terça-feira, 18 de junho de 2019

O Segredo de Atlas

O Segredo de Atlas





Sobre o autor: Adym

Há alguns anos amigos perguntam por que não escrevo um livro? 

A resposta sempre foi que não era escritor.

Chega um momento da vida, que perguntamos se não podemos fazer mais, ir além do horizonte que nos rodeia, alcançar pessoas que não conhecemos.

O Livro foi escrito com o coração, por isso é disponibilizado gratuitamente para os leitores, não é truque comercial ou algo do tipo, porque não sou escritor.


Click no link abaixo para ler ou download do livro


Neurologista lança livro sobre a depressão e a mente

Consultório CBN

Neurologista lança livro sobre a depressão e a mente

O médico Leandro Telles explica como funciona o sistema límbico do cérebro, a parte emocional que é afetada pela doença.


https://16583.mc.tritondigital.com/CONSULTORIO_CBN_P/media-session/fbf34265-e572-49fe-a646-f4b2842d71d9/audios/encodeds/3/2019/06/15/264185_20190615.mp3

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Brasil gasta dinheiro das crianças em consumo corrente, diz criador do Pisa

Países com alto desempenho em educação convenceram cidadãos a valorizar futuro, diz Andreas Schleicher

Andreas Schleicher, especialista em educação e criador do Pisa, em Paris
Andreas Schleicher, especialista em educação e criador do Pisa, em Paris - Bruno Coutier - nov.16/AFP

A primeira descoberta de Andreas Schleicher —criador do Pisa, teste internacional de aprendizagem – sobre educação de qualidade foi que, por trás de países com alto desempenho, havia governos que convenceram seus cidadãos a valorizar o futuro.
Esse não é o caso do Brasil, segundo o especialista, que visita o país nesta semana pela 16ª vez desde 1999.
“O Brasil está gastando o dinheiro de suas crianças em consumo corrente”, disse ele, que é diretor do departamento educacional da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) à Folha.
Schleicher participa nesta quinta-feira, no Rio de Janeiro, do lançamento do Pisa para Escolas, que será aplicado em 2019 e 2020 por meio de uma parceria entre a OCDE e a Fundação Cesgranrio. O objetivo desse exame é ir além do Pisa tradicional, oferecendo uma radiografia da aprendizagem por escola.
No ano passado, o sr. disse à Folha que os gastos do Brasil com educação são baixos e pouco eficientes. Quais são as lições dos países que conseguiram melhorar em termos de eficiência? Em nenhum lugar a qualidade do sistema educacional excede a qualidade dos seus professores. Então, sempre que um sistema educacional de alto desempenho tem de fazer uma escolha entre uma classe com menos alunos ou professores melhores, eles escolhem a segunda opção. Os melhores sistemas também selecionam e treinam suas equipes docentes com cuidado. E oferecem um ambiente no qual os professores trabalham juntos para traçar boas práticas. Eles também incentivam os professores a crescerem na carreira.  
No Brasil, há casos de municípios com excelentes resultados. Por que eles não se espalham pelo país? De forma geral, nós gastamos muito tempo empurrando novas ideias para dentro das salas de aula, e muito pouco tempo encontrando ideias dentro das salas de aula e as fazendo ganhar escala. Isso não significa copiar e colar soluções de outros lugares; significa olhar as boas práticas de dentro do nosso próprio sistema de forma séria e desapaixonada se informando sobre o que funciona e em quais contextos, e aplicar essas práticas de forma consciente.
Países como China e Vietnã são bastante bons nisso. Eles fazem seus professores, escolas e sistemas escolares olharem consistentemente para seu redor. 
Há muita variação entre o que se gasta por ano com os alunos brasileiros de um município para outro. Essa discrepância é um problema? Sim, é um grande problema no Brasil. Enquanto as escolas das regiões com mais recursos têm prédios equipados com laboratórios avançados de ciências, equipamentos sofisticados, teatros elaborados, piscinas olímpicas e laboratórios com computadores – sem mencionar professores formados nas disciplinas que lecionam nas melhores universidades –, as escolas que atendem os pobres estão normalmente abrigadas em prédios velhos, frequentemente desmoronando.
Entre esses extremos há muitas gradações de qualidade, refletindo os diferentes segmentos socioeconômicos da população. Em contraste com isso, os melhores sistemas educacionais do mundo garantem educação de qualidade a todo o sistema, de forma que cada aluno se beneficie de um ensino excelente. Para atingir isso, esses países atraem os melhores diretores para as escolas mais problemáticas e os professores mais talentosos para as salas de aula mais desafiadoras. Eles investem seus recursos onde eles mais podem fazer diferença e garantem que os melhores e mais brilhantes – e não os mais ricos – consigam os melhores lugares nas escolas.
O sr. disse à Folha no ano passado que os países que fizeram maior progresso educacional têm governos comprometidos com a melhora do sistema. O sr. percebe esse grau de comprometimento no Brasil? Realmente, a primeira coisa que aprendi é que os líderes dos melhores sistemas educacionais têm convencido seus cidadãos a valorizar o futuro. Os pais e avós chineses gastarão seus últimos recursos em seu futuro, na educação de suas crianças. O Brasil está gastando o dinheiro de suas crianças em consumo corrente. Além disso, muito dos escassos recursos vão para o ensino superior, e muito pouco na construção de bases para as crianças.
A distância entre o que o Brasil gasta com os alunos do ensino superior e do básico caiu bastante. Deveria cair mais? Essa é realmente uma pergunta que toda sociedade deve responder por si própria, mas a relação entre o gasto com universidades e com escola primária no Brasil é ainda muito maior do que na maioria dos países da OCDE. Na minha visão, o argumento do uso de dinheiro público para dar a todas as crianças um começo forte de vida é mais forte.
É possível fazer mudanças para melhorar a educação em meio a uma crise econômica e fiscal severa como a que o Brasil atravessa? É interessante que muitos países começaram as mudanças educacionais mais transformadoras durante grandes crises econômicas. Na verdade, a abundância de recursos pode ser um inibidor de mudanças. Os dados do Pisa mostram uma relação negativa forte entre o dinheiro que os países recebem de seus recursos naturais e o conhecimento e as habilidades de suas populações escolares. Muitos dos países com melhores desempenhos são pobres em recursos naturais. Uma interpretação é que nesses países – bons exemplos incluem Finlândia, Japão e Cingapura – os cidadãos entendem que seus países devem viver da sua inteligência e que isso depende da qualidade da educação oferecida.

