quarta-feira, 30 de maio de 2018

Todo ser humano nasce apto para a matemática

Experiências escolares inadequadas ou traumáticas podem gerar ansiedade quanto aos números


Marcelo Viana
Matemático e diretor-geral do Impa, é ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.


Semana passada, dei entrevista a uma TV do Rio de Janeiro, sobre a promoção do Brasil ao grupo 5 da União Matemática Internacional e o panorama do ensino de matemática. Simpática e competente, a entrevistadora apressou-se a avisar que não era uma “pessoa de matemática”. A maioria dos presentes fez coro, explicando: “eu sou de humanas”.
Que algumas pessoas nascem “de exatas” e outras “de humanas” é uma das ideias mais difundidas da civilização ocidental. E é também um disparate, com consequências graves para o desempenho escolar de crianças e jovens. Essa foi a mensagem central do seminário “Mentalidades matemáticas”, do qual participei em São Paulo.
O seminário foi dedicado às ideias da professora Jo Boaler, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. A partir de avanços recentes na pesquisa sobre o cérebro e de sua experiência como educadora, a pesquisadora defende que todo ser humano saudável pode dominar os conteúdos de matemática na educação básica.
Progressos na neurologia mostram que o cérebro é uma estrutura extremamente plástica, que pode ser moldada de forma profunda. O cérebro do nascimento importa muito menos do que o modo como ele é reorganizado, por meio da aprendizagem, ao longo de nossa infância e juventude.
Uma experiência educacional feliz produz as conexões sinápticas que formam um cérebro “inteligente”. Já uma experiência escolar inadequada ou traumática, gera ansiedade matemática, um distúrbio psicológico muito comum, que trava qualquer tentativa de raciocínio matemático.
Ao contrário de tantas pesquisas em educação matemática “pura”, as afirmações da professora Boaler estão amparadas em evidências e em uma abordagem prática para o ensino da matemática para todas as crianças, “talentosas” ou não. Falarei sobre isso na próxima coluna.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Infraestrutura não é suficiente se professor não souber ensinar, diz Mizne

Em fórum, diretor executivo da Fundação Lemann falou sobre as razões pelas quais muitas reformas educacionais falham

Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann, foi entrevistado pelo redator-chefe de VEJA, Fábio Altman, no evento Amarelas Ao Vivo, em São Paulo (SP) - 29/05/2018
A advogado Denis Mizne, diretor-executivo da fundação Lemann, durante entrevista no Amarelas ao Vivo (Antonio Milena/VEJA.com)

Convidado do fórum Amarelas ao Vivo para discutir as razões pelas quais as reformas educacionais falham, o advogado Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann, tem um diagnóstico: falta um olhar para a base, para dentro da sala de aula. “No Brasil, a gente acreditou que se colocássemos as crianças na escola, elas aprenderiam. Isso não foi verdade”, disse na entrevista conduzida pelo redator-chefe de VEJA Fábio Altman.
“A gente olhou muito pouco para a complexidade do que é garantir a educação de uma criança. Achou-se que apenas garantir infraestrutura seria suficiente. O problema é o que acontece dentro de sala de aula. Se o professor não souber ensinar, não adianta”, avalia.
“O país tem escolas públicas muito boas e, na média, outras com muitas dificuldades. O mesmo acontece nas escolas privadas. Uma parte da elite acha que porque colocou na escola particular, o filho terá educação de primeiro mundo, mas não é assim”, afirma Mizne, que elege a educação básica como prioritária para ser objeto de uma reforma.
Como início de uma mudança, ele vê como necessária a verdadeira implementação da Base Nacional Curricular Comum. O segundo passo deve ser o investimento na formação de professores. “Isso significa mexer em salários, condições de trabalho e enfrentar privilégios.”
Ao citar como exemplos as experiências de países como Chile, Vietnã e Singapura, o advogado demonstra que o foco deve estar na aprendizagem. “Muitas reformas falham, porque, no debate que o país faz, as discussões ficam nas esferas de poder e na mídia, sem olhar para a base. Quando a gente começa a fazer isso de maneira sistemática, a gente colhe resultados.”
Ele ainda não vê a pauta da educação como prioritária para a sociedade, que deve assumi-la como uma questão de Estado e não de governo. “Tolera-se greve em universidades por meses sem aula. Mas se falta combustível, vira mobilização nacional. Estamos dando baixo valor à educação.”

Karnal: Revoluções só serão duradouras se forem baseadas em educação

'Nós não estaremos falando muito dessa questão dos caminhoneiros daqui a cinquenta anos', disse o historiador durante entrevista no Amarelas ao Vivo


Leandro Karnal, professor e historiador, foi entrevistado pela redator-chefe de VEJA Mauricio Lima no evento Amarelas Ao Vivo - 29/05/2018 (Antonio Milena/VEJA)

