segunda-feira, 30 de abril de 2018

Como identificar sinais e prevenir suicídio entre adolescentes

Segundo a OMS, 90% dos casos podem ser evitados; estar atento aos avisos que a pessoa dá é essencial para impedir a tragédia

Por Marcella Centofanti


A divulgação de casos recentes de suicídio entre alunos de escolas particularesde São Paulo deixou adolescentes, pais e professores alarmados. Há motivos para preocupação. Embora adultos se matem mais, o crescimento dessas fatalidades entre os jovens é maior no Brasil. De 2005 a 2016, últimos dados disponíveis no Ministério da Saúde, o suicídio na faixa etária de 10 a 14 aumentou 31%, passando de 0,54 para 0,71 por 100 mil habitantes. Entre aqueles com 15 a 19 anos, subiram 26%, saltando de 2,97 para 3,76 por 100 mil pessoas. Estudiosos no tema acreditam que os números reais sejam maiores – o tabu provoca subnotificação. Diante desse cenário, surge o debate: como impedir que novas tragédias aconteçam?
Mortes auto infligidas são arrasadoras para familiares e amigos da pessoa que morreu. Uma estimativa feita pela psicóloga Julie Cerel, presidente da Associação Americana de Cuidados com o Suicídio, revela que 135 indivíduos são afetados, em média, quando alguém tira a própria vida – um terço de forma mais severa. Cerca de 5% de todos esses afetados repetem o comportamento.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados. As comunidades desempenham um papel fundamental na prevenção dessa tragédia, segundo a OMS, na medida em que podem oferecer apoio a indivíduos vulneráveis e estimular seu tratamentoapropriado.
Hoje, no Brasil, o principal meio disponível para quem precisa de ajuda é o Centro de Valorização da Vida (CVV)associação sem fins lucrativos que há 54 anos oferece serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio. O Ministério da Saúde recorreu ao CVV para tentar barrar o crescimento de mortes autoprovocadas no país. Desde março de 2017, as ligações ao número 188 são gratuitas, inclusive por celular e orelhão. Com a mudança, os atendimentos saltaram de 1 milhão para 2 milhões por ano. A projeção para 2018 é 2,5 milhões.
O CVV não tem informações sobre a idade das pessoas que procuram o serviço, uma vez que as ligações são anônimas. Estima, no entanto, que o número de adolescentes em busca de socorro aumentou. “Percebemos que jovens gostam de se comunicar por chat e e-mail. Na época do lançamento do seriado 13 Reasons Why, os atendimentos por e-mail cresceram 445%”, afirma Carlos Correia, porta-voz da associação. Divulgada em 2017, a série da Netflix conta a história de uma menina que tira a própria vida.
Alguns fatores explicam porque adolescentes podem tomar essa atitude tão drástica. Com o cérebro em formação, jovens são naturalmente mais impulsivos. Há ainda a imaturidade inerente à idade, predisposição genética e influências ambientais e sociais. Histórico familiar, abusos (físicos, sexuais e psicológicos, como o bullying), uso de álcool e drogas e distúrbios mentais (depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia são alguns deles) estão entre os fatores de risco.

Como ajudar

De acordo com a OMS, a maioria das mortes autoprovocadas são precedidas de avisos – é mito que indivíduos que falam sobre suicídio não querem concretizá-lo. Por isso, o primeiro passo para evitar que uma pessoa tire a própria vida é estar atento aos sinais verbais e comportamentais que ela dá (ver abaixo).
Com a experiência de 26 anos como voluntário no CVV, Carlos Correia aponta de que maneira ouvir um desabafo alheio. “Não interfira na fala da pessoa, não julgue, não desmereça seu sentimento e não aponte caminhos. Ouça o que o outro tem a dizer com atenção, carinho e respeito”, diz. Ofereça seu tempo. “Você vai quebrar a narrativa da pessoa se olhar no relógio enquanto ela fala.” Esteja disponível para conversar novamente e informe sobre ajuda profissional – o papo entre amigos não substitui o suporte médico e psicológico. “É preciso quebrar o tabu do suicídio. E falar sobre ele é a melhor solução para isso”, afirma Correia.
A psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, especialista nos estudos de suicídio e pós-doutora em psicologia, listou sinais a que familiares, professores e amigos devem ficar atentos:

Sinais de alerta verbais

“Resolverei o problema de vocês”
“Em breve, vocês não precisarão se preocupar comigo”
“Se isso acontecer novamente, prefiro estar morto”
“Não aguento mais!”
“Eu sou mesmo um fracassado e inútil”
“Estou cansado dessa vida, não quero continuar”
“Eu não consigo aguentar isso”
“Quero sumir!”

Sinais de alerta comportamentais 

Automutilação
Isolamento
Pertubações no sono (excessivo ou insônia)
Dificuldade de concentração
Irritabilidade, intensa raiva, desejo de vingança
Medos e preocupações
Pensamentos sobre morte ou sobre morrer
Culpa, vergonha e cobranças e não ter atingido expectativas
Oscilação de humor, pessimismo, desesperança, desespero, desamparo
Ansiedade, dor psíquica e stress acentuado
Sensação de estar preso e sem saída
Desfazer-se de objetos importantes
Despedir de parentes e amigos

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Uma opressão maior que a vida




A infelicidade extrema, a falta de esperança e a frustração com as vicissitudes inerentes à vida têm produzido um quadro alarmante na última década no Brasil: em média, 11 mil pessoas se matam por ano, um a cada 48 minutos, 30 por dia. Jovens com imensurável potencial para se destacar em inúmeras atividades estão decidindo por fim à própria vida bruscamente por não saber lidar com as opressões do mundo atual. Em vez de acalentar projetos, muitos interrompem seus sonhos com frequência inaceitável. Na semana passada, o tema ganhou visibilidade novamente no tradicional Colégio Bandeirantes, na zona Sul de São Paulo. A escola, cuja qualidade do ensino a coloca entre as mais conceituadas da Capital, comunicou a ocorrência de dois suicídios entre seus alunos, um de 16 e outro de 17 anos, em um intervalo de dez dias. No mesmo período houve um terceiro caso no Colégio Agostiniano São José, na zona Leste da cidade. A notícia causou comoção nas redes sociais e, ao mesmo tempo, abriu um debate franco – e oportuno – sobre o assunto.




