quinta-feira, 30 de maio de 2019

Por que os jovens deixam a escola?


As principais razões dentro da escola incluem o absenteísmo, a repetência, a falta de interesse e a falta de orientação vocacional


As razões são conhecidas há muito tempo e não diferem das outras razões que explicam o sucesso e o fracasso escolar, incluem fatores intra e extraescolares, mas nem por isso deixam de ser profundamente graves. É um problema de toda a sociedade – não apenas do governo, das escolas ou das famílias envolvidas.
As principais razões dentro da escola incluem o absenteísmo, que não é levado a sério pelas famílias e pelas escolas; a repetência nos anos iniciais da escolaridade; e, nos anos finais, a falta de interesse no cardápio oferecido, a falta de opções para fazer algo que gosta dentro da escola e no ensino médio, a falta de orientação vocacional e, para os mais velhos, falta de voz e de consideração dentro da escola.
O absenteísmo crônico já na pré-escola é um forte preditor de futura deserção escolar. Isso provavelmente indica o pouco valor e baixa expectativa das famílias em relação à escola, mas também pode estar associado à falta de cuidados da escola. A repetência nos anos iniciais frequentemente está associada a repetências posteriores, o que faz com que o aluno se desanime ao longo do processo. Sobre esses dois pontos há evidências empíricas robustas.
A falta de interesse nos anos finais e no ensino médio foi observada em diversos estudos com jovens, e frequentemente está aliada com a falta de opções – os currículos são carregados de disciplinas e não oferecem espaço para o aluno escolher o que fazer em nenhum momento do dia escolar. Enquetes com alunos do ensino médio também mostram as queixas dos alunos sobre o fato de não serem ouvidos e de poderem opinar sobre os assuntos da escola, dos seus sonhos, dos seus compromissos e do mundo que querem transformar.
Sobre o item “falta de informação” não existem pesquisas, apenas vale constatar que praticamente inexiste no país um sistema organizado de orientação vocacional e os alunos que concluem o ensino fundamental – em sua esmagadora maioria – dirigem-se ao ensino médio acadêmico, para o qual não possuem preparo. O mercado de trabalho pune fortemente os mais de 1 milhão de alunos que não concluem esse nível de ensino – eles ganham menos do que ganhariam se tivesse parado no ensino fundamental, e muito menos do que ganhariam se tivessem feito o ensino médio técnico.
As principais razões situadas fora da escola estão associadas aos mesmos fatores que explicam o fracasso escolar em geral – origem socioeconômica dos alunos, nível de escolaridade da mãe e falta de envolvimento dos pais com o estudo dos filhos. A questão do trabalho também é razoavelmente conhecida: uma porcentagem relativamente baixa trabalha ou procura trabalho, o número dos que trabalham e estudam é pouco maior do que os que não trabalham e não estudam e quase sempre o trabalho não entra na composição da renda familiar. Ou seja; o trabalho ou a necessidade de ganhar para ajudar a família não constituem razão nem são o principal atrativo para parar de estudar. Por outro lado, as baixas taxas de retorno constituem um forte elemento para não concluir o ensino fundamental – a diferença é muito pequena entre quem conclui ou não o ensino fundamental. E, embora as taxas de retorno para o ensino médio, especialmente o ensino médio técnico, sejam um pouco mais atraentes, os elevados níveis de desemprego entre os colegas mais velhos e os familiares que vivem em condições socioeconômicas semelhantes desencorajam os alunos para permanecer na escola. Sem falar, claro, na falta de oferta de um ensino médio técnico abundante e adequado. Mais uma vez a economia e os fatores extraescolares falam mais forte do que os fatores intraescolares.
Esta é a regra. Sabemos menos sobre as exceções: os alunos que, em condições semelhantes, não se evadem. Por que uns saem e outros permanecem? E, também, não sabemos, mas podemos identificar as escolas e municípios que conseguem níveis invejáveis de conclusão dos estudos apesar desses fatores. Mesmo sem essas informações há muito que se possa fazer para reduzir a evasão, de dentro e de fora da escola.
Do lado de dentro da escola há muito que se possa fazer – assegurar a frequência escolar desde cedo e abolir a reprovação em massa. Alfabetizar os alunos no 1o ano e dar a todos o senso de que são capazes de aprender e avançar. Nas séries finais e no ensino médio algumas iniciativas que promovem o maior envolvimento dos alunos com a escola e com seu projeto de vida certamente podem contribuir para aumentar a permanência dos alunos na escola – como ilustra a metodologia adotada pelo ICE – Instituto de Corresponsabilidade Empresarial. Mas infelizmente a BNCC não abre espaço para dar opções aos alunos nem nas séries finais do ensino fundamental, e a lei e as diretrizes para o ensino médio não provocou a esperada explosão da oferta de ensino médio técnico – o que certamente demonstra a inadequação da legislação vigente e inclusive das regulações mais recentes.
Fora da escola há várias medidas que poderiam reduzir esses índices. As mais importantes – claro – referem-se à recuperação da economia e ao aumento da produtividade, o que fatalmente irá aumentar a taxa de retorno para os concluintes do ensino médio, especialmente o ensino médio técnico profissional. Ela também poderá levar a uma relativa desvalorização do salário mínimo – o que contribuiria para aumentar a atratividade da conclusão do ensino fundamental.
No nível municipal, onde as pessoas vivem, também há ações que poderiam contribuir para aumentar a permanência dos alunos na escola. Uma delas é o esforço concentrado junto às famílias de alto risco de evasão. A detecção precoce desses alunos e famílias ajudaria muito a desenvolver ações preventivas. Um outro são iniciativas como a do ex-senador Cristovam Buarque e que incluem incentivos financeiros para alunos em risco concluírem pelo menos o ensino médio.
Ou seja: a situação é grave, mas não é uma fatalidade. Há muito que cada um de nós, na sua esfera de atuação, pode fazer. Mas somente uma economia pujante e uma verdadeira reforma do ensino médio poderão tornar a escola interessante para a sociedade e para os jovens.

A pedagogia do cuidado

Ana Maria Diniz

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Ana Maria Diniz
A educação que vale a pena

Para Bernardo Toro, não há opção: ou aprendemos a cuidar - de nós mesmos, dos outros e do planeta - ou vamos todos perecer