Qualquer pessoa que disponha de poder pode fazer uma revolução, mas serão duradouras somente aquelas baseadas na educação e no conhecimento. A avaliação é do historiador Leandro Karnal, entrevistado no evento Amarelas ao Vivo, promovido por VEJA nesta terça-feira em São Paulo, ao comentar o potencial de mudança da paralisação dos caminhoneiros, em vigor há nove dias. “Nós não estaremos falando muito dessa questão dos caminhoneiros daqui a cinquenta anos, mas ainda estaremos debatendo o que Descartes fez no processo cientifico no século XVII.”
Em entrevista ao jornalista Mauricio Lima, redator-chefe e colunista de VEJA, Karnal falou sobre o tema “O saber é a única revolução”. Para o professor da Unicamp, as instituições de ensino estão ficando para trás com relação às mudanças causadas pela presença do telefone celular. “A escola ainda tem muito a avançar rumo à incorporação de um novo padrão de conhecimento”, observa. “É a primeira vez na história que eu não tenho a mínima ideia do que será útil daqui a quarenta anos”, diz a respeito do grande volume de informações às quais as pessoas estão expostas diariamente.
Para ele, o desafio da escola no futuro é estimular a curiosidade e a capacidade de análise em vez de simplesmente fazer os alunos repetirem o conhecimento transmitido. “A primeira grande questão é ensinar as pessoas a perguntar, serem curiosas e a duvidar. A escola não pode ser dogmática.” E vê um declínio do espaço presencial para ensino. “Temos diante disso dois caminhos: a volta aos modelos clássicos de escola aristotélica, em que em vez de uma sala o professor caminha com os alunos e produz conhecimento a partir da realidade, ou [um modelo de escola] não presencial, via internet”. Mas faz ressalvas em relação à perda da sociabilidade que o estudante pode sofrer com esta mudança.
O historiador observa que, graças aos aparelhos móveis, esta é a geração que mais lê na história. Mas há deficiência na capacidade analítica. Para estimular uma leitura mais aprofundada, Karnal recomenda um método de gradação, até chegar aos clássicos — que não são “simpáticos” como um best-seller, porque não buscam seduzir os leitores. “Machado de Assis é um excelente autor, mas quando li pela primeira vez, na 7ª série, tive pouco interesse. Romances adultos não atendem à preocupação da primeira juventude”, exemplifica.
Karnal marca uma diferença entre um intelectual e um professor. Enquanto o primeiro cuida do conhecimento, o segundo cuida de sua transmissão. “Nem sempre um intelectual é um professor. Quem dá aula para um 6º ano pode fazer qualquer coisa. Dar aula num doutorado não exige o mesmo esforço”, diz. Sobre a qualidade do ensino, ele não vê, na média, muita diferença entre a rede particular e privada. Como exemplo cita os bons resultados que escolas públicas atingem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Educação multidisciplinar aproxima crianças da escola, diz especialista



Marjo Kyllönn, secretária de educação de Helsinque, capital da Finlândia, defendeu sistema de educação a partir da resolução de problemas da vida cotidiana

Por Guilherme Venaglia


Marjo Kyllönen, secretária de educação de Helsinque, foi entrevistada no evento Amarelas Ao Vivo (Antonio Milena/VEJA)


Há três anos, a cidade de Helsinque, capital da Finlândia, decidiu dar um passo rumo à “escola do futuro”: adotar um sistema em que alunos estudem, para além das disciplinas tradicionais, a resolução de problemas abordando conhecimentos multidisciplinares. Para a secretária de educação da cidade, Marjo Kyllönen, a experiência reaproximou as crianças da escola.
“Um estudante nosso, de 11 anos, entrevistou seus colegas e perguntou o que eles achavam do nosso novo sistema. E, acredite, um colega deu uma resposta que surpreendeu: ‘O nosso sistema é mais legal, porque nós é que estamos no comando do processo, não são mais os professores que nos perguntam, somos nós que fazemos as perguntas'”, afirmou a especialista durante participação no fórum Amarelas ao Vivo, versão de palco das tradicionais Páginas Amarelas de VEJA.
Entrevistada pela redatora-chefe Thaís Oyama, Marjo explicou o que é a tal “educação baseada em fenômenos”, que impressionou especialistas ao redor do mundo. “Ao invés de ter apenas aulas separadas de diferentes matérias, adotamos uma abordagem holística, em que os alunos usam as diversas abordagens, de diversas matérias, para resolver um problema do dia a dia. Ainda temos matérias tradicionais, mas, apesar delas, adotamos as relações da vida real, baseadas nas experiências dos alunos”, explicou. Em Helsinque, além de história e geografia, mudanças climáticas e os desafios da União Europeia são tópicos estudados a partir do prisma de diversas áreas do conhecimento.
A educadora conta que encontrou resistência para as mudanças, já que, nas últimas décadas, o país a Finlândia ficou três vezes em primeiro lugar no exame do PISA, prova que estabelece o padrão mundial em educação.
“É mais fácil você fazer aquilo que já está confortável, mas Helsinque é uma cidade em que 20% dos alunos, aproximadamente, são imigrantes. Nossos professores têm reportado que, hoje, ser professor demanda mais, porque você precisa abarcar uma diversidade maior. Entenderam que, se precisamos preparar nossos alunos para o futuro, não conseguiremos fazer isso dentro do sistema tradicional”, relembra.
A educadora diz que não é possível “copiar e colar” um sistema, já que cada país tem a sua realidade, mas que dá para aprender com boas práticas e adaptá-las às condições locais. No entanto, defende um maior investimento na capacitação dos docentes e na valorização da carreira como necessidade básica para um bom sistema de educação.
“Educação para mim nunca é um custo, é um investimento no futuro. Se quisermos ser uma sociedade bem sucedida no futuro, precisamos investir forte na educação infantil e na educação básica”, defendeu a professora. Para ela, a formação docente necessita, para além da abordagem acadêmica, de uma forte educação prática: “Quando os professores estão em fase de treinamento, eles precisam de uma experiência, precisam passar um tempo na escola. Depois, também precisa de um professor mais experiente para prepará-lo”.

A inevitabilidade da burrice

Ao prometer excelência para todos, o que dizer quando essa excelência não vem?

João Pereira Coutinho
João Pereira Coutinho
É escritor português e doutor em ciência política.

