sexta-feira, 30 de março de 2018

‘Crianças devem ter inteligência digital’

Riscos da rede devem ser ensinados desde cedo, defende especialista; só limitar tempo de uso de celular não é suficiente

Entrevista com
Yuhyun Park especialista em educação digital



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Discussão sobre privacidade e bullying na internet deveria fazer parte de currículos nacionais, diz Yuhyun. Foto: Nilton Fukuda / Estadão

Renata Cafardo, O Estado de S.Paulo
A coreana Yuhyun Park quer ensinar crianças a ter inteligência digital para se tornarem boas “cidadãs online”. Isso quer dizer não praticar ou se expor a violências, como o bullying digital, ter autocontrole para não se viciar no uso de celulares e agir com responsabilidade nas redes sociais. Para ela, cientista formada na Universidade Harvard e presidente de um instituto de educação digital, o DQ Institute, essas competências deveriam estar nos currículos das escolas de todos os países. 
Yuhyun, de 42 anos, hoje vive em Cingapura, onde o governo já adotou sua plataforma educacional online para formar alunos, professores e famílias. “Muitos pais falam que a criança não pode usar o celular mais de uma hora, por exemplo, mas não é só isso o importante”, explica. “Eles precisam dizer como isso afeta a saúde e a vida toda dela. A mesma conversa que temos sobre os perigos offline, temos de ter sobre os perigos online.” 
As pesquisas do seu instituto mostram que mais de 50% das crianças de 8 a 12 anos no mundo estão expostas aos chamados riscos do mundo digital, como exposição à pornografia, a conteúdos violentos ou vício em jogos. E quando elas têm o seu próprio celular e passam a usar redes sociais de maneira ativa, o risco aumenta em 20%. 
“Precisamos dar às crianças a informação certa para que se tornem pessoas críticas, independentes. Não conseguimos estar online com nossos filhos o tempo todo.” Ela esteve no Brasil este mês para falar no Fórum Econômico Mundial.
O que é a inteligência digital e como desenvolvê-la na criança?
Quando as pessoas pensam em tecnologia, pensam nas questões do trabalho, como codificação, robótica, mas antes as crianças precisam aprender a ser cidadãs digitais. A inteligência digital são as competências que as crianças têm de ter para isso. Com nossa ferramenta educacional, ensinamos, de modo bem científico, sobre como limitar o tempo na frente das telas, dizendo como afeta seu cérebro, seu corpo ou habilidades cognitivas. Falamos sobre bullying, em como se proteger das armadilhas. E ainda o que significa estar online. As crianças precisam saber que quando colocam algo na internet, aquilo pode permanecer lá para sempre. E qual o impacto disso no futuro delas? É como o cigarro, se aprendem o quão prejudicial é, não fazem. 
As escolas deveriam ensinar essas competências?
Acredito muito que isso tem de estar no currículo de um país. Cingapura já fez isso. Nossas pesquisas mostram que 50% das crianças ganham seu primeiro celular aos 10 anos, por isso temos de intervir antes disso. A idade mais importante é entre 8 e 12 anos porque conseguimos formá-los antes de estarem online de uma maneira muito ativa. É como uma vacina, tem de ser dada antes de ser exposto.
Suas pesquisas indicam que existe uma pandemia de riscos digitais. Por quê? 
Hoje mais de 50% das crianças estão expostas a riscos do mundo digital. Estão fazendo coisas que as deixam vulneráveis para encontrar estranhos, ver pornografia, ficar viciadas em jogos. Muita gente acha que é uma questão cultural, mas não. O padrão é igual em todos os países. E a maioria delas não faz busca ativa por conteúdo inapropriado – a informação aparece para elas. 
Como os pais devem agir? 
A tecnologia mudou tão rápido que não estamos preparados como pais, como geração. Pais com 40 anos tiveram seu primeiro celular aos 20. É um mundo completamente diferente. É preciso começar a conversar cedo porque quando se tornam adolescentes é mais difícil. Muitos pais falam que a criança não pode usar mais de uma hora o celular, por exemplo, mas não é só isso que é importante. Eles precisam dizer como isso afeta a saúde e a vida toda dela. Você está mandando seu filho para um lugar muito perigoso, um clique e tem acesso a pornografia. Então, a mesma conversa que temos sobre os perigos offline, devemos ter sobre os perigos online. Precisamos dar às crianças a informação certa para que se tornem pessoas críticas, independentes. Nós não conseguimos estar online com nossos filhos o tempo todo.
Mas muitas vezes é difícil tirar o celular das crianças. 
Sim, porque ele é desenhado para tornar as crianças viciadas. Ele dá uma resposta rápida e elas gostam disso. Os jogos são desenhados para isso. E se elas se acostumam a isso, sentem-se entediadas com todo o resto. Por isso, os pais precisam falar com as crianças sobre a vida digital. 
Crianças podem usar redes sociais?
Não nesse grupo de 8 a 12 anos. Não há benefício algum. Ficam mais expostas a pressões porque não têm um autocontrole desenvolvido. Elas precisam aprender como atuar na rede social, sobre privacidade e o que é estar online. As crianças são puras, se as pessoas fazem uma pergunta a elas, querem ser legais, dar toda a informação possível. E nós vamos soltar nossas crianças nesse mundo sem nenhuma proteção? 

Aprender e educar num mundo digital

Como preparar os jovens para atuarem na nova configuração tecnológica global?