De forma quase silenciosa, o suicídio é, hoje, a quarta maior causa de mortes entre pessoas de 15 a 29 anos no País. É a terceira entre homens. Embora com uma ligeira queda em 2016, as ocorrências vêm apresentando uma incômoda tendência de alta nesta década. Mundialmente, o suicídio é a segunda maior causa de morte na mesma faixa etária. Uma das principais causas dessa onda nefasta é a epidemia de depressão e de outras doenças psiquiátricas que assola a sociedade e afeta uma grande população jovem. Os que se matam sofrem, em geral, com alguma dessas doenças e enfrentam grande solidão e tristeza. “É bastante difícil para todos nós lidar com essa situação. É como um tsunami”, afirma a coordenadora do Bandeirantes, Estela Zanini. “Essas duas tragédias afetaram muito a escola, geraram grande ansiedade entre professores, pais e alunos e nos levaram a intensificar várias ações preventivas e de apoio”.


“Se eu tivesse a chance de voltar no tempo para valorizar mais os sinais que ela estava dando, que não era só um problema da idade, mas um sofrimento real, eu voltaria ”Terezinha Máximo, 45 anos, mãe de Marina, que se suicidou aos 19 (Crédito:Gabriel Reis)


Nenhum dos dois estudantes era alvo de bullying, um dos fatores que costumam desencadear processos suicidas. Os dois tinham amigos, seus pais eram presentes e ambos tiravam notas altas, acima da média. Não foram influenciados por jogos ou séries de TV ou um pelo outro, segundo a escola. Os dois não se conheciam. Eram de turmas diferentes: um do segundo ano do ensino médio e outro do terceiro. O colégio tem 2750 alunos. De acordo com Estela, os dois conseguiam enfrentar o altíssimo nível de exigência e de competitividade do Bandeirantes com relativa facilidade. Estavam, porém, enfrentando dificuldades pessoais e pressões sociais que mesmo as pessoas mais próximas desconheciam. O primeiro, S.C.R. que cometeu um ato mais planejado, sofria com sintomas de uma depressão e recebia acompanhamento médico. Suicidou-se um dia antes da semana de provas. Não deixou nenhum bilhete nem qualquer pistas sobre o que foi o estopim da decisão de se matar. Desolado, seu pai o descreveu com ternura no Facebook: “Amado, doce, sensível, inteligente, aplicado, exigente, articulado, carinhoso, protetor, amigo, fiel, engajado, questionador e com um olhar para as questões do nosso mundo que não tenho palavras para explicar.” O segundo, que tinha um irmão gêmeo, foi mais impulsivo e não dava sinais preocupantes de que poderia se matar. Tudo aconteceu de repente, depois de uma festa, na madrugada de sábado para domingo, 22. O deflagrador do suicídio foi uma desilusão amorosa, depois de ter visto a namorada com outro garoto. Ele chegou em casa e, sem dar nenhuma pista do que faria a seguir, saltou do oitavo andar. Diferentemente do primeiro caso, os pais não se manifestaram publicamente.


“Ela não dava nenhum sinal de que pretendia tirar a própria vida. Estava normal, prestando vestibular para Direito” Ivo Oliveira Faria, 59 anos, pai de Ariele, que se suicidou aos 18 (Crédito:Gabriel Reis)

A direção da escola tomou a decisão sensata de abordar o assunto de forma direta e está acolhendo seus alunos mais vulneráveis psicologicamente, além de ter planejado diversas ações preventivas depois que os casos aconteceram. Professores e funcionários receberam treinamento e foram estabelecidos espaços de diálogo para todas as turmas. Para as classes de terceiro ano do ensino médio, as aulas foram suspensas no dia 23 e no dia 24 foram organizados encontros para conversa e reflexão, além de ações de acolhimento. A escola diz que está preparada para ajudar os alunos no enfrentamento do luto. Com 74 anos de existência, o Bandeirantes tinha registrado, até então, dois casos de suicídio, um há 15 anos e outro há 30 anos.
“A gente está recolhendo os escombros, a escola está realmente afetada e nosso trabalho de acolhimento agora é como um atendimento de emergência”, explica a psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, responsável pelo programa de prevenção pós-suicídio no Bandeirantes. A escola tinha chamado Karina para lidar com o luto do primeiro aluno, morto no dia 10 de abril, e quando ia implantar seu programa aconteceu o segundo caso. Houve um grande número de pais pedindo mais informações. “O suicídio é um ato de comunicação. O mais importante é não negar o fato, a negação do sofrimento é a causa maior de perturbação”, diz Karina. “O que provoca mais problemas são as elucubrações e as coisas que são faladas.
A dura realidade é que as pessoas ficam sem chão. Como a escola vai lidar com a ausência desses alunos que de uma hora para outra se tornaram muito presentes? Toda a escola, a direção, os professores, os alunos têm tentado digerir o que é muito indigesto.” Segundo ela, muitas escolas enfrentam o problema com seus alunos, mas evitam qualquer divulgação. Desde que começou a trabalhar com o Bandeirantes, ela já foi procurada por oito escolas interessadas em seus serviços – em palestras de esclarecimento para pais e em treinamento de grupos de apoio. Uma das recomendações da OMS é não divulgar detalhes sobre os métodos de realização do suicídio para não influenciar pessoas mais vulneráveis.