O professor questiona o aluno: "Quanto é 5 vezes 5?" O aluno responde —erradamente. O professor castiga o aluno, jogando a cabeça dele contra o quadro-negro. Os colegas riem.
Mas um deles, sentindo piedade, mostra ao ignorante o desenho de uma árvore de Natal. O número é 25, tal como o dia da festividade.
O ignorante sorri, aliviado. E, quando o professor insiste —"Quanto é 5 vezes 5?"—, o aluno responde, triunfal: "Natal!". Os colegas riem e a cabeça dele sofre.
A cena pertence a "Cinema Paradiso", a obra de Giuseppe Tornatore que faz agora 30 anos. E eu, assistindo ao filme mais uma vez, pensei: a cena é tão politicamente incorreta que seria impensável hoje.
Não pela violência do professor. O problema está no aluno: no filme, Tornatore filma um caso de burrice. E não existe adulto que, pensando na sua escolaridade básica, não relembre os coleguinhas da turma que eram incapazes de fazer contas. Alguns de nós fomos aquele burrinho.
Hoje, essa explicação —a inevitabilidade da burrice, digamos— não existe na gramática pedagógica. Vivemos tempos de "romantismo educacional".
A expressão pertence a Charles Murray, a "bête noire" das ideias feitas. Em ensaio para a revista The New Criterion, Murray define o que entende por "romantismo educacional": trata-se da filosofia de que o sucesso de um aluno depende sempre do meio onde ele vive e estuda —e não, Deus nos livre, de quaisquer limites intelectuais inatos (ou genéticos).
Adaptando a definição de Murray a "Cinema Paradiso", o aluno que não é capaz de multiplicar 5 por 5 não é relapso a matemática. Ele será produto de um meio pobre e inculto; ou, então, é discriminado por um professor incompetente e autoritário. Burrinho ele não é.
O mais curioso, escreve Murray, é que o "romantismo educacional" não é uma questão de esquerda ou direita. Os dois lados das trincheiras subscrevem o papel decisivo do meio ambiente, negando qualquer limitação "natural".
A esquerda afirma que as questões de raça, classe ou gênero decidem o destino de qualquer um. A direita prefere atacar a escola pública, defendendo o ensino privado (e o cheque-educação para quem não pode pagar). Por outras palavras: mudando o meio, o aluno floresce rumo ao infinito.
Infelizmente, nem tudo é um produto do meio, embora ele seja importante, claro. E quando falamos das matérias centrais —língua e matemática— é absurdo afirmar que todos, em condições sociais semelhantes, terão iguais desempenhos acadêmicos.
Nos Estados Unidos, explica Murray, várias razões explicam o sucesso do "romantismo educacional". Para alguns pedagogos, as diferenças de inteligência podem ser suplantadas se os professores tiverem iguais expectativas relativamente aos alunos.
Para outros, o foco não deve estar nos professores, mas nos alunos: se todos eles tiverem "autoestima" elevada, os resultados positivos serão inevitáveis.
Sem falar da influência do psicólogo Howard Gardner, para quem existem vários tipos de inteligência —musical, espacial, interpessoal etc. Se o aluno de "Cinema Paradiso" não sabe matemática, ele pode ser um cantor excelente; ou um dançarino; ou um palhaço. Nem tudo é matemática.
Existe alguma verdade nessa observação —qualquer um é capaz de apreciar a inteligência de um jogador de futebol, por exemplo. Mas isso não invalida o óbvio: ler, escrever e contar ainda são as proficiências basilares de qualquer educação formal. Iludir o fato não altera a realidade.
Para Murray, o "romantismo educacional", para além de uma falácia pedagógica, é uma tortura evidente para a maioria dos alunos (e dos pais). Quando se promete excelência para todos, o que dizer quando essa excelência não vem?
Concordo com Murray. E, como ex-aluno e atual professor, sei bem em que consiste essa tortura: uma culpa desnecessária pelo simples fato de não sermos iguais em talentos e capacidades. Mesmo quando o meio está acima de qualquer suspeita.
Em "Cinema Paradiso", a ignorância era punida com uma violência grotesca. Mas não é preciso usar força física para exercer violência sobre os ignorantes. Há uma violência igualmente nociva quando se usa a mentira piedosa para negar a burrice e a mediania.
Um sistema de ensino realista deve fazer o melhor que pode. Mas também aceita as fraquezas da inteligência como parte da diversidade humana.

Para quem pensa que escola é prédio

Os efeitos de nosso atraso na educação vêm paralisando o país há décadas


 Vera Iaconelli
Vera Iaconelli
Psicanalista, fala sobre relações entre pais e filhos, mudanças de costumes e novas famílias do século 21.

Quando pequena, minha filha soltou uma frase que me deixou horrorizada: "Detesto matemática". Como uma criança que está apenas começando a aprender um assunto tão rico e desafiante pode emitir uma opinião pesada dessas?

Foi preciso que um novo professor, sensível à sua dificuldade, aparecesse para reverter a situação. Chamando-a de "senhorita" carinhosamente, foi puxando o fio de seu interesse e curiosidade ao mesmo tempo em que incentivava sua perseverança. Resultado: o amor e aprendizagem da matemática. 

Passado um tempo, na fila para comprar fichas da festa junina da escola, minha filha me alertou que seu professor estava na barraca.

A cena que se seguiu foi puro constrangimento. Não me furtei a derramar elogios a um senhor de chapéu de palha e cavanhaque falso, acuado em um quadrado decorado com bandeirinhas. A fila engrossava enquanto eu, emocionada, dizia tudo que penso sobre a incrível tarefa de educar e sobre seu talento pessoal. Minha filha se escondia atrás de mim, imaginando como seria voltar para escola depois de seu professor preferido ter sido assediado por sua mãe agradecida —tipo bem constrangedor. Talvez ele conte essa anedota para ilustrar embaraços da profissão.

Explico meu entusiasmo. O caso é que não se vê outra saída que não a educação para grande parte dos problemas que enfrentamos. Não há estudo relativo aos problemas no trânsito, ao voto consciente, à cidadania, ao racismo, à violência obstétrica ou às drogas que não desemboque na necessidade de investir em educação.

Educação não pode ser confundida com acúmulo de informações, obviamente, pois isso a internet oferece, e qualquer criança que já saiba sentar tem acesso a ela. Ao contrário, trata-se da capacidade de lidar criticamente com as inúmeras informações que chegam. Não temos mais como proteger nossos filhos dos conteúdos, como gostaríamos, nem como deveríamos, mas temos como ajudá-los a questionar, avaliar. Mais do que nunca o papel do mediador entre o mundo e a criança se torna fundamental. Como professores e pais, não nos furtemos do nosso papel.

Os pais têm investido pesado no ensino particular desde que a escola pública foi deixando de ser a melhor opção, destinando uma porcentagem considerável da renda familiar à escolaridade dos filhos. Isso revela um crescente reconhecimento da importância da escola? Depende do que cada um entende por "escola".
Promessas como prédios que mais parecem shoppings ou bunkers e a febre da educação bilíngue muitas vezes passam bem longe da preocupação com a qualidade da proposta pedagógica e, mais longe ainda, das condições de trabalho do profissional que se ocupa diretamente dos nossos filhos.

