
CAROLINA DELBONI
Kids, um assunto de gente grande
Jornalista, cursando pós graduação em Educação Infantil. Trabalhei com moda por mais de 10 anos, passando por várias redações. Entre elas, fui editora da Vogue e da revista Moda, na Folha de SP.
Tive três filhos e resolvi trocar o teclado pela máquina de costura e abri a Baby Basics, com loja de rua e outras duas em shopping, como o Iguatemi. Foram 6 anos imersa em moodboard, tecidos, tendências e um universo criativo inspirador. Voltei ao mercado editorial como especialista em comportamento infantil. Fui redatora chefe da Pais&Filhos e hoje tenho um blog no Estadão online. Além de outras colaborações editoriais constantes, atendo muitas marcas de moda infantil e adulto, como Klin, Green, C&A e Natura.
“Minha filha chegou com o uniforme todo manchado de molho de macarrão. Aposto que vocês fazem isso só para vender mais uniforme, não é?”. O questionamento veio de uma mãe a coordenação de uma escola particular em São Paulo. Outra escola, outro relato, de outro lado. “Elas se juntam no whats e vem falar com a gente sempre usando o nós. Algo como ‘estou representando as mães do grupo’”. Um verdadeiro cabo de força numa cultura onde impera o ganhar. “O que meu filho ganha ao entrar nessa escola?”. Como assim cara pálida? O que seu filho ganha ou o que ele aprende, que ser humano a escola contribuiu para formar ou quais são os valores dessa escola? Perguntas como essas é que deveriam permear a decisão e a relação de uma criança na escola. Mas estamos numa época tão forte de consumo que até as relações ela norteia. Inclusive no campo famílias e escola. Um lugar que deveria estar totalmente preservado está permeado por distorções e inversões. Boas relações garantem um ambiente de aprendizagem saudável e rico e é aí que deveríamos investir energia.
É preciso recuperar as famílias nas escolas e não clientes. Em algum momento, as escolas perderam a mão e abriram mais portas do que deveriam aos pais. O espaço escolar é o primeiro lugar em que a criança tem a sensação de pertencimento além da casa dela. E é um pertencimento diferente porque é um espaço individual dela e não dela e dos pais. A ida a escola propicia, pela primeira vez, que ela se sinta capaz de fazer coisas por si só e, justamente por conta disso, vai descobrir capacidades e habilidades individuais. A escola tem – e faz- o papel simbólico e concreto da separação. Quase como um voto de confiança e coragem, pais e mães precisam deixar os filhos passar por esse portal com um orgulho danado e não querendo disputar com a escola e os professores quem é mais ou menos para aquela criança. Professores são profissionais e enxergar isso é algo bem importante para entender a relação criança – escola. É preciso entender que as escolas não querem substituir os pais por ninguém. Ampliar o circulo de vida de uma criança é o que está em pauta.
Mas é primordial entender, também, que é essa mãe ou pai, que leva a criança a escola, quem vai contar mais sobre ela. São esses pais quem sabem como ela se comporta em determinada situação, o que significa aquele choro e os pequenos gestos. Agora o que mãe e o pai fazem em casa com a criança não deve ser uma obrigação da escola fazer igual. A escola não é uma extensão da casa da criança e sim um novo ambiente em que ela vai aprender e ampliar seu repertório de aprendizado, formas e relações. Quando se estica o braço na porta da escola e a criança troca uma mão pela outra é preciso confiar. É preciso entender que a partir daquele momento deve-se buscar construir juntos. A família faz parte – ou deveria fazer – do curriculum e do projeto pedagógico da escola. As escolas têm uma ideia de quem são as famílias e isso está na comunicação que elas estabelecem e nas relações que constroem.
Agora quando a comunicação é mediada por câmeras em salas de aulas, por medo, pelo sub dito do “eu pago, eu tenho direito” – a relação de consumo, ou pela pressão dos pais, todo mundo perde. As escolas têm a árdua tarefa de resgatar seus valores e ter isso muito claro para que nada as tire desse prumo. São esses valores que vão determinar o tipo de comunicação que vai estabelecer com as famílias e, por consequência, com as crianças. As relações se perderam e as câmeras ganharam espaço de confiança. E as câmeras podem até ser uma saída, mas não são um caminho simbólico e construtivo. Roubaram o lugar das palavras. Sabe aquela coisa antiga de “dar a palavra”?
Em algum lugar das relações, perde-se a palavra. Talvez seja no próprio whats ou nessa rapidez que escolhemos nos comunicar. Palavras abreviadas ou emojis que dizem o que não dizem. No conceito de afetividade do filósofo e médico Henri Wallon, ele enfatiza a “emoção em contágio” no desenvolvimento da criança. Perfeita associação para as relações que se deveriam construir entre escolas e pais. Porque é preciso investir numa relação construtiva e não descartável. Não se quer uma matricula a mais e não se quer devolver uma criança de uniforme limpinho na saída como garantia de paz. Crianças se sujam e isso é sinônimo de aprendizado, de vivência, de escola.
Colocar o dedo na cara das escolas e dizer o que elas devem ou não fazer com os filhos é um grande erro. Cada qual tem seu papel formador na educação de uma criança e investir nessa parceria é investir em construção de conhecimento, em ampliação de repertório. Nos olhares, nas palavras, nas diversas linguagens. Na comunicação, na forma em que a gente usa a palavra. Ou na forma em que se dá a palavra ao outro. E isso exige confiança – com.fiar = fiar junto, de costurar junto. Entrelaços. De relações.
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