quarta-feira, 27 de junho de 2018

O futuro da Escola


COLUNISTA
Leandro Karnal


Ao professor sempre caberá o ensino de argumentação para elaboração de ideias embasadas

A escola é um conceito similar ao livro, a Deus, ao teatro e à família: todos tiveram sua morte anunciada muitas vezes. A profecia revelou-se prematura. A morte de Deus era debatida no século 19. O fim do livro foi anunciado como um fato na última década do século 20. Eis que livros sobre Deus vendem muito e os detratores de ambos envelhecem e morrem. 
Profecias fogem à competência do historiador. Mal conhecemos o passado, inútil tentar desvendar o futuro. Não posso analisar algo que não ocorreu, porém, é viável indicar tendências que podem vir a ser. Exemplo banal: o envelhecimento sistemático de quase todas as sociedades urbanas indica a possibilidade de a geriatria crescer mais do que a pediatria em futuro próximo. É um indicativo a partir da curva atual. Tudo pode mudar em poucos anos. Exporei tendências de uma nova escola que trabalhará com o aluno do século 21 e que, provavelmente, chegará ao século 22. Vou elaborar apenas cinco por causa do espaço. 
Primeira tendência: os aparelhos conectados generalizam-se rapidamente. Todo celular inteligente torna-se um HD externo da memória humana e não parece que isso diminuirá. Assim, a evocação/repetição deixou de ser um foco de aprendizado. Isso tem impacto enorme sobre modelos de aprendizado e avaliação. O treino educacional será guiado para, frente a um mar de dados, aprimorar nossa capacidade de usá-los e classificá-los ao mesmo tempo que rejeitamos fake news. Toda avaliação deverá orientar-se por problemas. Analisar e selecionar dados da rede para enfrentar perguntas ainda sem resposta é o novo modelo. Muitos acham que tablets e engenhocas piscantes constituem a escola moderna. Não! O nazismo introduziu projetores profissionais nas escolas alemãs. Computadores não modernizam nada. Computadores podem ser ferramentas úteis para ajudar a responder a perguntas boas. A modernidade é o projeto pedagógico-filosófico, não a internet ou telas luminosas.
Segunda: a escola do futuro precisa desburocratizar-se. Parte fundamental do esforço do professor é preencher cadernetas, lançar notas, organizar tabelas e relatórios. Esses procedimentos podem ser, muitas vezes, automatizados. O tempo que se perde com uma chamada é espantoso! Os profissionais da educação devem ser mais livres para educar. O treino para ensinar é árduo e mais desafiador do que preencher quadrados. Não se deve ocupar todo o tempo do médico, do professor ou do engenheiro longe da atividade-fim. A tecnologia pode servir de ferramenta para registrar presença ou digitar notas e calcular médias e reservar ao humano aquilo que somente o humano pode realizar.
Terceira: a educação a distância, os módulos instrucionais via internet e orientações não presenciais estão crescendo. Ensino com vídeos ou grupos de discussão vão se expandir. O fim da escola? Não, apenas a perda do fetiche presencial. Ensinando por vídeos gravados ou ao vivo, gravando coisas e recebendo textos e trabalhos por e-mail, o professor continua indispensável para elaborar materiais, atuar e avaliar. Perde-se algo, sim: a sociabilidade na escola é muito importante para a educação integral do indivíduo. Teremos de achar alternativas, pois o prédio-escola parece estar nos estertores. Conseguiremos separar o que é substantivo e adjetivo na educação?
Quarta: o autoritarismo em sala é insustentável. A concepção disciplinar prussiana que marcou muitas escolas era fruto de um esforço para domesticar cidadãos, produzir soldados e bons operários. O autoritarismo centralizado no professor não pode conviver com novas necessidades, plataformas e tecnologias. A autoridade, a capacidade de um professor-coordenador-diretor ter a técnica e o conteúdo que melhor sirvam ao grupo, é sempre essencial. A autoridade do professor deriva do seu preparo e de que ele, em última instância, serve a todos os alunos e por isso não pode permitir que um atrapalhe. O autoritarismo serve ao professor ou ao coordenador. A autoridade serve a todos. Importantíssimo: jamais substituir o velho autoritarismo de professores pelo autoritarismo de pais ou imperativos derivados do aluno-cliente no sistema privado. 
Quinta e última: em um mundo de opiniões subjetivas derivadas de um “achismo” crescente, a escola sempre será o lugar do treinamento científico e metódico para reunir argumentos que superem meras convicções. Em vez de indicar posição A ou B, ao professor sempre caberá o ensino de argumentação para elaboração de ideias embasadas. A era do pensamento único nunca foi muito eficaz e está em crise mais profunda hoje. Aprender a conviver com a diferença é uma tarefa da escola agora e por todos os séculos dos séculos, amém. A escola deverá enfatizar a capacidade de raciocinar e de ouvir. 
Ela não morreu e não morrerá. Em um mundo que buscará mais a inteligência do que o capital ou a força física, o futuro de quem ajuda a pensar é brilhante. O papel da educação tenderá a crescer, porém distante dos padrões atuais. Criatividade, metodologia de argumentação, expressão oral e escrita, raciocínios ponderados e capacidade crítica pavimentam a estrada do futuro. A velha escola morrerá sem muita vela ou flor. A nova será construída pelo nosso esforço de educadores, diretores, coordenadores, alunos e pais. Há um caminho aberto para a escola de amanhã. Tudo pode e deve ser repensado. Boa semana para quem educa e para quem aprende a aprender.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