*MARCO A. ZAGO E VAHAN AGOPYAN, O Estado de S.Paulo

O maior desafio das universidades hoje é educar as novas gerações para as incertezas: antecipar o futuro, e não apenas relatar o passado, para garantir que graduados terão capacidade de resposta e adaptação às mudanças globais que caracterizam nosso tempo. Temos de formar jovens para viverem e trabalharem num mundo que não podemos antever com clareza, onde muitas das profissões que conhecemos terão perdido seu papel e as tecnologias disponíveis serão muito diferentes das atuais. Como preparar os jovens para esse futuro?
Acreditamos que o caminho passe por mudanças profundas no ensino e no aprendizado. Esse tema estará em debate no 4.º Encontro Internacional de Reitores Universia, em maio, na octocentenária Universidade de Salamanca, na Espanha. Com comitiva de uma centena de reitores brasileiros, entre outros tantos de todo o mundo, será uma oportunidade única para juntos fortalecermos a integração de nossas universidades à revolução digital.
De nossa parte, propomos fugir das especificidades curriculares, dos detalhes exaustivos, e dar mais peso a pensar sobre o futuro do que à tentativa de transmitir às novas gerações tudo o que foi acumulado no passado.
Educação implica mudança de comportamento, fortalecimento da independência de pensamento e da capacidade de argumentação, de comunicação e de tomada de decisões. Um currículo que pretenda educar para o futuro, num mundo que não podemos ainda desvendar, deve privilegiar o respeito aos direitos de todos, a capacidade de trabalhar em grupos multidisciplinares, de liderar e de aceitar a liderança de outrem, a referência permanente aos valores éticos e o respeito à vida e ao ambiente.
Nesse currículo ideal, o método e a abordagem têm primazia sobre o conteúdo, pois são os instrumentos comportamentais que asseguram o sucesso em qualquer situação. As universidades precisam oferecer ambientes de ensino em que os estudantes se preparem para a contínua atualização tecnológica.
A revolução digital é uma mudança irreversível do mundo, que afeta a vida de todos, e chega ao entorno das universidades, embora ainda não tenha sido adequadamente absorvida por elas. É surpreendente que toda a comunidade acadêmica (professores, estudantes e técnicos), que gera e participa da revolução tecnológica e digital no dia a dia, no uso intensivo de smartphones, tablets, plataformas digitais, internet, streaming e televisão digital, por exemplo, continue ao mesmo tempo resistindo a incorporar essas mudanças na vida acadêmica. 
Não é exagero descrever o ambiente universitário como composto por estudantes da era digital e professores analógicos (no que diz respeito ao ensino-aprendizagem). Esse ambiente terá de mudar e as universidades que resistirem se tornarão obsoletas. A tecnologia com sentido estratégico serve como ferramenta para definir linhas de atuação internas (metodologia e didática de aprendizagem, recursos humanos, planejamento e gestão) e externas (alianças com empresas e órgãos de governo, trabalhos em rede, consórcios tecnológicos, criação de clusters produtivos). A conectividade contínua está levando a uma reconfiguração das relações sociais, em todos os níveis, e a educação faz parte desse pacote.
Para que a revolução digital chegue às universidades brasileiras é necessário, primeiramente, investimento em infraestrutura. Não é possível sequer planejar ensino em ambiente em que o esudante não tenha acesso a máquinas, não disponha de conectividade de elevada qualidade ou não encontre técnicos competentes para manterem a qualidade do acesso digital e assegurarem o uso adequado das ferramentas técnicas.
A forma de transmitir o conteúdo nesse novo ambiente digital tem de ser muito diferente da transmissão de conteúdo em sala de aula. A utilização ingênua do formato clássico apenas transposto para formato digital não funciona: por exemplo, gravar aulas clássicas de 50 minutos. Dentro de cada tópico é necessário escolher os aspectos que sejam mais apropriados à abordagem digital e dar-lhe formato adequado. 
No entanto, a capacitação docente específica continuará sendo o maior entrave ao ensino no ambiente digital. Não se trata apenas de “adaptar” o formato clássico para o formato digital, mas de escolher o conteúdo que permita “conversar” com os jovens, e não apenas “falar” para os jovens, que não aderem a uma plataforma digital quando seu papel é apenas passivo, como, por exemplo, somente ler longos textos.
A liderança e a governança das universidades são fortemente afetadas pelo formato do ensino. A mudança do ensino tradicional para o ambiente digital produzirá impactos na distribuição de poder e na condução da vida acadêmica, a começar pela organização do currículo, dos módulos didáticos, e pela maior necessidade de integração e de flexibilidade curricular.
Mais significativas serão as alterações no uso do espaço físico, que já começaram nas bibliotecas, as quais estão deixando de ser depósitos de livros e periódicos para se transformarem em espaços para trabalhos colaborativos, em rede, e uso massivo de recursos digitais. Aqui tocamos numa das áreas mais sensíveis e cuja mudança trará maior impacto na vida da universidade: o domínio de docentes e departamentos sobre os pequenos espaços e divisões se tornará obsoleto com o trabalho em rede.
Os benefícios da revolução digital sobre a burocracia e a administração serão imensos, trazendo economia de tempo e de pessoal, eficiência e rapidez nos processos e eliminação de redundâncias. Ganham as instituições de ensino, mas também a sociedade, que será servida por profissionais preparados para a nova configuração tecnológica global.
*RESPECTIVAMENTE, EX-REITOR (2014-2017) E COORDENADOR DO CENTRO DE INOVAÇÃO DA USP;  E ATUAL REITOR DA USP

quinta-feira, 29 de março de 2018

Arnaldo Niskier: As novas escolas do futuro

O professor deve atualizar-se nas tecnologias e se descobrir um facilitador do processo educacional, reinventando ações didático-pedagógicas

Arnaldo Niskier
Professor e jornalista, é membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), presidente do CIEE/RJ (Conselho de Integração Empresa-Escola) e doutor honoris causa pela Unama (Universidade da Amazônia)

As mudanças de grande amplitude que caracterizam a sociedade contemporânea vêm causando um impacto de proporções inéditas no campo educacional, particularmente no que concerne à juventude.

O aumento crescente da demanda por mais escolaridade, a busca por novas formações, a necessidade de percursos curriculares mais flexíveis, a existência de recursos pedagógicos tecnologicamente avançados, o advento da internet e das redes sociais e a comprovada limitação das metodologias mais ortodoxas tornam evidente que a escola, como é hoje, não atende às expectativas e necessidades da juventude brasileira.

Das profissões de 2019, 60% ainda não existem. É preciso preparar nossos jovens para esse mercado. O conhecimento é o maior insumo do século 21. É ele que determinará o sucesso de um profissional. E o maior centro de distribuição de conhecimento segue sendo a escola. 