Lembremos que, mesmo quando a proposta pedagógica de uma escola é excelente, não são os donos do negócio que a executam. São os professores, no dia a dia com crianças e jovens, que transmitem aquilo a que desejamos tanto que eles tenham acesso: amor pelo conhecimento, espírito cooperativo, pensamento crítico.

Minhas filhas tiveram o privilégio de estudar em escolas excelentes, com instalações apropriadas e projetos pedagógicos arrojados, mas não foi aí que se deu a diferença. Foi isso que tentei expressar com excessivo entusiasmo ao professor de matemática.

Quando vamos encarar que a falta de investimento em educação vem paralisando o país ao longo de décadas e, diferentemente da greve dos caminhoneiros, não se regularizará em dias? Os jovens que saíram às ruas e escreveram manifestos em solidariedade à greve dos professores da rede particular parecem saber algo sobre isso. Sugiro que os escutemos.


domingo, 27 de maio de 2018

Desigualdade do início ao fim: Ensino Superior ainda é para poucos

"Em nome da crise, não se pode sacrificar exatamente o que pode nos permitir superá-la: Educação de qualidade, com equidade e inclusão, da etapa infantil à Universidade", afirma André Lázaro, da Fundação Santillana

André Lázaro, Diretor da Fundação Santillana. Integrante do LPP/UERJ e pesquisador da Flacso-Brasil.
A Educação é um sistema: a escolaridade dos pais tem influência direta na aprendizagem de crianças e jovens, em sua permanência e progresso nos níveis escolares. Ela também, por sua vez, se traduz em conquistas nos diversos setores da vida individual, familiar e coletiva.
No Brasil, a conclusão da Educação Superior garante expressivos ganhos de renda em comparação com os demais níveis de escolaridade. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2017 sobre rendimentos, informam que as pessoas com Ensino Superior completo alcançam rendimentos 3 vezes maior que o das pessoas que têm o nível médio e 6 vezes o daqueles sem instrução.
Entretanto, em 2017, apenas 15,7% da população de 25 anos ou mais havia concluído o nível superior. Quando observamos a distribuição a partir da raça/cor dos brasileiros dessa faixa etária, eram 22,9% dos brancos e 9,3% dos pretos e pardos. A restrição ao acesso à Educação tem sido fator de produção e reprodução das desigualdades, em particular as de renda e raça/cor. A média dos países da OCDE é de 34% da população adulta com Ensino Superior concluído. O Brasil está abaixo de outros países da região, como o Chile (21%), Colômbia (22%), Costa Rica (18%) e México (19%).
meta 12 do PNE é dedicada a elevar a proporção da população nessa etapa de ensino. Para acompanhar os dados são utilizados três indicadores. O primeiro mede a proporção de matrículas de estudantes de 18 a 24 anos sobre o total da população nessa faixa etária: a taxa líquida da Educação Superior. Em 2017 era de 23,2%, ou seja, menos de 1 em cada 4 dos jovens dessa idade cursavam esse nível de ensino. A meta é chegar a 33% em 2024.
O segundo indicador aponta a proporção de matrículas de estudantes no Ensino Superior, de todas as idades, sobre a população na faixa etária de 18 a 24 anos. É a taxa bruta de matrícula. Em 2015, era de 34,6%, indicando que quase a metade de nossos graduandos têm idade superior a 24 anos. Para 2024 projeta-se a taxa bruta de 50%.
O terceiro indicador mede se a proporção das novas matrículas corresponde à meta: 40% delas em instituições públicas. Esse indicador é muito relevante pois, seguindo tendência que se acentua desde os anos 1990, cresce a presença do setor privado que, agora, detém o triplo das matrículas com relação ao público. Em 2016, 75,3% dos estudantes estavam em instituições particulares enquanto as públicas atendiam a 24,7%. Em 2015 apenas 5,5% de novas vagas foram criadas no setor público.
Os dados mais recentes do Censo da Educação Superior de 2016, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), não são promissores. No período entre 2006 e 2016 as matrículas nesse nível aumentaram em 62,8%, com uma média anual de 5% de crescimento. No entanto, entre 2015 e 2016 o crescimento foi de apenas 0,2%.
A crise econômica tem incentivado propostas contrárias ao previsto no PNE. O setor privado da Educação e economistas da corrente ortodoxa defendem aumentar a já elevada privatização da Educação Superior. A justificativa é que o expressivo ganho individual alavancado pelo diploma é razão suficiente para que o custo desse nível de ensino seja investimento privado, ainda que subsidiado por créditos públicos.
Esta visão reduz a Educação Superior à produção de diplomados, o que está longe de ser sua única razão de existência. Embora fundamental para o País, a elevação da proporção de graduados na sociedade é parte do processo de formar a inteligência crítica e criativa da nação. Mais da metade das matrículas das instituições privadas estão em empresas com fins lucrativos. Seus interesses educacionais estão restritos ao atendimento mínimo dos padrões exigidos para manter os financiamentos públicos que o PROUNI e o FIES garantem. A Educação Superior tem responsabilidade de desenvolver não apenas o ensino, mas também a pesquisa e as atividades de extensão. A pesquisa brasileira é realizada principalmente nas Universidades públicas, assim como as atividades de extensão, a oferta de cursos de Pós-graduação e a presença em localidades de menor poder aquisitivo.
A Educação é responsabilidade do Estado e no século do conhecimento serão as universidades públicas que farão diferença, como aliás têm feito. O que seria da agricultura brasileira sem a pesquisa? Como explorar o petróleo no Pré-sal sem a tecnologia desenvolvida nas Universidades? Como avançar na compreensão das implicações do vírus da zika e a microcefalia? Esses são apenas os exemplos óbvios, mas claros o bastante para alertar o debate do futuro próximo.
As eleições de 2018 indicarão os dirigentes que estarão à frente do País quando completamos 200 anos da independência. Não será independência se, em 2022, ainda tivermos, como temos hoje, 3 milhões de crianças de 4 a 17 anos fora da escola e jovens na Educação Superior em proporções inferiores a quase todos os países da América Latina. Em nome da crise, não se pode sacrificar exatamente o que pode nos permitir superá-la: Educação de qualidade, com equidade e inclusão.