sábado, 1 de junho de 2019

Uma em cada cinco meninas se casa antes de 18 anos no Brasil, aponta estudo




POR BRUNA RIBEIRO


O estudo Casamento na infância e adolescência: a educação das meninas e a legislação brasileira, publicado pelo Banco Mundial, revelou que uma em cada cinco meninas se casa antes de completar 18 anos no Brasil. A publicação foi divulgada em abril e apresentada na última sexta (24), no XXII Congresso Nacional da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ).
De acordo com o estudo, o casamento infantil é definido como uma união formal ou informal antes dos 18 anos de idade, de acordo com convenções e padrões internacionais.  Essa prática afeta principalmente as meninas e é amplamente considerada uma violação dos direitos humanos e uma forma de violência.
Ainda de acordo com o relatório, embora o casamento na infância e adolescência e a gravidez precoce, como uma das possíveis consequências do casamento infantil, sejam bem mais prevalentes em países de renda baixa e média baixa, também são observados nas economias desenvolvidas.
“Os dois acontecimentos representam vários riscos às trajetórias de vida das meninas, incluindo maiores riscos à saúde, maior fertilidade, escolaridade mais baixa, salários mais baixos na idade adulta, menor capacidade de tomar decisões em casa e maior risco de violência praticada pelo parceiro íntimo. Isso gera um alto custo pessoal para as meninas, seus filhos e suas famílias, além de altos custos agregados para os países”, diz o texto.
Casamento infantil no Brasil
Erradicar o casamento infantil é uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com o estudo, no Brasil, o avanço na redução dos casamentos na infância e adolescência tem sido muito limitado.
Em 2015, a prevalência de casamentos na infância e adolescência era de 19,7%, em comparação a 21,7% em 2000.
“Neste ritmo, apesar dos avanços mais expressivos em termos de escolaridade de meninas, o Brasil não conseguirá atingir a meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 5) de erradicar os casamentos prematuros até 2030”, mostra o estudo.
A idade núbil prevista na nossa legislação é de 16 anos, mas antes previa exceção para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. Em 13 de março deste ano, foi aprovada a Lei 13.811/2019, que altera o artigo 1.520 do Código Civil buscando impossibilitar, em qualquer caso, o casamento de menores de 16 anos.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Por que os jovens deixam a escola?


As principais razões dentro da escola incluem o absenteísmo, a repetência, a falta de interesse e a falta de orientação vocacional