Ao longo da história, a escola foi adaptando-se às novas tecnologias. Num primeiro momento, a educação formal era baseada em aulas expositivas, com o enfoque no discurso do professor. Hoje, temos diversas mídias educacionais. O grande desafio é saber utilizá-las de modo eficiente e permitir que contribuam com as práticas pedagógicas.

Já se fala em quarta revolução industrial. São tecnologias capazes de integrar os domínios físicos, digitais e biológicos da vida humana. Essa revolução seria caracterizada pela difusão da internet móvel, o surgimento dos sensores menores, mais poderosos e mais baratos, e pela inteligência artificial e aprendizado da máquina.

O professor deve atualizar-se nas tecnologias inovadoras e se descobrir um facilitador do processo educacional, reinventando um conjunto de ações didático-pedagógicas.

Prevê-se a valorização do ensino técnico-profissional de que o país tanto carece. O ensino médio deve oferecer habilidades e competências aos alunos segundo suas escolhas pessoais --e de acordo com as variações do mercado.

É o que faz com sucesso o Sistema S desde a década de 50, com a boa tradição dos seus cursos profissionalizantes. Quando o assunto é tecnologia aplicada à educação, o Sesi, Senai e Senac são pioneiros na formação dos profissionais do futuro. Essas entidades colocam os jovens em contato com a tecnologia desde cedo e contribuem com a formação de adultos mais conectados à inovação.

O Sesi mantém aulas de robótica no currículo de 400 de suas escolas de ensino médio e fundamental. Há cinco anos, organiza um torneio de robótica para estudantes de 9 a 16 anos, de escolas públicas e particulares, desafiados a criar soluções inovadoras e construir robôs com peças de Lego.

É lamentável que, em nosso país, ainda faltem investimentos na qualificação de professores. Faltam também laboratórios e bibliotecas. O Brasil tem cerca de 200 mil escolas, a maioria sem bibliotecas e laboratórios compatíveis. Diante disso, como oferecer a nossos educandos a possibilidade de uma educação de qualidade?

É essencial corrigir essas falhas. As sociedades mais bem-sucedidas economicamente e as que alcançaram os graus mais elevados de bem-estar são as que mais dominam as várias áreas do saber. A questão da educação é estratégica para atingir o estágio de desenvolvimento que almejamos como nação.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Dinâmica de culpar os outros se acentua numa sociedade infantilizada

Conversa de pai - Ilan Brenman

Dinâmica de culpar os outros se acentua numa sociedade infantilizada

Pais precisam ensinar as crianças, de forma gradual, a serem responsáveis pelos seus atos. Só assim, será possível pensar em transformação e mudança.



http://13533.mc.tritondigital.com/CONVERSA_PAI_P/media-session/2577c2d1-fc39-4fee-ac18-4a05bcfab23f/audios/encodeds/3/2018/03/25/170287_20180325.mp3

sexta-feira, 23 de março de 2018

A linguagem molda nossa visão de mundo

Estudos mostram que não é o quanto se fala, mas como se fala, o que realmente importa para o desenvolvimento do cérebro infantil e para o sucesso das crianças e dos jovens na escola e na vida

Ana Maria Diniz

A psicóloga americana Carol Dweck, da Universidade de Stanford, tornou-se mundialmente famosa ao provar, cientificamente, que o sucesso escolar de crianças e jovens está atrelado a dois tipos de mentalidade: a fixa e a de crescimento. Alunos com mentalidade fixa se paralisam diante de obstáculos e deixam de progredir. O segundo grupo entende que podem aprender com os erros e vai tentando caminhos alternativos para superá-los. O estudo da psicóloga também revelou algo importantíssimo, mas pouco mencionado: mudanças simples na maneira de falar com os alunos têm uma influência enorme na percepção das crianças sobre si mesmas e sobre o aprendizado.
A linguagem molda nossa visão de mundo. E uma das principais maneiras de se fomentar uma mentalidade de crescimento é a forma como falamos em casa com os nossos filhos ou na escola com os alunos – e isso inclui a forma como damos feedback e como nos referimos às pequenas derrotas diárias. Por exemplo, quando seu filho mostra a você uma lição de matemática errada, ao invés de dizer que está tudo errado e que ele não entendeu nada, diga “não tenho certeza deste resultado, me mostre como chegou nele”. Não se trata de só querer passar a mão na cabeça e de evitar dizer coisas mais duras, mas de escolher palavras que estimulem o comportamento investigativo com intenção e cuidado. O mesmo pode ser feito nas salas de aula.
Como revela Dweck em seu novo livro Mindset, lançado no ano passado, e em outros artigos recentes, algumas palavras são quase mágicas nesse sentido. Se um aluno está tendo dificuldades, seja acadêmica ou emocional, ofereça “apoio”, não “ajuda”. Ao falar “apoio”, enfatizamos a ideia de que os alunos têm capacidade de melhorar suas próprias vidas, de que não estamos ali para salvá-los, mas para dar a eles suporte em seu próprio processo de mudança. Outra palavra que deveria fazer parte do dia a dia do educador é “escolha”, acredita Dweck.  Usá-la, mais do que qualquer outra, dá ao aluno o senso de controle sobre sua vida.

domingo, 18 de março de 2018

'Nenhuma criança deveria ter que colocar o esporte à frente da escola', diz piloto Lewis Hamilton

Campeão da Fórmula 1 contou sobre as dificuldades que enfrentou na vida escolar no Fórum Global de Educação

Hamilton chega ao Brasil com o título já garantido
Hamilton esteve no Brasil em novembro de 2017, em evento promovido pela Petronas Foto: Werther Santana/Estadão

