sábado, 9 de dezembro de 2017

Escola do século 21 terá que ensinar a ter concentração, diz secretário do ES


ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO


A escola que tentar resistir ao novo mundo das crianças e adolescentes vai naufragar, diz o secretário estadual da Educação de Espírito Santo, Haroldo Rocha, 61.

Responsável pela rede de ensino que obteve o melhor resultado no Pisa (teste internacional), ele descreve um novo mundo "diverso, em que tudo é muito rápido, em que nada se sustenta" e as mídias favorecem a dispersão, enquanto a aprendizagem exige foco e concentração.

Para Rocha, o século 21 apresenta um desafio adicional para a escola: além de se preocupar com o desenvolvimento acadêmico e cognitivo –ler, escrever, fazer contas, interpretar a história–, terá que ensinar as crianças a administrar suas emoções, trabalhar em equipe, ter persistência e resiliência.

Essas competências, chamadas de socioemocionais, estão sendo objeto de discussões da rede escolar do Estado, para construir um novo currículo que deve ser concluído em março.

A ideia é implantar o ensino das novas habilidades em todos os níveis de ensino.

O Espírito Santo também tem planos para ampliar as atuais 17 escolas integrais de ensino médio para 300. "Queremos chegar a 100% dos alunos em 2030", diz ele.
Mas como fazer planos para daqui a mais de dez anos sem saber quem estará no governo? O secretário enumerou quatro formas de "blindar" políticas públicas de um desmanche por futuros governantes em entrevista à Folha.
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Folha - O Espírito Santo foi o Estado brasileiro com melhor desempenho no último Pisa? Isso se deve a novas políticas ou à gestão de programas já existentes?
Haroldo Rocha - Nos resultados do Pisa e do Saeb (avaliação do ensino básico) o Estado teve de fato destaque no país –mas não em comparações internacionais.
Em 2009, houve uma mudança importante: em toda a rede de ensino médio e fundamental, estendemos o número de aulas diárias de 4 para 5, ou seja, 25% a mais de aula. De 2015 para cá, trabalhamos com duas metodologias que não inventamos. Buscamos exemplos no Brasil.

A secretaria tem mencionado como importante a escola integral no ensino médio.
Sim. Esse programa, Escola Viva, foi desenvolvido primeiro em Pernambuco. É um currículo diferenciado de educação integral em tempo integral. Começamos com uma escola, no ano passado passamos a cinco, neste são 17. No ano que vem vamos a 32, e o planejamento é chegar a 300 escolas em 2030. Então, atenderemos 100% dos alunos no ensino médio em tempo integral, e a 25% dos alunos de 6º a 9 º ano.
No país todo, é nesses anos finais que a maior parte dos estudantes abandonam a escola ou se atrasam.

Há evidências de que a escola integral é melhor?
Nossos dados são parciais, mas o rendimento na escola integral é superior ao da escola regular de forma significativa.
Também no ensino médio, trabalhamos com metodologia do Instituto Unibanco para melhorar a gestão da escola, com foco na aprendizagem. Aplicamos em 85% das escolas regulares neste ano e, no ano que vem, vai atingir 100% das escolas.

E o segundo eixo?
Investir nos anos finais não é suficiente, porque o processo de formação começa na creche. Aí entra o pacto da aprendizagem (Paes), inspirado no programa de alfabetização na idade certa do Estado do Ceará. É um termo de cooperação que se desdobra em formação de professores, investimento na estrutura, metodologia de avaliação.
Começamos em janeiro e 42 dos 78 municípios aderiram. Queremos chegar a todos.

O sr. falou em 300 escolas integrais em 2030. Mas como blindar a política pública para impedir que ela seja abandonada por um futuro governo?
Há quatro ações.
A primeira é um planejamento que envolva sustentabilidade financeira. Não adianta ter um bom projeto sem recurso para implementar. Estamos projetando a expansão gradativa da rede escolar já avaliando o que a situação econômica e financeira do Estado suporta: qualquer governo que entre tem o plano e a garantia financeira.
A segunda é instituir as políticas por lei, depois de debate intenso. No Escola Viva, houve cem dias de debate. O Paes também foi aprovado na Assembleia.
Uma terceira medida é comunicar claramente a vantagem da política para os cidadãos que dela se beneficiam.
Por fim, ter parceiros públicos ou privados. Se tenho parceria da universidade federal, de ONGs apoiadas por empresas, isso ajuda a manter as ações.