O Brasil não tem tempo para implantar primeiro a escola do século 19 e depois a dos seguintes

Claudia Costin
Claudia Costin
É professora visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Banco Mundial e ministra da Administração.

Uma escola pública para atletas

Há muito se fala da importância de a educação considerar interesses e preferências dos alunos, mas pouco tem sido feito a respeito em escolas públicas no Brasil. Afinal, o ideal é considerar o que cada um prefere só depois que todos dominarem bem o feijão com arroz. Certo? Não, errado!
O país não tem tempo para sequencialmente implantar primeiro a escola do século 19 e depois a dos seguintes. Temos que cumprir diferentes tarefas ao mesmo tempo, sob pena de ficarmos para trás. E, em tempos de Copa do Mundo, há uma história interessante a contar que ilustra essa possibilidade.
Sabe-se que nos esportes de resultados se soma à precariedade da educação outra triste realidade: os clubes descobrem cedo atletas com potencial e, em muitos casos, afastam-nos não da matrícula, já que teriam a seu encalce o Ministério Público, mas tornam a frequência escolar e os estudos algo secundário. 
Roubam-lhes assim seus direitos de aprendizagem e mesmo as chances de futuro, já que boa parte deles não vai se tornar atleta de renome e, mesmo que isso ocorra, o seu tempo de atuação é limitado.
No Rio de Janeiro, um caso ganhou certa notoriedade local. Uma diretora de escola ousou enfrentar um técnico e não liberar um atleta muito jovem para competir, já que ele era constantemente tirado das aulas para participar de treinos. 
Os telejornais locais abordaram a pretensa falta de sensibilidade da gestora, o que me fez, como secretária municipal de Educação à época, entrar no circuito e colocar os direitos do jovem em perspectiva.
Foi pensando nessa situação que criamos, pouco mais tarde, no fundamental dois, o Ginásio Experimental Olímpico, para atender atletas ou jovens com grande potencial para os esportes, num modelo de ensino academicamente forte e, ao mesmo tempo, com cerca de três horas de prática desportiva por dia. 
Na proposta, os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula nas diversas disciplinas associavam-se a conhecimentos importantes para o futuro atleta, como fisiologia dos esportes em ciências ou textos sobre futebol ou natação em português.
Além disso, uma exigência para garantir o sucesso acadêmico dos alunos: embora não houvesse prova para entrar na escola (a não ser a de aptidão esportiva), para continuar o aluno precisava atingir no mínimo média seis nas provas bimestrais. 
No final de apenas um ano de funcionamento, o resultado surpreendeu a todos: o Ginásio ficou entre as três melhores escolas da cidade no fundamental dois.
Hoje, já são quatro Ginásios Olímpicos espalhados pela cidade. Afinal, todos, inclusive os atletas, precisam de escolas de qualidade.