A união faz a força: três vezes em que a cooperação fez bem à Educação

Apoio financeiro e discussão sobre dificuldades comuns às redes escolares aumentam qualidade do ensino


Todos Pela Educação

Garantir acesso à escola de qualidade para todo cidadão é dever do Estado, mas no Brasil isso não é uma questão simples. Devido a uma estrutura federativa, a responsabilidade pela Educação é dividida entre a União, os 27 estados e mais de 5.500 municípios. Para evitar que o governo federal, o governo estadual e a prefeitura se embaralhem, fazendo projetos parecidos, é possível formar alianças – o que chamamos de regime de colaboração.
O termo pode parecer complicado, mas se trata de algo muito conhecido por todos nós. Em uma ida ao supermercado com a família, por exemplo, cada um pode ficar responsável por um tipo de alimento, assim a tarefa se torna mais rápida, além de evitar que se compre mais que o necessário. Em Educação, colaborar (do latim “trabalhar junto”) dessa maneira significa planejar iniciativas complementares entre as redes de ensino.
Essa colaboração pode ser tanto horizontal – na mesma esfera de poder (trabalho conjunto entre municípios ou entre estados) – quanto vertical (quando uma esfera superior, como um estado, por exemplo, auxilia uma  menor, como um município). Essa iniciativa pode envolver desde a troca de experiências até questões de investimento educacional, como redirecionar verbas para municípios mais pobres.
Separamos três exemplos de como o regime de colaboração contribuiu para a Educação brasileira. Veja:
1 – Mais crianças aprendendo a ler no Ceará
O Ensino Fundamental cearense não andava bem em meados dos anos 2000. Em 2004, um estudo pedido pela Assembleia Legislativa do estado constatou que só 15% dos 8.000 alunos de 8 anos tinham desempenho adequado em leitura e compreensão de texto. Esse cenário exigia mudanças na forma de ensinar e alterações no preparo dos professores.
Três anos depois, o governo estadual e municípios firmaram o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa (Paic). As ações do projeto vão desde políticas voltadas aos professores (valorização e formação continuada) até mudanças no financiamento, como a distribuição de recursos de acordo com os resultados educacionais. Para promover o equilíbrio, escolas com menor desempenho recebem apoio financeiro a fim de estimular melhorias de resultados com o alcance de metas.  
Quem ganhou com isso foi mesmo o aluno. Em 2016, 54,8% das crianças do 3º ano tinham nível suficiente de leitura, de acordo com a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA). Entre 2007 e 2015, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do estado saltou de 3,8 para 5,9.
2 – Mais comunicação e menos problemas no noroeste paulista
Outra possibilidade de colaboração na Educação brasileira são os chamados Arranjos para Desenvolvimento Educacional (ADE). Esses arranjos consistem em reunir municípios com problemas semelhantes que, ao trocar informações, conseguem diagnósticos mais precisos. Foi isso que aconteceu no noroeste paulista, por iniciativa da prefeitura de Votuporanga. Em conjunto, o grupo inicial de 14 cidades estabeleceu prioridades para o ensino da região.
De acordo com o estudo “Cooperação Intermunicipal”, do professor Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a aliança apostou na formação dos professores e no partilhamento de informações entre as secretarias municipais de Educação. O Centro Universitário de Votuporanga (UNIFEV) oferece cursos aos professores dos (atualmente) 54 municípios, além de formação continuada. Mais uma vez, quem pode comemorar foi a comunidade escolar. Como resultado houve aumento do Ideb da região. Parisi, por exemplo, saltou de 4,4 para 6,1 entre 2007 e 2015. Além disso, a integração gerou uma agenda anual de trabalho conjunto.
3 – Mobilização social pela Educação na Chapada Diamantina
Na verdade, a ideia pioneira de construir arranjos regionais surgiu no centro da Bahia, na Chapada Diamantina, por iniciativa da pedagoga Cybele Amado em 1997, que na época era professora da rede estadual. A integração de 12 municípios deu origem à Organização da Sociedade Civil (Oscip) Instituto Chapada de Ensino e Pesquisa (Icep), parceiro técnico que hoje leva o nome do arranjo.
A colaboração nasceu de necessidade básicas como criar os cargos de coordenador pedagógico e diretor de escola. Contratos com entidades do setor produtivo trouxeram apoio técnico e financeiro inicial ao grupo. Hoje, após 20 anos em ação, os municípios arcam sozinhos com os custos, contribuindo cada um para a manutenção do Icep. O instituto discute as políticas educacionais coletivamente com os secretários de Educação.
Além disso, há uma mobilização social pela Educação. Cada nova safra de prefeitos e vereadores participam de evento público para tratar das ações na Educação, o chamado Dia “E”, em que se comprometem atingir as metas estabelecidas no encontro, 90% dos municípios integrantes superaram a meta projetada do Ideb em 2011.
Esses casos demonstram que juntos, na prática, é possível fazer a Educação ir muito mais longe e melhor.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

A terrível busca por crianças de 'alta performance'

É preciso repensar a crescente pressão por resultados

José Ruy Lozano
Sociólogo, autor de livros didáticos, conselheiro do Core (Comunidade Reinventando a Educação) e coordenador pedagógico geral do Colégio Nossa Senhora do Morumbi – Rede Alix


Os recentes casos registrados de suicídio de estudantes do ensino médio —alunos de tradicionais colégios de São Paulo— causaram perplexidade e tristeza. Embora saibamos que o ato de tirar a própria vida é gerado por angústias de múltiplas origens, é preciso pensar de que maneira o ambiente escolar pode ajudar (ou atrapalhar) a prevenção de situações dessa natureza.

A discussão é ampla, mas há um aspecto a ser destacado: a busca incessante de alguns estabelecimentos escolares pela produção de crianças e jovens de "alta performance".

Os currículos escolares vêm mudando nos últimos anos, para o bem e para o mal.

Há algumas iniciativas bem-vindas de ampliação do universo cultural e das habilidades dos alunos, ao lado de outras bastante questionáveis, que submetem os estudantes a expectativas e pressões para as quais, ao que tudo indica, eles não estão preparados.

