quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Geração youtube muda aula de inglês

Escolas adaptam estratégias para incorporar atração por games e vídeos ao ensino do idioma

Tulio Kruse, especial para O Estado, O Estado de S.Paulo
28 Fevereiro 2018 | 03h00
Aidan Della Monica, de 7 anos, mantém os olhos fixos na tela do tablet enquanto aprende um novo jogo. Com os dedos, controla os movimentos de um personagem animado e, então, escuta atentamente um diálogo em inglês no fone de ouvido. É preciso responder corretamente a uma série de perguntas sobre a conversa para marcar pontos, até ser premiado com itens que vão mobiliar a casa do seu avatar no mundo digital. Concentrado, ele completa a atividade da aula sem dificuldade.
A plataforma, que está há uma semana no ar, é a mais nova aposta da escola de idiomas onde Aidan estuda. De qualquer smartphone, tablet ou computador, os alunos podem acessar o jogo e cumprir desafios em vídeos, áudios e textos. O conteúdo é direcionado para cada turma, de acordo com as lições que são passadas em sala. 
Para se adaptar a uma geração de alunos que cresce sob influência da cultura youtuber e dos jogos virtuais na internet, colégios e escolas especializadas mudaram a estratégia de ensino de inglês e usam cada vez mais a tecnologia como ferramenta de aprendizado. As novidades vão desde a publicação em canais de vídeo, criados e editados pelos próprios alunos, até aulas a distância com escolas no exterior. 
“A gente não queria apenas pegar o conteúdo do livro e colocar em uma plataforma digital, e sim oferecer a oportunidade para eles praticarem pensamento crítico, formulação de hipóteses e resolução de problemas”, diz Júlia Abrão, coordenadora de programas educacionais digitais na escola de inglês Red Balloon, sobre o jogo.
Batizada de Digiworld, a plataforma está disponível em 130 unidades da rede no País, para alunos de até 17 anos. “Sentíamos essa necessidade de acompanhar nossos alunos, de ter algum tipo de interação digital com eles.”
Conferência
No Colégio Internacional Ítalo Brasileiro, em Moema, zona sul de São Paulo, com frequência as aulas de Língua Inglesa do 5.º ano do ensino fundamental contam com convidados do outro hemisfério. São alunos da Sherman Elementary School, de Nova York, nos Estados Unidos, que participam de atividades conjuntas por meio de videoconferências.
Os encontros virtuais ocorrem desde 2016, sempre com as mesmas turmas. Estudantes das duas escolas preparam perguntas que são respondidas pelos colegas do outro lado. As dúvidas têm como base apenas a curiosidade das crianças, de 10 a 11 anos, mas envolvem temas como Geografia, História, e aspectos da cultura local. Todos conversam em inglês. “O objetivo era fazer com que eles aprendessem inglês fora do papel, fora da sala de aula”, diz a professora Flavia Cotomacci.
Já na escola bilíngue Stance Dual, na Bela Vista, no centro, os alunos do 7.º ano do ensino fundamental aprendem a filmar e editar e publicam vídeos em inglês no canal da escola na internet. O projeto começou neste ano, em uma integração das disciplinas de Linguagem, Tecnologia e Estudos Sociais. Na turma, não falta familiaridade com o YouTube.
“Tenho uma média de, pelo menos, um aluno por sala que tem seu próprio canal”, conta a coordenadora de Tecnologia Educacional da escola, Juliana Caetano. “É uma geração com muito acesso à internet, que é rica em coisas boas e ruins. O aluno está exposto a uma quantidade de informação que pode ser boa, profunda, segura e confiável ou o oposto disso.”
Vocabulário
A mudança no perfil dos alunos nos últimos anos fez com que o Colégio Ítaca, na zona oeste, atualizasse seus materiais didáticos para o ensino de inglês. A escola tem investido em ferramentas como exercícios online e até a identidade visual dos livros ficou mais “apelativa”, segundo a direção. A infinidade de referências, proporcionada pela internet, trouxe desafios para os professores.
"O vocabulário dos alunos é muito mais abrangente”, diz a coordenadora de Inglês da escola, Sônia Mange. “Um aluno pode ter esquecido, ou não saber, uma palavra muito corriqueira do cotidiano, mas, por causa dos games, saber outras palavras que o professor não imaginaria.
Preste atenção
Pedagogia. Nem todo o vídeo sobre ensino de inglês no YouTube é bom. “Alertamos nossos alunos para terem cuidado com conteúdos e com a didática de ensino”, explica o coordenador da área de inglês do Colégio Lourenço Castanho, Roberto Vicente.
Seleção. Escolas ajudam na curadoria dos conteúdos na internet. “O desafio é trazer o que está chamando atenção dos alunos, fazer uma análise e dizer prós e contras. Aí você cria um aluno crítico”, diz Juliana Caetano, da escola bilíngue Stance Dual.
Conversa. Interação continua sendo essencial para aprender uma nova língua. “O aprendizado fica mais natural quando o aluno conversa com o colega usando língua inglesa em um contexto cotidiano”, afirma a coordenadora do Colégio Ítaca, Sônia Mange.

Professor Hi-Tech demanda formação

Mais do que dominar tecnologias usadas por alunos, profissionais devem estar aptos a apresentar novidades

Tulio Kruse, especial para O Estado, O Estado de S.Paulo
28 Fevereiro 2018 | 03h00
Dos aplicativos de celular à realidade virtual, o domínio da tecnologia deve ocupar espaço cada vez maior na formação de professores. Segundo especialistas e diretores de colégios, novas competências têm sido incorporadas à prática dos profissionais com rapidez e devem passar de diferenciais a exigências para quem ensina língua inglesa.
Entre as novas ferramentas estão apresentações interativas, formulários virtuais de avaliação e programas que permitem o uso do celular para exercícios de reconhecimento de voz. Exercícios que antes eram feitos com lápis e papel hoje podem ser aplicados a distância, com programas para smartphones. 
“Sites ou aplicativos ficam na moda por um tempo e desaparecem quando chega outra coisa melhor”, diz Alberto Costa, coordenador da Cambridge English, que faz avaliação de proficiência em inglês e preparo de professores. “Quando se fala em desenvolver competências, isso significa realmente dar ao professor ferramentas para poder usar o que existe de maneira criativa e, ao mesmo tempo, com propósito pedagógico.” 
Para o coordenador da área de Inglês do Colégio Lourenço Castanho, Roberto Vicente, os professores não devem apenas se adaptar às novidades tecnológicas que fazem sucesso entre os alunos, mas também apresentar novidades.
“É quase uma consequência inevitável que nós fiquemos atentos às tecnologias que fazem parte da vida dos alunos”, diz o coordenador. “Buscamos também nos apropriar de coisas que os alunos não conhecem para também apresentar a eles e mostrar caminhos interessantes, tentar estimular a criatividade.” 
Treinamento
Especializada em certificados de proficiência, a Cambridge English mantém um site que reúne cursos gratuitos e um recurso de autoavaliação para professores, que mostra quais competências são mais deficientes. A instituição também promove encontros para treinar os profissionais.
“O professor precisa saber qual é o ponto de partida dele” diz Costa. “O primeiro passo é a autoavaliação.”