As razões são conhecidas há muito tempo e não diferem das outras razões que explicam o sucesso e o fracasso escolar, incluem fatores intra e extraescolares, mas nem por isso deixam de ser profundamente graves. É um problema de toda a sociedade – não apenas do governo, das escolas ou das famílias envolvidas.
As principais razões dentro da escola incluem o absenteísmo, que não é levado a sério pelas famílias e pelas escolas; a repetência nos anos iniciais da escolaridade; e, nos anos finais, a falta de interesse no cardápio oferecido, a falta de opções para fazer algo que gosta dentro da escola e no ensino médio, a falta de orientação vocacional e, para os mais velhos, falta de voz e de consideração dentro da escola.
O absenteísmo crônico já na pré-escola é um forte preditor de futura deserção escolar. Isso provavelmente indica o pouco valor e baixa expectativa das famílias em relação à escola, mas também pode estar associado à falta de cuidados da escola. A repetência nos anos iniciais frequentemente está associada a repetências posteriores, o que faz com que o aluno se desanime ao longo do processo. Sobre esses dois pontos há evidências empíricas robustas.
A falta de interesse nos anos finais e no ensino médio foi observada em diversos estudos com jovens, e frequentemente está aliada com a falta de opções – os currículos são carregados de disciplinas e não oferecem espaço para o aluno escolher o que fazer em nenhum momento do dia escolar. Enquetes com alunos do ensino médio também mostram as queixas dos alunos sobre o fato de não serem ouvidos e de poderem opinar sobre os assuntos da escola, dos seus sonhos, dos seus compromissos e do mundo que querem transformar.
Sobre o item “falta de informação” não existem pesquisas, apenas vale constatar que praticamente inexiste no país um sistema organizado de orientação vocacional e os alunos que concluem o ensino fundamental – em sua esmagadora maioria – dirigem-se ao ensino médio acadêmico, para o qual não possuem preparo. O mercado de trabalho pune fortemente os mais de 1 milhão de alunos que não concluem esse nível de ensino – eles ganham menos do que ganhariam se tivesse parado no ensino fundamental, e muito menos do que ganhariam se tivessem feito o ensino médio técnico.
As principais razões situadas fora da escola estão associadas aos mesmos fatores que explicam o fracasso escolar em geral – origem socioeconômica dos alunos, nível de escolaridade da mãe e falta de envolvimento dos pais com o estudo dos filhos. A questão do trabalho também é razoavelmente conhecida: uma porcentagem relativamente baixa trabalha ou procura trabalho, o número dos que trabalham e estudam é pouco maior do que os que não trabalham e não estudam e quase sempre o trabalho não entra na composição da renda familiar. Ou seja; o trabalho ou a necessidade de ganhar para ajudar a família não constituem razão nem são o principal atrativo para parar de estudar. Por outro lado, as baixas taxas de retorno constituem um forte elemento para não concluir o ensino fundamental – a diferença é muito pequena entre quem conclui ou não o ensino fundamental. E, embora as taxas de retorno para o ensino médio, especialmente o ensino médio técnico, sejam um pouco mais atraentes, os elevados níveis de desemprego entre os colegas mais velhos e os familiares que vivem em condições socioeconômicas semelhantes desencorajam os alunos para permanecer na escola. Sem falar, claro, na falta de oferta de um ensino médio técnico abundante e adequado. Mais uma vez a economia e os fatores extraescolares falam mais forte do que os fatores intraescolares.
Esta é a regra. Sabemos menos sobre as exceções: os alunos que, em condições semelhantes, não se evadem. Por que uns saem e outros permanecem? E, também, não sabemos, mas podemos identificar as escolas e municípios que conseguem níveis invejáveis de conclusão dos estudos apesar desses fatores. Mesmo sem essas informações há muito que se possa fazer para reduzir a evasão, de dentro e de fora da escola.
Do lado de dentro da escola há muito que se possa fazer – assegurar a frequência escolar desde cedo e abolir a reprovação em massa. Alfabetizar os alunos no 1o ano e dar a todos o senso de que são capazes de aprender e avançar. Nas séries finais e no ensino médio algumas iniciativas que promovem o maior envolvimento dos alunos com a escola e com seu projeto de vida certamente podem contribuir para aumentar a permanência dos alunos na escola – como ilustra a metodologia adotada pelo ICE – Instituto de Corresponsabilidade Empresarial. Mas infelizmente a BNCC não abre espaço para dar opções aos alunos nem nas séries finais do ensino fundamental, e a lei e as diretrizes para o ensino médio não provocou a esperada explosão da oferta de ensino médio técnico – o que certamente demonstra a inadequação da legislação vigente e inclusive das regulações mais recentes.
Fora da escola há várias medidas que poderiam reduzir esses índices. As mais importantes – claro – referem-se à recuperação da economia e ao aumento da produtividade, o que fatalmente irá aumentar a taxa de retorno para os concluintes do ensino médio, especialmente o ensino médio técnico profissional. Ela também poderá levar a uma relativa desvalorização do salário mínimo – o que contribuiria para aumentar a atratividade da conclusão do ensino fundamental.
No nível municipal, onde as pessoas vivem, também há ações que poderiam contribuir para aumentar a permanência dos alunos na escola. Uma delas é o esforço concentrado junto às famílias de alto risco de evasão. A detecção precoce desses alunos e famílias ajudaria muito a desenvolver ações preventivas. Um outro são iniciativas como a do ex-senador Cristovam Buarque e que incluem incentivos financeiros para alunos em risco concluírem pelo menos o ensino médio.
Ou seja: a situação é grave, mas não é uma fatalidade. Há muito que cada um de nós, na sua esfera de atuação, pode fazer. Mas somente uma economia pujante e uma verdadeira reforma do ensino médio poderão tornar a escola interessante para a sociedade e para os jovens.

A pedagogia do cuidado

Ana Maria Diniz

BLOGS
Ana Maria Diniz
A educação que vale a pena

Para Bernardo Toro, não há opção: ou aprendemos a cuidar - de nós mesmos, dos outros e do planeta - ou vamos todos perecer




Qual o propósito da Educação? Para que ela serve hoje? Qual é o objetivo de se educar as gerações futuras? Sem essas respostas, podemos virar tudo do avesso – as escolas, os sistemas de ensino, as políticas públicas, as faculdades de Pedagogia –, mas vamos continuar a acumular fracassos, frustrações e não vamos conseguir preparar as pessoas para que sejam realizadas e capazes de se comprometer com a coletividade à sua volta.
Essa foi a principal provocação feita pelo professor Bernardo Toro, filósofo colombiano que esteve no Brasil semana passada a convite do Instituto Península. Para quem não o conhece, Toro é um gigante do pensamento contemporâneo, um homem brilhante, que enxerga a Educação em toda a sua complexidade e vai além do óbvio ao fazer as devidas conexões entre os problemas educacionais com questões impreteríveis da agenda global, como democracia, desigualdade e sustentabilidade, sempre sob o viés da filosofia.
Se Toro não tem as respostas para todas as perguntas que estão no começo desse texto, ele parece estar quase lá quando defende, com bastante consistência, que tudo passa pelo cuidar – cuidar de si mesmo, dos outros, das instituições e do planeta. Segundo ele, não vamos achar solução para os problemas que nos afligem, sejam eles educacionais, políticos ou ambientais, se não substituirmos o paradigma de dominação, poder e consumo por um paradigma de cuidado, empatia e respeito. Isso pressupõe um novo entendimento sobre praticamente tudo, inclusive sobre a Educação.
De tudo que ouvi e aprendi com Bernardo Toro, o que mais se evidenciou é que precisamos urgentemente, como sociedade, descobrir o que entendemos por Educação e para onde queremos que a nossa Educação nos leve. Precisamos de um projeto educacional focado não só na evolução e no êxito pessoal, mas também na consideração, no respeito e no cuidado com o próximo, com todos os brasileiros e com país.
Para isso, vamos ter que embaralhar todas as cartas e distribuí-las de novo e de um jeito totalmente diferente. Nesse sentido, Toro defende a transformação do sistema educacional em um projeto de nação em que a divisão entre ensino estatal e privado deixe de existir a fim de garantir a existência de um ensino que seja público de fato: gratuito, de qualidade e que atenda a todos sem distinção.
“O problema é que continuamos a acreditar que é bom ter dois sistemas educacionais, um para os nossos filhos e outro os filhos dos outros. Em vez de contribuir para diminuir a desigualdade social, esse modelo aprofunda as diferenças”, afirma. “Podemos aumentar os salários dos professores, investir em formação inicial ou continuada, em tecnologia. Mas nada disso vai adiantar para melhorar a Educação no Brasil se o desenho das políticas educacionais continuar o mesmo.” Talvez ele tenha razão.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Os robôs serão melhores do que os humanos