DUBAI - Quatro vezes campeão mundial da Fórumla 1, o piloto Lewis Hamilton participou neste sábado, 17, do Fórum Global de Educação, em Dubai, e disse que teve uma trajetória escolar difícil porque começou a treinar aos 8 anos, mas também por ter dislexia e ter sofrido bullying. Ele diz que chegou a odiar a escola, mas, agora, entende como a pressão dos professores e dos pais foi importante para a sua formação.
“Eu sempre estava atrás na escola, me deixavam de recuperação, tinha que fazer lições extras. Só depois de alguns anos fui entender como isso foi importante para que eu me tornasse quem eu sou.” Hamilton disse que apenas aos 17 anos foi diagnosticado com dislexia. 
Ele contou que foi muito incentivado e recebeu apoio dos pais na escola e no esporte, mas que também sentia muita pressão. “Meu pai queria que eu desse o meu melhor nos treinos e na escola, que fosse bem sucedido nos dois. Ele não entendia que eu não conseguia ser o melhor nos dois. Entendo que ele tinha a melhor das intenções, mas isso as vezes pode ser prejudicial para as crianças”.
O piloto disse que os pais precisam tomar cuidado para não forçar demais as crianças e sempre incentivar para que continuem estudando. “É só olhar para a Fórmula 1: são apenas 20 lugares, mas milhares e milhares de jovens que querem entrar para o esporte. Dos que tentam, 90% deixam a escola de lado e são pouquíssimos os que conseguem chegar lá e não conseguem depois viver o potencial que tinham. Não devíamos nunca deixar nossas crianças saírem da escola por causa do esporte, seja ele qual for”, disse.
Hamilton também contou que sofreu bullying na escola quando tinha 6 anos e disse acreditar que esse episódio influenciou sua personalidade e, por isso, se tornou uma pessoa que gosta de provar que os outros estão errados no que pensam sobre ele.
“Eu gosto de provar que as pessoas estão erradas no que julgam sobre mim. Uma das coisas mais legais é ver que as antigas lendas da Fórmula 1 estão sempre me criticando pelo que eu faço, como piloto, e eu vou lá e mostro que estão errados. Porque nesse esporte, quando você consegue adentrar nesse grupo seleto, te treinam para tudo, como você deve se portar, falar. Eu entrei lá e mostrei quem eu sou, não quem queriam me treinar para ser”, disse.
* A repórter viajou a convite da Varkey Foundation

'Cultura de celebridades faz os jovens verem educação como menos importante', diz professor

Debate no Fórum Global de Educação discute a influência de celebridades, influencers e youtubers nos alunos

Isabela Palhares, O Estado de S.Paulo
18 Março 2018 | 03h00
DUBAI - Astros do cinema, ícones da música, atletas, modelos, influencers das redes sociais. O espectro de celebridades no mundo ampliou nos últimos anos por causa das redes sociais. O aumento provocou uma obsessão pela fama nos jovens? Qual a influência da “cultura das celebridades” nos jovens? Ela afeta as chances dos alunos de terem uma boa educação e conseguir um bom emprego?
Especialistas em educação e comunicação estão estudando as consequências desse novo fenômeno e discutiram seus impactos neste sábado, 17, no Fórum Global de Educação, em Dubai.
“Sou professor há 40 anos e vi como a cultura de admiração às celebridades mudou, vejo como os jovens respondem a esse novo cenário. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos mostrou que 40% dos jovens americanos acreditam que vão ficar famosos, qual a influência disso na educação? Na formação da personalidades dos adolescentes?”, questiona Tony Little, professor de Inglês no Reino Unido e diretor da GEM Education, grupo educacional que tem 250 mil estudantes em 173 países.
Para ele, as celebridades ganham fama por serem uma “caricatura de si mesmos” e se tornam produtos. “Existe hoje uma fábrica de celebridades, onde não importa o que se faz desde que se alcance a fama. Isso afeta os jovens, eles deixam de acreditar na educação como importante”, diz. 
Zayna Aston, diretora de comunicação do Youtube, discorda que todas as celebridades sejam fabricadas de forma superficial e defende que as redes sociais permitiram a visibilidade de pessoas que antigamente não eram alçadas à fama. “O histórico de celebridades que tínhamos até então eram sempre homens americanos brancos. As redes sociais permitiram a quebra desse padrão, hoje temos diversidade e representatividade e os jovens se identificam nesses novos astros”, diz.
Ainda segundo Zayna, as redes sociais permitiram que as celebridades pudessem mostrar suas paixões e interesses e, com isso, se tornar mais “humanas” e próximas dos fãs. “Eles falam sobre como é ser negro, latino, gordo, gay, mulher. Esse posicionamento não era possível há alguns anos, porque eles ficavam blindados, só mostravam e falavam do seu trabalho. Agora, eles são um exemplo, servem de inspiração”.
O debate foi feito na 6ª edição do Fórum Global de Educação e Habilidades, promovido pela Varkey Foundation.
* A repórter viajou a convite da Varkey Foundation

Reformas para o crescimento

Um recente estudo do Banco Mundial sobre o Brasil pode ser muito útil na identificação dos atuais gargalos do crescimento da renda e do emprego no País