Qual o propósito da Educação? Para que ela serve hoje? Qual é o objetivo de se educar as gerações futuras? Sem essas respostas, podemos virar tudo do avesso – as escolas, os sistemas de ensino, as políticas públicas, as faculdades de Pedagogia –, mas vamos continuar a acumular fracassos, frustrações e não vamos conseguir preparar as pessoas para que sejam realizadas e capazes de se comprometer com a coletividade à sua volta.
Essa foi a principal provocação feita pelo professor Bernardo Toro, filósofo colombiano que esteve no Brasil semana passada a convite do Instituto Península. Para quem não o conhece, Toro é um gigante do pensamento contemporâneo, um homem brilhante, que enxerga a Educação em toda a sua complexidade e vai além do óbvio ao fazer as devidas conexões entre os problemas educacionais com questões impreteríveis da agenda global, como democracia, desigualdade e sustentabilidade, sempre sob o viés da filosofia.
Se Toro não tem as respostas para todas as perguntas que estão no começo desse texto, ele parece estar quase lá quando defende, com bastante consistência, que tudo passa pelo cuidar – cuidar de si mesmo, dos outros, das instituições e do planeta. Segundo ele, não vamos achar solução para os problemas que nos afligem, sejam eles educacionais, políticos ou ambientais, se não substituirmos o paradigma de dominação, poder e consumo por um paradigma de cuidado, empatia e respeito. Isso pressupõe um novo entendimento sobre praticamente tudo, inclusive sobre a Educação.
De tudo que ouvi e aprendi com Bernardo Toro, o que mais se evidenciou é que precisamos urgentemente, como sociedade, descobrir o que entendemos por Educação e para onde queremos que a nossa Educação nos leve. Precisamos de um projeto educacional focado não só na evolução e no êxito pessoal, mas também na consideração, no respeito e no cuidado com o próximo, com todos os brasileiros e com país.
Para isso, vamos ter que embaralhar todas as cartas e distribuí-las de novo e de um jeito totalmente diferente. Nesse sentido, Toro defende a transformação do sistema educacional em um projeto de nação em que a divisão entre ensino estatal e privado deixe de existir a fim de garantir a existência de um ensino que seja público de fato: gratuito, de qualidade e que atenda a todos sem distinção.
“O problema é que continuamos a acreditar que é bom ter dois sistemas educacionais, um para os nossos filhos e outro os filhos dos outros. Em vez de contribuir para diminuir a desigualdade social, esse modelo aprofunda as diferenças”, afirma. “Podemos aumentar os salários dos professores, investir em formação inicial ou continuada, em tecnologia. Mas nada disso vai adiantar para melhorar a Educação no Brasil se o desenho das políticas educacionais continuar o mesmo.” Talvez ele tenha razão.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Os robôs serão melhores do que os humanos





Hélio Gomes
Edição 24/05/2019 - nº 2578

Desde a morte de Stephen Hawking (1942-2018), o físico teórico norte-americano Michio Kaku, 72 anos, tornou-se uma das faces mais pop da ciência — seja na lista de best sellers do “The New York Times” ou em um documentário da BBC. Pertence, portanto, a uma linhagem que conecta Isaac Newton a Carl Sagan, passando por Albert Einstein e Neil deGrasse Tyson. No campo acadêmico, Kaku fez história ao ser um dos autores da Teoria das Cordas, uma ambiciosa tentativa de unificar a mecânica quântica e a Teoria da Relatividade. Hoje, atua como professor titular da City University of New York. Na entrevista a seguir, concedida a um seleto grupo internacional de jornalistas — presentes no evento SAS Global Forum, em Dallas (EUA) —, o cientista faz um resumo da sua visão a respeito do futuro da humanidade. E decreta: “No século 22, vamos acabar nos fundindo às máquinas. Seremos super-humanos.”

O senhor afirma que a aceitação ou não da revolução digital dividirá a humanidade entre vencedores e perdedores. Como lidar com os últimos?

As pessoas jamais serão inúteis. E a chave para transformá-las é a educação. O avanço dos robôs é iminente, e eles serão melhores que os humanos em algumas funções. Mas precisaremos de pessoas para montá-los, limpá-los, mantê-los. Afinal, a indústria robótica será maior que a automobilística, muitos empregos serão gerados por ela.

E como o senhor vê essa transformação numa escala global?

Na verdade, já sabemos quais serão as nações perdedoras e vencedoras do futuro. O primeiro grupo reúne aquelas que ficarem atreladas às suas commodities, como a comida. O preço dos alimentos vem caindo nos últimos 200 anos, mas os países que estão presos à agricultura ainda acreditam que a produção de comida garantirá a prosperidade eterna. As nações que não investem em educação, ciência e tecnologia serão pobres no futuro. Por outro lado, os governos que compreenderem as conexões entre a velha economia e o capital intelectual irão prosperar. E a tecnologia sempre pavimentará o caminho.

Como mudar a cabeça de governantes que não pensam assim?

Bem, vocês podem tirá-los do poder pelo voto (risos). A internet dissemina a democracia e a informação. Isso empodera as pessoas, que passam a pensar que é possível viver melhor. Sou positivo em relação ao futuro. Especialmente quando vejo países como a China, que já entendeu que não é possível fazer cópias baratas para sempre, e agora investe em seu capital intelectual. Precisamos criar indústrias para a era moderna, não para o mundo do passado.

Um dia as máquinas ganharão consciência e serão senhoras do universo?

Mark Zuckerberg (criador do Facebook) costuma dizer que a inteligência artificial cria empregos e traz prosperidade. Por sua vez, Elon Musk (fundador da Tesla e da SpaceX) afirma que não é bem assim. Para ele, estamos falando de nossos sucessores existenciais e, por isso, a inteligência artificial é potencialmente perigosa. Ambos têm razão — Zuckerberg no futuro próximo; Musk, daqui um século. 


Tive a chance de entrevistar o criador do Asimo e perguntei a ele qual a inteligência do robô doméstico desenvolvido pela Honda. Ele me disse que o Asimo pode ser comparado a uma barata!



Mas a evolução dos robôs não é inevitável?

Sim, um dia as máquinas serão tão sagazes quanto um rato, depois um coelho, e, consequentemente, um cão ou um gato. Até esse ponto, tudo bem. O problema começa quando os robôs alcançarem a inteligência dos macacos. A partir daí, provavelmente no final deste século, a coisa ficará perigosa. Macacos têm autoconsciência, eles sabem que não são humanos. Nesse momento, teremos de incluir um mecanismo capaz de travar os robôs caso eles tenham pensamentos homicidas. Olhando mais adiante, para o século 22, acredito que acabaremos nos fundindo às máquinas. Seremos super-humanos, superfortes, superbonitos, capazes de viver em Marte ou em qualquer lugar do universo.

E como serão os relacionamentos afetivos entre humanos e computadores?

Já estamos desenvolvendo robôs emocionais. No MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA), por exemplo, os pesquisadores estão quantificando as emoções humanas. E o interessante é que o nosso rosto é um ótimo instrumento para isso. Os cientistas criaram um boneco capaz de reproduzir todas as expressões humanas já catalogadas. Está tudo lá, ao toque de um botão: tristeza, felicidade… Tudo é manipulável. E o mais incrível é que o robô parece entender as emoções humanas! Mas o detalhe é que ele ainda não consegue fazer isso de verdade, trata-se apenas de um fantoche. E aí entra o avanço da inteligência artificial, já que os computadores ainda não compreendem os nossos sentimentos. Esses robôs emocionais serão usados primeiramente como animais de estimação, em asilos e hospitais, ajudando e fazendo companhia às pessoas mais solitárias.

Hoje, “conversar” com os assistentes virtuais dos smartphones pode ser enfadonho. Como a interação com as máquinas pode evoluir?

Sim, temos os chatbots (sistemas de inteligência artificial que “dialogam” com o usuário), mas eles têm um problema sério. A conversação humana requer não mais que uma centena de poucas palavras. Mesmo com um vocabulário limitado, é possível falar qualquer língua do planeta Terra. Mas o significado real por trás dessas palavras é muito complicado. Logo, conversar é fácil para os computadores. Mas contextualizar esse diálogo ainda é muito difícil para eles. Se você fizer a pergunta “a água é molhada?” a um robô, ele pode ficar bastante confuso. Senso comum é algo que os computadores não têm, é muito delicado. Parece que ainda não aprendemos a tirar o melhor dos aparelhos eletrônicos de uso diário…

Para onde todos esses gadgets e equipamentos estão nos levando?