Muitos colégios, já nos anos iniciais, introduzem a disciplina empreendedorismo (o que quer que isso signifique para crianças de cinco anos) e vendem essa "novidade" como vantagem, a fim de seduzir alguns pais --clientes incautos, preocupados com o futuro dos rebentos.

Mais recentemente, alunos a partir de 14 anos passaram a participar de jogos envolvendo aplicações na Bolsa de Valores. Grupos entram em competição, e ganha a equipe que obtiver a maior rentabilidade nas simulações de investimentos.

O ensino de idiomas também tem se tornado obsessão. Com o discurso de formar cidadãos do mundo ou preparar os jovens para a concorrência no mercado de trabalho, colégios adotam currículos bilíngues, trilíngues e até "quatrilíngues" (essa palavra ainda não está dicionarizada, mas não tardará a se popularizar).

Inglês só não basta; afinal, as crianças precisam ter vantagens comparativas. Não importa que não consigam escrever com proficiência nem sequer em português...

Soma-se a essas práticas ditas inovadoras a incessante procura por desempenhos positivos em avaliações massificadas, como Enem, Prova Brasil e vestibulares.

O malfadado ranking de escolas no exame do ensino médio, a despeito de estar sujeito a manipulações marqueteiras fartamente demonstradas, serve como um instrumento de exclusão de alunos com dificuldades pedagógicas em diversos colégios particulares.

A Prova Brasil, por sua vez, começa a ser utilizada como indicador de produtividade de professores, e já existem propostas de vinculação do orçamento de escolas públicas aos índices obtidos na avaliação.

Tudo somado, mais e mais pressão sobre os alunos, que precisam entregar resultados!

Está na hora de repensar algumas práticas escolares, especialmente aquelas que visam atender a ânsia do mercado, a busca por sucesso a qualquer preço, à custa dos tempos e espaços que são próprios da infância e da juventude.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

TOC e Síndrome de Tourette: O que são e como identificar na infância?

Bruna Ribeiro

BRUNA RIBEIRO

Direitos da criança e do adolescente


Na sala de espera de um médico atrasado, pacientes com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) precisam lidar com as manias de cada um. É a partir dessa situação que se desenrola a trama espanhola Toc Toc, disponível no Netflix.
Entre os pacientes, uma tem compulsão por limpeza e lava as mãos após tocar qualquer coisa ou pessoa. Outra tem mania de checar inúmeras vezes se fechou o gás, se pegou a chave, se apagou a luz – comportamento repetitivo que dificulta sua saída de casa.
Tem ainda o personagem viciado em contabilizar tudo, o que não pisa em listras e a que repete todas as frases por duas vezes. A menos conhecida Síndrome Tourette se manifesta na pele de um senhor com incontroláveis tiques físicos e verbais.



A película trata de forma cômica o drama real da vida de 8 milhões de pessoas acometidas pela doença no Brasil, de acordo com dados da Associação Brasileira de Psiquiatria. Entre crianças e adolescentes, a dificuldade de enfrentar o transtorno pode ser ainda maior.
Muitas vezes, se não tratado, o TOC interfere diretamente na vida escolar, impondo limites sociais e acadêmicos. Os mais novos também têm mais dificuldade de expressar exatamente o que estão sentindo e dependem do adulto para buscar ajuda médica.
Conversei com o psiquiatra infantil Francisco Assumpção Junior a respeito do tema. Confira trechos da entrevista:
O que é o TOC (transtorno obsessivo-compulsivo)?
O TOC se caracteriza por pensamentos recorrentes, que causam desconforto. São ideias ou imagens que se intrometem no pensamento, contra a vontade da criança, levando ao sofrimento e à ansiedade.
Há também as compulsões e obsessões. As compulsões são comportamentos repetitivos, feitos para diminuir a ansiedade. Embora a pessoa saiba que não precisa daquilo, ela não consegue se controlar. Esses rituais normalmente se associam a pensamentos, como uma forma de diminui-los.
Quais são os tipos de TOC e a partir de quantos anos se manifesta?
Há o medo de contaminação, pensamentos agressivos, religiosos, ideais sexuais e de danos a si mesmo, além da necessidade de contar, organizar coisas e simetria. O TOC pode ser identificado logo cedo, na pré-escola. Quando relacionado ao pensamento, é possível identificar em crianças a partir de 7 anos.  Normalmente é mais presente em meninos do que em meninas, em uma proporção de 3 para 2.
A Síndrome de Tourette tem alguma relação com o TOC?
Alguns autores fazem essa associação, até porque a presença de ansiedade em ambos é muito grande. A Síndrome de Tourette é um quadro descrito no final do século XIX, por Gilles de La Tourette.
Também mais frequente em meninos, é uma síndrome de tiques motores e vocais intensos e frequentes. Há também uma tendência compulsiva a falar palavrões e fazer gestos obscenos. A síndrome é um quadro grave, pois atrapalha muito a vida do sujeito.
Vale ressaltar a diferença entre a doença e os tiques. Tique é um movimento involuntário, normalmente de grupos musculares simples, como a piscada, que piora quando a pessoa está ansiosa.