País só deve dominar Leitura em 260 anos

Essa é a defasagem do aluno brasileiro em relação ao de países desenvolvidos, aponta estudo inédito do Banco Mundial

Renata Cafardo, O Estado de S.Paulo

Um relatório inédito do Banco Mundial estima que o Brasil vá demorar 260 anos para atingir o nível educacional de países desenvolvidos em Leitura e 75 anos em Matemática. Isso porque o País tem avançado, mas a passos muito lentos. O cálculo foi feito com base no desempenho dos estudantes brasileiros em todas as edições do Pisa, a avaliação internacional aplicada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE). 
Esta é a primeira vez que o World Development Report, relatório anual que discute questões para o desenvolvimento mundial, é dedicado totalmente à educação. A conclusão mais importante do documento é que há uma “crise de aprendizagem” no mundo todo. “Nos últimos 30 anos houve grandes progressos em colocar as crianças nas escolas na maioria dos países, mas infelizmente muitas não entendem o que leem ou não sabem fazer contas”, disse ao Estado o diretor global da área de educação do Banco Mundial, Jaime Saavedra. 
Segundo o relatório, 125 milhões de crianças no mundo estão nessa situação. Na América Latina e Caribe, apenas cerca de 40% das crianças nos anos finais do ensino fundamental chegam ao nível considerado mínimo de proficiência em Matemática, enquanto na Europa e Ásia são 80%. Na África Subsaariana, só 10% dos alunos têm níveis aceitáveis de Leitura. 
O texto sistematiza evidências e casos de sucesso de vários países para traçar um panorama da educação mundial. A Coreia do Sul e, mais recentemente, o Peru e o Vietnã são países citados como alguns dos que conseguiram avançar com reformas e novas políticas. Entre as sugestões de iniciativas para tentar reverter o quadro principalmente nos países em desenvolvimento, estão a valorização do professor, a avaliação dos sistemas, a melhor gestão das escolas e o investimento em educação infantil. 
O Brasil é um dos países que fazem parte dessa crise de aprendizagem, apesar de avanços recentes em avaliações. No último Pisa, porém, o País não aumentou sua nota em Leitura e caiu em Matemática. Procurado pelo Estado, o Ministério da Educação não quis comentar o conteúdo do relatório. 
Segundo André Loureiro, economista brasileiro do Banco Mundial, a demora para se atingir níveis de países desenvolvidos só vai acontecer “se o país mantiver o passo em que está”. “Mas há reformas que estão sendo feitas, como a do ensino médio, que têm potencial muito grande de afetar essa trajetória”, acredita. Para ele, a flexibilização do currículo e a diminuição do número de disciplinas devem deixar a escola mais atrativa para os jovens. 
Sem plano. “O Brasil precisa urgentemente de um plano estratégico de educação”, diz a presidente do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.
Segundo ela, os avanços do País são lentos porque não se sabe quais são os fatores de fracasso e sucesso das políticas. “A gente abandona as políticas e recomeça do zero sem ter aprendido nada com o passado.” Para Priscila, os dois pontos principais desse plano deveriam ser a valorização do professor e da primeira infância. 
“O Brasil teve de expandir o sistema rapidamente para trazer muitas crianças para a escola, precisou de muitos professores e acabou tendo problema com a formação deles”, diz o coordenador de pesquisas do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho. Mas, segundo ele, agora o País tem uma oportunidade de corrigir essa questão por causa da queda demográfica. A natalidade diminuiu muito nos últimos anos e o número de alunos no ensino fundamental caiu quase pela metade em 20 anos. “Se mantiver o tamanho das salas, vamos precisar de metade do professores. Podemos selecionar melhor os candidatos.” 
O relatório intitulado Aprendizagem para Realizar a Promessa da Educação será apresentado hoje em São Paulo em um evento na Fundação Getulio Vargas (FGV). O texto enfatiza a importância da educação para impulsionar o “crescimento econômico de longo prazo, incentivar a inovação, reforçar as instituições e promover a coesão social”. Há também dados que demonstram que cidadãos mais bem educados valorizam mais a democracia. 
Perguntas para Jaime Savedra, diretor global de Educação do banco Mundial
Por que o relatório do Banco Mundial resolveu focar em educação? 
Precisamos ter certeza de que as pessoas que cuidam das políticas dos países saibam que o capital humano é mais importante que o capital físico. É crucial mostrar o que está acontecendo, os desafios e o que fazer. Porque todo mundo diz que educação é muito importante para o desenvolvimento, mas esse discurso nem sempre se traduz em busca da certeza de que todos na escola estão aprendendo. 
Os países precisam investir mais em educação? 
Em alguns países, a resposta é sim, mas em outros, como o Brasil, o dinheiro precisa ser distribuído melhor pelos níveis de ensino e pelo País. A questão é mais sobre como estamos usando os recursos do que colocar mais.
Quais as principais medidas para resolver a crise de aprendizagem? 
O ponto principal é que os países precisam atrair os melhores profissionais para serem professores. Em Cingapura, Finlândia, Japão, se aumentou o prestígio da carreira. E isso não é só salário, mas a percepção social da carreira. Outra questão é o gerenciamento das escolas. O serviço das escolas é realmente difícil porque é o de fazer uma criança feliz e dar a ela as ferramentas para uma vida produtiva.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

A utopia das redes sociais

É uma surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos seja barulho e tribalismo?

Joel Pinheiro da Fonseca
É economista pelo Insper, mestre em filosofia pela USP e palestrante do movimento liberal brasileiro.