Como formar pessoas à prova de robôs

Ana Maria Diniz

BLOGS
Ana Maria Diniz
A educação que vale a pena


Os desafios impostos pelo avanço tecnológico são enormes tanto no ensino básico como no superior, mas as faculdades e as universidades estão sendo mais lentas em reconhecê-los

Mães e pais ainda sonham em ver o filho entrar na faculdade, se formar, conseguir um bom emprego e ser bem sucedido – e não medem esforços, inclusive financeiros, para fazer isso acontecer. Mas o mundo mudou e os jovens já sabem disso, estão assustados. Muitos deles percebem que cursar uma universidade e ostentar um diploma não são mais garantias de um futuro estável e feliz como no passado recente. “Vivemos em tempos líquidos, nada é feito para durar”, alertou o filósofo polonês Zigmunt Bauman. Com as máquinas inteligentes ficando mais inteligentes, muitos dos trabalhos realizados por pessoas hoje vão desaparecer: estudos recentes sugerem que até o fim desta década 7,1 milhões de postos de trabalhos serão ceifados e 30% das profissões serão totalmente automatizadas até 2030.
As implicações disso na Educação são enormes. Sabemos que não podemos continuar educando e formando jovens para uma realidade que já não existe mais. No ensino básico, este é um assunto que vem sendo discutido há alguns anos, apesar de as transformações ainda não terem chegado às salas de aula de forma sistêmica. No entanto, muito pouco se fala do impacto dessa tsunami tecnológica no ensino superior. “As faculdades estão tão preocupadas com o avanço do aprendizado on-line que se esquecem de se preocupar com a questão fundamental: como podem preparar os estudantes para suas vidas profissionais quando as próprias profissões estão desaparecendo?
Joseph Aoun, presidente da Northeastern University, tem ao menos uma resposta registrada em seu livro Robot-Proof: Higher Education in the Age of Artificial Intelligence, lançado no final do ano passado nos Estados Unidos e ainda sem tradução para o português.
Nos Estados Unidos, metade das universidades corre o risco de fechar nas próximas décadas pela concorrência dos cursos à distância e também por estarem se tornando desinteressantes para os alunos, obsoletas e desnecessárias. Portanto, se quiserem sobreviver elas devem pensar além. Devem se tornar instituições que formam pessoas à prova de robôs, instituições flexíveis e ágeis, capazes de se reinventar o tempo todo, escreve Aoun. Para isso, só há um caminho, segundo o autor:  repensar o modelo educacional a partir de três novas dimensões:
– Um currículo “à prova de robôs”, que o autor batizou de Humanics, e que compreende três tipos de alfabetização: a técnica (entender as máquinas e como elas funcionam); a de dados (ler, trabalhar, analisar dados e formular argumentos a partir deles); e a humana (ter habilidades como criatividade, colaboração, empatia, empreendedorismo, etc.).
– Um aprendizado experimental, prático, desenvolvido em parceria com empresas e com o objetivo de preparar os alunos para os empregos que forem surgindo, em tempo quase real.
– O compromisso de fornecer aos alunos oportunidades para a aprendizagem ao longo da vida. Muitos empregadores adotaram a ideia de ajudar a estender a Educação muito além dos anos de graduação e Aoun acredita que as universidades deveriam fazer o mesmo.
A inteligência artificial está transformando radicalmente a indústria, os negócios, o trabalho e, consequentemente, a Educação. Os desafios são igualmente assustadores no ensino básico e no superior, mas as faculdades e as universidades estão sendo mais lentas em reconhecê-los.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

A crise na didática

Ana Maria Diniz

BLOGS
Ana Maria Diniz
A educação que vale a pena


O menosprezo pela prática profissional na formação docente, enraizado nas universidades, impede a formação de professores mais antenados com a realidade, com as escolas e com os jovens