Quem teve a dolorosa experiência de perder uma filha dessa forma foi a dona de casa Terezinha Máximo, de 45 anos. Sua caçula Marina se suicidou em março do ano passado, aos 19 anos. A jovem, que estudava filosofia na Universidade Federal do ABC, estava em tratamento contra depressão, mas mesmo com esse apoio psicológico e com a ajuda da família e dos amigos sucumbiu ao sofrimento. “A gente fica com uma série de perguntas, uma série de porquês e fica pensando no que pode ter feito de errado”, afirma Terezinha. Marina era uma menina alegre que passou por uma intensa mudança de humor a partir dos 17 anos. “No começo achávamos que fosse TPM, problemas de adolescente que ficariam para trás, mas a situação se agravou”, lembra Terezinha. A garota passou a fazer tratamento psiquiátrico e a tomar medicação, mas isso não impediu que ela passasse a se automutilar, um sinal de alerta em muitos processos suicidas (leia quadro). Em certo momento, começou a dizer que não queria continuar daquela forma. “A pior parte de tudo isso é reaprender a viver sem a pessoa”, afirma Terezinha. Ela e o marido Joseval, que têm outro filho de 27 anos, montaram um blog e coordenam hoje um grupo de apoio para ajudar pessoas a se recuperar do luto do suicídio. “Se eu tivesse a chance de voltar no tempo para valorizar mais os sinais que ela estava dando — não era só o problema da idade, mas um sofrimento real, eu voltaria”.
Sensação parecida é a do oficial de Justiça aposentado Ivo Oliveira Faria, de 59 anos. Sua filha Ariele, de 18 anos, se suicidou em março de 2014. “Naquele dia, a gente almoçou normalmente num restaurante e a única coisa que ela fez de diferente foi pedir um suco de manga em vez de laranja”, lembra. “Ela não dava nenhum sinal de que pretendia tirar a própria vida, estava normal, tinha terminado o ensino médio e estava prestando vestibular para Direito”. Ariele era uma menina calada, mas muito afetuosa e maternal. Demonstrava grande voracidade de leitura e na escola tinha desempenho mediano.
Três meses antes de se suicidar ela comunicou o pai de que pararia de frequentar a Igreja Gnóstica Cristã, o que fazia desde a infância com a família. “Disse para ela que não haveria problema, que eu lhe daria todo o apoio”, afirma Faria. Antes do último ato, Ariele deixou um bilhete em que dizia que não aguentava mais, que sua decisão não tinha culpas e que gente morta não decepciona ninguém. “Entrei em parafuso depois da sua morte. Me falaram de um grupo de apoio aos sobreviventes do suicídio, o Vita Alere, e fui numa primeira reunião ainda em 2014”, diz. “Frequento o grupo desde então para lidar com meu luto.” Criar um grupo para lidar com o luto foi o que fez o geógrafo cearense Tadeu Dote Sá, que perdeu a filha Bia, de 13 anos, em 2008. Tadeu criou o Instituto Bia Dote de Amor e Paz, onde são promovidas reuniões, palestras, rodas de conversas e muitas outras ações que ajudam na prevenção do suicídio. “Investimos no instituto como se fosse uma faculdade ou um carro que a gente daria para a Bia”, diz Tadeu.
A decisão de se matar sofre influências biológicas, psicológicas, sociais e culturais. A adolescência é um período de especial vulnerabilidade porque envolve mudanças hormonais, definições de personalidade, cobranças de desempenho, obrigando meninos e meninas a enfrentar um mundo em transformação. “O jovem está mais doente psiquicamente de um modo geral”, diz a psicóloga Karin Scavacini, que está à frente do Instituto Vita Alere de prevenção e reação pós-suicídio. “Há uma dificuldade de aceitar a experiência da solidão e do sofrimento, baixa tolerância à frustração e uma obrigação de parecer de bem com a vida.” A ansiedade em relação ao desenvolvimento escolar e profissional tem afetado mais as novas gerações, sobretudo a partir do ensino médio e durante a universidade. No ano passado, houve pelo menos seis tentativas de suicídio entre alunos do quarto ano da Faculdade de Medicina da USP. “Em 90% dos casos de suicídio, a pessoa tinha uma doença psiquiátrica que pode ou não ter sido diagnosticada antes da morte”, afirma o psiquiatra Celso Lopes de Souza. “A coisa é mais complexa do que achar culpados únicos, causas únicas.” Para o psiquiatra, na maioria dos casos, a pessoa que se mata não quer morrer. Ela apenas quer renascer de uma situação difícil que está vivendo e que acha que nunca vai acabar. O psicólogo americano Edwin Shneidman, considerado o pai da suicidologia moderna, diz que o suicídio é um ato definitivo para um problema que tende a ser temporário.
De acordo com a psicanalista Débora Damasceno, diretora da Escola de Psicanálise de São Paulo, os suicidas têm algo em comum: falta de perspectiva para o futuro. “O que os adultos precisam fazer é responsabilizar o jovem pela própria saúde mental. Isso acaba com a pressão de que ele não pode falar. Mas o adulto tem que estar disposto a ouvir”, afirma. Segundo ela, os adultos têm uma conduta protecionista com os jovens, o que faz com que a autonomia deles seja tirada. “A pergunta que o jovem tem que fazer é: ‘Eu estou conseguindo lidar com os meus sentimentos’? O impulso do suicídio não é do nada, é algo que vem acontecendo gradativamente”, explica. Débora também afirma que quando o adolescente não quer falar sobre suas questões é preciso observar sinais. “Se eles são bem comportados demais, não têm um comportamento de questionar a própria realidade e não pensam no futuro, essa não é uma conduta comum de um adolescente”, diz.
Uma das consequências mais dramáticas dos suicídios é o desconsolo e a desolação daqueles que ficam, principalmente os mais próximos. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que um suicídio afeta diretamente entre seis e dez pessoas. Algumas são contagiadas a ponto de também cometerem um ato final. Os sentimentos de quem conviveu intimamente com o suicida envolve culpa (“eu poderia ter feito alguma coisa”), vergonha (a ideia de que suicídio é um fracasso, uma covardia, e não se deve falar do assunto), impotência (por não ter conseguido fazer nada para evitá-lo) e falta de conhecimento (as profundas razões que levam alguém a se matar são um mistério). Acima de tudo, há uma grande dificuldade de respeitar o sentido da vida do outro e aceitar sua decisão.