Apesar dos bons resultados, o Estado avançou menos nos anos finais do ensino fundamental. Quais as barreiras?
De fato, isso é um fenômeno nacional. Do 1º ao 5º anos há uma melhoria mais acelerada, e do 6º ao 9º, com menos potência.
Há dois fenômenos. Um é interno: do 6º ao 9º ano muita coisa muda para a criança. Está passando para a adolescência e deixa de ter uma professora para ter dez. E a escola não tem uma metodologia bem articulada para que todos os conhecimentos ali passados façam sentido.
Há também uma questão externa. Adultos e crianças hoje são muito afetados por tecnologia, redes sociais, trocas de informação. O mundo está muito dispersivo, e aprendizagem exige foco e concentração.
É um desafio adicional para a escola. Além do desenvolvimento acadêmico e cognitivo –ler, escrever, fazer contas, interpretar história–, a escola terá que se preocupar com o desenvolvimento de competências socioemocionais: metodologia para que as crianças aprendam a administrar suas emoções, trabalhar em equipe, ter foco, persistência, resiliência.

O que estão fazendo?
Desde maio, com o Instituto Ayrton Senna, estamos elaborando o currículo socioemocional para os ensinos infantil, fundamental e médio. Definindo que competências precisam ser desenvolvidas e metodologia para isso.

Quando fica pronto?
Até março de 2018, quando será combinado à base nacional comum. Isso dará um novo sentido à escola. Ela terá um novo sentido para o aluno, e vamos conter a evasão e a reprovação. Já há pesquisas que mostram que, quando se desenvolve a capacidade de relacionamento dos alunos, se reduz o abandono escolar.

O governo capixaba coordenou pesquisa para descobrir por que jovens de 14 a 29 anos deixaram a escola. Que política esse diagnóstico inspirou?
Esses jovens foram alunos de nossas escolas públicas e as abandonaram porque precisavam trabalhar, engravidaram, não gostavam de estudar ou achavam a escola chata.
O que mais temos discutido é como envolver o jovem com a escola. Recentemente introduzimos o líder de turma, escolhido pelos colegas para discutir soluções pela ótica dos alunos.

A avaliação de impacto de políticas públicas virou lei no Espírito Santo. Qual é a importância de avaliar?
Educação é a política pública mais avaliada no país, mas é preciso ter consequências. Se o aluno não está aprendendo, temos que fazer algo a respeito.

Como a avaliação de impacto rigorosa afetou a gestão de políticas no Estado?
Um dos exemplos é o programa Amigos do Zippy, em que crianças de 7 e 8 anos cuidam de um grilo verde.
O objetivo é trabalhar afeto, cuidado, respeito e até mesmo a resiliência, quando o grilo finalmente morre. Pois a morte é a maior perda para um ser humano. Implementamos em 2015, avaliamos e em 2018 vamos retomar fazendo correções e ajustes.

Por que projetos-piloto nem sempre dão os mesmos resultados na sala de aula?
Falta de treinamento é um motivo. O professor é absolutamente estratégico. É fundamental capacitar de um ponto de vista bem operacional, de como ele trabalha com o aluno.
O mundo mudou muito, as exigências são outras. O trabalho do professor hoje é totalmente diferente, e as instituições formadoras ainda trabalham de forma tradicional. Fazemos pesquisa e estamos gastando muita energia para definir a formação do professor do século 21.
Não nos cabe achar que hoje está pior ou melhor que no passado, mas nos programarmos para atender a criança no mundo de hoje, diverso, em que tudo é muito rápido, em que nada se sustenta, com profissões que nem existem mais e outras que a gente nem imagina. Como motivar se falamos de coisas de antigamente? É um desafio diferente. Os professores precisam ser capazes de ler o mundo desses alunos.
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RAIO-X

IDADE
61 anos. Nasceu em Castelo (ES)
FORMAÇÃO
Ciências econômicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
TRAJETÓRIA
> Professor universitário na Ufes
> Técnico do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), que avalia políticas públicas no Estado
> Pró-reitor de Administração da Ufes
> Secretário de Planejamento da Prefeitura de Vitória
> Secretário de Estado da Educação do Espírito Santo entre 2007 e 2010
> Secretario da Educação do Espírito Santo desde 2015

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