quinta-feira, 24 de maio de 2018

Nossa juventude está emocionalmente doente

Ana Maria Diniz

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Ana Maria Diniz
A educação que vale a pena


A pressão social para que o jovem atinja níveis altíssimos de perfeição aumentou significativamente nas últimas décadas, revela um estudo recente; e isso é desastroso para a construção de adultos seguros, saudáveis e capazes de contribuir com a sociedade


Há cerca de um mês, dois alunos do Ensino Médio de um dos mais renomados colégios de São Paulo tiraram a própria vida. Menos de um dia depois, outro caso similar, envolvendo outro adolescente e outra escola tradicional da capital paulista, veio à tona. Ano passado, num intervalo de dois meses, seis estudantes que cursavam o quarto ano de Medicina na USP, tentaram se matar.
Infelizmente, episódios como estes têm se tornado cada vez mais comuns entre os jovens: a incidência entre pessoas de 12 a 25 anos cresceu 40% no mundo entre 2000 e 2015, segundo a OMS. No Brasil, cresceu 65% na faixa etária de 10 a 14 anos e 45% de 15 a 19 anos. A nossa juventude está emocionalmente doente. Vários outros dados comprovam essa triste e preocupante realidade: os jovens hoje são mais deprimidos, ansiosos e propensos a pensamentos suicidas do que os de outras épocas.
Mas por quê? Não deveria ser o contrário, se é na juventude que o nosso otimismo e nossa vontade de fazer e acontecer atinge seu apogeu? Qual a razão de tanta melancolia, se os jovens de hoje, que cresceram no embalo da revolução tecnológica, de maneira geral dispõem de mais recursos, acesso ao conhecimento, possibilidades e oportunidades para construir o próprio futuro do que seus pais e avós?
Para os psicólogos ingleses Thomas Curran and Andrew Hill, a resposta para essa questão pode estar no perfeccionismo. Há uma epidemia oculta de perfeccionismo e ela pode ser devastadora, argumentam os dois especialistas, que assinam juntos um estudo pioneiro sobre a incidência do traço perfeccionista em jovens de diferentes gerações e os efeitos nocivos disso na saúde mental, publicado no início do ano na revista Psychological Bulletin.
O trabalho, que analisou 41 mil estudantes universitários britânicos, canadenses e americanos entre 1989 e 2016, indica um aumento significativo do comportamento perfeccionista nos jovens nesses 27 anos. Os níveis registraram alta em três tipos de perfeccionismo: o auto-orientado (o desejo irracional de ser perfeito) cresceu 10%; o socialmente direcionado (a percepção de que os outros esperam que você seja perfeito) subiu 33%; e o orientado para os outros (o desejo de que os outros sejam perfeitos, segundo seus próprios padrões) cresceu 16%.
O perfeccionismo é um desejo irracional de perfeição combinado com um altíssimo grau de autocrítica. O que diferencia um perfeccionista de alguém que é muito diligente é a obstinação em corrigir as próprias imperfeições, mesmo que elas não existam em nenhum outro lugar a não ser na sua cabeça, seja para satisfação pessoal ou, na grande maioria dos casos, para obter a aprovação dos outros. E é exatamente na percepção alheia que a diferença geracional se evidencia.
A competitividade exacerbada, a vontade de se destacar, de ter um emprego e uma renda que garantam status social, de ter uma família feliz, ou seja, ser perfeito de acordo com os padrões pré-estabelecidos, são características comuns entre esta geração e as anteriores. Quem não se lembra da competitividade e consumismo desmedidos dos yuppies, na década de 80? Mas nenhuma outra tinha tamanha necessidade de parecer tão perfeito aos os outros quanto a atual.
A pressão exercida pelas mídias sociais tem relação direta com essa mudança. As redes sociais já foram descritas em diversos estudos como mais viciantes que cigarros e álcool. Em jovens uso recorrente e excessivo de redes como Facebook, Instagram e Snapchat já foi relacionado ao aumento da depressão, ansiedade e auto depreciação. Ali, eles postam selfies, fotos de viagens e opiniões e aguardam ansiosamente por likes e mais likes. A comparação constante e quase instantânea com milhares de outras pessoas que as redes propiciam faz com que o grau de insatisfação desses jovens consigo mesmos e com o que possuem aumente, assim como cresce neles a ideia de que é necessário se aperfeiçoar mais e mais.
Como colocam os autores do estudo em sua conclusão, “esta é uma cultura que ataca as inseguranças e amplifica a imperfeição, levando os jovens a se concentrarem em suas deficiências”. Temos de ajudá-los a preencher esse vazio e a escapar da superficialidade das relações virtuais. Cabe a cada um de nós, envolvidos com Educação, trabalhar para que todo adolescente possa transpor a densa cortina de fumaça que envolve os selfies e os likes para, assim, enxergar suas qualidades, explorar seus talentos e reconhecer suas fraquezas com mais tranquilidade. Para isso só há um caminho: o autoconhecimento.
As escolas e as famílias têm um papel fundamental nesse assunto e deveriam buscar caminhos para dar suporte para que cada jovem pudesse refletir sobre si próprio. É por isso que eu gosto tanto do modelo de Educação Integral na metodologia ICE de Pernambuco. Ele explora desde o primeiro ano do Ensino Médio o projeto de vida do adolescente. Essa reflexão constante durante os últimos três anos do ciclo básico ajuda cada estudante a encontrar seus verdadeiros propósitos de vida. Mas este é um assunto extenso para ser explorado num próximo blog, em breve!

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