O Estado de S.Paulo
18 Março 2018 | 05h00
É consenso que, para avançar no caminho do desenvolvimento econômico e social, o País precisa realizar reformas estruturais. Um recente estudo do Banco Mundial sobre o Brasil – Emprego e Crescimento: A Agenda da Produtividade – pode ser muito útil na identificação dos atuais gargalos do crescimento da renda e do emprego no País. “No cerne da produtividade baixa e estagnada do Brasil existe um sistema econômico que desestimula a concorrência e incentiva a ineficiência e a alocação inadequada de recursos”, diz o estudo.
O Banco Mundial reconhece que o Brasil tem amplas condições de crescimento. O País possui abundantes recursos naturais, uma força de trabalho cada vez mais capacitada e empresas de ponta em diversos setores, como, por exemplo, o agronegócio, a aeronáutica e a extração de petróleo. No entanto, o relatório avalia que os seus ativos estão sendo mal utilizados. A produtividade brasileira é muito baixa. Se ela fosse similar à dos Estados Unidos, por exemplo, a renda per capita brasileira aumentaria 2,7 vezes.
O mau uso dos ativos não é fruto de uma suposta especialização do País em áreas equivocadas, diz o estudo, rebatendo a ideia de que o problema da produtividade nacional seria uma decorrência de decisões históricas erradas. Não é o fato de a atividade econômica estar orientada para alguns setores que a torna improdutiva. “O País é ineficiente na grande maioria das atividades que realiza”, diz o Banco Mundial.
Para aumentar a renda de forma sustentável e gerar melhores empregos para a população, “o Brasil precisa melhorar drasticamente o seu desempenho em termos de produtividade”, avalia o relatório. Essa necessidade é especialmente premente tendo em vista que a população está envelhecendo rapidamente. Dentro de poucos anos, ao contrário do que ocorria antes, não se poderá contar com o impulso econômico decorrente de uma força de trabalho jovem e pujante. Estima-se que dois terços do crescimento econômico das últimas décadas foram movidos pelo chamado bônus demográfico.
Ao avaliar as possíveis causas da baixa produtividade, o estudo elenca três fatores principais. O primeiro é a falta de concorrência, tanto interna como externa. O ambiente de negócios interno dificulta a inovação e a entrada de novas empresas, favorecendo quem já está estabelecido no mercado. Na área externa, o relatório adverte para a existência de altas barreiras, tarifárias e não tarifárias, ao comércio.
Segundo o Banco Mundial, outro fator que diminui a produtividade é a concentração das políticas públicas em subsídios a empresas já existentes, o que distorce os mercados de capital e de trabalho. O objetivo dos subsídios estatais deve ser justamente o oposto: fomentar a concorrência e a inovação.
Como terceira possível causa para a baixa produtividade, o Banco Mundial indica a fragmentação dos órgãos de governo de apoio às empresas. Essa estrutura complexa é ineficiente, com baixo grau de controle. Com frequência, políticas públicas continuam em vigor mesmo depois de terem se mostrado ineficazes.
O Banco Mundial vê a necessidade de mudar a relação entre as empresas e o Estado, extinguindo as vantagens e os privilégios. Atualmente, constata-se um círculo vicioso. Como a concorrência é pequena, cresce o poder das empresas estabelecidas, no mercado e com o poder público. Isso facilita a manutenção de políticas que as beneficiam e intensifica ainda mais o seu poder. É preciso inverter a equação, para aumentar a concorrência. Assim, o poder das empresas será diminuído, facilitando a entrada de novas empresas e estimulando o aumento da produtividade.
Cabe às políticas públicas trazer equilíbrio ao mercado, e não incentivar distorções. O Banco Mundial é otimista. Se o País abrir mais sua economia e implantar as reformas em prol da produtividade, cerca de 6 milhões de brasileiros poderão sair da linha da pobreza, como consequência da geração de mais empregos e do crescimento da economia.

sábado, 17 de março de 2018

Vale do Silício aposta em educação disruptiva para crianças

A empreendedora Susan Wu levou seus conhecimentos do setor de tecnologia para a área educacional e fundou na Austrália uma escola fora dos padrões tradicionais

Estudantes da Lumineer Academy, na Austrália. A escola usa um modelo de ensino adaptado a partir das empresas de tecnologia.
Estudantes da Lumineer Academy, na Austrália. A escola usa um modelo de ensino adaptado a partir das empresas de tecnologia. Foto: Asanka Brendon Ratnayake para The New York Times

Adam Baidawi, The New York Times

MELBOURNE, Austrália - Na Lumineer Academy, uma escola do ensino fundamental aberta recentemente em Williamstown, Austrália, não há lição de casa. Não há salas de aula, nem uniformes ou notas tradicionais.
Em vez disso, há "espaços do criador", sessões de "pensamento ensolarado" e "palcos de exposição".
A escola, equipada como uma startup cheia de lousas brancas e cadeiras macias, parece uma ideia saída do Vale do Silício - e é.
A empreendedora por trás do conceito é Susan Wu, 44 anos, uma americana que já foi chamada de "mulher mais influente do mundo da tecnologia" e recomendou ou investiu em empresas como Twitter, Reddit e Stripe.
Susan e sua equipe dizem ter criado um modelo para o ensino infantil, chamado Luminaria, que promete preparar as crianças para se tornarem arquitetas do mundo do futuro, e não apenas participantes dele.
"Os modelos de escola atualmente em vigor foram pensados há mais de cem anos, para a Revolução Industrial", disse Susan. "Era uma sociedade interessada em fábricas homogêneas, escolas que produziam um modelo de trabalhador. O mundo mudou".
Mas os críticos enxergam a Lumineer Academy como mais uma das muitas tentativas feitas pelo Vale do Silício de empregar as mesmas técnicas usadas para criar um grande número de aplicativos de sucesso e usá-las para criar crianças de sucesso.
Nos Estados Unidos, conforme mais executivos de tecnologia levaram a cabo suas tentativas de abrirem escolas, especialistas em ensino debateram os efeitos do dinheiro e influência corporativos chegarem à sala de aula, às vezes alertando contra o fenômeno. Escolas e programas de ensino foram financiados por Elon Musk, fundador da Tesla, Reed Hastings, diretor-executivo da Netflix, e Marc Benioff, fundador da Salesforce.
Apesar dos lançamentos cheios de pompa e das promessas de perturbar o mercado do ensino, as escolas financiadas por executivos de tecnologia ainda não tiveram sucesso demonstrável. A AltSchool, fundada pelo ex-executivo do Google, Ventilla, anunciou no ano passado o fechamento de várias de suas instalações após uma série de prejuízos, apesar de ter captado US$ 175 milhões de investidores como Mark Zuckerberg, e de cobrar anualidades de aproximadamente US$ 28 mil.
Susan tem consciência dos desafios enfrentados por seus colegas do setor da tecnologia, mas diz que o modelo de sua escola, sua equipe e a localização, na Austrália, pode diferenciá-la das demais.
Cerca de um terço das crianças australianas estuda em escolas particulares, proporção quase três vezes maior que a observada nos EUA, o que significa que a questão dos sindicatos tem menos peso no país, e a influência corporativa e o ensino pago não despertam reações tão intensas. Como a maioria das escolas independentes australianas, a Lumineer Academy não tem fins lucrativos.
Susan diz que ela e as demais cofundadoras, Sophie Fenton e Amanda Tawhai, combinam seu tino para os negócios com seu conhecimento do ensino.
Sophie foi premiada como professora do ano na Austrália em 2013 e prepara exames para o Victorian Certificate of Education, prova final aplicada aos estudantes que concluem o ensino médio no estado de Victoria.
A Lumineer Academy foi inaugurada em janeiro num subúrbio rico de Melbourne. Há 130 alunos matriculados, e o custo anual é de aproximadamente AU$ 10 mil, ou US$ 8 mil.
Diferentemente da maioria das escolas particulares australianas, os estudantes da academia não precisam usar uniforme. Em vez disso, os alunos são incentivados a criar o próprio guarda-roupa dentro das opções possíveis (listras e calças de sarja).
As salas de aula são chamadas de "estúdios". Não há carteiras, mas os cômodos são mobiliados com sofás, cadeiras macias e mesas para serem usadas durante o trabalho.
O modelo Luminaria diz equilibrar matérias objetivas como programação de computadores com matérias mais abertas como inteligência emocional e trabalho em equipe, habilidades procuradas pelos empregadores.
Estudos indicaram que de 30% a 50% dos professores australianos abandonam a profissão nos primeiros anos da carreira. A Lumineer Academy tentou manter alguns deles no emprego com a promessa de liberdade para a criação de currículos mais abertos.
Glenn Savage, especialista australiano em políticas de ensino, disse que era difícil enxergar como os objetivos ambiciosos dessa escola poderiam se encaixar no sistema de ensino "altamente estruturado" da Austrália.
"É importante que os pais não trabalhem com a premissa falsa segundo a qual mandar seus filhos para uma escola que diz fazer as coisas de maneira diferente significa que eles não se ocuparão de tarefas como as dos alunos de outras escolas, porque não é isso que acontece", disse ele.
Mas, um dia, a filosofia do ensino parecia distante do objeto de estudo: uma colônia de formigas. Ines Morgan, 8 anos, disse que gostava especialmente de observar as formigas.
"Nossa pergunta era, 'O que ocorre com uma colônia de formigas quando esta é perturbada?'" explicou ela. "Elas viveram no caos durante um ou dois dias, mas, depois, mantiveram-se juntas e decidiram reconstruir a colônia".