Como os adultos podem identificar as doenças em crianças e adolescentes?
É preciso observar as atitudes, considerando que quando falamos em doença psiquiátrica, falamos de sofrimento e inadaptação. A doença mental é uma restrição de liberdade. Muitas vezes, por exemplo, a criança sequer consegue terminar uma brincadeira.
Quando o TOC é de pensamento, é mais difícil de identificar, mas geralmente a criança fala ao adulto, porque ela sofre. Quando é muito pequena, não vai saber expressar exatamente, mas pode dizer que uma voz fica na cabeça dela. O mais velho já diz que vem um pensamento ruim, que ele não consegue tirar da mente.
Como ajudar nesses casos?
Na maioria das vezes, a criança, quando é pequena, não sabe se expressar e tem dificuldade de mostrar que está sofrendo. Diferente do adulto, ela só vai ao psiquiatra quando é levada. Não é ela quem define.
O maior problema é que a sociedade ainda pensa que a criança não sofre e não tem motivos para estar infeliz, pois só vai à escola e brinca. Quando entendemos que a infância é uma maravilha, perdemos a dimensão da doença.
Em função disso, normalmente a criança só chega ao consultório quando o rendimento na escola cai, quando começa a incomodar muito ou quando a doença é visível, como a Síndrome de Tourette. Por isso é preciso ter atenção, não subestimar a criança e procurar ajuda de um especialista.
Se não tratada, quais são as consequências da doença na qualidade de vida?
A criança está no processo de construir sua autoimagem. Deixando de lado o politicamente correto, sabemos que muitas escolas enfrentam os problemas do bullying. Imagine o sofrimento de uma criança ou de um adolescente com esse padrão de tique. Se não falarem nada, a autoimagem já costuma ser baixa.
Entre os casos de TOC, um terço melhora, um terço se mantém e um terço piora. Nessa piora, se não tomamos cuidado, há associação inclusive com o suicídio. A queda no desempenho escolar e no trabalho, no caso dos adultos, é outra consequência. Há crianças, por exemplo, que não conseguem terminar a tarefa de casa, por apaga-la muitas vezes.
Qual é o tratamento?
O tratamento é medicamentoso e também por terapias cognitivas e comportamentais. As medicações são principalmente antidepressivos e neurolépticos. Em indivíduos muito resistentes ao tratamento, com prejuízo muito grande, pode ser indicada uma neurocirurgia.
A cirurgia é legal e passou pelo Comitê de Ética. Atualmente é computadorizada e feita a laser em regiões específicas do cérebro.
O tratamento cognitivo comportamental é praticamente por meio de terapia, com objetivos específicos, como treinamento cognitivo, exposição aos fatores desencadeantes e prevenção de recaídas.
Quando falamos da Síndrome de Tourette, não é muito diferente. Trata-se também com medicamentos e terapias. Em ambos os casos, após os primeiros passos, é possível combinar técnicas de relaxamento, como meditação, que reduzem a ansiedade.
Qual é a diferença entre manias e TOC?
As diferenças são bem importantes. Quando você é metódico e sistemático, você pode incomodar os outros, mas não a si mesmo. Você rende, consegue se controlar, as coisas funcionam e a sua meticulosidade te faz feliz.
No caso do TOC, a doença gera sofrimento e paralisa a pessoa. Imagine um adolescente que tem de jogar a escova de dente fora, porque o irmão esbarrou quando foi pegar a própria escova. Por mais que a pessoa saiba que o incômodo não faz sentido, não consegue mudar.
Como a família pode ajudar?
É preciso participar e entender a doença, dando apoio e sem pressionar, pois a cobrança aumenta ainda mais a ansiedade. Uma doença psiquiátrica habitualmente é um fator de desorganização familiar.
Se todos conseguem se reorganizar e enfrentar o problema, perfeito. Mas como algumas famílias se desestruturam completamente, vale a pena que todos procurem ajuda terapêutica até se reorganizar.

Nossa juventude está emocionalmente doente

Ana Maria Diniz

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Ana Maria Diniz
A educação que vale a pena


A pressão social para que o jovem atinja níveis altíssimos de perfeição aumentou significativamente nas últimas décadas, revela um estudo recente; e isso é desastroso para a construção de adultos seguros, saudáveis e capazes de contribuir com a sociedade


Há cerca de um mês, dois alunos do Ensino Médio de um dos mais renomados colégios de São Paulo tiraram a própria vida. Menos de um dia depois, outro caso similar, envolvendo outro adolescente e outra escola tradicional da capital paulista, veio à tona. Ano passado, num intervalo de dois meses, seis estudantes que cursavam o quarto ano de Medicina na USP, tentaram se matar.
Infelizmente, episódios como estes têm se tornado cada vez mais comuns entre os jovens: a incidência entre pessoas de 12 a 25 anos cresceu 40% no mundo entre 2000 e 2015, segundo a OMS. No Brasil, cresceu 65% na faixa etária de 10 a 14 anos e 45% de 15 a 19 anos. A nossa juventude está emocionalmente doente. Vários outros dados comprovam essa triste e preocupante realidade: os jovens hoje são mais deprimidos, ansiosos e propensos a pensamentos suicidas do que os de outras épocas.
Mas por quê? Não deveria ser o contrário, se é na juventude que o nosso otimismo e nossa vontade de fazer e acontecer atinge seu apogeu? Qual a razão de tanta melancolia, se os jovens de hoje, que cresceram no embalo da revolução tecnológica, de maneira geral dispõem de mais recursos, acesso ao conhecimento, possibilidades e oportunidades para construir o próprio futuro do que seus pais e avós?
Para os psicólogos ingleses Thomas Curran and Andrew Hill, a resposta para essa questão pode estar no perfeccionismo. Há uma epidemia oculta de perfeccionismo e ela pode ser devastadora, argumentam os dois especialistas, que assinam juntos um estudo pioneiro sobre a incidência do traço perfeccionista em jovens de diferentes gerações e os efeitos nocivos disso na saúde mental, publicado no início do ano na revista Psychological Bulletin.
O trabalho, que analisou 41 mil estudantes universitários britânicos, canadenses e americanos entre 1989 e 2016, indica um aumento significativo do comportamento perfeccionista nos jovens nesses 27 anos. Os níveis registraram alta em três tipos de perfeccionismo: o auto-orientado (o desejo irracional de ser perfeito) cresceu 10%; o socialmente direcionado (a percepção de que os outros esperam que você seja perfeito) subiu 33%; e o orientado para os outros (o desejo de que os outros sejam perfeitos, segundo seus próprios padrões) cresceu 16%.
O perfeccionismo é um desejo irracional de perfeição combinado com um altíssimo grau de autocrítica. O que diferencia um perfeccionista de alguém que é muito diligente é a obstinação em corrigir as próprias imperfeições, mesmo que elas não existam em nenhum outro lugar a não ser na sua cabeça, seja para satisfação pessoal ou, na grande maioria dos casos, para obter a aprovação dos outros. E é exatamente na percepção alheia que a diferença geracional se evidencia.
A competitividade exacerbada, a vontade de se destacar, de ter um emprego e uma renda que garantam status social, de ter uma família feliz, ou seja, ser perfeito de acordo com os padrões pré-estabelecidos, são características comuns entre esta geração e as anteriores. Quem não se lembra da competitividade e consumismo desmedidos dos yuppies, na década de 80? Mas nenhuma outra tinha tamanha necessidade de parecer tão perfeito aos os outros quanto a atual.
A pressão exercida pelas mídias sociais tem relação direta com essa mudança. As redes sociais já foram descritas em diversos estudos como mais viciantes que cigarros e álcool. Em jovens uso recorrente e excessivo de redes como Facebook, Instagram e Snapchat já foi relacionado ao aumento da depressão, ansiedade e auto depreciação. Ali, eles postam selfies, fotos de viagens e opiniões e aguardam ansiosamente por likes e mais likes. A comparação constante e quase instantânea com milhares de outras pessoas que as redes propiciam faz com que o grau de insatisfação desses jovens consigo mesmos e com o que possuem aumente, assim como cresce neles a ideia de que é necessário se aperfeiçoar mais e mais.
Como colocam os autores do estudo em sua conclusão, “esta é uma cultura que ataca as inseguranças e amplifica a imperfeição, levando os jovens a se concentrarem em suas deficiências”. Temos de ajudá-los a preencher esse vazio e a escapar da superficialidade das relações virtuais. Cabe a cada um de nós, envolvidos com Educação, trabalhar para que todo adolescente possa transpor a densa cortina de fumaça que envolve os selfies e os likes para, assim, enxergar suas qualidades, explorar seus talentos e reconhecer suas fraquezas com mais tranquilidade. Para isso só há um caminho: o autoconhecimento.
As escolas e as famílias têm um papel fundamental nesse assunto e deveriam buscar caminhos para dar suporte para que cada jovem pudesse refletir sobre si próprio. É por isso que eu gosto tanto do modelo de Educação Integral na metodologia ICE de Pernambuco. Ele explora desde o primeiro ano do Ensino Médio o projeto de vida do adolescente. Essa reflexão constante durante os últimos três anos do ciclo básico ajuda cada estudante a encontrar seus verdadeiros propósitos de vida. Mas este é um assunto extenso para ser explorado num próximo blog, em breve!