Havia um sonho no início da internet: o sonho de uma humanidade mais unida. Com mais facilidade de comunicação, pessoas de lugares distantes interagiriam mais e derrubariam muros. Com um mar de informações disponível a um clique, quaisquer discordâncias seriam facilmente resolvidas. A tecnologia abria as portas para um mundo da união universal pautada pela ciência.
Infelizmente, não foi o que aconteceu. O contato entre pessoas distantes permitiu que aqueles que pensam igual troquem mais figurinhas e articulem ações conjuntas. Ao mesmo tempo, a abundância de informações permitiu que cada narrativa se servisse de dados e exemplos para reforçá-la e aumentar seu poder de persuasão junto a ouvintes indefesos.
Hoje, aquele sonho de internet (um espaço amplo, aberto e descentralizado) se foi; vivemos no enorme condomínio fechado do Facebook, que acelera a polarização. No início dos anos 2000, alguns poucos aficionados por política e cultura discutiam entre desconhecidos em fóruns online sob identidades anônimas. Hoje, as coisas se misturaram: seu manifesto político na rede te dá reputação (ou ódio) entre pessoas que te conhecem.
O Facebook se apresenta como uma plataforma neutra, na qual o sucesso de cada post depende apenas do interesse que ele gera nos usuários. Quanto ao conteúdo ideológico (e excetuando uma política rígida de excluir nudez e possíveis ofensas a algum grupo), ele realmente não faz nenhum tipo de filtro ou controle do que é publicado.
Se mentiras sensacionalistas capturam melhor a atenção dos leitores do que reportagens ponderadas, o que se há de fazer? É a natureza humana. É uma surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos não seja imparcialidade e profundidade, e sim barulho e tribalismo?
Para quem se dispõe a ser protagonista da própria busca por conhecimento, a internet foi uma das maiores dádivas da história. Entre jornais e revistas do mundo todo, sites especializados, Wikipedia, blogs com análise de alta qualidade (que jamais teriam espaço na mídia tradicional), interlocutores inteligentes e proximidade com formadores de opinião, a vida melhorou muito. Agora, para quem adota uma postura passiva (infelizmente, a maioria), ficou mais fácil ser enganado e, pior, aumentou a propensão a se fechar dentro de uma bolha ideológica.
Por mais que seja neutra em sua proposta, a plataforma do Facebook, como qualquer outra, pode ser manipulada. Foi o que a Rússia fez (via a "Internet Research Agency", IRA, que serve aos interesses do governo russo), com milhares de usuários falsos e a criação de páginas e posts —compartilhados milhões de vezes— para desestabilizar o debate público americano em 2016.
As páginas criadas pela IRA ocupavam ambos os extremos do espectro ideológico: de ativismo negro a campanha anti-imigração de latinos. A finalidade era sempre a mesma: aumentar o caos para enfraquecer o país internamente. 
Não está claro o tamanho da influência russa. Eu acredito que o processo natural de interação nas redes já leve a esse resultado, com a interferência de agentes externos sendo apenas um acessório. 
No Brasil, nada indica que o governo russo interfira no debate público. Contudo, é curioso notar que, em sua luta sincera pelo que acreditam ser o bem do Brasil, cidadãos convictos e grupos de ativismo político se comportem exatamente da maneira que um inimigo gostaria de incentivar para destruir a nação.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Ao assumirem que a responsabilidade pela educação é compartilhada, pais e escola criam uma relação que favorece a todos

MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos da Fundação Tide Setubal e do Gife. Fundadora e membro do conselho do Cenpec, pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis 


Com o novo ano escolar iniciado neste mês vêm à tona os obstáculos enfrentados pela educação no país.
O início de um novo ciclo é sempre um bom momento para encarar osgargalos do ensino brasileiro —e eles não são poucos, como nos mostra o novo Censo Escolar, divulgado há pouco. 
Não pretendo, contudo, abordar esses dados, amplamente discutidos. Falo aqui de um outro ponto essencial: a relação entre famílias e escola. Afinal, a volta às aulas é um recomeço para estudantes e também para os pais.
A participação ativa da família na vida escolar é essencial para a gestão democrática das instituições de ensino e influi até mesmo na obtenção de melhores resultados, como demonstra um relatório divulgado em 2016 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 
Nesse cenário, as desigualdades também impactam diretamente a relação dos pais com a escola.
A socióloga Annette Lareau afirma que, nos Estados Unidos, a classe social das famílias tem uma influência decisiva sobre a trajetória escolar de seus filhos, mesmo ao comparar somente alunos da rede pública. Isso se dá não por uma questão de valores familiares, mas pelo tipo de criação adotado e pela forma com que os pais se relacionam com as instituições de ensino.
Em suas pesquisas, Lareau constata que, embora a educação seja valorizada por todos, as medidas tomadas para buscar o sucesso acadêmico dos filhos variam de acordo com a renda familiar. 
Enquanto na classe média era incentivado o debate em casa, além da inclusão de atividades extracurriculares e vivências que cultivassem habilidades e repertórios capazes de gerar um olhar crítico, argumentação e escolha, os pais das classes mais baixas tendiam a valorizar mais a obediência, a convivência com a família estendida e o livre brincar. Embora essas atividades cultivem a autonomia e a criatividade, são menos valorizadas nas escolas.
A relação entre os pais e o colégio também diferia bastante. Os de classe média acreditavam ser de sua responsabilidade administrar a vida estudantil dos filhos, intervindo quando necessário junto à instituição. 
Já as famílias com menor renda atribuíam à escola esse papel. Segundo Lareau, ainda que razoável, essa atitude não é vantajosa. Os professores muitas vezes interpretavam a ausência dos pais como sinal de descaso.
Esse desencontro de expectativas acontece também no Brasil, como revelou a pesquisa “Família, Escola e Território Vulnerável”, realizada pelo Cenpec e pela Fundação Tide Setubal.
Famílias das camadas mais pobres tendem a conhecer pouco o funcionamento da escola—e seus esforços, em alguns casos ainda insuficientes, para contribuir com a educação dos filhos tornam-se invisíveis no universo escolar. Já os colégios e seus agentes sentem-seignorados pelas famílias.
Na sociedade do conhecimento, a troca de informações entre escola e família é fundamental. Algumas práticas podem ajudar a efetivar essa aproximação. 
Um primeiro passo é facilitar a comunicação de pais e professores, algo que pode ser feito com o apoio de novas tecnologias, como grupos em redes sociais e aplicativos de celular. 
Ao convidar os pais para conversar, a escola transmite informações importantes e úteis, como explicações sobre o processo de aprendizagem, quais os resultados esperados e como a família podeapoiar os alunos em casa. 
Escolas que adotaram esses exemplos, como é o caso das instituições atendidas pelo Instituto Chapada de Educação e Pesquisa, demonstram bons resultados. 
Os educadores podem até mesmo ajudar as famílias a valorizar atividades extracurriculares ligadas a esporte, cultura e tecnologia, que desenvolvem competências importantes para a prática da cidadania e a participação na sociedade. 
Ao assumirem que a responsabilidade pela educação é compartilhada, pais e escola estabelecem uma relação de confiança e apoio mútuo, que favorece a todos.