Na verdade, eles nos ajudam a ter um retrato melhor do valor das coisas. Com um celular, você é capaz de saber se está fazendo um bom negócio ou até mesmo quanto uma empresa está lucrando com os produtos que você compra no dia a dia. Você não precisa mais “chutar” quanto o concorrente está cobrando por um artigo similar. Basta perguntar à internet. Com a análise de dados, é possível entender melhor quem você é e quais são as suas necessidades. Isso me faz crer que estamos prestes a alcançar o capitalismo perfeito, graças à popularização da tecnologia. O que o Uber fez? Ele eliminou o intermediário, ligando o motorista diretamente ao passageiro pelo celular.

O comércio tem evoluído muito com o investimento de empresas como a Amazon. Mas a inteligência artificial não vai superar a interação humana




Como o senhor enxerga o futuro do comércio?

O segmento tem evoluído muito com o investimento de empresas como a Amazon. Mas a inteligência artificial não vai superar a interação humana. Advogados robôs simplesmente não funcionam, eles seriam incapazes de interagir com um júri ou um juiz. As máquinas são completamente ignorantes a respeito de dilemas éticos, por exemplo. Os robôs poderão responder às perguntas mais simples numa loja, mas as questões importantes ainda serão feitas a um funcionário. O capital intelectual, da mente, será a coisa mais valorizada nos humanos do futuro. Os computadores não têm criatividade, nem são inovadores ou capazes de pensar estrategicamente.

A inteligência artificial será mais importante que os robôs?

Pode ser. No Japão, por exemplo, já existe um hotel totalmente automatizado. Você chega e é atendido por um recepcionista virtual, que despacha a bagagem automaticamente para o seu quarto. Por lá, também há restaurantes inteligentes, que demoram 1 minuto e 29 segundos para preparar o seu prato de noodles. Você senta à mesa, escolhe o que vai comer em um tablet e um chef digital prepara o prato. O interessante é que falamos de um serviço que atende às classes mais baixas da população, e não de uma eventual robotização da alta gastronomia — mais um exemplo de como o capital intelectual garantirá o trabalho dos humanos no futuro.

Como definir o conceito de humanidade depois que os robôs forem mais inteligentes do que nós?

Nós simplesmente teremos de conviver com eles — pelo menos, até o ponto em que as máquinas se tornarem perigosas. Elas serão benéficas à sociedade, realizando tarefas básicas muito mais rápido do que os humanos. Falo dos trabalhos perigosos, sujos e elementares. Essas serão as funções assumidas pelos robôs em primeiro lugar. Mas, daqui a mais ou menos um século, devemos começar a nos conectar intelectualmente com as máquinas. E aí teremos de criar “direitos civis” para os andróides. Os robôs terão de sentir algum tipo de dor, inclusive. Eles terão autoconsciência e saberão, por exemplo, que “morrerão” caso um humano ordene que eles saltem de um prédio. Novas leis serão criadas especialmente para os robôs.

O senhor é otimista em relação ao futuro da espécie?

Sim, sabe o porquê? Do ponto de vista histórico, considero uma década como a menor unidade de tempo mensurável. Quando olhamos para trás, é possível perceber o enorme progresso que atingimos nas últimas décadas. Nossos avós viveram em um mundo com a expectativa de morrer perto dos 40 anos de idade, essa era a média por volta do ano 1900. A vida era curta e cruel. Uma viagem em alta velocidade para o meu avô envolvia ficar atolado com uma carroça, em uma estrada de terra. A comunicação a distância não passava de um grito, era assim que nos comunicávamos antes da invenção do telefone. Então algo aconteceu, há mais ou menos uns 150 anos. A ciência surgiu, criando a revolução industrial, a revolução elétrica e a revolução tecnológica. Por isso sou um otimista.

Quais são os maiores obstáculos para a evolução da humanidade?

Há três problemas criados por nós mesmos: aquecimento global, armas biológicas e proliferação nuclear. Também enfrentamos os desastres naturais, já que a mãe natureza costuma destruir suas próprias criações. Quase 100% das formas de vida sempre são extintas. Os dinossauros não tinham um programa espacial, por isso eles não estão aqui hoje. A extinção é a regra. Então temos de conter nosso desejo pela autodestruição, e o único caminho para isso é a democracia. Hoje, ela depende da internet. Somente com informação as pessoas serão responsáveis por seus próprios destinos.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Investir em educação para a primeira infância é melhor 'estratégia anticrime', diz Nobel de Economia

James Heckman já era vencedor do Nobel de Economia quando começou a se dedicar ao assunto pelo qual passaria a ser realmente conhecido: a primeira infância (de 0 a 5 anos de idade), sua relação com a desigualdade social e o potencial que há nessa fase da vida para mudanças que possam tirar pessoas da pobreza.

James J. Heckman
James J. Heckman é professor emérito de economia da Universidade de Chicago, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2000 e especialista em economia do desenvolvimento humano


Em grande parte por causa de seus estudos, o assunto tem ganhado mais atenção nos últimos anos. Heckman concluiu que o investimento na primeira infância é uma estratégia eficaz para o crescimento econômico. Ele calcula que o o retorno financeiro para cada dólar gasto é dos mais altos.
Isso porque, na etapa entre o nascimento e os cinco anos de idade, o cérebro se desenvolve rapidamente e é mais maleável. Assim, é mais fácil incentivar habilidades cognitivas e de personalidade - atenção, motivação, autocontrole e sociabilidade - necessárias para o sucesso na escola, saúde, carreira e na vida.
No início dos anos 2000, Heckman começou a se debruçar sobre os dados do Perry Preschool Project, experimento social que mudou a vida de seus participantes. Ele funcionou assim: em 1962, na pequena cidade de Ypslanti, no Estado do Michigan, nos Estados Unidos, 123 alunos da mesma escola foram divididos aleatoriamente em dois grupos.