A importância de falar

Um dos trabalhos mais consistentes de prevenção ao suicídio no Brasil é realizado pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), fundado em 1962, que, nos últimos anos, tem aberto novos canais gratuitos de comunicação e ampliado sua capacidade de atendimento para todas as classes sociais, o que tem causado um grande aumento da demanda por seus serviços. Em 2017, o número de chamadas para o CVV duplicou, saltando de um milhão, em 2016, para dois milhões. Dois eventos no ano passado — a série do Netflix “13 Reasons Why” e o jogo Baleia Azul —, justificam parte desse aumento, diz o porta-voz do CVV, Carlos Correia. Durante a exibição da série, as escolas entraram em pânico e se falou muito em bullying e suicídio. Mais adolescentes e jovens entraram em contato. “Os relatos que recebemos demonstram uma solidão muito grande e muita dificuldade da pessoa compartilhar o que está sentindo”, afirma Correia. “Além de não julgarmos as pessoas pelo sofrimento, damos a oportunidade para ela fazer uma reflexão sobre a própria vida em um ambiente receptivo e amistoso”. Citando projeções da OMS, Correia diz que 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados com um esforço de prevenção adequado. A meta do Ministério da Saúde é diminuir em 10% os casos de suicídio no Brasil até 2020 — objetivo alinhado com o da Organização Mundial de Saúde. Ainda que a redução seja alcançada, o número permanecerá alto. Mudar esse quadro definitivamente depende de uma atenção maior às situações que fragilizam os jovens e tornam o sentimento de opressão maior que a vontade de viver.

Acesso ao ensino superior

Mozart Neves
Diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna. Foi reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), secretário de Educação de Pernambuco (2003-2006) e presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação). Foi presidente executivo do Todos Pela Educação (2007-2010)

O maior objeto de desejo para a larga maioria dos jovens é obter um diploma universitário, não só pelo status social que isso traz, mas também porque representa maiores oportunidades de emprego qualificado no mundo do trabalho. Estudos do economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas/RJ, mostram que, para cada ano de estudo, há um impacto médio de 12% na renda do trabalhador. Mas, se essa pessoa tem ensino superior, o impacto é de 36%. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que, no período de janeiro a maio do ano passado, havia menos 102.483 vagas voltadas para trabalhadores com ensino fundamental completo ou incompleto – ou seja, os postos de trabalho “encolheram” para aqueles com menos instrução; por outro lado, para trabalhadores com ensino médio e/ou ensino superior, mesmo que incompleto, o saldo foi positivo, com 85 mil novas vagas disponíveis!
Na perspectiva do aumento da produtividade de uma nação, o impacto mais significativo ocorre a partir dos onze anos de escolaridade. Ou seja, o impacto médio dos anos associados ao ensino superior na produtividade do trabalho é de 25%.
Apesar do reconhecimento do valor do ensino superior, o percentual de jovens de 18 a 24 anos (faixa etária esperada para cursá-lo) com acesso a ele ainda é muito baixo no Brasil, não obstante o crescimento verificado na última década. Atualmente, para cada 100 jovens nessa faixa etária, apenas 18 estão no ensino superior, número bem inferior aos verificados em países vizinhos, como Argentina, Chile e Uruguai.
Para acelerar esse crescimento, a Meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), que se encerra em 2024, se refere especificamente à expansão do ensino superior no Brasil. De acordo com ela, pretende-se chegar a um percentual de 33% de jovens de 18 a 24 anos nesse nível de ensino. Se considerarmos o crescimento verificado nos últimos cinco anos (2011 a 2015), o país não alcançará essa meta, que já foi a mesma colocada no PNE anterior, de 2001 a 2010.
Contribuem para isso pelo menos dois importantes fatores: o crescimento do número de desempregados jovens e a redução do financiamento público de estudos nas instituições particulares de ensino superior via Fies – importante instrumento de financiamento do ensino superior para jovens de baixa renda, que, no entanto, atende apenas a uma pequena parte do contingente jovem nessa situação.
Adicionalmente, e não menos relevante, há outro fator que, se não resolvido, será o impeditivo determinante para o alcance dessa meta do ponto de vista não do ingresso na universidade, mas da permanência e da conclusão dos estudos: a baixa qualidade da educação básica em nosso país. Muitos jovens até conseguem entrar na universidade, mas não alcançam o êxito esperado, em função dos significativos déficits de aprendizagem que trazem consigo. Por exemplo, de cada 100 alunos que concluem o ensino médio – e que estariam a priori aptos a tentar uma vaga na universidade –, apenas sete aprenderam o que seria esperado em matemática; em língua portuguesa, esse número é um pouco maior – 28, mas nada animador.
Portanto, para que o sonho do acesso ao ensino superior se realize, é preciso fazer dois grandes movimentos: melhorar a qualidade da educação básica e ampliar as fontes de financiamento para os jovens de baixa renda. Isso requer que o país, de fato, priorize a educação e a veja como o novo nome do desenvolvimento, como diz o movimento Santa Catarina pela Educação. Se para alguns isso pode parecer custo, para outros significa investimento. Como diz Derek Bok, ex-presidente da Universidade de Harvard: se você acha a educação cara, experimente a ignorância.

Não priorizamos a educação, não, senhor

Claro que a educação, sozinha, não resolve todos os problemas, mas nunca vamos melhorar de verdade enquanto não investirmos nela e nas pessoas

Priscila Cruz
Mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School (EUA), é fundadora e presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação

Imaginem se o Brasil tivesse uma inflação de 55% ao mês. Ou se apenas 7% dos pacientes saíssem vivos de cirurgias. Ou se nosso PIB estivesse entre os 10% mais baixos do mundo. Por certo, haveria elevadíssimo senso de urgência para resolver esses problemas nacionais.