Quando a linguagem está em alta, a violência diminui

Conversa de pai - Ilan Brenman


O psiquiatra Fabio Martins Fonseca participou do ‘Conversa de Pai’ com Ilan Brenman e Débora Freitas. Eles falaram sobre comunicação não-violenta. Segundo Fabio Martins, as pessoas tem que entender a necessidade que não está sendo atendida. Para Ilan Brenman, a linguagem é uma ferramenta poderosa. As crianças percebem cedo que a linguagem pode machucar.


domingo, 25 de fevereiro de 2018

A arquitetura escolar e seu papel no aprendizado

Para professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, o espaço físico da escola funciona como um "terceiro professor", influenciando a forma como as pessoas convivem e estimulando o ensino
Entrevista com
Doris Kowaltowski
Isabela Palhares, O Estado de São Paulo

Como a arquitetura e a organização física de uma escola pode influenciar o aprendizado dos alunos? Segundo Doris Kowaltowski, professora da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, o ambiente escolar funciona como o "terceiro professor". O espaço físico influencia a forma como as pessoas convivem nele e também estimula e facilita o ensino. Para Doris, o projeto arquitetônico deve dialogar com a pedagogia da escola e a construção dve ser feita em parceria com a comunidade escolar. 
Como o espaço escolar pode influenciar no aprendizado do aluno?
Já temos pesquisas que demonstram a importância da percepção de que há valorização naquilo que é oferecido para que o aluno também o valorize. Se o aluno percebe que o prédio é bem cuidado, que funciona bem, tem um atrativo, isso cria uma percepção positiva e ele vai se dedicar muito mais à atividade que aquele prédio propõe que é o ensino, o aprendizado. Se o jovem se sente seguro, ele pode desligar dos problemas e se dedicar aos estudos. 
A segurança psicológica proporcionada pelo prédio também é muito importante e vem de vários fatores. Se um prédio é confuso, mal cuidado, com muitas grades, o aluno vai se sentir inseguro. Ele precisa dessa segurança porque está longe de casa, dos pais, dos irmãos, dos parentes. O que também faz diferença é a sensação de bem estar naquele lugar. Se está muito calor ou muito frio, se o estudante precisa segurar as folhas do caderno para não voarem ou se não enxerga por causa do sol, ele não consegue se dedicar e se concentrar no ensino e não vai aprender tudo o que poderia. 
Uma pesquisa de 2015 feita na Inglaterra comparou escolas bem cuidadas, bem construídas arquitetonicamente com aquelas menos cuidadas. Eles analisaram os resultados dos alunos dessas escolas em uma mesma prova de matemática e inglês e viram que, nas escolas que ofereciam um bom ambiente, as pontuações eram 25% maiores. Se o trabalho de um arquiteto consegue melhorar as notas dos alunos, isso justifica a nossa profissão. 
A senhora falou da presença de grades nas escolas. Como esse tipo de recurso pode impactar no ambiente escolar e na percepção do estudante?
A gente vive em uma sociedade complicada, temos muita violência, insegurança física. Como um diretor vai se proteger contra esse ambiente adverso? Ele tem responsabilidade por essas crianças e jovens e por aquele espaço. Se o arquiteto não oferece uma estrutura em que os professores e funcionários se sentem no controle, eles vão colocar grades, portões, muros altos. Essa é a nossa resposta para a violência, mesmo que nem sempre funcione. Se o arquiteto não resolve o problema de maneira inteligente, o diretor vai colocar grades em vários locais com a impressão de que isso aumenta a sensação de segurança. 
Quais são os principais aspectos a serem levados em conta na construção de uma escola?
A arquitetura deve priorizar a segurança e a saúde dos alunos, depois o conforto. Além disso, os conceitos usados na arquitetura daquele prédio devem trabalhar juntos com a pedagogia que será utilizada. É preciso demonstrar pela arquitetura que aquela escola usa uma metodologia montessoriana, wladorf, etc. As questões tecnológicas também precisam ser resolvidas para tudo funcionar bem. Se um professor não consegue usar algum recurso porque não funciona, ele vai desistir de usá-lo e quem fica sem é o aluno. 
Também é preciso pensar que o ensino não se resume apenas ao conteúdo das disciplinas, mas também passa pela socialização. O ambiente deve permitir uma boa convivência, relações pacíficas e saudáveis. Costumo dizer que a arquitetura é o terceiro professor dentro de uma escola. Precisamos primeiro cuidar do professor, garantir que ele saiba ensinar e seja bem pago para realmente se dedicar à causa. O segundo professor são os materiais didáticos, a tecnologia, a alimentação. E o terceiro, é o ambiente. Ele deve servir à educação e também pode ser usado para ensinar. 
Algumas escolas particulares já adotaram a ideia de consultar e envolver os alunos na mudança dos espaços físicos e do mobiliário escolar. Essa participação é importante para o desenvolvimento de uma arquitetura mais condizente com a realidade e as necessidade dos alunos?
Antes de se elaborar o projeto arquitetônico de uma escola, é preciso uma reflexão profunda sobre os problemas do público e de cada região, sobre a pedagogia que vai ser adotada. Sem essa análise prévia e uma conversa com as pessoas que vão usufruir aquele espaço, a oportunidade de oferecer uma escola apropriada para aquele contexto é perdida. Esse momento é importante não só para o arquiteto, mas também para as pessoas repensarem o ensino, o que deve ser mantido ou não. Nesse caso do Tocantins, os arquitetos tiveram uma situação muito favorável que foi a de discutir essas questões com quem já estava naquele espaço e continuaria o utilizando. Em uma escola pública urbana isso é muito raro, porque as pessoas se locomovem e mudam muito. 
Quais são os cuidados e características que precisam ser levadas em conta ao pensar em um projeto arquitetônico para crianças e adolescentes? 
Para cada faixa etária é preciso pensar em situações e soluções diferentes. Piaget defendia que durante o desenvolvimento do jovem ele precisa de momentos para se dedicar ao que está apto. O prédio precisa responder nesse sentido também, dar a oportunidade para esse desenvolvimento. A escola precisa estar estruturada para atender a modalidade de ensino que é utilizada. Hoje a metodologia recomendada corresponde a três momentos do aprendizado e o prédio precisa responder a essa variedade de etapas de ensino. 
Para que se aprenda algo, é preciso que alguém apresente novas informações. Então, nesse primeiro momento é necessário um espaço de exposição, que pode ser uma sala de aula, um auditório, um laboratório com bancadas de boa visibilidade para que o aluno enxergue aquela nova situação apresentada. O segundo momento do aprendizado é absorver essa informação apresentada e conseguir desenvolver conhecimento, por isso, o aluno precisa de um espaço em que possa fazer exercícios, trabalho em grupo, enquanto é orientado pelo professor. E, há um terceiro momento fundamental em que ele reflete e compreende aquele novo conceito individualmente. Para isso, é preciso um espaço em que possa estudar sozinho, no seu tempo, com calma, sem barulho. 
Por isso, a escola atual precisa oferecer no mínimo esses três tipos de ambiente. Em algumas salas de aula tradicionais, o professor até consegue acomodar esses três espaços de forma improvisada. No entanto, seria muito melhor se a escola já oferecesse essa estrutura e o professor pudesse focar no ensino. 