Um deles, com 58 crianças, recebeu uma educação pré-escolar de alta qualidade e o outro, com 65, não - este último é o grupo de controle. A proposta era testar se o acesso a uma boa educação infantil melhoraria a capacidade de crianças desfavorecidas de obter sucesso na escola e na vida.
"O consenso quando comecei a analisar os dados era de que o programa não tinha sido bem sucedido porque o QI dos participantes era igual ao de não participantes", lembra ele, anos depois, em conversa com a BBC News Brasil.
Heckman e colegas resolveram analisar os resultados do experimento por outro ângulo. "Nós olhamos não para o QI, mas para as habilidades sociais e emocionais que os participantes demonstraram em etapas seguintes da vida e vimos que o programa era, na verdade, muito mais bem sucedido do que as pessoas achavam. Constatamos que os participantes tinham mais probabilidade de estarem empregados e tinham muito menos chance de ter cometido crimes", diz o economista.
Sua análise do programa Perry chegou à conclusão de que houve um retorno sobre o investimento de 7 a 10% ao ano, com base no aumento da escolaridade e do desempenho profissional, além da redução dos custos com reforço escolar, saúde e gastos do sistema penal.
Mais de 50 anos depois do início desse programa, Heckman divulgou, neste mês de maio, nova pesquisa, feita com seu colega na Universidade de Chicago, Ganesh Karapakula, que confirma esses resultados e mostra que não apenas os participantes se beneficiaram do programa pioneiro, mas também seus filhos, estes mais escolarizados e bem empregados do que seus pares.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Como era o currículo do Perry e por que ele foi tão bem-sucedido?
James Heckman - Quando comecei a estudar isso, também pensava no projeto como um currículo, mas não é - nem o Perry era e nem outros programas de educação infantil de qualidade são. Não são exatamente salas de aula. São como uma família estendida. São grupos pequenos de crianças, recebendo muita atenção, orientação, muitos estímulos.
No caso do Perry, eles pegavam crianças de famílias muito pobres e levavam para a creche. Era como ser pais - ficavam muito tempo com a criança e davam uma mentoria a ela. Levavam as crianças ao zoológico, ao parque, brincavam com elas. Isso dava à criança a oportunidade de interagir com seus pares. Por isso, funcionou. O programa também tinha visitas semanais aos pais.
Os pais ficaram muito empolgados. A criança voltava para casa entusiasmada. E os pais acabavam estimulando a criança ainda mais. As lições desse programa também são transferíveis para programas de visita (às casas dos pais, nos quais um educador ensina os pais como estimular seus filhos pequenos), ainda que eles pareçam ser diferentes. Uma lição é como é importante a vida doméstica na formação.
Um programa que está sendo implementado na Jamaica, por exemplo, consiste de passar uma hora por semana com a mãe ensinando como ela pode interagir com as crianças - desafiá-la, engajá-la. O preço não é tão alto e o retorno é enorme.
BBC News Brasil - O que te chamou a atenção nos dados sobre ele?
Heckman - Muitas pessoas diziam que o programa era um fracasso porque o QI dos participantes era igual ao de não participantes. Esse foi o consenso no início. Nós olhamos para outras coisas - as habilidades sociais e emocionais que os participantes demonstraram em etapas seguintes da vida.
Eles desenvolvem habilidades executivas - de planejamento, de interação, de cumprimento de tarefas, seguir instruções. Olhamos para sua empregabilidade, participação no crime. E assim vimos que o programa tinha sido muito mais bem sucedido do que as pessoas achavam, porque eles só estavam avaliando por um ângulo restrito (o do QI).
Em todos os países onde esse assunto foi pesquisado conclui-se que desigualdade na primeira infância se mantém nas etapas posteriores. O ambiente nos primeiros anos é muito importante. Nessa fase você constrói uma base de habilidades que vão te servir para o futuro.
Crianças pequenas são muito maleáveis e mutáveis. Há uma flexibilidade nessa etapa que não se vê em outras. É uma questão de eficiência econômica.
BBC News Brasil - No entanto, em geral, mais atenção é dada à educação em etapas seguintes da vida. Por que é difícil mudar isso?
Heckman - Porque os pais de crianças desfavorecidas não sabem o que faz elas ficarem para trás. Na verdade, só é preciso estimulá-las. Há estudos que mostram que ler para as crianças já tem um impacto enorme no desenvolvimento delas.
Além disso, as pessoas não têm tempo. Não estou dizendo que as mães não devem trabalhar e passar o dia em casa com os filhos, mas esses anos iniciais precisam ser enriquecidos. Uma solução é pré-escola de qualidade.
BBC News Brasil - Acha que os governos têm dado mais atenção nas últimas décadas à primeira infância? Quais são os desafios nesse sentido?
Heckman - O desafio é mudar a forma de pensar. A forma errada é pensar que a educação formal é o caminho para a criação de habilidades e que o modelo de professor em pé na frente da turma lecionando para crianças é o jeito certo de gerar vidas bem sucedidas. Esse raciocínio é promovido inclusive por cursos superiores de educação e por pessoas bem intencionadas. Mas o que importa é pensar na família e na formação da criança.
BBC News Brasil - No caso do Perry, vocês concluem que os benefícios se estendem para a segunda geração. Como acontece essa transferência de uma para a outra?
Heckman - Os participantes são pessoas bem sucedidas. Eles têm estatisticamente uma chance muito menor de ter cometido crimes. Vemos que há muita correlação entre atividade criminal dos pais e dos filhos. Os pais do Perry reproduzem com os filhos o que aprenderam na infância.
BBC News Brasil - Suas pesquisas mostram que homens se beneficiam desses programas muito mais do que mulheres. Por que isso acontece?
Heckman - Meninos são mais sensíveis (às mudanças) e têm mais chance de entrar para o mundo do crime. As meninas também se beneficiam, mas o risco que elas correm é muito inferior aos meninos.
Há uma influência social que na prática separa meninos de meninas muito cedo. Mas também é verdade que meninas de três anos de famílias desajustadas têm maior chance de se engajar em atividades como leitura de livros e menos chance de estarem se metendo em encrencas. As pessoas não querem falar sobre isso, mas é verdade.
Os meninos se desenvolvem num ritmo diferente e as meninas parecem conseguir se estruturas mais facilmente do que meninos. As meninas são mais resilientes.
De modo geral, quando meninos são criados em famílias onde só há a mãe, sem figuras paternas, eles têm mais dificuldade de obter orientação na vida. O laço entre filhas e mães é diferente da mãe com o filho. A mãe ama o filho, mas é diferente.
BBC News Brasil - Qual é a relação entre bom desenvolvimento infantil e crimes?
Heckman - Esse é o principal resultado de todos esses programas de educação infantil. O maior retorno para cada dólar investido em todos eles é a redução de crimes e a criação de um ambiente encorajador para as crianças.
As pessoas ignoram isso, mas é importantíssimo. É por isso que esses programas são tão bem sucedidos para homens. É uma estratégia anticrime. Nem que fosse só por isso deveriam ser levados a sério como política pública.
BBC News Brasil - Se a pessoa não tiver a oportunidade de se desenvolver na primeira infância, é caso perdido?
Heckman - O desenvolvimento acontece em outras etapas da vida. No entanto, uma etapa leva a outra. A criança bem formada consegue aproveitar melhor aprendizados futuros. Mas não devemos desistir das pessoas depois de uma certa idade. Isso não é verdade.
BBC News Brasil - Alguns críticos dizem que os resultados do Perry têm de ser vistos com cuidado pois o programa foi implementado num contexto muito particular, o que torna temerário extrapolar seus resultados. O que acha disso?
Heckman - Se você fizer uma imitação e aplicar o Perry de 1960 para Porto Alegre em 2019 seria loucura. Há adaptações culturais que precisam ser feitas. Mas os mecanismos que descrevemos são replicáveis. Ensinar os pais a se engajar na vida da criança, isso dá resultado no resto da vida.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Estreitar campos de aprendizado piora a educação, diz especialista

Diretor de órgão que faz inspeção das escolas na Inglaterra defende ampla formação

Sean Harford, diretor geral do Ofsteas, órgão responsável pela fiscalização da educação na Inglaterra.
Sean Harford, diretor geral do Ofsteas, órgão responsável pela fiscalização da educação na Inglaterra. - Danilo Verpa/Folhapress