Pois um cenário tão grave quanto esse está verdadeiramente em curso, mas completamente desconhecido ou banalizado: 55% das crianças do 3° ano do ensino fundamental não estão alfabetizadas; apenas 7% dos alunos que chegam ao final do ensino médio sabem o mínimo adequado em matemática, e os 10% melhores alunos no Brasil têm o mesmo desempenho dos 10% piores alunos no Vietnã.

Mesmo diante dessa crise na aprendizagem dos alunos brasileiros, há quem diga que a educação básica é, sim, prioridade no Brasil. Afinal, investimos 6% do PIB na área, patamar equivalente ao dos países mais desenvolvidos, e a pasta está entre os três maiores orçamentos da União —junto com Saúde e Previdência—, além de ser um setor que também consome grande parte dos recursos de estados e municípios.

Ora, gastar não é priorizar. O investimento por aluno no Brasil é cerca de um terço do que os países desenvolvidos investem. E eles resolveram questões estruturais que ainda são muito deficitárias no Brasil, como infraestrutura básica das escolas, formação de professores e tempo integral.

Há também quem diga que seu governo priorizou a educação, embora quando confrontado com resultados ruins, justifica dizendo que está fazendo o máximo que pode, que a culpa é da falta de dinheiro, dos professores, das famílias ou até mesmo dos alunos.

Há quem diga que já priorizamos a educação por ser unanimidade nos discursos como o mais importante para a reconstrução do país. Que abismo entre o que é dito e o que é feito! Precisamos priorizar na prática, investir tempo, atenção e energia no nosso cotidiano.

Colocar a educação como prioridade é chamar para si a responsabilidade, é acabar com desperdícios para investir mais no que gera aprendizagem, é usar como referência o que o município ou o estado vizinho está fazendo e dando certo, é fazer as escolhas necessárias e impopulares, é colocar muita energia para realizar melhorias constantes nos processos de implementação, é garantir que as ações cheguem às escolas. Sem haver um impacto positivo na sala de aula, a política pública fracassa.

Priorizar é fazer as escolhas certas para cada tempo. Hoje, é tempo de investirmos na primeira infância, nos professores, na gestão, em mais tempo dos alunos na escola, em estruturas escolares mais dignas. É investir mais e melhor nos alunos mais pobres.

É muito mais grave nossa omissão hoje do que no passado: temos abundância de diagnósticos e evidências que apontam os caminhos mais eficazes e exemplos de quem melhorou dentro e fora do país.

Claro que a educação, sozinha, não consegue resolver todos os problemas nacionais, mas nunca vamos melhorar de verdade como nação enquanto não investirmos nela e nas pessoas. Um país é o que suas pessoas são. 

Educação de qualidade é parte fundamental na equação para crescermos e distribuirmos renda, para melhorar e qualificar a participação cidadã e política, para uma sociedade mais saudável e pacífica, para uma produção científica e tecnológica que nos coloque no século 21, para nos fortalecer e evitar as crises periódicas e sobrepostas que nos enfraquecem há séculos.

E, mais que tudo isso, educação é um direito humano fundamental para que as tragédias anônimas se transformem em histórias de vida felizes. Educação já.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

A Educação é a chave do desenvolvimento

"Sábado, dia 28 de abril, é o Dia da Educação, mas não temos muito a comemorar, pois a qualidade do nosso ensino é muito baixa. Vamos pensar no próximo capítulo que queremos viver e colocar realmente a Educação no centro das atenções", diz Ana Maria Diniz