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Não siga sua paixão na carreira, aconselha bilionário

Astro do programa "Shark Tank" diz que fazer o que se ama é "uma das maiores mentiras" da vida profissional. Para ele, o sucesso depende de outro princípio

Por Claudia Gasparini

Mark Cuban, do Shark Tank
Mark Cuban, do Shark Tank (Facebook/Shark Tank/Divulgação)


São Paulo — Fazer o que se ama é o segredo para ter sucesso na carreira, certo? Errado, diz o investidor Mark Cuban, nascido em uma família pobre de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e hoje dono de um patrimônio líquido estimado em mais de 3 bilhões de dólares.
Dono do time de basquete Dallas Mavericks e astro do programa de TV norte-americano “Shark Tank”, o executivo declarou em uma recente entrevista para uma série da Amazon que seguir a sua paixão é um péssimo conselho e “uma das maiores mentiras” sobre a vida profissional.
Isso porque o gosto por uma determinada atividade não implica que você será competente nela. “Eu adorava a ideia de ser jogador de basquete. Aí eu percebi que só conseguia jogar uma bola a 110 quilômetros por hora”, diz o bilionário. A velocidade obtida por um jogador profissional chega a quase 145 quilômetros por hora.
Cuban conta que existem “muitos assuntos” pelos quais é apaixonado, mas que o verdadeiro fio condutor da sua carreira foram as atividades às quais ele naturalmente dedicava mais tempo da sua agenda.
“As coisas em que terminei sendo realmente competente eram aquelas em que eu me esforçava”, explica. “Muita gente fala sobre paixão, mas não é exatamente nisso que você deve se concentrar”.
É melhor identificar o tipo de trabalho que mais exige o seu tempo e o seu esforço. “Tendem a ser as coisas em que você é bom”, argumenta o bilionário. E, quanto melhor você se torna em uma atividade, mais você tende a gostar dela.
“Para ser um dos melhores [na sua profissão], você precisa se esforçar”, afirma ele. “Então não siga a sua paixão, siga o seu esforço”. Segundo Cuban, esse princípio de sucesso funciona porque o esforço é “a única coisa na vida que se pode controlar”.


Não, a culpa não é dos outros; é toda nossa. Dizemos o copo caiu, quando ele escorrega da nossa mão; não foi descuido, o copo que se suicidou

Rodrigo Zeidan
Rodrigo Zeidan
Economista, é professor da New York University Shangai, na China, e da Fundação Dom Cabral, no Brasil. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.


Estava na casa de um amigo quando o filho bateu com a canela na mesa. Após acalmá-lo, o pai pegou sua mão e o fez repetir: “Mesa feia!”.

Nas minhas andanças, percebo que falta ao brasileiro “accountability”, uma ausência tão sintomática que nem a palavra existe em português —a melhor tradução é responsabilização individual, e essa ainda assim é falha.
Aqui nada é nossa culpa. O filho vai mal na escola. Os pais transferem a responsabilidade para o professor. Que reclama do diretor e das condições de trabalho. O diretor culpa o governo, que, por sua vez, transfere tudo para a crise internacional ou o FMI.

Nas empresas, o mais comum é a perda de produtividade por problemas que não têm dono. Nossa falta de responsabilização está até na língua. Dizemos “o copo caiu”, quando ele escorrega da nossa mão. Não foi o nosso descuido, afinal. Foi o copo que se suicidou. 

Também, quando queremos comparar vencimentos, perguntamos: “Quanto você ganha?”. O salário é um presente, quase uma dádiva divina, e não há nenhuma relação entre esforço e remuneração. Obviamente, no resto do mundo não é assim: perguntamos “quanto você faz” em inglês ou mandarim e é natural negociar aumentos de salário se somos mais produtivos.
No Brasil, criamos a figura mítica da indústria das multas. Ora, é fácil provar que ela não existe. Vamos supor que cada motorista cometa somente dez erros por dia (eu, como bom brasileiro, erro até mais que isso, incluindo não verificar limites de velocidade, esquecer a seta ou ultrapassar pela direita).
Se dirigimos 300 dias por ano, são 3.000 erros. Mas nossa média é de menos de três multas por carro particular por ano. Ora, que indústria poderia sobreviver com uma taxa de acerto de 0,1% por ano?
O que está na língua vale para o sistema político. Nós nos defendemos dizendo: “Não fui eu”, e, pior, dizemos “não votei nele!” para reclamar do governante horroroso. 
Jânio Quadros renunciou citando forças ocultas. Uns gritam contra “o golpe” e “os paneleiros”, enquanto outros vociferam contra os “esquerdopatas”. Os inimigos são sempre indefinidos (elite, burguesia ou o sistema financeiro), pois assim é possível transferir toda a responsabilidade para eles.
Não, a culpa não é dos outros. É toda nossa. Não há complô dos Estados Unidos contra nosso desenvolvimento, nem um grupo de Illuminati decidindo para onde vai o país. Isso também vale no dia a dia, quando errarmos no trabalho ou nosso filho tira nota ruim. 
Mesmo que não tenhamos votado no horroroso prefeito que abandona a cidade no Carnaval por causa da sua religião, devemos reclamar e ir às ruas para que cumpra suas promessas. Para aumentar nossa produtividade, é preciso sermos donos de nossas ações.
Um colega que dava aula na França comenta, para quem quiser ouvir, como ficou impressionado com a atitude das secretárias do departamento da universidade. Elas não fazem corpo mole, mesmo tendo estabilidade. Afinal, são pagas por todos os franceses. Ninguém no departamento admite o fato de uma pessoa sugar os recursos da sociedade para si.
Fazer corpo mole significa se locupletar do resto da população, o que é inaceitável. Isso vale onde quer que eu já tenha dado aulas. 
Problemas têm dono. Nossa malandragem custa caro. Precisamos mudar nossas normas sociais. Estamos em um país desigual e no qual precisamos remar juntos. Ficar fugindo da responsabilidade e culpando os outros não vai nos levar a lugar algum.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Seu filho está sendo preparado para empreender? E a escola do seu filho? Ela o está preparando para se tornar um empreendedor?