Ana Estela de Sousa PintoÉrica Fraga
SÃO PAULO
"O debate que ocorre no Brasil sobre tornar a educação mais prática, pautada em menos disciplinas e nas demandas futuras do mercado de trabalho é perigoso. Medidas nessa direção podem piorar a aprendizagem.
A opinião é de Sean Harford, diretor nacional do escritório de padrões da educação (Ofsted), órgão que faz a inspeção das escolas da Inglaterra.
"Se um país estreita os campos de aprendizado, os resultados nos exames podem até ser melhores, mas a educação, no sentido amplo, será prejudicada", diz Harford.
Ele discorda ainda do diagnóstico, cada vez mais comum, da importância de formar alunos pensando no futuro do mercado de trabalho.
"Há um motivo pelo qual o ensino não mudou tanto nos últimos séculos, e é porque ele basicamente funciona para a maioria das pessoas."
O foco do Ofsted é monitorar a qualidade da educação tanto com base em testes de aprendizagem quanto em critérios como o desempenho dos professores, a administração das escolas e o bem estar dos alunos.
O ensino básico na Inglaterra segue currículo nacional comum, que inclui de matemática, línguas e história a música, design, computação, cidadania, sexo e relacionamentos.
O Brasil também está em processo de implementação de diretrizes comuns. Mas, no caso do ensino médio, as mudanças em curso têm foco no enxugamento do número de disciplinas obrigatórias e na oferta de rotas de formação.
Também ocorre no país um debate sobre o financiamento de faculdades como Filosofia e Sociologia, na esteira de posições do governo Jair Bolsonaro sobre o baixo retorno econômico dessas áreas.
O Reino Unido foi o 23º colocado, entre 70 países, no último Pisa (exame que mede a aprendizagem em matemática, leitura e ciências). O Brasil ficou no 63º lugar.
Os resultados do Reino Unido no Pisa têm se mantido estáveis. Isso preocupa?
Ainda que o desempenho do Reino Unido seja estável, sei que a educação britânica melhorou. O que ocorre é que outros países também melhoraram.
O Pisa tem a vantagem de inspirar os países a focar em melhorar os resultados. O que não é produtivo é focar apenas resultados no próprio exame, que avalia um escopo limitado de assuntos.
Há uma discussão no Brasil sobre o valor de investir em disciplinas como sociologia e filosofia, vistas como áreas sem aplicação prática. O que sr. acha disso?
Acho perigoso. Principalmente em língua, você melhora a leitura e a escrita se tiver uma educação ampla em todas as áreas. Lendo muito sobre qualquer assunto você avança seu conhecimento e se torna um leitor melhor, com um texto melhor. Se um país estreita os campos de aprendizado, os resultados nos exames podem até ser melhores, mas a educação, no sentido amplo, será prejudicada. Garantir que as crianças gostem de ler romances, poesia, ciência, história melhora o domínio de todos esses assuntos. Dizemos que 'o conhecimento gruda', quanto mais se aprende, maior o potencial para aprender.
Como sabem que a educação melhorou na Inglaterra e o que fizeram para isso?
Temos uma série de resultados que vêm sendo obtidos ao longo do tempo, em inglês e matemática ao final do ensino fundamental e em um amplo leque de disciplinas ao final da escola secundária.
Tornamos os exames mais rigorosos e alteramos os currículos para alcançar bons resultados com dificuldades cada vez maiores.
Em relação às inspeções das escolas, também tornamos os critérios mais exigentes, mas a porcentagem de escolas que são avaliadas como boas ou ótimas também cresceu. Se comparamos com 30 anos atrás e olharmos para a educação que as crianças têm hoje, ela é atualmente muito mais ampla de forma sustentável. Antigamente dependia de quem era seu professor ou em que escola você estava. O currículo único nacional ajudou a criar essa nova padronização da qualidade.
O sistema inglês de avalia a qualidade dos professores e da gestão, o comportamento e a atitude de alunos. É possível avaliar apenas com resultado de provas?
Não. Por isso criamos o sistema de inspeção, além dos testes anuais. As escolas são inspecionadas a cada 3 ou 4 anos por inspetores que já foram professores e visitam pessoalmente cada instituição, para ver como os professores interagem com os alunos, como os alunos interagem entre si. Isso permite uma perspectiva diferente da dos resultados dos testes, os pais podem entender melhor como está a escola.
Qual o procedimento quando a escola é avaliada como "carente de melhorias" ou "inadequada" [os dois níveis mais baixos]?
As escolas que precisam de melhoria recebem um pouco mais de dinheiro e passam a receber a ajuda de gestores de escolas de excelência. Há 5 ou 6 metas que a escola deve perseguir a partir disso, e fazemos uma nova inspeção dali a dois anos.
No caso das inadequadas, se elas não são ainda academias [escolas independentes financiadas com recursos públicos], elas são fechadas, reabertas como nova escola, em geral com um novo diretor e uma nova equipe. Se ela já for uma academia, tem que cumprir outros requisitos e geralmente o diretor é trocado.
Diretores recebem bônus para trabalhar nas escolas mais desafiadoras?
Depende do tipo da escola. Se é uma academia administrada por um fundo, eles podem pagar mais para as equipes. Já nas outras, as faixas de salário são fixas e não há como oferecer um pagamento diferente.
No Brasil, os governos se queixam de que professores e sindicatos se opõem a avaliações e sistema de incentivos. Já os sindicatos e os professores reclamam de baixos salários. Como lidar com esse conflito?"Na Inglaterra os sindicatos também se opunham às avaliações. Ninguém gosta que alguém diga que seu trabalho não está bom. Há 30 anos, ninguém poderia ser removido de uma escola por não estar fazendo um bom trabalho. Havia escolas péssimas ano após ano. Nos anos 1980, houve uma grande mudança de legislação que reduziu o poder dos sindicatos.
Não foi preciso convencer os professores de que a avaliação era positiva, porque os sindicatos se enfraqueceram?
Nós nos encontramos com líderes dos professores e sindicatos com frequência. Discutimos questões, recebemos críticas, explicamos critérios. Eles podem até dizer que gostariam de influir mais, mas nossa inspeção é para os alunos e seus pais, nossa responsabilidade é olhar para a escolha do ponto de vista dos alunos.
No Brasil as taxas de repetência são muito altas. Como isso afeta a educação?
Na Inglaterra as crianças não repetem de ano. Paramos de segurar as crianças há muitas décadas. Dado que todos seguirão adiante, tentamos identificar as necessidades dos que estão tendo problemas e ajudá-los. Não temos nem sistema de testar ao final do ano, que permitiria verificar se a criança pode seguir adiante. Isso seria punir a criança.
O quão importante é o dinheiro para melhorar a educação?
Dinheiro é importante, e hoje na Inglaterra muitos diretores dizem que faltam recursos. Se não há dinheiro suficiente para ensinar as crianças, isso é grave. Mas, no caso das escolas mal avaliadas, não quer dizer que elas estejam fracassando por falta de verba. Quase sempre as raízes do problema estão na gestão. Às vezes são questões de segurança, treinamento, adoção de novos procedimentos para que professores melhorem a forma como ensinam.
O gasto por aluno em países como a Inglaterra é bem maior que o do Brasil. Isso é um problema?
É um problema para o Brasil. Não acho que exista um país no mundo que considere que gasta o suficiente em educação. A importância da decisão sobre quanto investir é que ela afeta o desempenho do país. Se as crianças forem educadas apropriadamente, haverá mais prosperidade, a arrecadação vai subir, haverá mais dinheiro para investir em educação. É um ciclo virtuoso. Mas claro que há um limite. Não quer dizer que é preciso sempre investir mais, mais e mais.
A discussão sobre mudanças futuras, como o impacto da tecnologia, influenciam o que vocês têm feito?
Nossas inspeções são mais baseadas no resultado dos alunos, mas não apenas notas nos exames. Olhamos bem-estar, se fazem trabalhos voluntários, atitudes, envolvimento com o estudo, desenvolvimento pessoal.
Mas acredita que o futuro exigirá habilidades diferentes e que as escolas deveriam fazer algo a respeito?
Não acredito nisso. Há um motivo pelo qual o ensino não mudou tanto nos últimos séculos, e é porque ele basicamente funciona para a maioria das pessoas. Isso não quer dizer que não seja possível fazer melhor. Mas, se não é possível prever as 'habilidades do século 21', como vamos ensiná-las? Por que vamos tentar adivinhar? Há um motivo pelo qual sabemos sobre a Grécia Antiga ou os maias. Considero muito mais importante para a raça humana se debruçar sobre o que veio antes que tentar adivinhar o que virá no futuro. Os palpites sobre o futuro são principalmente preocupados com aspectos econômicos. Queremos que as escolas transmitam uma herança cultural para as crianças, que a transmitirão para a geração seguinte. Não queremos apenas treiná-las para um emprego que nem sei qual será.