Alunos querem que a escola reflita a vida real, diz brasileira jurada de prêmio da Unesco



Lucia discursa na Unesco
'O que se defende é a aprendizagem ativa, na qual o estudante tem de botar a mão na massa, experimentar', diz Dellagnelo, acima no Prêmio Unesco | Foto: Unesco
A brasileira Lucia Dellagnelo ajudou a escolher dois entre 143 projetos de tecnologia na educação que foram vencedores da mais recente edição do Prêmio Unesco, organismo da ONU para educação e cultura.
As iniciativas, praticadas na Índia e no Marrocos, receberão prêmio de US$ 25 mil.
Doutora e Mestre em Educação pela Universidade de Harvard, Dellagnelo foi secretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável em Santa Catarina de 2013 a 2015 e hoje é diretora-presidente da ONG Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb).
Na premiação da Unesco, ela foi presidente do júri e representante da América Latina. Em entrevista à BBC Brasil em São Paulo, Dellagnelo conta o que viu de mais inovador, entre tantas propostas mundo afora, para tornar a educação mais igualitária, contemporânea e qualificada usando a tecnologia. E opina sobre onde o Brasil vai bem e onde precisa melhorar.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Quais foram os critérios para escolher os projetos premiados em Paris?
Lucia Dellagnelo - Muitas pesquisas mostram que, para a tecnologia ter um impacto positivo na educação, é importante que seja trabalhada pelo menos em quatro dimensões: visão clara do objetivo, "para que e como vou usar a tecnologia"; competência dos professores e gestores no uso daquela tecnologia; qualidade dos conteúdos e recursos educacionais digitais desenvolvidos; e infraestrutura. Procuramos avaliar quais projetos realmente contemplavam isso, mas também consideramos se aquela política educacional era abrangente e de longo prazo.
BBC Brasil - O que seria esse longo prazo?
Dellagnelo - Por exemplo, um dos premiados, o Marrocos, tem uma política baseada nesses quatro pilares há mais de 15 anos. O país vem gradativamente implementando um plano chamado Genie, que sobreviveu a trocas políticas e de gestão. Se não for a longo prazo, é difícil correlacionar o uso de tecnologia com o impacto na qualidade. Não é pelo fato de usar um aplicativo ou uma plataforma adaptativa num ano que no seguinte serão vistas melhorias.
BBC Brasil - O projeto da Índia também tinha esse perfil?
Dellagnelo - A Índia tem um problema muito sério: a evasão no que seriam os nossos fundamental 2 e ensino médio. O jovem faz a escola primária, aprende a ler e escrever, e depois tem muita dificuldade em seguir adiante não só por problemas econômicos, mas também porque, em vilas muito pequenas e distantes dos grandes centros, não existe oferta de ensino médio. Não há quem dê aula de física e química nesses lugares, por exemplo.
Por meio de videoaulas à distância, e usando uma parceria com a (universidade americana) MIT no desenvolvimento de tecnologia e laboratórios virtuais, conseguiram baixar o índice de evasão de jovens oferecendo um conteúdo de muita qualidade. O projeto, chamado CLIx, é de um instituto, em parceria com governos locais.
BBC Brasil - O prêmio valorizou a inovação também? Videoaulas são usadas já há algum tempo em outros lugares.
Dellagnelo - A função maior do prêmio é dar visibilidade a projetos que estão acontecendo e mostrar que, às vezes, uma tecnologia pode não ser uma grande inovação num país e ser em outro. Para uma população isolada, que não tem nem luz elétrica, que precisa usar gerador para acessar a internet, o impacto da videoaula é muito diferente.
Tem um projeto chinês, de que gostei muito também, em que um professor da capital, identificado como muito capaz, dava aulas interativas às vezes para 300 crianças espalhadas em vários lugares do país. Ao mesmo tempo, formava o professor dessa vila, que estava lá assistindo.
Sim, a videoaula não é uma tecnologia revolucionária - existe isso no Amazonas, inclusive -, mas tivemos que usar essa relatividade na votação: a tecnologia proposta resolve algo que não estaria sendo resolvido se não existisse?
Para mim, fica claro que tem solucionado um problema real, que é o acesso a professores qualificados. Porque o prêmio também tem esse viés: toda criança e jovem do mundo, independentemente do país, da cultura e da língua que fala, tem direito à educação de qualidade. Como a gente faz a tecnologia trabalhar a favor desse direito? (...) Tentamos mostrar políticas mais amplas de uso de tecnologia que foram incorporadas, de certa maneira, pelo poder público - nacional, estadual ou local -, fazendo uma mudança sistêmica.
BBC Brasil - Projetos brasileiros também concorreram?
Dellagnelo - Sim, mas eles não ficaram entre os 25 finalistas. Acho que uma das razões é o fato de serem voltados a grupos muito específicos. Um era de educação ambiental que usava tecnologia, porém estava muito pautado por visitas presenciais. Um outro, de uma professora de acessibilidade, focava na tecnologia para pessoas com deficiência auditiva.
BBC Brasil - Você foi jurada representando a América Latina. Qual a situação do Brasil no continente em termos de tecnologia educacional?
Dellagnelo - Tem países que estão melhores do que a gente nesse quesito, como Uruguai, Chile e Costa Rica. O Uruguai adotou o projeto Plan Ceibal, cujo lema é "um computador por aluno". É um país superpequeno, de 3,5 milhões de habitantes, parece muito mais fácil fazer isso. Mas esse mesmo projeto, que conta com cento e poucos funcionários, também cuida de toda a tecnologia educacional: compra, distribui e faz manutenção de computadores, além de capacitar professores e fazer parcerias.
O país tinha, por exemplo, um grande problema com professores de inglês na área rural. Fizeram um convênio com o Reino Unido e todas as aulas de inglês são dadas a partir de Londres, com o professor também ali, aprendendo.
BBC Brasil - A experiência chilena é parecida?
Dellagnelo - Lá houve um desenvolvimento diferente. O centro de inovação em educação se chama Enlaces e era uma rede de universidades que fazia pesquisa e experiências em tecnologia educacional. Depois de alguns anos, ele foi incorporado pelo Ministério da Educação como um departamento que só cuida disso. Na Costa Rica, é uma fundação sem fins lucrativos que também recebe a atribuição do governo de cuidar de toda a tecnologia educacional, treinar os professores, comprar computadores e tal.
BBC Brasil - Onde o Brasil está pecando?