O mundo está em crise. Crise da Coreia. Crise do emprego. Crise humanitária. O Brasil, então, nem se fala. Temos a política, a econômica, a do diesel, e por aí vai. A Educação está em crise faz tempo – aqui e lá fora. As escolas, idem. Mas há uma outra crise, seríssima, que envolve todo o sistema educacional e da qual pouco se fala: a crise na didática. Didática significa a arte de ensinar, de instruir por meio de métodos e técnicas apropriados. Pois a didática dos nossos professores está defasada, desconectada da realidade, dos jovens e das escolas.
Assim como outras crises, a crise da didática tem a ver com o período de transformações radicais em que vivemos. As formas tradicionais de transmissão de conhecimento não conversam com os alunos contemporâneos. Nascidos em um mundo multimodal, no qual as relações são cada vez mais horizontais tanto no trabalho quanto na gestão do conhecimento, esses jovens demandam novos canais de comunicação, novos métodos de ensino e um novo professor, bem diferente daquele convencional que estamos acostumados a ver e a projetar, estereotipado, em nossas mentes. O menosprezo pela prática profissional na formação docente, que encontra terreno fértil nas universidades brasileiras, alimenta ainda mais essa desarticulação.
Muito se fala sobre a figura do novo professor no contexto da complexidade, mas quem é ele realmente? Quais competências e habilidades ele deve ter para exercer bem sua função? Como deve ser sua formação? Divulgado na segunda, dia 12, o relatório Políticas Eficazes para Professores, Compreensões do Pisa, da OCDE, lança luz sobre essa questão, ainda nebulosa, de maneira inédita. O estudo, o mais abrangente do tipo já executado, examinou dados de 72 economias a fim de identificar as diferenças entre os países campeões e os lanterninhas do PISA no que diz respeito à formação, avaliação e valorização de seus docentes e como isso implica no aprendizado real dos jovens.
Segundo o relatório, há três pontos em comum em relação à formação e à carreira docente entre os 17 países com maior percentual de alunos com as notas mais altas do PISA, entre os quais Austrália, Canadá, Estônia, Finlândia, Alemanha, Hong Kong e Japão:
– A obrigatoriedade de um período de estágio probatório, que se dá durante a formação inicial ou logo após seu término.
– Uma ampla oferta de ações de formação docente inicial e continuada oferecida pelas escolas de acordo com a necessidade de cada uma delas.
– Mecanismos de avaliação de desempenho dos professores que possibilitam a correção de possíveis falhas e um desenvolvimento profissional contínuo.
Já entre os países que amargam as piores colocações no PISA, e cujos alunos não demostram ter as competências básicas em matemática, leitura e ciências, essas políticas inexistem ou são conduzidas de maneira aleatória e ineficiente.
Como já escrevi aqui no blog, estamos diante de uma janela de oportunidade na nossa Educação. Em menos de dez anos, mais da metade dos professores do ensino básico terá idade para se aposentar ou terá cumprido o tempo mínimo de serviço que dá direito ao benefício. Essa necessidade de renovação maciça do quadro docente constitui uma chance única para formarmos professores mais preparados para o mundo atual, mais profissionais e com foco na eficiência em sala de aula.
Para as universidades de Pedagogia, cursos de licenciatura e futuros professores, é mudar ou morrer! A hora é agora!

quarta-feira, 13 de junho de 2018

É preciso focar mais competências do que conteúdo específico

'Há alguns anos, o aluno aprendia algumas ferramentas e dominava alguns conteúdos que iria sempre aplicar na profissão. Hoje, o engenheiro precisa ser mais flexível, ter atitude mais empreendedora'

Roseli de Deus Lopes
 É PROFESSORA ASSOCIADA DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)


O mundo todo está mudando, tudo está muito mais rápido e conectado. O ensino precisa ser muito mais calcado nas competências que queremos desenvolver do que nos conteúdos específicos e habilidades técnicas que os alunos devem saber. Estamos em uma fase de amadurecer e pensar: quais são essas competências, como desenvolvê-las, como pensar o currículo nessa abordagem? Buscamos uma forma de qualificar o indivíduo para colocar os conhecimentos em prática.Programas de acreditação dos cursos de Engenharia nos Estados Unidos e na Europa têm procedimentos para observar quais abordagens estão sendo usadas para desenvolver as competências necessárias para fazer engenharia: analisar, comparar, identificar problemas, trabalhar em equipe. 
Há alguns anos, o aluno aprendia algumas ferramentas e dominava alguns conteúdos que iria sempre aplicar na profissão. Hoje, o engenheiro precisa ser mais flexível, ter atitude mais empreendedora, não esperar que digam o que deve ser feito e como fazer. Como os problemas são cada vez mais complexos, precisa saber trabalhar em equipe, muitas vezes com pessoas de áreas diferentes, para conseguir resolvê-los. O mundo contemporâneo exige mais flexibilidade. 
Há várias razões para o alto índice de desistência nas Engenharias, que é ainda maior na rede privada. A motivação é certamente o ponto mais crítico. O aluno que entra tem vontade de fazer algo de verdade, construir um prédio, um computador. Antigamente, ele só ia ver a parte prática após dois anos do curso. Hoje temos condições de criar situações em que ele possa exercitar projetos desde o começo, com a aprendizagem ativa. Para formar um bom engenheiro não é preciso só conhecimentos técnicos, mas uma série de competências. Fazer com que o aluno coloque a mão na massa e faça projetos de verdade é o diferencial. 