domingo, 12 de maio de 2019

'Jogos são mais efetivos na avaliação do que provas', diz especialista do MIT

Pesquisadora americana defende ambientes digitais para avaliar aplicação do conteúdo em contexto real
Entrevista com

Jennifer Groff, pesquisadora do MIT e diretora pedagógica da rede de escolas Lumiar

pesquisadora MIT
Jennifer Groff, pesquisadora do MIT e especialista em educação Foto: Jennifer Groff

Os jogos são mais eficazes do que as avaliações tradicionais para mensurar o aprendizado de competências como colaboração, resolução de problemas e pensamento sistêmico. A opinião é da especialista norte-americana em Educação Jennifer Groff, autora do estudo Os Potenciais dos Ambientes Baseados em Jogos para Dados de Aprendizagem Integrados e Imersivos.
Pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Jen também é diretora pedagógica da Lumiar, rede de escolas com unidades na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. No ano passado, ela foi nomeada uma das cem maiores influenciadoras em tecnologia da educação pela revista Ed Tech Digest.
Você defende que os jogos permitem a avaliação das competência do século 21 com mais facilidade do que os métodos de avaliação tradicionais. Que competências seriam e por que isso acontece?
Muitas das principais competências que são discutidas atualmente – como colaboração, resolução de problemas, pensamento sistêmico e outros – são difíceis de mensurar, principalmente com o uso de formatos tradicionais de avaliações, que são, em geral, eficazes para aferir conhecimentos ligados a conteúdos. Essas competências que priorizamos hoje não são sobre o conhecimento de algo, mas preferencialmente como você aplica suas habilidades em um domínio específico, em um contexto real. Como os jogos digitais são ambientes simulados e microcosmos, eles funcionam como um rico contexto para que os estudantes usem habilidades e competências. E, como são ambientes digitais, eles nos possibilitam coletar dados sobre as aptidões demonstradas. É um processo de mensuração de aprendizado mais efetivo do que uma prova.
Geralmente, os games são usados como ferramenta de apoio, complementar às aulas. Eles poderiam ocupar todo o tempo da aula, como ferramenta principal?
Claro. Há diversos exemplos nos quais professores talentosos usaram jogos digitais complexos como Civilization ou Diplomacy por várias semanas, durante as quais os estudantes trabalharam em equipes para explorar uma série de conceitos e habilidades. Existem muitos jogos excelentes que podem ajudar a aplicar grande parte do currículo. Dito isto, acredito que os jogos são uma das muitas ferramentas pedagógicas com fortes evidências que apoiam a sua eficácia. Mas, apesar de poderosos, não devem ser a única estratégia para instrução. Criar um ambiente de aprendizagem forte é usar uma gama de ferramentas pedagógicas, bem como definir as mais efetivas que os alunos precisam a cada momento. O ambiente de aprendizado deve ser integrado e holístico.
Os custos para implantação e manutenção de infraestrutura para games em sala de aula costumam ser altos. O que as instituições podem fazer para lidar com esse desafio?
Os custos podem ser altos, mas nem sempre são. Já há alternativas. Existem diversos jogos digitais muito bons que são gratuitos na internet e apenas requerem equipamento e conexão para acessá-los. Sites como www.brainpop.com/games e www.gearlearning.org proveem acesso livre a muitos que podem ser utilizados online ou baixados como aplicativos em dispositivos móveis e jogados offline. Mesmo os jogos comerciais, muitos deles já são oferecidos de forma online, enquanto anteriormente quase sempre eram exigidas tecnologias ou dispositivos específicos. Uma escola ou uma rede de ensino pode identificar um número de recursos pedagógicos com base em games que valorizam e desejam utilizar, analisar quais requisitos técnicos eles têm em comum e, assim, adquirir as tecnologias que mais eficientemente atendem a tais necessidades e estão em seus orçamentos.
Temos espaço para implementação dos jogos em larga escala, como na rede pública? No Brasil, são cerca de 40 milhões de alunos na educação básica. 
Absolutamente. As escolas precisam apenas de conexões à internet e alguns aparelhos – como laptops e tablets – que permitam aos estudantes utilizá-los pelo menos em parte da semana. Como mencionado anteriormente, existem muitos bons jogos digitais educativos que são grátis ou custam pouco ao estudante. Fornecer uma formação profissional introdutória aos educadores sobre como usar os games como ferramentas educativas também pode ser muito útil – mas de modo geral é absolutamente algo que pode ser implementado nacionalmente em todo o Brasil.
No Brasil, a formação dos professores é um grande desafio. Os jogos também podem auxiliar nessa tarefa? De quais formas?
Os jogos podem ser poderosos ambientes de aprendizado para alunos de todas as idades, inclusive alunos-professores. Eu mesmo conheço vários projetos relacionados a essa formação de docentes por meio de jogos, como o simSchool e o Laboratório de Sistemas de Ensino do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Eles criam ambientes baseados em jogos para ajudar os professores a desenvolver suas habilidades em várias áreas relacionadas à prática em sala de aula.
Hoje, as avaliações são padrão. No artigo, você defende que os jogos possibilitam que o aprendizado seja aferido com mais exatidão e de forma mais individualizada. Como se dá isso e quais as vantagens dessa avaliação mais personalizada?
Ambientes baseados em jogos digitais criam a oportunidade para essa avaliação personalizada em diversos aspectos. Primeiramente, como são ambientes imersivos intimamente relacionados com contextos do mundo real, eles refletem de modo mais acurado problemas reais e, consequentemente, mensuram com mais precisão a forma de aplicação das habilidades e conhecimentos dos estudantes. Além disso, em vez de termos o estudante sentado para um teste formal uma vez ao mês, os jogos digitais são dinâmicos e responsivos, capazes de coletar dados sobre o aprendizado de forma mais holística e de um modo contínuo.
Aprendizagem e avaliação aconteceriam de forma simultânea...
Isso. A aprendizagem e as avaliações devem estar em um firme circuito de feedback, guiando o aprendiz em tempo real no seu caminho de aprendizado. Formas tradicionais de aprendizado não são capazes de fazer isso. Elas colocam grande quantidade de estresse no aluno e criam uma disrupção nos ciclos dos ambientes de aprendizagem. Quando os dados são coletados e utilizados em tempo real nesses ambientes digitais, nós temos uma imagem bem mais rica e dinâmica do estudante. Além disso, o estudante é também guiado de forma mais eficiente no seu aprendizado: o sistema responde aos dados que está coletando sobre o aluno e modifica o ambiente de aprendizagem (experiência de jogo digital), com base no que está aprendendo sobre o aprendiz. É uma personalização eficaz. 