Hélio Gomes
Edição 24/05/2019 - nº 2578

Desde a morte de Stephen Hawking (1942-2018), o físico teórico norte-americano Michio Kaku, 72 anos, tornou-se uma das faces mais pop da ciência — seja na lista de best sellers do “The New York Times” ou em um documentário da BBC. Pertence, portanto, a uma linhagem que conecta Isaac Newton a Carl Sagan, passando por Albert Einstein e Neil deGrasse Tyson. No campo acadêmico, Kaku fez história ao ser um dos autores da Teoria das Cordas, uma ambiciosa tentativa de unificar a mecânica quântica e a Teoria da Relatividade. Hoje, atua como professor titular da City University of New York. Na entrevista a seguir, concedida a um seleto grupo internacional de jornalistas — presentes no evento SAS Global Forum, em Dallas (EUA) —, o cientista faz um resumo da sua visão a respeito do futuro da humanidade. E decreta: “No século 22, vamos acabar nos fundindo às máquinas. Seremos super-humanos.”

O senhor afirma que a aceitação ou não da revolução digital dividirá a humanidade entre vencedores e perdedores. Como lidar com os últimos?

As pessoas jamais serão inúteis. E a chave para transformá-las é a educação. O avanço dos robôs é iminente, e eles serão melhores que os humanos em algumas funções. Mas precisaremos de pessoas para montá-los, limpá-los, mantê-los. Afinal, a indústria robótica será maior que a automobilística, muitos empregos serão gerados por ela.

E como o senhor vê essa transformação numa escala global?

Na verdade, já sabemos quais serão as nações perdedoras e vencedoras do futuro. O primeiro grupo reúne aquelas que ficarem atreladas às suas commodities, como a comida. O preço dos alimentos vem caindo nos últimos 200 anos, mas os países que estão presos à agricultura ainda acreditam que a produção de comida garantirá a prosperidade eterna. As nações que não investem em educação, ciência e tecnologia serão pobres no futuro. Por outro lado, os governos que compreenderem as conexões entre a velha economia e o capital intelectual irão prosperar. E a tecnologia sempre pavimentará o caminho.

Como mudar a cabeça de governantes que não pensam assim?

Bem, vocês podem tirá-los do poder pelo voto (risos). A internet dissemina a democracia e a informação. Isso empodera as pessoas, que passam a pensar que é possível viver melhor. Sou positivo em relação ao futuro. Especialmente quando vejo países como a China, que já entendeu que não é possível fazer cópias baratas para sempre, e agora investe em seu capital intelectual. Precisamos criar indústrias para a era moderna, não para o mundo do passado.

Um dia as máquinas ganharão consciência e serão senhoras do universo?

Mark Zuckerberg (criador do Facebook) costuma dizer que a inteligência artificial cria empregos e traz prosperidade. Por sua vez, Elon Musk (fundador da Tesla e da SpaceX) afirma que não é bem assim. Para ele, estamos falando de nossos sucessores existenciais e, por isso, a inteligência artificial é potencialmente perigosa. Ambos têm razão — Zuckerberg no futuro próximo; Musk, daqui um século. 


Tive a chance de entrevistar o criador do Asimo e perguntei a ele qual a inteligência do robô doméstico desenvolvido pela Honda. Ele me disse que o Asimo pode ser comparado a uma barata!



Mas a evolução dos robôs não é inevitável?

Sim, um dia as máquinas serão tão sagazes quanto um rato, depois um coelho, e, consequentemente, um cão ou um gato. Até esse ponto, tudo bem. O problema começa quando os robôs alcançarem a inteligência dos macacos. A partir daí, provavelmente no final deste século, a coisa ficará perigosa. Macacos têm autoconsciência, eles sabem que não são humanos. Nesse momento, teremos de incluir um mecanismo capaz de travar os robôs caso eles tenham pensamentos homicidas. Olhando mais adiante, para o século 22, acredito que acabaremos nos fundindo às máquinas. Seremos super-humanos, superfortes, superbonitos, capazes de viver em Marte ou em qualquer lugar do universo.

E como serão os relacionamentos afetivos entre humanos e computadores?

Já estamos desenvolvendo robôs emocionais. No MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA), por exemplo, os pesquisadores estão quantificando as emoções humanas. E o interessante é que o nosso rosto é um ótimo instrumento para isso. Os cientistas criaram um boneco capaz de reproduzir todas as expressões humanas já catalogadas. Está tudo lá, ao toque de um botão: tristeza, felicidade… Tudo é manipulável. E o mais incrível é que o robô parece entender as emoções humanas! Mas o detalhe é que ele ainda não consegue fazer isso de verdade, trata-se apenas de um fantoche. E aí entra o avanço da inteligência artificial, já que os computadores ainda não compreendem os nossos sentimentos. Esses robôs emocionais serão usados primeiramente como animais de estimação, em asilos e hospitais, ajudando e fazendo companhia às pessoas mais solitárias.

Hoje, “conversar” com os assistentes virtuais dos smartphones pode ser enfadonho. Como a interação com as máquinas pode evoluir?

Sim, temos os chatbots (sistemas de inteligência artificial que “dialogam” com o usuário), mas eles têm um problema sério. A conversação humana requer não mais que uma centena de poucas palavras. Mesmo com um vocabulário limitado, é possível falar qualquer língua do planeta Terra. Mas o significado real por trás dessas palavras é muito complicado. Logo, conversar é fácil para os computadores. Mas contextualizar esse diálogo ainda é muito difícil para eles. Se você fizer a pergunta “a água é molhada?” a um robô, ele pode ficar bastante confuso. Senso comum é algo que os computadores não têm, é muito delicado. Parece que ainda não aprendemos a tirar o melhor dos aparelhos eletrônicos de uso diário…

Para onde todos esses gadgets e equipamentos estão nos levando?