domingo, 10 de junho de 2018

Estônia: a melhor educação da Europa

País é destaque em exames internacionais; nas escolas públicas alunos pobres se saem tão bem quantos os ricos


 Estônia: a melhor educação da Europa
Professora da educação infantil auxilia as crianças em refeição. Sala de aula tem cozinha, vários ambientes e quarto   Foto: Renata Cafardo/ESTADAO

TALLINN (ESTÔNIA) - A Estônia, pequeno país emergente à beira do Mar Báltico e que pouca gente sabe o nome da capital, tem hoje o melhor sistema educacional da Europa e um dos mais bem avaliados do mundo. Quase todas as crianças e jovens do país, dos 2 aos 19 anos, estudam nas impecáveis escolas públicas. Uma das características que mais impressionam é o fato de os alunos pobres terem desempenho tão bom quanto os ricos em exames internacionais. Apesar de igualitárias, as escolas não são iguais. Diretores e professores têm tanta autonomia que podem decidir o método de ensino, se farão provas ou não e até os móveis da sua sala de aula.
A classe de 3.º ano da professora Kreet Püriselg, de 26 anos, tem mesas redondas. Foi um pedido dela. Na sala ao lado, são carteiras comuns e na da frente, mesas compridas em que cabem dois alunos. “Estou estudando de que forma as crianças aprendem melhor. Elas podem escolher ficar nas mesas ou sentar-se no chão, nas almofadas.” As crianças têm 10 anos e a aula é sobre mapas. Um dos meninos escolheu usar uma bola azul como cadeira.
A professora caminha entre as mesas e deixa que as crianças descubram as informações que precisam. Os estonianos estão entre os jovens com melhor habilidade para trabalhar em grupo e resolver problemas – duas competências hoje consideradas essenciais. Os dados são de um estudo deste ano sobre resultados do Pisa, avaliação feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

A escola pública onde Kreet trabalha fica na pequena cidade de Peetri, a 15 minutos da capital Tallinn. A instituição foi inaugurada em 2009, quando a Estônia começava a colher os louros das primeiras notas em exames internacionais. Hoje, o desempenho dos estonianos em Ciência no Pisa é o terceiro melhor do mundo. Na frente deles, só Cingapura e Japão.



Exames internacionais*
Ciência
Leitura
Matemática
Estônia
Estônia
Estônia
20º
20º
20º
30º
30º
30º
40º
40º
40º
50º
50º
50º
Brasil
59º
60º
60º
60º
Brasil
63º
63º
63º
63º
Brasil
66º
66º
66º
66º
PIB per capita
Investimento por aluno
Igualdade
Alunos mais pobres que conseguem notas acima do básico
R$ 103 mil
(US$ 28 mil)
R$ 26 mil
(US$ 7 mil)
R$ 31 mil
R$ 6,6 mil
Estônia
Brasil
42%
2%**
Estônia
Brasil
Estônia
Brasil
*70 países participaram do Pisa 2015; **No Pisa 2015
Fonte
OCDE, Censo Escolar, Ministério da Educação da Estônia