No cérebro, decoreba entedia e aprendizado é fonte de prazer

Estudo de universidade canadense mostra que novidades estimulam o órgão

Roberto Lent
Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e pesquisador do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino

Roberto Lent
É intuitivo pensar que a aprendizagem dá prazer, e que tanto melhor ela será quanto mais prazer nos der.
Isso significa que decorar é diferente de aprender, pelo menos porque não dá prazer. Mas será que esses processos podem ser seguidos pela atividade funcional no cérebro?
Esse foi o pressuposto em que se baseou uma equipe de pesquisadores canadenses da Universidade de Calgary, em artigo científico recente. O grupo quis avaliar a eficácia dos métodos de ensino de neuroanatomia que estavam sendo utilizados para universitários de ciências da saúde. Imaginem. 
Se há conteúdo mais relacionado à chamada "decoreba" é a anatomia do cérebro, que os alunos até apelidam de "neurodecoreba". 
O objetivo era ensinar a anatomia dos 12 pares de nervos cranianos e acompanhar tudo pela atividade elétrica produzida no cérebro dos alunos.
Os estudantes recebiam retornos positivos ou negativos de um programa de computador, em função das respostas que davam para identificar os nervos em diagramas e fotos do cérebro. 
A seguir, aulas sobre o assunto e atividades de laboratório com cérebros reais. E, ao final, novos testes online sobre os sintomas clínicos de lesões dos nervos. Um teste de retenção era aplicado 20 semanas depois dos exercícios de aprendizagem.
Ao longo desse processo, os pesquisadores registravam o eletroencefalograma (EEG) dos alunos. Quer dizer, buscavam os potenciais elétricos que indicam a atividade das áreas cerebrais. 
No EEG, encontraram um potencial que aparecia especificamente em uma região do cérebro situada atrás da orelha, relacionada ao reconhecimento visual de imagens complexas. 
Além dele, um outro que aparecia consistentemente bem no topo do crânio, uma região associada a sentimentos de prazer.
Bem, o potencial elétrico do reconhecimento visual era bem intenso no primeiro teste (imagens desconhecidas: que será que estou vendo?), diminuía a seguir (ah, são nervos cranianos) e se mantinha estável nos testes subsequentes. 
O segundo potencial comportava-se da mesma forma: alto no primeiro teste (que barato, estou aprendendo!) e mais baixo nos testes subsequentes (já aprendi... perdeu a graça).
O que esse experimento indica? Primeiro, confirma que os potenciais registrados no eletroencefalograma são associados às operações mentais realizadas durante um processo de aprendizagem
Segundo, revela que eles mostram um processo mais ativo de reconhecimento visual de objetos novos (os nervos cranianos) nas fases iniciais da aprendizagem, não tão necessário depois que os nervos eram "aprendidos". 
Em terceiro lugar, indicam também grande sensação de prazer no início do processo, com uma relativa diminuição depois: é o momento de aprender que dá prazer! 
E, finalmente, os resultados se mantinham até mesmo após 20 semanas, o que indica o sucesso dos métodos de ensino empregados, com a estabilização da aprendizagem. A conclusão é que nada se aprende sem prazer. E decorar é chato.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Nova pedagogia cria alunos egocêntricos, afirma especialista sueca

Para pedagoga, ensino centrado nos alunos está entre causas da má qualidade da educação

A pedagoga, uma senhora de cabelos brancos, em frente a uma fonte num jardim
A pedagoga, uma senhora de cabelos brancos, em frente a uma fonte num jardim
Pedagoga sueca Inger Enkvist, que critica inovações na educação como aprendizado centrado no aluno - Jonas Andersson/Lunds Universitet


Laura Mattos
SÃO PAULO
Ensino centrado nos alunos, fim das aulas expositivas e das provas, aprendizado por projetos, desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais. Esses e outros conceitos que se disseminam por escolas de países ocidentais, inclusive do Brasil, são um erro.
A opinião é da pedagoga sueca Inger Enkvist, que tem causado polêmica ao criticar a chamada nova pedagogia, em sua opinião a causa da má qualidade da educação e da indisciplina de crianças e jovens, que se tornam egocêntricos, não aprendem a respeitar os colegas e os professores e não têm limites.
Ela está em São Paulo e fez na noite desta quarta-feira (8) a palestra de abertura do Centro de Discussão Educacional, novo laboratório de ideias, ou “think tank”, da Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Sua presença serviu de contraponto no evento, com plateia de educadores e empresários convidados, à socióloga Manolita Correia Lima, 60, coordenadora do Núcleo de Inovação Pedagógica da ESPM, criado para estudar tendências da educação e reformular o currículo da universidade considerando que os novos alunos são o centro do aprendizado desde o ensino infantil.
Inger, 71, autora de “Educação: Guia para Perplexos” (editora Kírion) e “Repensar a Educação” (Bunker Editorial), defende suas ideias nesta entrevista à Folha, em que aborda aspectos ideológicos e políticos para ela envolvidos na educação.
O que é novo e o que é velho quando falamos de pedagogia?
Há dificuldade com essas terminologias. Muitas palavras vagas são usadas nesse campo, que é influenciado pela emoção. Além disso, designam procedimentos que têm mudado ao longo dos anos. Diria que hoje o principal conteúdo da “velha pedagogia” é uma classe em que o professor explica, os alunos escutam e anotam, o professor prepara provas escritas, e os alunos estudam para essas provas. Outra palavra para a mesma atitude seria “tradicional”.
“Nova pedagogia” designa métodos que incluem trabalhos por projetos, em grupo, resumos escritos em vez de provas e apresentações orais acompanhadas de escritas. O professor é visto como alguém do grupo, um coach. Outros fatores tendem a acompanhar essas atitudes. À “velha pedagogia” é associada a visão de que ordem e obediência são importantes para que os alunos aprendam e que os professores devem ser bem formados. A “nova pedagogia” inclui a visão de que a escola não é só para aprender conteúdo e que é importante que inclua propósitos sociais. Os professores devem ser amigáveis e acessíveis, e nenhum estudante pode ser colocado para fora da classe por se comportar mal ou por não estudar.
Muitas pesquisas mostram que os melhores países e as melhores escolas apresentam uma combinação dessas duas atitudes em direção ao tradicional. O professor organiza a aula, explica o conteúdo e checa os trabalhos dos alunos, mas a atmosfera é positiva, e exemplos práticos e trabalhos em grupos são incluídos por pequenos períodos. Salas de aula que dependem fortemente das iniciativas dos próprios alunos têm resultados inferiores, especialmente para aqueles estudantes com maiores dificuldades.
 
