limpos, profissões sustentáveis ecologicamente, opiniões certas sobre temas incertos.
Tendo um ou dois filhos no máximo, esses pais inseguros e infantis (o amadurecimento é recurso escasso no mundo parque temático em que vivemos) concentram todas as suas taras e projeções narcísicas sobre os ombros desses infelizes.
As escolas em geral, por sua vez, cedem ao marketing escondendo a miséria contemporânea dos jovens.
Prometendo jovens cada vez melhores, fazem uma mistura grotesca de preparação para uma vida futura sem preconceitos, com a inteligência artificial como parceira, ao lado do ato de abraçar árvores como ética espiritual superior.
Arriscaria dizer que as escolas estão hoje entre as instituições mais perdidas na face da Terra. Não avançam um milímetro além da autoajuda e da pedagogia positiva (nome diferente para a miséria motivacional praticada em palestras no mundo corporativo).
O mundo "em rede" só piora a demanda de ser aceito. Se, antes, a ansiedade do reconhecimento e do afeto era uma "obrigação" que os ligava a um máximo de 30 pessoas a sua volta, hoje, com todos os "likes", esses jovens viram um poço de ansiedade por reconhecimento, relevância e afeto. Até a pizza que comem deve ser reconhecida como uma "pizza que vale no Instagram" ("instagramworthy").
Enfim: talvez a primeira coisa a ser feita é reconhecer que nunca existiram tantos jovens infelizes caminhando sobre a Terra. Engraçado: justamente quando o mundo se transformou num parque temático de "inteligência", riqueza, direitos, tolerância e esbanjando gente bacana.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O segredo de Portugal para avançar muito na Educação em pouco tempo

Nuno Crato, ministro da Educação de Portugal em 2011 a 2015, conta no EXAME Fórum como o país conseguiu melhorar a educação em plena crise


São Paulo – Qual foi o país que conseguiu fazer a taxa de abandono escolar despencar de 43,6% em 2000 para 13,7% em 2015 e superar a nota da Finlândia no Pisa em matemática?
Errou quem pensou nos países nórdicos ou asiáticos; estamos falando de Portugal.
A experiência foi discutida nesta segunda-feira (03) por Nuno Crato, ministro da Educação do país de 2011 a 2015, no EXAME Fórum em São Paulo.
Ele notou que os bons resultados não foram feitos subindo o investimento público ou ou diminuindo o tamanho das turmas.
O país também não esperou por um momento de estabilidade e crescimento econômico para melhorar, Portugal foi, afinal, um dos países mais afetados pela crise financeira de 2008 e que se agravou na zona do euro a partir de 2012.
Crato resumiu a fórmula portuguesa como “ensinar mais e avaliar melhor”, fazendo uma analogia com as duas únicas formas efetivas de perder peso: fazendo exercício e comendo menos.
O país implementou um currículo exigente, centrado nas disciplinas essenciais, com metas estruturadas e progressivas, além de comparação sistemática entre avaliações internas e externas.
Uma notável particularidade do caso português é que o aumento na média das notas não foi puxada apenas pelos que já estavam entre os melhores resultados; a base também subiu.
“Exigência e qualidade não são inimigas dos pobres”, disse Crato, negando a tese de que foco em resultados necessariamente acentua as diferenças nas capacidades.
Um dos segredos nessa área foi a rapidez de interferências ao primeiro sinal de dificuldades, com créditos às escolas para que pudessem fazer isso.
Mas Crato disse que se tivesse que escolher uma medida para efeito de médio e longo prazo, ele focaria na formação inicial dos professores na disciplina em que lecionam.
A lógica de pensamento é que se os alunos não estão aprendendo nem o básico, o maior problema não deve ser a formação contínua.
Outro foco foi dar aos jovens possibilidades de escolhas no ensino médio que não sejam estanques e contem com o apoio de empresas – que tem, afinal, um interesse na boa formação da juventude.
Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizado Industrial, já havia destacado no discurso de abertura que o sistema brasileiro “não estabelece uma lógica de profissionalização” e que há um enorme contingente de jovens “nem-nems”, que nem estudam nem trabalham.
André Lahoz Mendonça de Barros, diretor de redação de EXAME, citou o desastre do Museu Nacional e a disseminação de informações falsas na internet como outros dimensões do desafio da educação; um país que perde a memória e democracias que deixam de fazer suas escolhas com base em fatos.
“Quando a mentira está no centro do debate, bagunça bastante, e isso é um tema mundial”, disse André. “A verdade existe, e ela tem que ser buscada e tem que ser mostrada”.
Veja as entrevistas realizadas no evento:




‘O jovem da periferia está se sentindo irrelevante’, diz pedagoga

DAGMAR RIVIERI GARROUX, A TIA DAG.
DAGMAR RIVIERI GARROUX, A TIA DAG. FOTO: MICHAEL DOUGLAS SANTOS DE JESUS
Fundadora de ONG premiada alerta para consequências da queda nos gastos sociais
Sonia Racy
03 Setembro 2018 
A pedagoga de classe média Dagmar Rivieri Garroux ganhou o carinhoso apelido de Tia Dag das crianças que frequentam a Casa do Zezinho, ONG que ela criou em 1994 para atender à população de uma das áreas mais violentas de São Paulo – os bairros de Santo Antônio, Capão Redondo e Jardim Ângela. Ali, crianças, pais e até avós têm acesso a aulas de informática, línguas, música e esportes, além de atividades educacionais e profissionalizantes.
O trabalho de Tia Dag já foi reconhecido com dezenas de prêmios – a Rede Globo e o governo do Estado estão entre os que a laurearam – e depende de parcerias com empresas como Pfizer e Nissan. Por isso, é significativo que a pedagoga se queixe de redução nas parcerias que viabilizam sua ação social.
“Cada vez mais eu sinto que o jovem da periferia está se sentindo muito irrelevante. E isso é muito perigoso”, alertou em entrevista à repórter Paula Reverbel. A seguir, os principais trechos da entrevista.
É verdade que você dissuadiu uma criança de se prostituir falando sobre Brasília?
Eu sou a antipedagoga, né? Essa menina tinha 10 anos e estava se prostituindo. Fui perguntar: “Você tá fazendo programa?” “Tô.” “Quanto você ganha?” “Dez real.” Ela olhou pra minha cara e perguntou “Tia Dag, você nunca pensou em ser puta?” Outra pessoa poderia ter uma reação diferente, moral. Eu falei: “Olha, nunca pensei em ser – mas se eu fosse, ia ser puta em Brasília”. Ela perguntou por quê. “Ah, a conversa é outra, R$ 3.000 por mês entrando, um apartamento enorme. Mas tem que ter um corpo sarado, falar duas línguas, saber conversar. De repente aparece um conde italiano que te leva para fora. Se quiser ser ir pra Brasília, me procura. Aqui no Santo Antônio eu vejo você morta em dois anos.” Depois de três dias, ela me procurou porque queria ser puta em Brasília. O problema dela era a grana, os R$ 10. Conseguimos uma pessoa que começou a dar o dinheiro para que ela pudesse parar o que estava fazendo e estudar. Hoje ela é dentista.
Você lida todos os dias com crianças que querem deixar de estudar para trabalhar?
Sim. Muitos querem abandonar (o ensino) pra poder trabalhar na perua e ganhar algum dinheiro. Mas, com a nossa pedagogia, a gente consegue que eles produzam. Um curso de gastronomia vai ter ciências, geografia, história, matemática, português – tudo num lugar só. Se eles aprendem lá a fazer um brigadeiro, logo está todo mundo vendendo brigadeiro na Casa de Zezinho. Não vai ser brigadeiro? Então ele vai pra oficina de foto. “Pô, Tia Dag, agora eu tô fotografando casamento.” Entendeu? Viram empreendedores. Se você tem que viver com R$ 300, sem roubar, você é um grande empreendedor, não acha? Eles vão sendo aconselhados na questão financeira.
Como fazem para o aluno não ir embora?
A escola hoje precisa derrubar as paredes (entre disciplinas). Se não, o professor fica com aquela aula que ninguém aguenta. Para não ter esse imediatismo (de querer deixar a escola), eles precisam (começar a trabalhar ou empreender) rapidamente. O menino fica na Casa de Zezinho no mínimo dez anos. A educação sempre é de médio e longo prazo, não há milagre.
Como a redução de investimentos sociais afeta o terceiro setor?
A gente vem passando uma série de dificuldades. É interessante como vem caindo a ajuda no setor privado. No setor público você sempre consegue captação, mas isso vem se complicando desde 2016. Juntou com a crise, e o próprio governo deixou de fazer muitos investimentos sociais. Eu vi 100 ONGs lá no Capão Redondo fecharem. E alguns projetos públicos na área foram fechados. E o que é que acontece? Isso gera consequências pra sociedade.
Que tipo de consequências?
Eu estou falando lá do meu pedaço, mas você imagina as demais periferias como é que estão. Suponha que cada uma (das 100 fechadas) tenha em média 300 crianças e jovens. São 3.000 na rua. Fazendo o que, né? Vão para onde tem dinheiro. Há dez anos eu estava superfeliz, havia uma presença do Estado na periferia. Hoje não. Isso traz uma consequência – a violência que vem aumentando.
‘DE 2016 PARA CÁ, EU VI 100 ONGS NO CAPÃO REDONDO FECHAREM’
A redução foi muito drástica no setor privado?
Foi. O setor se recolheu, né? Nós da Casa do Zezinho perdemos muitas parcerias. E somos uma ONG reconhecida. Eu mesma, em 2016, tive que tirar (da ONG) 200 crianças, 200 jovens e 200 famílias – um total de 600. É uma escolha de Sofia, né? Quem é que fica? Entre os pobres, quem é o mais pobre? Mas de abril para cá estamos conseguindo retomar algumas daquelas parcerias.
A senhora já disse que a cada R$ 1 investido na área social, há R$ 6 de retorno à sociedade.