Se o aluno do século XXI precisa se preparar para atuar em profissões que sequer foram inventadas, qual a razão de nossas escolas ainda continuarem a formar para profissões que irão desaparecer?

Tenho participado como palestrante e visitante em inúmeros eventos sobre educação no Brasil e no exterior e não é novidade que a temática da inclusão das tecnologias digitais na escola tomou conta das discussões nos últimos anos. A sensação que tenho, depois de acompanhar diversos painéis e conhecer de perto centenas de soluções de edtech, é que o debate sobre usar ou não tecnologia está se tornando cada vez mais inócuo e sem sentido.
Estive no mês passado no BETT, em Londres, palco anual para o lançamento e apresentação de novos produtos e serviços desenhados para revolucionar a educação.
Pelos corredores da Feira vi de tudo: realidade virtual, realidade aumentada, programas de big data e análise de dados, lousas digitais, aplicativos, kits de robótica e incontáveis soluções para estruturar escolas equipadas com as últimas tecnologias.
A edição deste ano me chamou a atenção para o que venho insistindo há algum tempo: a tecnologia já oferece um enorme arsenal de gadgets e softwares para colocar em prática uma educação inovadora; o que falta é mudar o mindset das escolas para reconhecer que a grande transformação não está no emprego da tecnologia em si, mas em entender quem é o aluno que hoje frequenta a escola, como ele pensa, quais são seus interesses e como ele aprende. Além disso, por que ensiná-lo? Para quais oportunidades profissionais, pessoais e sociais?
E se este é o cenário, será que basta somente investir em tecnologia para construir uma escola do futuro? Definitivamente, não.
A grande mudança, a meu ver, está em repensar os modelos educacionais enraizados há séculos desenhados para ter foco no currículo e ser de um único tamanho para todo mundo, ou seja, todo mundo aprendendo a mesma coisa ao mesmo tempo. A escola precisa reconhecer que está se tornando cada vez mais obsoleta e dispensável para estudantes que já nasceram sabendo como usar um smartphone e não precisam mais vestir o uniforme e ir exclusivamente à escola para aprender.
Qualquer criança ou jovem pode acessar conteúdos disponibilizados pela escola em que está matriculado, mas também em bibliotecas virtuais de outras escolas e universidades de outros países. Com o Google Maps, podem estudar geografia e conhecer o mundo. Através de video-aulas disponíveis no YouTube, conseguem aprender ou rever matérias com uma linguagem muito mais acessível aos nativos digitais. Não é preciso sair de casa para visitar museus em outros países. Através das redes sociais e de plataformas de mensagem conseguem formar grupos de estudo com alunos da sua escola ou de qualquer escola do mundo.
O momento de aprendizado não está mais restrito à sala de aula e o professor passa a ter um novo papel, o de mediador do processo de aprendizagem dos seus alunos, estimulando à pesquisa, à reflexão e à prática.
Se o aluno do século XXI precisa se preparar para atuar em profissões que sequer foram inventadas, qual a razão de nossas escolas ainda continuarem a formar para profissões que irão desaparecer? Se podem ser muito mais autodidatas e explorar habilidades que têm maior interesse em desenvolver, qual o motivo de serem obrigados a seguir uma grade curricular inflexível e a continuar estudando da mesma forma que todos os outros, sem respeitar suas individualidades e sem desenvolver suas potencialidades? Não faria mais sentido, desde o ensino fundamental, permitir que construíssem suas próprias jornadas de aprendizado e incluíssem conteúdos que têm mais relação com seus projetos de vida?
O cerne da questão não está na tecnologia, mas no entendimento de que a escola, desde os primeiros anos, deve priorizar uma educação mais empreendedora e não uma formação que irá entupir os alunos de conteúdos e conhecimentos que não levarão para vida toda.
A criança, observem, é uma empreendedora nata. Só é preciso estimular a criatividade para despertar este potencial e perceber como elas conseguem, despidas de preconceitos e amarras, pensar fora da caixa.
Já experimentou dar um brinquedo novo a uma criança e ficar observando sua reação? Faça o teste. Ela vai fazer de tudo: virar o presente de todos os lados, abrir, desmontar e remontar até cansar, não é mesmo? Isso nada mais é que o impulso criativo se manifestando da maneira mais pura e espontânea. É a busca por descobrir o mundo.
Agora, pense comigo: o que acontece quando essa criança chega à escola? Infelizmente essa liberdade criativa não é valorizada. Pelo contrário: em vez de incentivar o aprendizado prático, as escolas despejam toneladas de teorias e fórmulas sem conexão com a vida pessoal ou profissional.
O modelo educacional da era industrial foi desenhado para formar pessoas que, no futuro, vão procurar emprego, e não empreender. As futuras gerações precisam desenvolver as competências necessárias ao profissional do século XXI. O que precisamos é de uma escola que forme profissionais com espírito empreendedor, que sejam empreendedores de suas vidas.
Essa visão é importante porque, nos próximos 10 ou 15 anos, quando nossas crianças e jovens chegarem ao mercado do trabalho, o mundo corporativo será totalmente diferente do que conhecemos hoje. A economia criativa vai demandar – e isso já está acontecendo – pessoas inovadoras, visionárias e, acima de tudo, empreendedoras, resilientes e com criatividade para solucionar problemas.
Transformar este sonho em realidade passa obrigatoriamente por uma remodelação profunda dos arcaicos modelos educacionais que ainda imperam na maioria das instituições de ensino. O estudo “Perfil do Jovem Empreendedor Brasileiro” traz um alerta particularmente aos pais que leem este artigo e estão preocupados com os rumos da escola de seus filhos: entre os jovens entrevistados, 86% dizem não ter passado na escola por nenhum tipo de preparação para empreender.
O dado mostra que a formação empreendedora ainda é uma realidade distante dos bancos escolares. Para mudar isso, o primeiro passo é analisar os bons exemplos nessa área e segui-los.  O Sebrae, uma das principais referências em empreendedorismo no País e que já auxiliou diversas gerações de empreendedores brasileiros, é uma boa inspiração para os educadores. Um dos projetos de formação empreendedora desenvolvidos pela instituição é realizado em Belo Horizonte.
A Escola do Sebrae na capital mineira mantém o Projeto Vitrine, que ensina os adolescentes a conceber uma empresa, da ideia inicial à elaboração do modelo de negócios. Os estudantes aprendem a trabalhar com todos os aspectos envolvidos nesse processo, como questões operacionais, mercadológicas e financeiras. Durante o projeto, eles são acompanhados por um mentor. O objetivo é preparar os alunos para que saiam da escola com conhecimento de mercado e sabendo implementar todas as etapas na construção de um novo negócio.
Precisamos virar a página. Devemos transformar de verdade as estratégias de ensino, passando a valorizar conceitos como o de aprendizagem baseada em projetos e projetos colaborativos online, abrindo as janelas da escola para um mundo de conhecimento lá fora. A tecnologia está aí e o que não falta são ferramentas para transformar de vez a educação. Só falta mesmo é deixar que os alunos coloquem as mãos na massa.
E a escola do seu filho? Ela o está preparando para se tornar um empreendedor?