A Estônia é também um dos países com a menor quantidade de alunos no nível mais baixo de aprendizagem: são menos de 8%. Na Europa, a média é de 15%. No Brasil, a maior parte (cerca de 30%) está justamente nesse nível. Isso significa que o jovem de 15 anos não consegue fazer correlações entre várias partes diferentes de um texto. 
Pobreza. O desempenho bem acima da média contrasta com outros indicadores. Apesar de crescer ano a ano, a Estônia está na lista de países mais pobres da União Europeia. Seu PIB per capita é de ¤ 17,5 mil (R$ 76,3 mil); a média do bloco é de ¤ 29,9 mil (R$ 130 mil). O país tem 1,3 milhão de habitantes, o equivalente a Guarulhos (SP). O investimento por aluno, por ano, na educação básica gira em torno de US$ 7 mil (R$ 26 mil). Na União Europeia, a média é de US$ 10 mil (R$ 37 mil). 
A falta de dinheiro é compensada por um plano de educação que permanece após vários governos. Depois que a Estônia garantiu sua independência da ex-URSS, em 1991, foi elaborado um novo currículo nacional, atualizado sempre. O projeto teve a ajuda da Finlândia, país vizinho e de língua semelhante, que se tornou a sensação da educação mundial no anos 2000. Entre as competências fundamentais estão aprender a aprender, educação digital, valores éticos e empreendedorismo. Já o Brasil aprovou sua base curricular só em 2017. Na Estônia, apesar de haver ainda muito do ensino tradicional, a ideia é a de que as matérias sejam dadas de maneira integrada. 
Na aula de Inglês dos amigos Karolina Jossep e Romeo Raadsepp, ambos de 11 anos, não há gramática. Eles praticam a língua usando papel e tesoura para fazer uma maquete. “Ela gosta tanto que pede para ir à escola”, diz o pai de Karolina, o empreendedor Janno Joosep. “Pra nós, o importante é que a escola a ensine a ser independente e responsável.” Romeo também “adora estudar”. “Mas queria ser jogador de futebol como o Neymar”, brinca, em inglês fluente, ao descobrir que a repórter é brasileira. Por baixo do uniforme escolar, a camiseta do time francês PSG. Os dois ajudam a colega Margarita Beda, filha de russos e que não fala bem inglês. Os russos são exceção no igualitário sistema estoniano. Eles têm, em geral, pior desempenho que os demais, e o governo passou a pagar mais para professores desse grupo. 
Além disso, a Estônia não separa bons alunos dos que têm pior desempenho, como fazem os Estados Unidos, por exemplo. O país oferece, em todas as escolas, atendimento de psicopedagogos, psicólogos e professores particulares para crianças com dificuldade de aprendizagem. Todos também frequentam gratuitamente, fora do horário de aula, as chamadas “escolas de hobby”, com atividades de esporte, tecnologia, música e artes. 
“Todos permanecem juntos até o fim. O importante não é só o sistema de apoio, mas, sim, ter altas expectativas para todo mundo”, diz a representante do Ministério da Educação Aune Valk. As avaliações nacionais mostram que há pouca diferença de desempenho entre as escolas. “Não me lembro de nenhuma com resultado tão ruim que precisássemos intervir.” No Pisa, o país tem um dos maiores índices de alunos resilientes (42%), aqueles que estão entre os mais pobres da população e têm bons resultados. 

Contratar e demitir

 Estonianos que conviveram por cerca de 50 anos com o regime burocrático comunista e privação de bens de consumo se orgulham hoje de um sistema educacional autônomo. “Esse é o segredo do sucesso da Estônia”, acredita o diretor da Escola Inglesa de Tallinn, Toomas Kruusimägi. Também pública, o nome vem do fato de as aulas de várias disciplinas serem dadas em inglês. O currículo tem ainda matérias optativas, como Psicologia e Literatura Inglesa. 
Não se faz concurso para escolher os diretores das escolas, como no Brasil. Os candidatos são entrevistados pelo governo municipal, que analisa habilidades de gestão e educação. Um conselho com pais e professores ajuda na decisão. Os diretores fazem o mesmo para contratar professores, que podem ser demitidos a qualquer momento. Diretores e professores precisam ter diploma de mestrado. 
“A educação é um bem muito valorizado no país”, completa Kruusimägi, repetindo uma frase ouvida várias vezes pelo Estado. Como exemplo, cita a participação ativa dos pais na escola. São dispensados pelas empresas para ir a reuniões e atividades dos filhos. “Nunca aconteceu de um pai faltar porque precisava trabalhar.” 
Há ainda uma licença de até 3 anos para quem tem filhos, que pode ser usada por mãe ou pai. Por isso, não há creches no país. A maioria das crianças vai à escola aos 2 anos e meio, no que chamam de jardim de infância. Ficam nessa etapa até 7 anos, quando começa o 1.º ano. O ensino médio acaba aos 19 anos. 