Se você investe no social, está investindo no ser humano. Que vai ter criatividade, senso crítico, reflexão, com um senso de empatia, com senso de visão e de expectativa para o mundo. A diferença social é abissal. Eu tenho gente lá vivendo com R$ 300 por mês. Tenta isso. Quer dizer, você está criando o quê? Alguém com muito ódio, com muita raiva. E cada vez mais eu sinto que o jovem da periferia está se sentindo muito irrelevante. E isso é muito perigoso, entendeu?
Alguns candidatos à Presidência falam em eliminar ideologia e doutrinação dos currículos. Como vê essa questão?
Eu vejo com tristeza. Uma escola sem liberdade, como é que é isso? A gente volta para o eu aconteceu em 1964, né? Vamos formar pessoas para o mercado de trabalho – e só pra isso. E não pessoas que pensam, que refletem, que têm carinho, que têm amor. A escola tem que ser livre para educar, ensinar. Os próprios estudantes do colegial não estão de acordo com essas mudanças que estão propostas aí para 2019, 2020. Eles vão fazer mais uma… lembra aquela movimentação, quando eles tomaram as escolas?
O movimento secundarista que ocorreu em 2015?
Isso. Daqui a pouco vai ter outro movimento desses.
Há candidatos que sempre relacionam a PEC do Teto às verbas da educação. Como vê o tema?
Eu acho terrível isso, porque já não tem (dinheiro). Já acontece que não tem. Você vê que as universidades federais e estaduais pararam de pesquisar, pararam de fazer curso de extensão. Por quê? Tem falta do quê? De grana, né? Aí congela, nós vamos fazer o quê? Eu sou totalmente contra isso. Na minha cabeça, vai levar um milênio para igualar as diferenças sociais. Agora, ao contrário, estão achatando cada vez mais as verbas. E para ter o quê? Que ensino é esse? Que qualidade é essa? As pessoas leem um texto e não entendem. As empresas também estão reclamando: a maioria (dos candidatos a emprego), mesmo os vindos da escola particular, não sabe português.
A falta de empatia é um problema que está aumentando ou diminuindo no Brasil?
A falta de empatia está aumentando. Você não quer ouvir o outro, nem conhecer o outro. Nem o Estado – o governo – e nem a sociedade. Tem jeito para mudar, mas só através de uma educação de qualidade, que fale o que o jovem está querendo ouvir, entendeu? Tornar optativas matérias que eles querem fazer – filosofia, arte, sociologia – por quê? Caramba, são justamente essas disciplinas que dão o pensamento crítico, que fazem o aluno pensar. Vamos voltar para o século XIX? Com isso, vamos criar todo mundo para trabalhar em fábrica, para o mercado da era industrial. Criar gente para mercado de trabalho que vai olhar para o colega ao lado como um cara que está querendo pegar a vaga dele.
Especialistas dizem que as gerações mais novas querem receber tudo de bandeja. Como são essas gerações em áreas de vulnerabilidade?
Vamos pensar no que acontece fora da periferia. No mundo todo, os pais não estão mais em casa. Não impõem limite, não ensinam a lidar com frustração. A culpa é desse jovem? Quando uma mãe ou um pai diz ao filho que “eu sou seu amigo”, acabou. Ele se colocou na mesma idade do filho com quem ele está falando. Não, você não é amigo, você é pai. Os pais sentem culpa porque não estão em casa, não estão junto. Eles dão videogame, dão carro, dão isso, dão aquilo. É muito diferente da periferia. O jovem de classe média ou de classe alta não sabe conviver com frustração de jeito nenhum. Porque está sempre sendo suprido. Isso é muito doido. São os pais que têm que ensinar os limites. Na periferia não tem esse imediatismo. O cara vai trabalhar porque não tem dinheiro. Existem algumas empresas americanas que (na hora de contratar) não estão nem perguntando se o cara fez universidade. Estão vendo se a pessoa tem criatividade, iniciativa, empatia. Se sabe conviver com o outro e se sabe conviver com frustração.
Conhecendo a periferia de perto, você é a favor ou contra a descriminalização e regulamentação das drogas?
Eu não posso por enquanto ser a favor de qualquer legalização, nem das drogas lícitas – que também tem aos montes –, em cima do que nós estamos vivendo. Porque o cara vai continuar usando droga da mesma forma. Você pega o álcool, é uma droga legalizada. Os remédios, as anfetaminas, as dopaminas… Tudo legalizado. E o que é que está acontecendo? Nós estamos destruindo uma juventude. Na favela, eles não são os grandes consumidores, eles morrem no meio da violência. O maior índice de morte é na periferia, entre jovens de 14 a 25 anos. Mas por mim eu não legalizo nada. O que tem é que conscientizar, essa é a diferença. (Precisa explicar) para o jovem de classe média que tem cinco mortes no cigarrinho de maconha dele. Quer dizer, cinco pessoas morreram até a maconha chegar nele. Não sou a favor de legalizar nada, sou a favor de educar, de ensinar, conscientizar.

