quarta-feira, 23 de maio de 2018

Os professores brasileiros são medíocres? E dos alunos, ninguém diz nada?

Por mais brilhante e preparado que seja um professor, ele não irá longe sem o apoio da coordenação da escola, o auxílio dos pais e a disciplina dos alunos.

Por Maicon Tenfen


No seu mais famoso sermão, o da Sexagésima, proferido na Capela Real de Lisboa em 1655, o Padre Antônio Vieira parte de uma criativa interpretação da Parábola do Semeador para constatar que a palavra de Deus não faz fruto entre os homens.
Por que isso acontece?, pergunta-se o padre.
Porque tem algo errado, óbvio.
Mas O QUE exatamente está errado?
A partir dessas questões, o pregador dá uma antológica aula de lógica comparativa:
— Para um homem ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. (…) O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?
A resposta é a que se espera de um padre: Deus é perfeito, logo não pode faltar; os ouvintes são ignorantes, logo não adianta culpá-los; resta pôr a culpa no PREGADOR, que fracassa por enfeitar demais o discurso, por falar com voz inadequada, por não dar bom exemplo etc.
Daí em diante, na busca de soluções para que a Boa Palavra frutifique na terra, Vieira dá dicas de como proceder para realizar um bom sermão.
“E saiba a mesma terra que ainda está em estado de reverdecer e dar muito fruto”, conclui o jesuíta.
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A esmagadora maioria das assessorias públicas de educação se limita à premissa que sustenta o Sermão da Sexagésima. Troquemos Deus por conteúdo, ouvinte por aluno e pregador por professor. Quem é o culpado pelo fracasso do sistema educacional brasileiro? O professor, lógico, por isso ele deve aprender a se comportar assim ou assado para apascentar as feras que estão na sala e milagrosamente promover o conhecimento.
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Há alguns anos, quando um colega professor começou a dar aulas num colégio particular, alguém da turma perguntou em “marxismo vulgar” se ele agora se dedicaria a limpar as bundas dos filhos da burguesia.
— Claro que sim — respondeu o espirituoso colega. — Do mesmo modo que vocês vão limpar as bundas dos filhos do proletariado.
Apesar do tom jocoso, ele estava expressando um descontentamento presente entre os velhos e os novos membros do magistério. Já naquele tempo, todos sabiam que, independentemente de a escola ser pública ou privada, o paternalismo pedagógico e a “alunocracia” são gerais. “Limpar a bunda” é apenas uma expressão mais direta para aquilo que nas salas de professores se conhece por suportar a indisciplina enquanto a coordenação “passa a mão” na cabecinha dos baderneiros.
Quando um estudante não faz a tarefa ou bagunça uma aula inteira, existem mil e uma formas de explicar o que aconteceu: é muito pobre (ou é muito rico!), os pais não lhe dão atenção (ou é sufocado por uma mãe superprotetora), sofre do Transtorno X (ou do Transtorno Y), é uma vítima dos meios digitais (ou lhe falta acesso à internet) etc, etc. Em vez de encararem a realidade de que, na maioria dos casos, o aluno indisciplinado se aproveita das colheres de chá da chamada pedagogia moderna, os psicopedagogos criam nomenclaturas complexas para justificar a preguiça e o desrespeito.
E muitos pais caem no conto sem a menor necessidade. Alguns chegam a admitir a incapacidade dos próprios filhos e, em vez de exigir empenho, entregam tudo nas mãos… de Deus? Não, dos professores. Estes, por sua vez, a partir do momento em que percebem o tamanho da armadilha — serão responsabilizados pelo fracasso de toda uma geração! — passam a jogar conforme as regras não escritas do jogo. É quando surgem as provinhas moleza, as notas gratuitas, os infindáveis trabalhos de recuperação…
Ninguém precisa tirar diploma em Harvard para perceber que a lógica do Sermão da Sexagésima não cabe na educação brasileira, pelo menos não com a displicência das secretarias de educação. Por mais brilhante e preparado que seja um professor, ele não irá longe sem o apoio da coordenação da escola, o auxílio dos pais e a disciplina dos alunos.
Os alunos, a propósito, deveriam ser incentivados a estudar pra valer. Deveriam, no mínimo, aprender a limpar as próprias bundas.

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