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

País forma profissionais com poucas perspectivas de inserção no mercado de trabalho

Escola da Vida - Teodoro Zanardi

Como escolher o colégio de seus filhos, a importância da formação dos professores, bullying e tudo mais que envolve a educação.


Artigo de jornalista do periódico alemão Deutsche Welle sustenta que o Brasil forma poucos engenheiros. Mesmo assim, não faltam profissionais da área no mercado, um sinal de que o país está perdendo a revolução digital na indústria.


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O que é o ‘educacionismo’, preconceito muitas vezes ignorado contra pessoas menos escolarizadas




Na primeira vez que pisou em um campus universitário, Lance Fusarelli se sentiu cercado de pessoas que pareciam saber mais do que ele - sobre a sociedade, gracejos sociais e "tudo que era diferente".
Ele atribui essas diferenças à sua bagagem cultural. Fusarelli não cresceu na pobreza, mas em uma cidade de operários em uma pequena área rural em Avella, na Pensilvânia (EUA). Foi o primeiro de sua família a chegar à universidade - sua mãe engravidou e teve que deixar a escola, enquanto seu pai foi trabalhar em uma mina de carvão ainda na adolescência. Viveu em um ambiente onde poucos continuaram estudando além do ensino médio.
Funcionou para ele, que agora é altamente escolarizado - atua como professor e diretor de programas de pós-graduação na Universidade Estadual da Carolina do Norte. Às vezes se lembra de como se sentia naqueles dias, quando um colega inocentemente corrigia sua gramática imperfeita.
"Ele não estava sendo cruel, éramos bons amigos, ele apenas cresceu em um ambiente diferente", diz. "Às vezes eu não vou falar como um acadêmico. Eu tendo a usar uma linguagem mais popular."
Por mais que Fusarelli tenha galgado os degraus da academia apesar de seu contexto, suas experiências mostram a divisão social que pode existir na educação. Aqueles menos educados devido a seu contexto de desvantagem eles encaram um preconceito sutil, mas disseminado.
Um novo relatório do Jornal de Psicologia Social Experimental cunhou o termo "educacionismo" e pela primeira vez encontrou evidências claras do que o professor e muitos outros suspeitam há tempos: pessoas educadas têm preconceitos implícitos em relação às menos educadas.
E isso tem consequências ruins e não intencionais que muitas vezes aumentam a diferença entre ricos e pobres.

É um problema de "nível de sociedade" que cria uma divisão significativa, diz Toon Kuppens, da Universidade de Groningen, na Holanda, parte do time que criou o termo. "Precisamos falar a respeito."

'Racismo da inteligência'

A ideia de que as pessoas julgam as menos escolarizadas não é nova.
Nos anos 1980, o sociólogo francês Pierre Bourdieu chamou isso de "racismo da inteligência (…) da classe dominante", que serve para justificar sua posição na sociedade.
Bourdieu apontou para o fato de que o sistema de educação foi inventado pelas classes dominantes com conhecimento da classe média e testes com questões como método de avaliação.
A educação também parece dividir a sociedade de muitas maneiras.
Níveis mais altos de escolaridade estão ligados a uma renda maior, mais riqueza e bem-estar e níveis mais elevados de empregabilidade.
O status educacional também revela divisões políticas. Aqueles com níveis mais baixos de qualificação tinham uma tendência maior de votar pela saída do Reino Unido da União Europeia, por exemplo. Um relatório concluiu que o nível de educação teve um papel mais importante para o Brexit do que idade, gênero ou renda.
Apesar desse antigo entendimento, a existência de um preconceito educacional tão forte raramente é discutido diretamente, diz Kuppens, apesar de haver muitos estudos sobre preconceitos de gênero, etnia e idade.
Para lidar com esse problema, Kuppens e seus colegas criaram vários experimentos para entender a atitude das pessoas em relação a educação.

Eles perguntaram aos participantes diretamente quão positiva e cordialmente eles se sentiam em relação aos outros, mas também foram questionados indiretamente ao descrever os empregos de várias pessoas assim como sua bagagem educacional, que os participantes tinham que avaliar positiva ou negativamente.
Os resultados foram evidentes - pessoas com níveis altos de educação foram mais apreciadas, tanto por pessoas com baixo e alto nível de escolaridade. E os participantes mais educados não eram "naturalmente mais tolerantes" do que os menos educados, como se acredita comumente, diz Kuppens.
Além disso, ele disse que uma das razões da existência desse preconceito é que o nível de educação é de alguma forma percebido como algo que as pessoas podem controlar. "Nós estamos avaliando as pessoas - dando a elas atitudes positivas e negativas - apesar de sabermos que na verdade elas não podem ser culpadas pelo seu baixo nível de escolaridade."