domingo, 2 de setembro de 2018

Notícia velha

Imagem Renata Cafardo

COLUNISTA
Renata Cafardo
É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

Renata Cafardo*, O Estado de S. Paulo

A matéria-prima do jornalismo é a novidade. Costumamos dizer que quando o cachorro morde o homem não é notícia, mas se o homem morder o cachorro... Sites, jornais, tevês e rádios pareciam estar falando algo conhecido e repetitivo semana passada. Brasil não melhora na educação, ensino piora, estagnação, crescimento tímido e poucos exemplos de boas práticas. Foi que se viu e ouviu. De novo. Mas porque foi o que aconteceu. De novo.
A sensação de déjà vu existe tanto no ensino fundamental quanto no médio. Enquanto os mais novos melhoram timidamente, os jovens não avançam e até pioram. Um ritmo que vem desde 2005. 
Quando o sistema de avaliação foi implementado no Brasil e foram feitas as primeiras provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em meados dos anos 1990, houve quedas significativas nos resultados de todas as séries. As notas de 1999 e 2001 (o exame é feito de dois em dois anos) foram as piores já registradas em Português e Matemática no ensino fundamental e médio.
Foi a primeira vez que o Brasil teve notícia da real situação nas escolas públicas. A imprensa passou a dizer que alunos de 14 anos não sabiam ler receitas de bolo e os mais velhos não faziam contas básicas.
Naquela época, os especialistas justificaram a aprendizagem ruim com a grande inclusão de estudantes. Cerca de 25% das crianças mais pobres, no início dos anos 1990, estavam fora da escola, por exemplo. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso foi criado o Fundef, um fundo que reunia impostos de Estados e municípios e depois redistribuía o dinheiro conforme o número de alunos matriculados nas escolas de ensino fundamental. 
Mais tarde, durante o governo Lula se ampliou o Fundef para Fundeb, incluindo todo o ensino básico (infantil, fundamental e médio). O fato é que essa lógica, de quanto mais alunos mais dinheiro, fez com o País colocasse praticamente todas as crianças nas escolas – entre os adolescentes de 15 a 17 anos também houve inclusão, mas 15% ainda não estão estudando. 
Quando o crescimento se estabilizou, no meio dos anos 2000, as notas passaram a crescer de uma maneira mais expressiva no 5.º ano, um pouco mais tímidas no 9.º ano e com idas e vindas no ensino médio. 
Foi aí que especialistas se animaram e passaram a falar da “onda”. Acreditavam que quando essas crianças de 10 anos, com desempenho melhor, chegassem ao ensino médio, a nossa educação estaria salva. Todos os níveis teriam aprendizagem adequada. 
Mas a onda não chega nunca. E ano após ano noticiamos um mar calmo. Não há transformação, como assistimos em países como Estônia, Cingapura e Vietnã. Grande porcentagem de estudantes continua em níveis insuficientes de aprendizagem. Mesmo aqueles que melhoram não chegam nem perto do que é preciso para enfrentar os desafios desse século. 
O ensino médio, etapa mais crítica, está tão estacionado que até o fraco crescimento do 9.º ano está chegando perto. Segundo previsões do Ministério da Educação, em 2021, os meninos de 14 anos já saberão mais do que os de 17. 
Talvez muitos dos leitores e telespectadores que se depararam com as reportagens sobre o Saeb semana passada tenham pensado: eu já vi isso antes. A falência da educação brasileira soa como notícia velha. 
E o grande perigo disso é perdermos a capacidade de nos indignar, de nos assombrar. Assumirmos o fracasso de milhões de crianças e jovens como algo natural, como se não houvesse mudança possível. Virarmos a página, clicarmos na reportagem ao lado. Em ano de eleições, essa anestesia seria a pior doença.