Sol

 “Criatividade e brincadeira”, diz a diretora da Escola Peetri, Luule Niinesalu ao definir o que espera da educação infantil. Nos poucos meses quentes do ano, as crianças brincam nos parquinhos da escola duas horas por dia. Mesmo no inverno, passam meia hora do lado de fora. A Estônia tem temperatura média de menos de 10°C em quase todos os meses. No dia em que o Estado visitou a escola, no fim de maio, fazia 25°C. A brincadeira é tão livre – e o sol tão importante – que, enquanto as crianças corriam e se balançavam, duas professoras haviam arregaçado as roupas e se bronzeavam. 
No fim da manhã, os alunos são divididos por idade e vão para as salas de aula, que têm cozinha, banheiro com chuveiro e quarto. Alunos de 3 anos comem em silêncio e só começam a sobremesa após o último colega terminar o almoço. Tiram sozinhos as roupas sujas de areia. De calcinhas e cuecas, escolhem livrinhos para a leitura diária com a professora, que fala baixo e em tom sério, mas acolhedor. Meia hora depois, sem algazarra, se deitam nas belas camas de design moderno.
As crianças acima de 7 anos, em geral, vão sozinhas à escola, a pé, de bicicletas ou patinetes. “Essa autonomia ajuda na aprendizagem”, diz o professor de Inglês Peter Rock, de 25 anos. Muitos veem também um grande respeito dos alunos pelos professores, que seria herança do rígido regime soviético. Kullike Poduck, de 58 anos e que ensina Língua Estoniana há 25, elogia os estudantes, mas diz que o trabalho está mais difícil. “Hoje a informação está em todo lugar.” 
A profissão é tida como pouco interessante e o governo se esforça para atrair jovens. A média de idade dos professores é de 48 anos, o que significa experiência e boa formação hoje, mas pode ser um problema no futuro. Nos últimos anos, a Estônia aumentou o salário docente em 80%, de ¤ 719 (R$ 1.826) para ¤ 1290 (R$ 5.624). O objetivo é chegar a um valor 120% maior do que a remuneração média no país.
“Se continuarmos nesse caminho, só teremos cada vez mais sucesso”, diz a analista da fundação estoniana Praxis, que pesquisa políticas públicas, Eve Mägi. “A educação é a religião da não religiosa Estônia”, completa a outra analista Sandra Haugas. O país é considerado o menos religioso do mundo.

Alunos têm muita lição de casa, mas pouca prova

Objetivo é que escolas valorizem menos o conteúdo; professores são treinados para combinar disciplinas

Renata Cafardo, O Estado de S.Paulo


TALLINN (ESTÔNIA) - A estudante Karina Pent, de 15 anos, aprendia numa manhã como fazer uma capa de crochê para a tampa do pote de geleia. A professora explicava o detalhe de cada ponto para formar o desenho. A aula de artesanato é obrigatória no currículo nacional estoniano. A menina diz que é relaxante. “Principalmente porque fui dormir às 3 horas de tanta lição de casa.” 

A maior queixa dos adolescentes é a quantidade de tarefas extraclasse e de leituras. Professores justificam dizendo que é uma boa forma de eles aprenderem a ter autonomia. Segundo relatórios da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) são 17,3 horas semanais de lição de casa na Estônia, acima da média de outros países, de 17,1 horas. Mesmo assim, a OCDE avalia que o tempo é adequado porque os estudantes têm bom desempenho. Há críticas, no entanto, para nações como o Brasil, em que as tarefas ocupam 21,8 horas e as notas são baixas. 




Exames internacionais*
Ciência
Leitura
Matemática
Estônia
Estônia
Estônia
20º
20º
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30º
30º
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40º
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50º
50º
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Brasil
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60º
60º
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Brasil
63º
63º
63º
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Brasil
66º
66º
66º
66º
PIB per capita
Investimento por aluno
Igualdade
Alunos mais pobres que conseguem notas acima do básico
R$ 103 mil
(US$ 28 mil)
R$ 26 mil
(US$ 7 mil)
R$ 31 mil
R$ 6,6 mil
Estônia
Brasil
42%
2%**
Estônia
Brasil
Estônia
Brasil
*70 países participaram do Pisa 2015; **No Pisa 2015
Fonte
OCDE, Censo Escolar, Ministério da Educação da Estônia



“É muita pressão. Mas se queremos ser alguém na vida precisamos de boa educação”, diz Mia Vahimets, de 15 anos, aluna da Escola Inglesa de Tallinn. Na Escola 21, na mesma cidade, a fala é parecida. “Esperam muito de nós, mas é bom. Se não esperarem nada, não faremos nada”, diz Iris Inek, de 17 anos. O foco do currículo da escola são as artes, o empreendedorismo e a robótica. Uma sala equipada com milhares de blocos de Lego e mesas de cálculo é usada por todas as séries.
Alunos elogiam o fato de nem todas as disciplinas terem provas. É comum professores pedirem só trabalhos ou projetos para avaliação. Na Escola Peetri também não há notas até o 6.º ano. Os pais só recebem relatórios sobre o desempenho dos filhos. 