Dellagnelo - Não temos essa incorporação em larga escala da tecnologia nas escolas brasileiras. Oferecemos soluções tecnológicas de vanguarda, as empresas brasileiras não deixam nada a desejar nesse ponto, mas temos iniciativas isoladas no dia a dia escolar. Por quê?
Entre outros motivos, a nossa infraestrutura não é a melhor e o nosso professor não sabe incluir a tecnologia na prática pedagógica dele. Um dos diferenciais do projeto marroquino premiado foi a criação, em parceria com a Coreia do Sul, de centros de formação profissional para professores em várias regiões. O Brasil está precisando disso.
BBC Brasil - Para implementar políticas públicas, são necessários bons gestores. Como estamos nessa categoria?
Dellagnelo - Temos excelentes gestores públicos. O problema é que a gestão pública é confundida com a política. Quando há troca de governo, às vezes um excelente gestor vai para um cargo totalmente secundário para dar lugar a um afilhado político. Então há uma desvalorização contínua. Mas fico bastante impressionada quando vou a Brasília e encontro jovens comprometidos e bem formados eticamente. Acho que está surgindo uma nova geração. Se conseguissem diminuir a ingerência política...
BBC Brasil - Professores jovens têm mais facilidade para implementar a tecnologia na sala de aula?
Dellagnelo - Se faz diferença a geração digital do professor? Não necessariamente. Não é pelo fato de usar constantemente a tecnologia na sua vida que um professor jovem vai saber ensinar com tecnologia. Não está correlacionado diretamente com a idade, e sim com se formar para fazer isso.
BBC Brasil - Mas uma aula, hoje, pode ser atraente se o professor usar somente lousa e pincel atômico?
Dellagnelo - Há ótimos professores que não usam muito a tecnologia, mas o que não se pode continuar fazendo é dar aquela aula tradicional na qual o professor transmite o conhecimento e acha que seus alunos estão passivamente absorvendo o conteúdo. Os nativos digitais têm um spam de atenção muito curto. Fala-se em 10 a 15 minutos. Se o professor ficar falando uma hora, eles focarão apenas 25% desse tempo no que ele falou.
Hoje, o que se defende é a aprendizagem ativa, na qual o estudante tem de botar a mão na massa, experimentar, tentar resolver um problema real com aquela informação, com aquele conhecimento, para realmente poder aprender. E tem a questão da contemporaneidade. Os alunos querem que a escola reflita minimamente o que é a vida fora dela, uma vida permeada por tecnologia.
BBC Brasil - É preciso recorrer ao que há de mais moderno para cativar a atenção deles?
Dellagnelo - Não é necessário nada muito sofisticado. Fui dar uma palestra no Espírito Santo faz alguns dias e lá havia uma professora de uma escola do interior do Estado que usa um aplicativo gratuito chamado Remind. Essa professora monta a sala dela na plataforma, inclui todos os alunos, cujos e-mails estão cadastrados, e planeja a aula com uma sugestão de leitura. Como praticamente todos os estudantes têm celular, vai fazendo perguntas via smartphone: "Gente, só pra ver se leram mesmo, qual o nome do cara que fez tal coisa?". Pega as respostas, mas não precisa ficar corrigindo uma a uma. O próprio aplicativo diz quantos e quais acertaram.
Aí ela organiza a sala pelos grupos de alunos que sabe que já aprenderam esse conteúdo e para quem ela pode dar uma nova tarefa, e por aqueles que precisam de uma atenção especial. Ou seja, usando um aplicativo gratuito, sem uma infraestrutura do outro mundo, está fazendo uma revolução na educação.
BBC Brasil - Essa interação poderia acontecer apenas no plano virtual?
Dellagnelo: Parece um paradoxo, mas, quanto mais a gente usa a tecnologia, mais a gente valoriza na educação os momentos presenciais. Mas esses momentos presenciais não são apenas transmissão de conhecimento. São reflexão, atividades práticas, colaboração entre os estudantes.
BBC Brasil - E dá para ter só tecnologia, sem professor?
Dellagnelo - Não. Essa é uma coisa que as pesquisas estão mostrando. Três relatórios publicados no final do ano passado mostram que é muito importante colocar a tecnologia na mão do professor, e não direto e somente no colo dos alunos. Entre todas as variáveis, talvez a qualidade do professor e da prática pedagógica dele seja a variável mais forte para associar o nível de aprendizagem da criança e do jovem ao mundo tecnológico. Alguém precisa ensinar a eles as implicações e o funcionamento daquela ferramenta.
BBC Brasil - O aluno precisa entender de algoritmo?
Dellagnelo: A Base Nacional Comum Curricular (documento recém-aprovado pelo Ministério da Educação, com as diretrizes básicas de o que deve ser ensinado nas escolas do país) tem uma competência geral que fala em "utilizar tecnologias de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas do cotidiano, incluindo as escolares, para se comunicar".
O Cieb insistiu que "utilizar" não é suficiente. Tem de compreender e também criar tecnologias. O aluno hoje precisa saber minimamente como programar e entender a lógica da programação. Não é que todo muito vai virar programador, mas o aluno tem de entender o algoritmo por trás de um Facebook, de um Google, para compreender como a tecnologia está recomendando coisas que ele acha mágicas: "Ah, como ele sabia que eu queria comprar isso?" Ao entrar na internet, está se deixando rastro. Esse rastro esta sendo cada vez mais explorado por empresas para o marketing, por exemplo.
BBC Brasil - Inteligência Artificial é um conceito acessível?
Dellagnelo - Sim, o aluno precisa entender o que é Inteligência Artificial, compreender como é alimentada - alguém forneceu aquele dado, às vezes sua própria pegada digital, seu comportamento nas redes sociais. Parece um ambiente neutro. Como eu não vejo um interlocutor na minha frente, posso falar qualquer coisa e a qualquer hora. A pegada digital, a reputação digital são valores que os professores precisam ensinar para os alunos. Tem que ensinar também a usar as redes sociais para fazer mobilizações, para fazer sua voz ser ouvida.
BBC Brasil - Alguns youtubers brasileiros têm cerca de 20 milhões de seguidores entre crianças e jovens. Qual é a melhor estratégia em sala de aula para lidar com a influência deles?
Dellagnelo - A função do professor é ouvir o que esse youtuber está transmitindo e dizer, se for o caso, "vamos aprofundar, vamos discutir isso aqui". A tecnologia permite mais equidade - alunos de diferentes regiões conseguem receber a mesma educação - e contemporaneidade. Mas é o professor quem precisa fazer essa ponte. É papel dele ajudar os alunos a entender esse mundo.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Mais inovação, mais desigualdade?