8 pontos para evitar um futuro trágico para Educação brasileira

Se quisermos priorizar a Educação, precisamos agir agora

Por Lázaro Campos Junior, do Todos Pela Educação
Uma pesquisa recente mostrou que a insatisfação com a Educação pública aumentou no País nos últimos quatro anos. Segundo o estudo, realizado pelo Todos Pela Educação e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 26% da população considera o Ensino Médio ruim ou péssimo – em 2013, essa taxa era de 15%.
Ou seja: sabemos que há algo errado com a qualidade do ensino no Brasil. Mas por que não agimos? Se nada for feito agora, o que esperarmos do País no futuro?
Na verdade, o Brasil tem as ferramentas necessárias para corrigir os erros do passado. Sobram leis bem escritas – o que nos falta é aplicá-las de verdade, para tornar a Educação prioritária!
A receita não é simples, mas já é conhecida. Vamos lá:
1 – Todos na escola. Nas últimas décadas, o Brasil vem se esforçando para colocar todas as crianças de 6 a 14 anos no Ensino Fundamental. Essa mesma energia deve ser aplicada para incluir os pequenos de 4 e 5 anos. Embora a matrícula deles tenha se tornado obrigatória em 2014, com a Emenda Constitucional nº 59, cerca de 500 mil crianças no auge de seu potencial de aprendizagem ainda estão fora da escola.
2- Professor é profissão. Sabe quanto o professor está valendo? Metade. Metade do salário de outros profissionais que fizeram faculdade é a média do quanto ganham os docentes brasileiros no fim do mês. Priorizar a Educação como centro do nosso projeto de País passa pela valorização desses profissionais, com bons salários, condições de trabalho e planos de carreiras bem definidos. Do contrário, a carreira que já não atrai, atrairá ainda menos.
3 – Formação de professor não é brincadeira. Ter diploma mas não ter sido preparado para ensinar é como um cofre com um tesouro dentro. As licenciaturas precisam mergulhar na sala de aula, nas batalhas para ensinar e nas dificuldades para aprender. Tomando como referência a Base Nacional, precisamos formar melhores nossos professores, dando a eles conhecimentos sobre como o aluno aprende e liberdade sobre com quais métodos ensinar.
4 – Conhecimento vivo, alunos motivados. Não podemos mais insistir em uma engessada concepção conteudista de ensino. Uma aula desconectada do mundo, sem ligação com desafios atuais, é como o Esperanto: bonito, mas ninguém usa. Por isso, a Base Nacional prioriza competências – isto é, a capacidade de aplicar os conhecimentos obtidos – em todas as etapas da Educação Básica. As redes de ensino devem insistir em preservar esse foco na elaboração dos currículos regionais.
5- Integrar a tecnologia. Hoje, apenas metade de nossas escolas têm acesso à internet. Em um mundo em que a tecnologia evolui a cada instante, apresentando novos processos e maneiras de se relacionar, o aluno brasileiro está ficando para trás. Equipar as escolas e oferecer aos professores capacitação para utilizar essa poderosa ferramenta de forma pedagógica é fundamental.
6 – Mais participação juvenil. Imagine estar em um lugar em que suas sugestões e experiências são sempre ignoradas ou silenciadas. É desanimador, não é? Pois a falta de incentivo à participação faz exatamente isso com o aluno. Experiências bem-sucedidasmostram que abrir canais de diálogo com os estudantes e acreditar em suas contribuições transformam a escola.
7 – Escola de todas as cores. A diversidade é um dos princípios que aparecem na proposta da Base Nacional do Ensino Médio. Existem juventudes na escola, no plural mesmo, e não é à toa: o Brasil é diverso em pessoas, identidades e objetivos. Além do ensino cognitivo, a escola tem de enxergar seus alunos, conhecer seus projetos de vida e estimulá-los. E se a diversidade entra, o preconceito tem de sair, seja de cor, classe, crença ou orientação sexual.
8 – Acreditar que todo mundo pode aprender. Apostar no reforço escolar pode tanto melhorar índices de aprendizagem quanto combater a evasão. Precisamos mudar a maneira como vemos as dificuldades dos alunos. Todo aluno é capaz de aprender, mas com os métodos certos. Estudos provam que a repetência escolar não gera aprendizagem, pois apenas adia o problema. O ideal é estabelecer políticas de reforço escolar para ajudar os alunos e permitir que eles possam vencer suas dificuldades dentro do ano escolar adequado.
Está tudo aí. E você, o que pode fazer para a Educação ser prioridade já? Vamos juntos?

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Chega de procurar culpados por suicídios

Daniel Martins de Barros

DANIEL MARTINS DE BARROS


Psiquiatria e sociedade

Fingir que sabemos as causas do suicídio só faz aumentar a culpa das pessoas. E a chance de novos casos.

A pior coisa que nós podemos fazer após um caso de suicídio é procurar as causas. A família e os amigos próximos sentem-se culpados e presos num looping de ruminações do tipo “e se”. Os colegas estendem o assunto ao infinito perdendo-se em especulações no mais das vezes infundadas. E a sociedade como um todo, perplexa, perde tempo e energia perseguindo os supostos culpados, que mudam a cada estação.
A trágica notícia de duas mortes recentes no tradicional Colégio Bandeirantes, em São Paulo, reacende a busca fútil pelas causas. Se há exatamente um ano estavam todos desesperados com o boato da Baleia Azul ou jogando a responsabilidade nas costas de Hannah Baker, protagonista da série 13 reasons why, nos últimos dias as vilãs da vez são a pressão sobre os estudantes, a busca ensandecida por  performance desde muito cedo ou a suposta incapacidade dos jovens “de hoje em dia” não tolerarem frustrações.
Infelizmente, a cada vez que se diz que algo é causa necessária e suficiente de suicídios o problema piora. Porque aumenta a culpa da família e das pessoas próximas – eles sentem que contribuíram com a pressão, que não notaram a mudança no filho ou no amigo, que foram negligentes. E também porque essa é uma das formas mais eficazes de propagar o suicídio – por meio do estigma.
É fato que existe o chamado efeito Werther, que leva a novos suicídios quando uma notícia é divulgada de forma sensacionalista, expondo detalhes do método, retratando o suicídio como a única saída para aquela pessoa e, como vem ocorrendo nas redes sociais, atrelando a morte a um fato específico. (Por exemplo dizer que alguém se matou “por causa do fim do namoro”, “por causa das notas”, “por causa dos pais” transmite a mensagem, para outras pessoas atravessando problemas semelhantes, que a morte pode ser uma solução). Mas esse  contágio social não a única (e talvez nem principal) força motriz por trás de novas tentativas.
Um grande publicado no Reino Unido há dois anos mostrou que adultos enlutados por suicídio têm risco significativamente maior de atentar contra a própria vida do que os enlutados por outra causa de morte súbita. No entanto isso se deve mais ao estigma que eles percebem – ter a sensação de serem rejeitados socialmente, evitados por amigos, culpados de alguma forma – do que exclusivamente à tristeza. Tanto que aqueles que não se sentem estigmatizadas não têm tal risco elevado.
Isso mostra que tão importante como a prevenção é a “pósvenção” (intervenção com as pessoas afetadas pela morte) do suicídio. Transmitir a mensagem de que sempre pode haver uma saída alternativa, que não há vergonha em consultar os profissionais que nos ajudam nas crises emocionais, divulgar sem preconceitos serviços de suporte como o CVV, são algumas das estratégias preventivas (confira outras aqui). Mas depois de ocorrido o fato, apontar a complexidade desse comportamento, esclarecendo que ele nunca pode ser reduzido a explicações simplistas, alivia a culpa de quem perde uma pessoa para o suicídio e reduz o estigma percebido, prevenindo em grande parte o componente contagioso do problema.
Não existe um culpado. Então em vez gastar energia para saber quem tem culpa, melhor é consolar quem – equivocadamente – acha que tem.

Pitman AL, Osborn DP, Rantell K, King MB. Bereavement by suicide as a risk factor for suicide attempt: a cross-sectional national UK-wide study of 3432 young bereaved adults. BMJ Open. 2016 Jan 26;6(1).