Apesar disso, Triin Ulla, professora de Pedagogia da Universidade de Tallinn, acredita que muitas escolas ainda se preocupam com competição e conteúdo, algo alimentado pelos professores antigos. “Escolas no topo do ranking fazem de tudo para não cair”, critica, referindo-se à avaliação do governo no fim do ensino médio, cujo ranking é feito pela mídia – algo como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Para ela, isso acontece apesar do direcionamento do ministério para um ensino que valorize as habilidades socioemocionais. “A grande pergunta para qual não tenho resposta é: os resultados do Pisa são por causa das políticas dos últimos anos ou é um legado de antes, do ensino tradicional?”
De qualquer modo, diz Triin, a formação do professor mudou e está focada em competências como resolver problemas e autonomia. O docente também é treinado para combinar disciplinas como Arte e Matemática e trabalhar com tecnologia. As salas de aula têm computador, muitos materiais didáticos online, mas ainda há dificuldades. O objetivo da Estônia é que, até 2020, as escolas valorizem menos conteúdo. 
As novas notas do Pisa, das provas feitas em maio, serão divulgadas em 2019. No Brasil os alunos mal sabem do que se trata. Lá os jovens ganham diplomas. “Mostramos o quanto são especiais por representarem o país”, diz a responsável pelo Pisa na Estônia, Gunda Tire.
Em 1922, país já era 90% alfabetizado
A Estônia sofreu diversas invasões ao longo da história – de suecos, alemães e russos – e só se tornou independente em 1918. Mas em 1944 foi anexada à ex-União Soviética e só conseguiu ser novamente um país livre em 1991. Os diferentes povos, no entanto, ajudaram a fortalecer a educação na cultura estoniana. Já no século 17, a Estônia tinha uma universidade. Em 1922, 90% da população estava alfabetizada. 
Hoje o país – que ajudou a criar o Skype – tem uma economia de livre mercado e é um dos mais tecnológicos do mundo. Cunhou o conceito de e-residência, que permite que estrageiros possam ter empresas sem morar na Estônia e até as eleições presidenciais foram feitas online. A capital Tallinn – com 400 mil habitantes – tem um dos centros medievais mais bem preservados da Europa e praias de mar azul esverdeado. 
“O que vivemos no passado influencia muito no presente”, diz a guia de turismo Margit Raud, de 58 anos. Ao apresentar o Museu da KGB, com provas de que a polícia russa espionava visitantes em um hotel da cidade, ela deixa claro seu orgulho. “Temos um sentimento de querer ser modernos, progressistas, de ser os melhores.”
Brasil x Estônia
- Resultado em exames
A Estônia está em 3º lugar em Ciência no Pisa, 6º em Leitura e a 9º em Matemática, o melhor resultado da Europa. O Brasil está em 63ª, 59ª e 66ª posição, respectivamente. 
- Igualdade 
No país europeu, 42% dos alunos pobres têm boas notas; no Brasil, onde o sistema de ensino tem mais desigualdades internas, são 2%. Diminuir a influência do fator socioeconômico na educação é um desafio no mundo todo. 
- PIB per capita
Na Estônia é de US$ 28 mil (R$ 103 mil), um dos mais baixos da União Europeia, mas maior que o do Brasil (R$ 31 mil).
- Investimento por aluno/ano
Na Estônia, US$ 7 mil (R$ 26 mil). No Brasil, R$ 6,6 mil. Há discussão aqui para que o valor aumente, já que se investe três vezes mais no ensino superior do que na educação básica.
- Autonomia
Diretores podem contratar e demitir professores na Estônia. No Brasil, há concurso público, o docente escolhe onde vai trabalhar e tem estabilidade.
- Currículo
A Estônia fez em 1996 seu 1º currículo nacional. O Brasil aprovou a Base Curricular em 2017 para o ensino infantil e fundamental; a do médio está em discussão. 
- Salário do professor
Estônia elevou em 80%, hoje ¤1.290 (R$ 5.624). No Brasil, a média na rede pública é de R$ 3.628, menos que em outras carreiras com ensino superior.