Por que algumas ideias da chamada “nova pedagogia” têm-se disseminado tão fortemente pelo mundo?
Essa é uma questão que só pode ser respondida com suposições. Minha suposição seria que tem a ver com a política. A esquerda política tem desejado criar um “novo homem”, e esse projeto começa sempre com as crianças. As escolas são precisamente o lugar onde a sociedade tem acesso às crianças longe de seus pais. Pessoas que querem mudar a sociedade têm ido dar aulas e administrar escolas. A geração que entrou no campo da educação nos anos 1960 e 1970 foi muito influente. O que aconteceu é contraditório. Essa era uma geração antiautoritarismo. Contestava a sociedade autoritária, mas impôs sua própria autoridade. O que se espalhou foi um questionamento da autoridade como tradição e como aprendizado.
Os novos educadores se dedicaram a incluir os alunos com todos os tipos de problema e a se concentrar na situação deles. O lado negativo é que, se permitem que alguns alunos acabem com a concentração da sala de aula, não fazem o que é melhor para todos os alunos. Há uma pesquisa que diz que, se um estudante aprende muito pouco durante os três primeiros anos na escola, será quase impossível superar essa perda de aprendizado depois. Então por que isso se espalhou pelo mundo ocidental? Não foi em razão dos resultados, mas com uma convicção politicamente fundamentada de que é “democrático”.
A nova forma que esse pensamento adota é que a escola deveria não somente oferecer a possibilidade de se estudar de graça, com igualdade de acesso, mas também a de assegurar que todos tenham o mesmo resultado. Esse novo ideal é chamado de equidade. Se todo mundo aprender o mesmo, ainda que muito menos, isso não é visto com um problema real. Minha explicação para a disseminação da nova pedagogia é o sonho de cidadãos perfeitamente iguais.
Não deveríamos supor que a nova pedagogia se disseminou porque os métodos tradicionais têm se tornado ineficientes?
Não, porque as novas ideias, aplicadas de forma massificada, são menos eficientes, o que pode ser claramente visto no Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Alunos]. Países como Cingapura, Hong Kong e Japão têm cuidadosamente conduzido aulas centradas no professor que também incluem algum trabalho em grupo, e eles têm uma performance muito melhor do que os países que ensinam a nova pedagogia.
É correto então considerar que a pedagogia tradicional pode ser mais relacionada à direita política e que a esquerda é mais entusiasta da nova pedagogia?
Eu evito esses termos, mas é verdade que parte da esquerda se propõe a promover sua visão condenando outras. Sua questão é uma prova de que esse campo tem sido politizado. Se houvesse simplesmente duas teorias, alguém poderia fazer experiência e ver qual delas é a mais eficiente. Os pedagogos que propõem a nova pedagogia tendem a não aceitar provas, porque costuma dizer que, ainda que haja outros métodos mais eficientes, eles representam o que é bom. Em outras palavras, o campo da pedagogia é uma combinação de alguns aspectos que podem ser avaliados e de outros emocionais e ideológicos, que não podem ser decididos por evidências.
O layout da sala de aula influencia o aprendizado?
Sim. O principal alinhamento deve permitir que todos os alunos ouçam e vejam as explicações do professor. Para alunos mais velhos, pode ser feito um círculo. Entretanto, isso depende do número de alunos por classe. Se há mais de, digamos, 25, é quase impossível que se mantenham atentos se as carteiras não estiverem arrumadas de forma que todos possam ver e ouvir bem.
É possível manter as tradicionais fileiras de alunos, todos olhando para a lousa, escutando o professor e anotando mesmo quando as crianças e jovens estão imersos na linguagem não linear da tecnologia?
Sim, é. Primeiramente, boas aulas em que você senta e escuta são empolgantes porque você aprende coisas novas. O que o professor diz é adaptado ao que você é capaz de entender e é apresentado de forma que você entenda. Um bom professor também proporciona variações do “senta e escuta” na sala de aula.
É comum atualmente pensar que, porque os jovens estão na internet, eles têm um novo modo de aprender. No entanto, na internet, eles não estão aprendendo novos conceitos e novas relações no campo intelectual de forma eficiente. Usar a internet na escola pode ser divertido, mas é uma perda de tempo se comparamos com o uso de um bom livro didático. Muitas pesquisas dizem nos que nós não aprendemos de fato em frente às telas, e sim decidimos se vamos deixar aquela página para ir para outra mais interessante. Geralmente, o problema não é ouvir e ler muito e sim muito pouco. Jovens têm-se tornado menos capazes de se concentrar em ler e escutar. A esse respeito, em geral, são estudantes menos competentes.
A sra. considera um erro a tendência do ensino centrado no aluno?
Em primeiro lugar, esse termo é enganoso. Ele normalmente se refere aos estudantes terem o direito de escolher o que aprender e em qual ritmo. Isso rompe a unidade da sala de aula e muda o papel do professor para alguém que precisa ter vários conteúdos diferentes para oferecer para estudantes, os quais parecem trabalhar por conta própria. Aprendizado centrado no aluno é a solução para professores que têm que organizar o trabalho de estudantes com habilidades e interesses muito diferentes na mesma sala de aula. Porém, aprendizado eficiente é um conteúdo preparado e explicado por um professor. De forma que isso possa funcionar, os estudantes têm que estar no mesmo nível mais ou menos, que é como estão em Cingapura, Finlândia, Estônia, Suíça e outros países bem-sucedidos na educação.
Por que a senhora acredita que os professores estão perdendo a autoridade?
As razões são diversas. Na América Latina, uma razão é que muitas escolas foram estabelecidas antes que houvesse fundo adequado e professores bem treinados para assumi-las. Ao mesmo tempo, mais ou menos nos anos 1960 e 1970, as mulheres tiveram acesso mais fácil a todo o tipo de profissão. Mulheres com interesses e capacidades intelectuais deixaram o ensino para ganhar salários mais altos e por trabalhos com condições mais recompensadoras. A qualidade da educação estava baseada nessas mulheres, que eram inteligentes, trabalhavam duro e aceitavam salários um tanto baixos. Quando elas saíram, as vagas foram preenchidas, em geral, por pessoas menos qualificadas e menos dedicadas.
É possível ter um sistema equilibrado em que os professores mantenham a autoridade e, ao mesmo tempo, o aprendizado seja centrado nos alunos?
A questão está preocupada com termos e não com realidades. O aluno é sempre o centro, uma vez que é o aluno que está aprendendo. Nesse sentido, o termo “centrado no aluno” é vazio. A educação realmente centrada no aluno são aulas particulares, e isso não pode ser introduzido em larga escala porque não há professores suficientes, e os custos seriam proibitivos. O bom ensino é baseado em um professor inteligente e bem formado com uma classe disposta a aprender.
Uma tendência forte na educação é a necessidade de se desenvolver habilidades sociais e emocionais nos alunos, que iriam ajudá-los na carreira e também fazê-los mais felizes. O que a sra. acha?
Essa é mais uma falsa premissa. O ensino bom automaticamente desenvolve essas habilidades. Quando tudo funciona bem, o estudante no primeiro ano aprende a ser pontual, a se sentar quando deve se sentar, a ouvir atentamente, a fazer perguntas educadamente, a participar em situações de aprendizado respeitando os outros alunos, a seguir instruções, a se concentrar em aprender, por exemplo, a ler, e a trabalhar de forma cuidadosa quando está aprendendo a escrever no livro de exercícios. Tudo isso é promover habilidades sociais e emocionais ao mesmo tempo em que se aprende o conteúdo. O que é um problema é quando a escola entende que ser centrada no aluno ou ser inclusiva é permitir que os alunos não sigam regras e instruções. Isso faz os alunos tão egocêntricos que, aí sim, eles precisam desse conhecimento extra de “habilidades sociais e emocionais”.
A sra. escreveu um artigo sobre a influência do politicamente correto na relação entre professores e alunos, dizendo que os professores hoje são alertados a evitar falar de temas sensíveis, como feminismo, racismo e gênero. A sra. defende que essa situação criou um ambiente em que todos têm medo de todos. Como isso poderia mudar?
Essa é uma das mais importantes questões atuais. Se continuarmos a deixar que ideólogos ditem o que deve ser pesquisado, ensinado e dito, deixamos o campo da liberdade de pensamento que tem nos levado ao progresso. Devemos defender professores, pesquisadores e jornalistas que tentam se basear em fatos mais do que em ideologias. Essa é mais uma razão pela qual professores deveriam ser recrutados entre as melhores universidades, porque serão muito bem informados. As administrações estão com medo e curvadas diante das ondas da internet.