Na verdade, eles nos ajudam a ter um retrato melhor do valor das coisas. Com um celular, você é capaz de saber se está fazendo um bom negócio ou até mesmo quanto uma empresa está lucrando com os produtos que você compra no dia a dia. Você não precisa mais “chutar” quanto o concorrente está cobrando por um artigo similar. Basta perguntar à internet. Com a análise de dados, é possível entender melhor quem você é e quais são as suas necessidades. Isso me faz crer que estamos prestes a alcançar o capitalismo perfeito, graças à popularização da tecnologia. O que o Uber fez? Ele eliminou o intermediário, ligando o motorista diretamente ao passageiro pelo celular.

O comércio tem evoluído muito com o investimento de empresas como a Amazon. Mas a inteligência artificial não vai superar a interação humana




Como o senhor enxerga o futuro do comércio?

O segmento tem evoluído muito com o investimento de empresas como a Amazon. Mas a inteligência artificial não vai superar a interação humana. Advogados robôs simplesmente não funcionam, eles seriam incapazes de interagir com um júri ou um juiz. As máquinas são completamente ignorantes a respeito de dilemas éticos, por exemplo. Os robôs poderão responder às perguntas mais simples numa loja, mas as questões importantes ainda serão feitas a um funcionário. O capital intelectual, da mente, será a coisa mais valorizada nos humanos do futuro. Os computadores não têm criatividade, nem são inovadores ou capazes de pensar estrategicamente.

A inteligência artificial será mais importante que os robôs?

Pode ser. No Japão, por exemplo, já existe um hotel totalmente automatizado. Você chega e é atendido por um recepcionista virtual, que despacha a bagagem automaticamente para o seu quarto. Por lá, também há restaurantes inteligentes, que demoram 1 minuto e 29 segundos para preparar o seu prato de noodles. Você senta à mesa, escolhe o que vai comer em um tablet e um chef digital prepara o prato. O interessante é que falamos de um serviço que atende às classes mais baixas da população, e não de uma eventual robotização da alta gastronomia — mais um exemplo de como o capital intelectual garantirá o trabalho dos humanos no futuro.

Como definir o conceito de humanidade depois que os robôs forem mais inteligentes do que nós?

Nós simplesmente teremos de conviver com eles — pelo menos, até o ponto em que as máquinas se tornarem perigosas. Elas serão benéficas à sociedade, realizando tarefas básicas muito mais rápido do que os humanos. Falo dos trabalhos perigosos, sujos e elementares. Essas serão as funções assumidas pelos robôs em primeiro lugar. Mas, daqui a mais ou menos um século, devemos começar a nos conectar intelectualmente com as máquinas. E aí teremos de criar “direitos civis” para os andróides. Os robôs terão de sentir algum tipo de dor, inclusive. Eles terão autoconsciência e saberão, por exemplo, que “morrerão” caso um humano ordene que eles saltem de um prédio. Novas leis serão criadas especialmente para os robôs.

O senhor é otimista em relação ao futuro da espécie?

Sim, sabe o porquê? Do ponto de vista histórico, considero uma década como a menor unidade de tempo mensurável. Quando olhamos para trás, é possível perceber o enorme progresso que atingimos nas últimas décadas. Nossos avós viveram em um mundo com a expectativa de morrer perto dos 40 anos de idade, essa era a média por volta do ano 1900. A vida era curta e cruel. Uma viagem em alta velocidade para o meu avô envolvia ficar atolado com uma carroça, em uma estrada de terra. A comunicação a distância não passava de um grito, era assim que nos comunicávamos antes da invenção do telefone. Então algo aconteceu, há mais ou menos uns 150 anos. A ciência surgiu, criando a revolução industrial, a revolução elétrica e a revolução tecnológica. Por isso sou um otimista.

Quais são os maiores obstáculos para a evolução da humanidade?

Há três problemas criados por nós mesmos: aquecimento global, armas biológicas e proliferação nuclear. Também enfrentamos os desastres naturais, já que a mãe natureza costuma destruir suas próprias criações. Quase 100% das formas de vida sempre são extintas. Os dinossauros não tinham um programa espacial, por isso eles não estão aqui hoje. A extinção é a regra. Então temos de conter nosso desejo pela autodestruição, e o único caminho para isso é a democracia. Hoje, ela depende da internet. Somente com informação as pessoas serão responsáveis por seus próprios destinos.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Investir em educação para a primeira infância é melhor 'estratégia anticrime', diz Nobel de Economia

James Heckman já era vencedor do Nobel de Economia quando começou a se dedicar ao assunto pelo qual passaria a ser realmente conhecido: a primeira infância (de 0 a 5 anos de idade), sua relação com a desigualdade social e o potencial que há nessa fase da vida para mudanças que possam tirar pessoas da pobreza.

James J. Heckman
James J. Heckman é professor emérito de economia da Universidade de Chicago, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2000 e especialista em economia do desenvolvimento humano


Em grande parte por causa de seus estudos, o assunto tem ganhado mais atenção nos últimos anos. Heckman concluiu que o investimento na primeira infância é uma estratégia eficaz para o crescimento econômico. Ele calcula que o o retorno financeiro para cada dólar gasto é dos mais altos.
Isso porque, na etapa entre o nascimento e os cinco anos de idade, o cérebro se desenvolve rapidamente e é mais maleável. Assim, é mais fácil incentivar habilidades cognitivas e de personalidade - atenção, motivação, autocontrole e sociabilidade - necessárias para o sucesso na escola, saúde, carreira e na vida.
No início dos anos 2000, Heckman começou a se debruçar sobre os dados do Perry Preschool Project, experimento social que mudou a vida de seus participantes. Ele funcionou assim: em 1962, na pequena cidade de Ypslanti, no Estado do Michigan, nos Estados Unidos, 123 alunos da mesma escola foram divididos aleatoriamente em dois grupos.