Psicologia da pobreza

A razão pela qual as pessoas não podem ser culpadas por níveis baixos de educação é sua ligação com a pobreza.
Pessoas que vêm de contextos mais pobres rapidamente ficam atrás de seus colegas na escola e poucos adolescentes menos privilegiados chegam à universidade.
Está ficando claro agora que há motivos complexos para isso - particularmente que a pobreza afeta o processo diário de tomada de decisões de maneiras anteriormente não previstas.
Jennifer Sheehy-Skeffington, da universidade britânica London School of Economics, diz que uma falta de recursos é "psicologicamente constritiva". Há também uma sensação de estigma e vergonha que gera baixa autoestima, um padrão que ela diz ser mais provável em sociedades com ideologias meritocráticas, nas quais a conquista de um indivíduo é vista como sendo baseada principalmente em inteligência e trabalho duro.
A pobreza afeta até o processo de tomada de decisões. Em um estudo revelador, Sheehy-Skeffington dividiu aleatoriamente participantes de classe média em diferentes grupos - alguns foram informados de que estavam apresentando resultados insatisfatórios na sociedade, enquanto outros ouviram que eram bem-sucedidos. Os que ouviram que eram "pessoas de baixo status" tomaram decisões financeiras piores, assim como tiraram notas mais baixas em tarefas cognitivas básicas.
"Isso significa que as habilidades cognitivas das quais você precisa para tomar boas decisões financeiras não estão disponíveis quando você está enfrentando o estresse de perceber que seu desempenho é pior que o dos outros", diz ela.
Não é que os processos mentais sejam interrompidos, mas que as pessoas estavam mais focadas na ameaça atual de seu status do que em se concentrar nas tarefas dadas.

Controle do futuro

Em sua análise sobre a psicologia da pobreza, Sheehy-Skeffington descobriu que as pessoas com baixa renda têm um senso menor de controle em relação à vida futura.
"Se você acha que você não pode controlar seu futuro, faz sentido investir a quantidade limitada de energia ou dinheiro que você tem para melhorar sua situação presente", diz.
Trabalhos como o dela revelam um ciclo que é difícil de quebrar: performances em tarefas mentais são prejudicadas quando há restrições financeiras. E uma vez que essas restrições existem, a habilidade de planejar o futuro e tomar boas decisões também é negativamente afetada.
Isso claramente afeta o sistema educacional. Os que vivem no presente têm menos incentivo de ir bem na escola ou se planejar para continuar os estudos.
Uma equipe de pesquisadores vai ainda mais além, no entanto, argumentando que o sistema educacional é "motivado a manter o status quo" - no qual as crianças de pais altamente educados vão para a universidade enquanto crianças com menos contato com a educação fazem treinamentos profissionais ou viram jovens aprendizes.
Isso foi sublinhado em um estudo de 2017 feito pelo psicólogo social Fabrizio Butera, da Universidade de Lausanne, na Suíça. Sua equipe apontou que os "examinadores" davam pontuações mais baixas quando eram informados de que os alunos eram de um contexto menos privilegiado.
"É como se eles achassem que uma criança de um contexto mais baixo não devesse estar naquele caminho e, portanto, eles de fato dificultam suas perspectivas em termos de continuar os estudos", diz Butera. "Perpetuar o status quo é uma forma de manter o privilégio que essas classes têm."
E até mesmo quando pessoas de classes mais baixas chegam à educação superior, elas geralmente tendem a "descartar as partes originais de sua identidade para se tornar flexíveis socialmente", diz Erica Southgate, da Universidade de Newcastle, na Austrália.
Ela estudou os estigmas enfrentados por pessoas que são as primeiras de sua família a chegar à educação superior. Descobriu que em áreas como medicina há uma suposição predominante dos colegas de que todos vêm de um contexto social parecido.
"Não era tanto sobre estigma, mas sobre os males escondidos das classes sociais que continuavam a aparecer - as pessoas tinham que ficar se explicando."

Notas, notas e notas

Então o que poderia ajudar a acabar com a divisão na educação? Uma ideia é que diferentes tipos de teste de pontuação poderiam ajudar.
Em vários estudos, a equipe de Butera apontou que dar às crianças notas em testes pode na verdade reduzir a motivação e a performance em raciocínio e tomada de decisões. Mas se não há notas, cai a competição social, o que sabemos que geralmente afeta a performance negativamente, como revelou o estudo de Sheehy-Skeffington.
Se um feedback detalhado sobre como melhorar é dado em vez de simples notas, isso ajuda a "focar na avaliação como uma ferramenta para a educação", em vez de uma simples avaliação para seleção, diz Butera. Em outras palavras, as crianças aprendem a aprofundar seu conhecimento, em vez de aprender a ir bem em testes.
"Nosso time mostrou que uma solução viável é criar um ambiente em sala de aula no qual a avaliação é parte do processo de aprendizagem", acrescenta. "Isso parece reduzir desigualdades sociais de classe e gênero e promover uma cultura de solidariedade e cooperação."
Algumas escolas alternativas dão menos ênfases às provas, como os colégios que seguem os métodos Montessori, Steiner e Freinet, enquanto na Finlândia não há testes padronizados nas escolas primárias.
Mas esses exemplos são a minoria - e não agradam a todos. Muitos pais querem ver notas e, sem elas, pode ser difícil saber como as crianças estão indo.
"Aqui na Suíça eles aboliram as notas em um lugar, mas houve um retorno devido sobretudo a pais que de repente não conseguiam saber como suas crianças estavam indo na escola", diz Butera.
Para Fusarelli, o mais importante para ambos pais e professores é esperar o melhor das crianças quando pequenas para reforçar a ideia de que "eles podem fazer isso e serem bem-sucedidos". "Se você tem baixas expectativas, as crianças vão adotar esse nível de expectativas", diz ele.
Um estudo até apontou que estudantes de baixa renda vão pior quando professores esperam que eles irão mal em matemática, leitura e vocabulário. "É por isso que dizemos a estudantes de baixa renda para 'confiar em sua habilidade e acreditar que você pertence a este lugar'."
É claro que preconceitos no sistema educacional não sumirão da noite para o dia. O pior é que a maioria de nós não perceberá que esses preconceitos existem. A atitude meritocrática de que os que trabalham duro vão sair bem-sucedidos ainda é generalizada, apesar das evidências mostrarem que há muitos outros fatores que estão fora do controle da pessoa que podem atrapalhar seu potencial.
E, infelizmente, são os mais educados, e que deviam ser sensíveis à discriminação, que podem se beneficiar - muitas vezes sem saber - da desigualdade que eles ajudaram a criar.