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Os professores brasileiros são medíocres? E dos alunos, ninguém diz nada?

Por mais brilhante e preparado que seja um professor, ele não irá longe sem o apoio da coordenação da escola, o auxílio dos pais e a disciplina dos alunos.

Por Maicon Tenfen


No seu mais famoso sermão, o da Sexagésima, proferido na Capela Real de Lisboa em 1655, o Padre Antônio Vieira parte de uma criativa interpretação da Parábola do Semeador para constatar que a palavra de Deus não faz fruto entre os homens.
Por que isso acontece?, pergunta-se o padre.
Porque tem algo errado, óbvio.
Mas O QUE exatamente está errado?
A partir dessas questões, o pregador dá uma antológica aula de lógica comparativa:
— Para um homem ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. (…) O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?
A resposta é a que se espera de um padre: Deus é perfeito, logo não pode faltar; os ouvintes são ignorantes, logo não adianta culpá-los; resta pôr a culpa no PREGADOR, que fracassa por enfeitar demais o discurso, por falar com voz inadequada, por não dar bom exemplo etc.
Daí em diante, na busca de soluções para que a Boa Palavra frutifique na terra, Vieira dá dicas de como proceder para realizar um bom sermão.
“E saiba a mesma terra que ainda está em estado de reverdecer e dar muito fruto”, conclui o jesuíta.
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A esmagadora maioria das assessorias públicas de educação se limita à premissa que sustenta o Sermão da Sexagésima. Troquemos Deus por conteúdo, ouvinte por aluno e pregador por professor. Quem é o culpado pelo fracasso do sistema educacional brasileiro? O professor, lógico, por isso ele deve aprender a se comportar assim ou assado para apascentar as feras que estão na sala e milagrosamente promover o conhecimento.
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Há alguns anos, quando um colega professor começou a dar aulas num colégio particular, alguém da turma perguntou em “marxismo vulgar” se ele agora se dedicaria a limpar as bundas dos filhos da burguesia.
— Claro que sim — respondeu o espirituoso colega. — Do mesmo modo que vocês vão limpar as bundas dos filhos do proletariado.
Apesar do tom jocoso, ele estava expressando um descontentamento presente entre os velhos e os novos membros do magistério. Já naquele tempo, todos sabiam que, independentemente de a escola ser pública ou privada, o paternalismo pedagógico e a “alunocracia” são gerais. “Limpar a bunda” é apenas uma expressão mais direta para aquilo que nas salas de professores se conhece por suportar a indisciplina enquanto a coordenação “passa a mão” na cabecinha dos baderneiros.
Quando um estudante não faz a tarefa ou bagunça uma aula inteira, existem mil e uma formas de explicar o que aconteceu: é muito pobre (ou é muito rico!), os pais não lhe dão atenção (ou é sufocado por uma mãe superprotetora), sofre do Transtorno X (ou do Transtorno Y), é uma vítima dos meios digitais (ou lhe falta acesso à internet) etc, etc. Em vez de encararem a realidade de que, na maioria dos casos, o aluno indisciplinado se aproveita das colheres de chá da chamada pedagogia moderna, os psicopedagogos criam nomenclaturas complexas para justificar a preguiça e o desrespeito.
E muitos pais caem no conto sem a menor necessidade. Alguns chegam a admitir a incapacidade dos próprios filhos e, em vez de exigir empenho, entregam tudo nas mãos… de Deus? Não, dos professores. Estes, por sua vez, a partir do momento em que percebem o tamanho da armadilha — serão responsabilizados pelo fracasso de toda uma geração! — passam a jogar conforme as regras não escritas do jogo. É quando surgem as provinhas moleza, as notas gratuitas, os infindáveis trabalhos de recuperação…
Ninguém precisa tirar diploma em Harvard para perceber que a lógica do Sermão da Sexagésima não cabe na educação brasileira, pelo menos não com a displicência das secretarias de educação. Por mais brilhante e preparado que seja um professor, ele não irá longe sem o apoio da coordenação da escola, o auxílio dos pais e a disciplina dos alunos.
Os alunos, a propósito, deveriam ser incentivados a estudar pra valer. Deveriam, no mínimo, aprender a limpar as próprias bundas.