Veja como detectar e prevenir o suicídio, além de mitos sobre o tema

Problema voltou ao debate após mortes de estudantes em São Paulo

SÃO PAULO
Casos de suicídio recentes envolvendo estudantes de São Paulo levaram à mobilização de colégios particulares para tratar do problema, que tem aumentado entre crianças e adolescentes nas últimas décadas.
Abaixo, veja como detectar sinais de que uma pessoa precisa de ajuda e dicas de como auxiliá-la.

SINAIS DE ALERTA GERAIS

  • Falar sobre querer morrer, não ter propósito, ser um peso para os outros ou estar se sentindo preso ou sob dor insuportável
  • Procurar formas de se matar
  • Usar mais álcool ou drogas
  • Agir de modo ansioso, agitado ou irresponsável
  • Dormir muito ou pouco
  • Se sentir isolado
  • Demonstrar raiva ou falar sobre vingança
  • Ter alterações de humor extremas

PARA DEPRESSÃO EM ADOLESCENTES

  • Mudanças marcantes na personalidade ou nos hábitos
  • Piora do desempenho na escola ou em outras atividades
  • Afastamento da família e de amigos
  • Perda de interesse em atividades de que gostava
  • Descuido com a aparência
  • Perda ou ganho inusitado de peso
  • Comentários autodepreciativos persistentes
  • Pessimismo em relação ao futuro, desesperança
  • Comentários sobre morte, sobre pessoas falecidas e interesse por essa temática
  • Doação de pertences que valorizava

ALGUNS MITOS SOBRE O SUICÍDIO

“Se eu perguntar sobre suicídio, poderei induzir uma pessoa a isso”
Questionar de modo sensato e franco fortalece o vínculo com a pessoa, que se sente acolhida e respeitada
“Quem quer se matar se mata mesmo”
As pessoas que pensam em suicídio frequentemente estão ambivalentes entre viver ou morrer. Prevenção é impedir os casos que são evitáveis
"Ele está ameaçando o suicídio apenas para manipular os outros"
Muitas pessoas que se matam dão sinais verbais ou não verbais de sua intenção para amigos, familiares ou médicos. Não se pode deixar de considerar a existência desse risco
"Quem quer se matar se mata mesmo"
Essa ideia pode conduzir ao imobilismo. As pessoas que pensam em suicídio frequentemente estão ambivalentes entre viver ou morrer. Prevenção é impedir os casos que são evitáveis
"Uma vez suicida, sempre suicida"
A elevação do risco de suicídio costuma ser passageira e relacionada a algumas condições de vida. A ideação suicida não é permanente. Pessoas que já tentaram suicídio podem viver, e bem, uma longa vida

O QUE FAZER

  • Não deixe a pessoa sozinha
  • Tire de perto armas de fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes
  • Leve a pessoa para uma assistência especializada
  • Ligue para canais de ajuda
188 ou 141
são os telefones do Centro de Valorização da Vida (CVV). Também é possível receber apoio emocional via internet (www.cvv.org.br), email, chat e Skype 24 horas por dia
90%
das pessoas que se suicidam possuíam transtornos mentais; elas poderiam ter sido tratadas
Fontes: American Foundation for Suicide Prevention; Centro de Valorização da Vida; "Comportamento Suicida: Vamos Conversar sobre Isso?", de Neury José Botega; e "Preventing Suicide: A Global Imperative", da Organização Mundial da Saúde

Trilhas na internet alimentam suicídio e são risco a corações frágeis

Comunidades exigem cautela por serem catalisadoras de ideias obsessivas


Marcella Franco
SÃO PAULO
Fora dos domínios obscuros da “Deep Web”, submundo da internet onde se desenrolam livremente os fóruns sobre assuntos grotescos, vídeos criminosos e outras barbaridades, há, também, na “Surface Web” (aquela porção legalizada que você acessa diariamente), algumas trilhas mal iluminadas nas quais é preciso cautela.
Sem qualquer transgressão aparente, essas estradas guardam riscos potenciais aos corações mais frágeis. São, por exemplo, comunidades no Facebook erguidas com o pretexto apenas de alimentar a morbidez humana divulgando perfis de pessoas que já morreram, mas que, na prática, resultam em verdadeiros catalisadores de pensamentos obsessivos e, frequentemente, ideias suicidas prévias.
Eu faço parte de uma destas comunidades. E lá, entre as frequentes mortes acidentais no trânsito, eletrocussões e afogamentos aos quais todos nós já parecíamos anestesiados, sempre houve um ou outro registro incômodo de suicídio no feed. No entanto, há menos de um ano casos de pessoas que dão cabo da própria vida passaram a dominar esta macabra linha do tempo, acessível às quase 75 mil pessoas inscritas.
E, mais que o aumento, nota-se uma interação cada vez maior com este tipo de publicação. Afora o trivial DEP (“Descanse em paz”), parte habitual do vocabulário local, vê-se todos os dias mais comentários invejando a suposta “coragem” dos suicidas, bem como avisos de “Quem sabe um dia eu também consigo”.
Como mãe, posso dizer que há poucas coisas mais apavorantes do que imaginar a morte de um filho, ainda mais quando ela é evitável. Porque é esta a característica menos debatida e, de maneira proporcionalmente inversa, a mais necessária de se falar sobre quando o assunto é suicídio: a chance que talvez tenhamos de impedi-lo.
De tão delicado que é o tema, a ONU oferece capacitação para jornalistas escreverem de maneira responsável e evitar o chamado “efeito contágio”. O Unicef, por sua vez, lançou no final de 2017 um robô interativo com um único propósito: simular no Facebook as últimas 48 horas de uma garota que cogita acabar com sua vida. No projeto, cabia ao usuário tentar mudar o destino da jovem.
Vejo diariamente mães no WhatsApp divulgando, apavoradas, eventos sinistros em colégios vizinhos. Ensinam umas às outras modos de bloquear aplicativos —um dos mais recentes, o Simsimi, foi proibido esta semana no Brasil— nos celulares de crianças que, cada vez mais novas, são lançadas à terra de ninguém do mundo virtual.
Será que o caminho é proibir o acesso? Denunciar mensagens? E, juro, estas não são perguntas retóricas. Quem sabe devamos começar pela empatia, especialmente no cruel tribunal da internet onde correm soltos o bullying e o julgamento precipitado —não sei.
Embora acredite, particularmente, que o caminho possa estar na informação acessível, e no amor firme e vigilante aos filhos, sigo, como todos, em choque. Oxalá o grande debate não demore, para que nunca mais vejamos pais enterrando seus filhos em circunstâncias assim.