Um deles, com 58 crianças, recebeu uma educação pré-escolar de alta qualidade e o outro, com 65, não - este último é o grupo de controle. A proposta era testar se o acesso a uma boa educação infantil melhoraria a capacidade de crianças desfavorecidas de obter sucesso na escola e na vida.
"O consenso quando comecei a analisar os dados era de que o programa não tinha sido bem sucedido porque o QI dos participantes era igual ao de não participantes", lembra ele, anos depois, em conversa com a BBC News Brasil.
Heckman e colegas resolveram analisar os resultados do experimento por outro ângulo. "Nós olhamos não para o QI, mas para as habilidades sociais e emocionais que os participantes demonstraram em etapas seguintes da vida e vimos que o programa era, na verdade, muito mais bem sucedido do que as pessoas achavam. Constatamos que os participantes tinham mais probabilidade de estarem empregados e tinham muito menos chance de ter cometido crimes", diz o economista.
Sua análise do programa Perry chegou à conclusão de que houve um retorno sobre o investimento de 7 a 10% ao ano, com base no aumento da escolaridade e do desempenho profissional, além da redução dos custos com reforço escolar, saúde e gastos do sistema penal.
Mais de 50 anos depois do início desse programa, Heckman divulgou, neste mês de maio, nova pesquisa, feita com seu colega na Universidade de Chicago, Ganesh Karapakula, que confirma esses resultados e mostra que não apenas os participantes se beneficiaram do programa pioneiro, mas também seus filhos, estes mais escolarizados e bem empregados do que seus pares.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Como era o currículo do Perry e por que ele foi tão bem-sucedido?
James Heckman - Quando comecei a estudar isso, também pensava no projeto como um currículo, mas não é - nem o Perry era e nem outros programas de educação infantil de qualidade são. Não são exatamente salas de aula. São como uma família estendida. São grupos pequenos de crianças, recebendo muita atenção, orientação, muitos estímulos.
No caso do Perry, eles pegavam crianças de famílias muito pobres e levavam para a creche. Era como ser pais - ficavam muito tempo com a criança e davam uma mentoria a ela. Levavam as crianças ao zoológico, ao parque, brincavam com elas. Isso dava à criança a oportunidade de interagir com seus pares. Por isso, funcionou. O programa também tinha visitas semanais aos pais.
Os pais ficaram muito empolgados. A criança voltava para casa entusiasmada. E os pais acabavam estimulando a criança ainda mais. As lições desse programa também são transferíveis para programas de visita (às casas dos pais, nos quais um educador ensina os pais como estimular seus filhos pequenos), ainda que eles pareçam ser diferentes. Uma lição é como é importante a vida doméstica na formação.
Um programa que está sendo implementado na Jamaica, por exemplo, consiste de passar uma hora por semana com a mãe ensinando como ela pode interagir com as crianças - desafiá-la, engajá-la. O preço não é tão alto e o retorno é enorme.
BBC News Brasil - O que te chamou a atenção nos dados sobre ele?
Heckman - Muitas pessoas diziam que o programa era um fracasso porque o QI dos participantes era igual ao de não participantes. Esse foi o consenso no início. Nós olhamos para outras coisas - as habilidades sociais e emocionais que os participantes demonstraram em etapas seguintes da vida.
Eles desenvolvem habilidades executivas - de planejamento, de interação, de cumprimento de tarefas, seguir instruções. Olhamos para sua empregabilidade, participação no crime. E assim vimos que o programa tinha sido muito mais bem sucedido do que as pessoas achavam, porque eles só estavam avaliando por um ângulo restrito (o do QI).
Em todos os países onde esse assunto foi pesquisado conclui-se que desigualdade na primeira infância se mantém nas etapas posteriores. O ambiente nos primeiros anos é muito importante. Nessa fase você constrói uma base de habilidades que vão te servir para o futuro.
Crianças pequenas são muito maleáveis e mutáveis. Há uma flexibilidade nessa etapa que não se vê em outras. É uma questão de eficiência econômica.
BBC News Brasil - No entanto, em geral, mais atenção é dada à educação em etapas seguintes da vida. Por que é difícil mudar isso?
Heckman - Porque os pais de crianças desfavorecidas não sabem o que faz elas ficarem para trás. Na verdade, só é preciso estimulá-las. Há estudos que mostram que ler para as crianças já tem um impacto enorme no desenvolvimento delas.
Além disso, as pessoas não têm tempo. Não estou dizendo que as mães não devem trabalhar e passar o dia em casa com os filhos, mas esses anos iniciais precisam ser enriquecidos. Uma solução é pré-escola de qualidade.
BBC News Brasil - Acha que os governos têm dado mais atenção nas últimas décadas à primeira infância? Quais são os desafios nesse sentido?
Heckman - O desafio é mudar a forma de pensar. A forma errada é pensar que a educação formal é o caminho para a criação de habilidades e que o modelo de professor em pé na frente da turma lecionando para crianças é o jeito certo de gerar vidas bem sucedidas. Esse raciocínio é promovido inclusive por cursos superiores de educação e por pessoas bem intencionadas. Mas o que importa é pensar na família e na formação da criança.
BBC News Brasil - No caso do Perry, vocês concluem que os benefícios se estendem para a segunda geração. Como acontece essa transferência de uma para a outra?
Heckman - Os participantes são pessoas bem sucedidas. Eles têm estatisticamente uma chance muito menor de ter cometido crimes. Vemos que há muita correlação entre atividade criminal dos pais e dos filhos. Os pais do Perry reproduzem com os filhos o que aprenderam na infância.
BBC News Brasil - Suas pesquisas mostram que homens se beneficiam desses programas muito mais do que mulheres. Por que isso acontece?
Heckman - Meninos são mais sensíveis (às mudanças) e têm mais chance de entrar para o mundo do crime. As meninas também se beneficiam, mas o risco que elas correm é muito inferior aos meninos.
Há uma influência social que na prática separa meninos de meninas muito cedo. Mas também é verdade que meninas de três anos de famílias desajustadas têm maior chance de se engajar em atividades como leitura de livros e menos chance de estarem se metendo em encrencas. As pessoas não querem falar sobre isso, mas é verdade.
Os meninos se desenvolvem num ritmo diferente e as meninas parecem conseguir se estruturas mais facilmente do que meninos. As meninas são mais resilientes.
De modo geral, quando meninos são criados em famílias onde só há a mãe, sem figuras paternas, eles têm mais dificuldade de obter orientação na vida. O laço entre filhas e mães é diferente da mãe com o filho. A mãe ama o filho, mas é diferente.
BBC News Brasil - Qual é a relação entre bom desenvolvimento infantil e crimes?
Heckman - Esse é o principal resultado de todos esses programas de educação infantil. O maior retorno para cada dólar investido em todos eles é a redução de crimes e a criação de um ambiente encorajador para as crianças.
As pessoas ignoram isso, mas é importantíssimo. É por isso que esses programas são tão bem sucedidos para homens. É uma estratégia anticrime. Nem que fosse só por isso deveriam ser levados a sério como política pública.
BBC News Brasil - Se a pessoa não tiver a oportunidade de se desenvolver na primeira infância, é caso perdido?
Heckman - O desenvolvimento acontece em outras etapas da vida. No entanto, uma etapa leva a outra. A criança bem formada consegue aproveitar melhor aprendizados futuros. Mas não devemos desistir das pessoas depois de uma certa idade. Isso não é verdade.
BBC News Brasil - Alguns críticos dizem que os resultados do Perry têm de ser vistos com cuidado pois o programa foi implementado num contexto muito particular, o que torna temerário extrapolar seus resultados. O que acha disso?
Heckman - Se você fizer uma imitação e aplicar o Perry de 1960 para Porto Alegre em 2019 seria loucura. Há adaptações culturais que precisam ser feitas. Mas os mecanismos que descrevemos são replicáveis. Ensinar os pais a se engajar na vida da criança, isso dá resultado no resto da vida.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Estreitar campos de aprendizado piora a educação, diz especialista