Ana Maria Diniz

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Ana Maria Diniz
A educação que vale a pena


Ana Maria Diniz
15 Março 2018 | 13h46
Há cerca de cinco anos, quando todos os envolvidos em Educação se deram conta de que as escolas precisariam mudar radicalmente para serem capazes de preparar as crianças para o mundo atual, eu acreditava, assim como outros especialistas no assunto, que essa transformação se daria em no máximo uma década. O avanço exponencial da tecnologia e o acesso cada vez mais fácil ao conhecimento já estavam promovendo uma reviravolta na sociedade, em diferentes âmbitos e setores, o que justificava essa predição. Era de se esperar que tudo no ambiente escolar estivesse diferente neste meio tempo: os espaços físicos, o layout das classes, a metodologia, a atuação dos professores em sala de aula e a participação dos alunos na aquisição e construção do próprio saber.
Hoje, eu tenho dois sentimentos contraditórios. Por um lado, estou feliz em ver que essa transformação está mais rápida do que eu pensava em algumas escolas brasileiras. Muitas delas estão inserindo inovações importantes em suas metodologias e mudaram as estruturas dos currículos para absorver e envolver o aluno, garantindo um aprendizado diferenciado. Um exemplo é o tradicional Colégio Bandeirantes, de São Paulo, que incorporou as artes e a robótica a fim de desenvolver nas crianças as habilidades cognitivas e socioemocionais. O Dante Alighieri, também na capital paulista, é outro: começou a trabalhar as disciplinas de forma interdisciplinar e adotou a abordagem STEM para estimular competências como resolução de problemas e criatividade. Também estão surgindo escolas como a Avenues, a Concept e a Wish, em São Paulo, que já nasceram diferenciadas. São instituições que oferecem ensino bilíngue, holístico, focado no aprendizado por projetos, na cidadania global e no protagonismo do aluno.
Por outro lado, estou muito preocupada porque todas essas escolas são escolas de elite e estão em São Paulo. A realidade das nossas escolas públicas, que eu também conheço razoavelmente, é diferente: as inovações ainda não chegaram e elas não estão tendo transformação quase nenhuma. Ou seja, as inovações não chegam às pessoas que mais precisam. No início dessa revolução, eu acreditava que a tecnologia era um fator que iria aproximar as duas realidades, a Educação dos pobres e dos ricos, mas agora estou achando quer ela vai aprofundar esse fosso.
Algumas pesquisas recentes têm demonstrado exatamente isso: em muitos casos, a tecnologia na Educação está contribuindo para aumentar a disparidade social em vez de diminui-la. Uma delas, feita pela americana NMC no ano passado, concluiu que o letramento digital tem avançado de forma desigual pelo mundo. Segundo o estudo, focado no ensino superior, apesar de o uso da tecnologia ser cada vez maior, somente a inserção de ferramentas tecnológicas não garante a formação de estudantes preparados para um contexto produtivo cada vez mais dinâmico e diferenciado como o que se desvela. A pesquisa também notou que os esforços para que as competências digitais sejam desenvolvidas de maneira efetiva são bastante desequilibradas entre os países e que clima político e econômico de cada nação exerce grande influência – negativa ou positiva – sobre o progresso ou do letramento digital. Várias outras publicações, que abordam outras etapas de ensino, vislumbram situações semelhantes.
Acho que todos nós que, de alguma forma, estamos envolvidos com Educação no Brasil deveríamos nos dedicar a achar soluções que aproximem essas duas realidades e aproveitar este ano para eleger pessoas realmente comprometidas com esta causa.