Suicídio de adolescentes avança, e casos recentes mobilizam escolas de SP

Registros sobem desde 2000; colégio tem que se envolver, dizem especialistas

Marina Estarque
SÃO PAULO
As taxas de suicídio de crianças e adolescentes no Brasil têm aumentado nas últimas décadas, e casos recentes envolvendo estudantes de São Paulo levaram à mobilização de colégios particulares para tratar do problema.
Entre 2000 e 2015, os suicídios aumentaram 65% entre pessoas com idade entre 10 e 14 anos e 45% de 15 a 19 anos —mais do que a alta de 40% na média da população.
O levantamento do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, com base em dados do Ministério da Saúde, aponta que as taxas nesses grupos (de 0,8 e 4,2 por cem mil habitantes, respectivamente) estão abaixo do índice geral (5,5). Mas sua evolução preocupa.
Nas últimas duas semanas, três estudantes de colégios privados de elite da capital paulista se suicidaram —dois eram do Bandeirantes e um do Agostiniano São José. Boatos sobre jogos e aplicativos circularam nas redes sociais, para nervosismo dos pais.
O Bandeirantes afirma que os dois casos envolvendo alunos do colégio não estavam ligados entre si e nega qualquer relação com jogos ou aplicativos. O Colégio Agostiniano São José disse que “refuta os comentários indevidos divulgados pelas mídias sociais e que em nada acrescem à realidade do fato em si”.
Os episódios levaram as escolas a realizar atividades com alunos e pais para dar orientações sobre esse tema.

O Bandeirantes, que estava em período de provas, decidiu suspender alguns dias de avaliação. Em seguida, reuniu os estudantes para conversas.
“Os alunos puderam colocar seus sentimentos, conversar sobre luto e perda. Eles precisavam ser acolhidos”, afirma Estela Zanini, coordenadora do colégio, que também convocou uma especialista em suicídio para preparar a equipe de professores e dar palestras para pais e estudantes.
Mesmo em escolas onde não houve casos recentes, as mortes das últimas semanas impactaram a rotina. No Madre Alix, os professores realizaram rodas de conversa propostas pelos estudantes —alguns eram colegas dos que se suicidaram no Bandeirantes.
“Acho que toda escola está se repensando neste momento”, afirma Katia Chedid, diretora do Madre Alix, que tem um projeto que trabalha com valores sociais e emocionais.
Estudiosos mencionam questões sobre sexualidade, dificuldade de lidar com frustrações, bullying, pressão pela escolha carreira e por um bom desempenho escolar como conflitos que surgem nesta idade e podem funcionar como agravantes. Além disso, as redes sociais, em muitos casos, podem passar a impressão de que todos estão felizes e, assim, contribuir para aumentar a angústia dos jovens.
“A adolescência já é um período conturbado e, atualmente, eles sofrem muita pressão da sociedade e das famílias. Principalmente na elite paulistana, o jovem é cobrado para ter um alto desempenho, passar em uma faculdade excelente, ter uma carreira de sucesso, estudar fora. E pode ser que ele não queira isso”, afirma a psicóloga Karen Scavacini, cofundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.
Na sua opinião, as escolas têm um papel fundamental, assim como as famílias, em identificar e ajudar jovens nestas situações. No entanto, de acordo com ela, a maioria dos colégios não tem planos de prevenção. “Eles atuam mais de forma reativa, quando um caso já ocorreu”, diz. 
A doutora em psicologia Luciene Tognetta, pesquisadora de grupo de estudos da Unicamp e da Unesp, também defende ação mais ativa das escolas. Para ela, é imprescindível incluir mais disciplinas e atividades que desenvolvam habilidades socioemocionais.
“Os currículos ocidentais sempre desprezaram isso e focaram na memorização do conteúdo, mas isso não basta para viver em sociedade.” 
Segundo especialistas, os adolescentes também estão mais vulneráveis ao suicídio porque, entre outros fatores, tendem a ser mais imediatistas e impulsivos. “O cérebro do adolescente ainda não está plenamente maduro. O sistema de freios e contrapesos precisa ser formado, em uma gestação social e cultural”, explica Neury Botega, psiquiatra e professor da Unicamp.
O psiquiatra José Manoel Bertolote, da Unesp, diz que a alta recente de suicídios foi verificada mais entre homens.
“Não temos explicação cabal para esse fenômeno, mas, como um dos fatores frequentemente associados ao suicídio é a presença de um transtorno mental (particularmente depressão, alcoolismo e esquizofrenia), acredita-se que a desatenção à saúde mental e a dificuldade para se obter um pronto atendimento está na raiz do problema”, afirma.
O CVV (Centro de Valorização da Vida), que presta atendimento de prevenção do suicídio, notou um aumento na demanda de jovens em seus canais de comunicação.
Carlos Correia, porta-voz do CVV, cita como hipóteses a ampliação do acesso ao serviço por celular e pela internet, além da influência do tema tratado em série televisiva.
O centro teve aumento de demanda em geral: passou da média de 1 milhão de atendimentos ao ano para 2 milhões em 2017. Prevê chegar a 2,5 milhões em 2018 —para isso, precisa de mais voluntários.