Diretor de órgão que faz inspeção das escolas na Inglaterra defende ampla formação

Sean Harford, diretor geral do Ofsteas, órgão responsável pela fiscalização da educação na Inglaterra.
Sean Harford, diretor geral do Ofsteas, órgão responsável pela fiscalização da educação na Inglaterra. - Danilo Verpa/Folhapress

Ana Estela de Sousa PintoÉrica Fraga
SÃO PAULO
"O debate que ocorre no Brasil sobre tornar a educação mais prática, pautada em menos disciplinas e nas demandas futuras do mercado de trabalho é perigoso. Medidas nessa direção podem piorar a aprendizagem.
A opinião é de Sean Harford, diretor nacional do escritório de padrões da educação (Ofsted), órgão que faz a inspeção das escolas da Inglaterra.
"Se um país estreita os campos de aprendizado, os resultados nos exames podem até ser melhores, mas a educação, no sentido amplo, será prejudicada", diz Harford.
Ele discorda ainda do diagnóstico, cada vez mais comum, da importância de formar alunos pensando no futuro do mercado de trabalho.
"Há um motivo pelo qual o ensino não mudou tanto nos últimos séculos, e é porque ele basicamente funciona para a maioria das pessoas."
O foco do Ofsted é monitorar a qualidade da educação tanto com base em testes de aprendizagem quanto em critérios como o desempenho dos professores, a administração das escolas e o bem estar dos alunos.
O ensino básico na Inglaterra segue currículo nacional comum, que inclui de matemática, línguas e história a música, design, computação, cidadania, sexo e relacionamentos.
O Brasil também está em processo de implementação de diretrizes comuns. Mas, no caso do ensino médio, as mudanças em curso têm foco no enxugamento do número de disciplinas obrigatórias e na oferta de rotas de formação.
Também ocorre no país um debate sobre o financiamento de faculdades como Filosofia e Sociologia, na esteira de posições do governo Jair Bolsonaro sobre o baixo retorno econômico dessas áreas.
O Reino Unido foi o 23º colocado, entre 70 países, no último Pisa (exame que mede a aprendizagem em matemática, leitura e ciências). O Brasil ficou no 63º lugar.
Os resultados do Reino Unido no Pisa têm se mantido estáveis. Isso preocupa?
Ainda que o desempenho do Reino Unido seja estável, sei que a educação britânica melhorou. O que ocorre é que outros países também melhoraram.
O Pisa tem a vantagem de inspirar os países a focar em melhorar os resultados. O que não é produtivo é focar apenas resultados no próprio exame, que avalia um escopo limitado de assuntos.
Há uma discussão no Brasil sobre o valor de investir em disciplinas como sociologia e filosofia, vistas como áreas sem aplicação prática. O que sr. acha disso?
Acho perigoso. Principalmente em língua, você melhora a leitura e a escrita se tiver uma educação ampla em todas as áreas. Lendo muito sobre qualquer assunto você avança seu conhecimento e se torna um leitor melhor, com um texto melhor. Se um país estreita os campos de aprendizado, os resultados nos exames podem até ser melhores, mas a educação, no sentido amplo, será prejudicada. Garantir que as crianças gostem de ler romances, poesia, ciência, história melhora o domínio de todos esses assuntos. Dizemos que 'o conhecimento gruda', quanto mais se aprende, maior o potencial para aprender.
Como sabem que a educação melhorou na Inglaterra e o que fizeram para isso?
Temos uma série de resultados que vêm sendo obtidos ao longo do tempo, em inglês e matemática ao final do ensino fundamental e em um amplo leque de disciplinas ao final da escola secundária.
Tornamos os exames mais rigorosos e alteramos os currículos para alcançar bons resultados com dificuldades cada vez maiores.
Em relação às inspeções das escolas, também tornamos os critérios mais exigentes, mas a porcentagem de escolas que são avaliadas como boas ou ótimas também cresceu. Se comparamos com 30 anos atrás e olharmos para a educação que as crianças têm hoje, ela é atualmente muito mais ampla de forma sustentável. Antigamente dependia de quem era seu professor ou em que escola você estava. O currículo único nacional ajudou a criar essa nova padronização da qualidade.
O sistema inglês de avalia a qualidade dos professores e da gestão, o comportamento e a atitude de alunos. É possível avaliar apenas com resultado de provas?
Não. Por isso criamos o sistema de inspeção, além dos testes anuais. As escolas são inspecionadas a cada 3 ou 4 anos por inspetores que já foram professores e visitam pessoalmente cada instituição, para ver como os professores interagem com os alunos, como os alunos interagem entre si. Isso permite uma perspectiva diferente da dos resultados dos testes, os pais podem entender melhor como está a escola.
Qual o procedimento quando a escola é avaliada como "carente de melhorias" ou "inadequada" [os dois níveis mais baixos]?
As escolas que precisam de melhoria recebem um pouco mais de dinheiro e passam a receber a ajuda de gestores de escolas de excelência. Há 5 ou 6 metas que a escola deve perseguir a partir disso, e fazemos uma nova inspeção dali a dois anos.
No caso das inadequadas, se elas não são ainda academias [escolas independentes financiadas com recursos públicos], elas são fechadas, reabertas como nova escola, em geral com um novo diretor e uma nova equipe. Se ela já for uma academia, tem que cumprir outros requisitos e geralmente o diretor é trocado.
Diretores recebem bônus para trabalhar nas escolas mais desafiadoras?
Depende do tipo da escola. Se é uma academia administrada por um fundo, eles podem pagar mais para as equipes. Já nas outras, as faixas de salário são fixas e não há como oferecer um pagamento diferente.
No Brasil, os governos se queixam de que professores e sindicatos se opõem a avaliações e sistema de incentivos. Já os sindicatos e os professores reclamam de baixos salários. Como lidar com esse conflito?"Na Inglaterra os sindicatos também se opunham às avaliações. Ninguém gosta que alguém diga que seu trabalho não está bom. Há 30 anos, ninguém poderia ser removido de uma escola por não estar fazendo um bom trabalho. Havia escolas péssimas ano após ano. Nos anos 1980, houve uma grande mudança de legislação que reduziu o poder dos sindicatos.
Não foi preciso convencer os professores de que a avaliação era positiva, porque os sindicatos se enfraqueceram?
Nós nos encontramos com líderes dos professores e sindicatos com frequência. Discutimos questões, recebemos críticas, explicamos critérios. Eles podem até dizer que gostariam de influir mais, mas nossa inspeção é para os alunos e seus pais, nossa responsabilidade é olhar para a escolha do ponto de vista dos alunos.
No Brasil as taxas de repetência são muito altas. Como isso afeta a educação?
Na Inglaterra as crianças não repetem de ano. Paramos de segurar as crianças há muitas décadas. Dado que todos seguirão adiante, tentamos identificar as necessidades dos que estão tendo problemas e ajudá-los. Não temos nem sistema de testar ao final do ano, que permitiria verificar se a criança pode seguir adiante. Isso seria punir a criança.
O quão importante é o dinheiro para melhorar a educação?
Dinheiro é importante, e hoje na Inglaterra muitos diretores dizem que faltam recursos. Se não há dinheiro suficiente para ensinar as crianças, isso é grave. Mas, no caso das escolas mal avaliadas, não quer dizer que elas estejam fracassando por falta de verba. Quase sempre as raízes do problema estão na gestão. Às vezes são questões de segurança, treinamento, adoção de novos procedimentos para que professores melhorem a forma como ensinam.
O gasto por aluno em países como a Inglaterra é bem maior que o do Brasil. Isso é um problema?
É um problema para o Brasil. Não acho que exista um país no mundo que considere que gasta o suficiente em educação. A importância da decisão sobre quanto investir é que ela afeta o desempenho do país. Se as crianças forem educadas apropriadamente, haverá mais prosperidade, a arrecadação vai subir, haverá mais dinheiro para investir em educação. É um ciclo virtuoso. Mas claro que há um limite. Não quer dizer que é preciso sempre investir mais, mais e mais.
A discussão sobre mudanças futuras, como o impacto da tecnologia, influenciam o que vocês têm feito?
Nossas inspeções são mais baseadas no resultado dos alunos, mas não apenas notas nos exames. Olhamos bem-estar, se fazem trabalhos voluntários, atitudes, envolvimento com o estudo, desenvolvimento pessoal.
Mas acredita que o futuro exigirá habilidades diferentes e que as escolas deveriam fazer algo a respeito?
Não acredito nisso. Há um motivo pelo qual o ensino não mudou tanto nos últimos séculos, e é porque ele basicamente funciona para a maioria das pessoas. Isso não quer dizer que não seja possível fazer melhor. Mas, se não é possível prever as 'habilidades do século 21', como vamos ensiná-las? Por que vamos tentar adivinhar? Há um motivo pelo qual sabemos sobre a Grécia Antiga ou os maias. Considero muito mais importante para a raça humana se debruçar sobre o que veio antes que tentar adivinhar o que virá no futuro. Os palpites sobre o futuro são principalmente preocupados com aspectos econômicos. Queremos que as escolas transmitam uma herança cultural para as crianças, que a transmitirão para a geração seguinte. Não queremos apenas treiná-las para um emprego que nem sei qual será.