sexta-feira, 31 de março de 2017

Falta de incentivo e preconceitos contra a matemática desafiam professores

Seis a cada dez docentes que lecionam matemática nos anos finais do Ensino Fundamental não têm formação na área. Mesmo diante dos problemas, professores de diferentes cantos do país traçam estratégias para conquistar os estudantes.

Por Paula Martini 
A rotina na escola Francis Hime seria a mesma de qualquer escola pública do Brasil, não fossem os números. Um deles, em especial: quatrocentos e noventa e nove. Esse é o total de premiações que os alunos do colégio municipal da Zona Oeste do Rio já receberam em competições de matemática. O estudante João Vitor Pereira poderia ser definido pelo som das medalhas dele. Aos 13 anos, ele já tem bronze, prata e dois ouros de diferentes torneios. Mas João conta que nem sempre foi assim.
"Eu estudava antes em colégio particular e não gostava muito de matemática. Aí eu vim pra Francis Hime e acabei me interessando mais. Acho que foi o jeito da professora explicar. Ela explicava bem, brincando, colocava tudo no quadro e sempre perguntava se alguém tinha dúvida."
 Com 13 anos, João Vitor Pereira tem várias medalhas em matemática 
Boa parte desses resultados foi conquistada com o suor do professor Luiz Felipe Lins, que trabalha na escola há 12 anos. Para cativar os alunos, ele usa exercícios práticos e jogos de tabuleiro, mas diz que não existe segredo pra formar turmas bem-sucedidas.
"Até que ponto resolver uma equação de segundo grau é fundamental? Todo mundo precisa de técnicas pra resolver problemas em tudo na vida, e isso a matemática desperta. Mas a ideia não é formar matemáticos, ou campeões em matemática."
O método do professor Luiz Felipe deu tão certo que ele mesmo precisou voltar a ser aluno. Hoje, ele divide o tempo entre as turmas da Francis Hime, de uma escola particular e o doutorado em matemática.

"Essa matemática que eu voltei a estudar não é uma matemática que eu vou aplicar neles, mas vai me dar um olhar diferente do que eu estou fazendo.  Como as crianças desenvolveram potencial tão grande, eu comecei a ver que eu estava muito longe da matemática, eu tinha que estudar, eles estavam melhores do que eu"
Mas, dos dois milhões e duzentos mil professores da educação básica do país, um quarto (24%) não se formou nem no nível superior*. Em matemática, seis a cada dez (61%) docentes que dão aula nos anos finais do ensino fundamental não tem formação específica na área. Entre os qualificados, ainda há quem precise se dividir ensinando outras matérias. No ensino de Física do Ensino Médio, por exemplo, um terço dos professores tem licenciatura só em matemática (29,8%). Os dados são do Movimento Todos pela Educação, com base no Censo do Inep de 2015. 
Um dos principais matemáticos do mundo, o premiado Artur Ávila diz que, além da falta de incentivo, os professores têm um desafio maior: mudar a imagem da matemática que muita gente traz de casa.
"Tanto na escola, como mesmo na família, existem coisas que levam as pessoas a se afastarem da matemática. Socialmente, muitas vezes, é até estimulado. Uma pessoa dizer  que é incompetente com matemática e não consegue fazer conta vai  fazer algumas pessoas rirem, até se identificar. Não da mesma maneira que alguém dizer que não sabe ler. Mas, pra muito além de fazer conta, tem muitos conceitos que são importantes pra uma participação efetiva na sociedade."
* O Plano Nacional de Educação exige a formação específica na área de conhecimento da disciplina que o docente ministra, mas a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 (LDB), que não é anulada pelo PNE, determina como formação mínima adequada o nível superior com habilitação em licenciatura para os anos finais do EF e para o EM, e curso de pedagogia para os anos iniciais do EF e para a Educação Infantil, sendo admitido para estas duas etapas o curso normal de Ensino Médio (magistério).

Uma outra globalização é possível

claudia costin
Cláudia Costin
É professora visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Banco Mundial, secretária de Educação do Rio e ministra da Administração.

Morreu nesta terça-feira (28) Ahmed Kathrada, importante ativista na luta contra o apartheid na África do Sul, preso por cerca de 20 anos junto com Nelson Mandela. Neste mesmo dia, estive com um grupo de 20 universitários daquele país, ansiosos por conhecer nosso sistema de educação e pensar em saídas para os desafios que vivem.

Comentei a notícia e se mostraram surpresos em saber que ela fora publicada em jornais brasileiros e, mais ainda, quando lhes disse que muitas escolas e ruas no Brasil receberam o nome de Nelson Mandela. Contei-lhes da vinda do Madiba ao Brasil, no final dos anos 1990.

Na discussão que se seguiu, falamos dos desafios que partilhamos: uma educação básica que tenta progredir, a despeito de limitações na formação inicial e na atratividade da carreira de professores, um ensino médio restrito a poucos alunos e alta taxa de abandono e uma aprendizagem claramente insuficiente.

À medida que apresentava a eles nossa realidade educacional, eles se entreolhavam e partilhavam com exclamações seus próprios problemas. Fizeram muitas perguntas sobre o Enem, que lhes pareceu, numa rápida troca de experiências, um exame mais adequado para acesso ao sistema universitário e gostaram do Enade. Tiveram dúvidas sobre o sistema brasileiro de financiamento do aluno na educação superior privada e pareceram gostar do Prouni.

Mas o que nos pôs realmente em conexão foram os desafios de aprendizagem. Os alunos estão nas escolas, mas não aprendem a ler e interpretar textos, a redigir, a raciocinar matematicamente ou a desenvolver uma mente investigativa, problema presente, em maior ou menor proporção, nos dois países.

Aprendemos muito, os brasileiros presentes e os sul-africanos. Não estávamos analisando os melhores sistemas do mundo ou copiando soluções prontas, mas verdadeiramente nos debruçando sobre o que deve ser resolvido. Em certo momento, eles perguntaram: como vocês estão enfrentando a herança colonial?

Tive que ser franca: não temos o direito de culpar o colonizador por nossos principais problemas, nós construímos em cima dos erros feitos por eles e os agravamos. Independentes desde 1822, já poderíamos ter superado mazelas causadas por um sistema que se fez excludente e continua dando mais oportunidades a quem delas não precisa.

Construímos um sistema educacional desigual, em que há mais vagas em creches para os mais ricos, a escola pública não recebe o investimento de que necessita, a profissão de professor não é valorizada e ainda poucos têm acesso ao ensino técnico e à universidade, que recebe maiores recursos. Isso é o que nos une e deveria nos impelir à ação!

quinta-feira, 30 de março de 2017

Depressão entre jovens cresce; desafio é distinguir a doença de atos típicos da adolescência

RACHEL BOTELHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Irritação, agressividade, mudanças bruscas de humor, desânimo, isolamento. Cara feia não é novidade para quem convive com adolescentes, mas mais difícil que ter paciência é saber distinguir atitudes típicas dessa fase de sinais de um problema crescente entre os jovens: a depressão.

Nos EUA, a prevalência da doença na faixa dos 12 aos 17 anos aumentou significativamente, de 8,7% em 2005 para 11,3% em 2014, de acordo com os dados mais recentes de uma pesquisa nacional.

No Brasil, embora faltem estudos representativos da população, pesquisadores e médicos dizem que o crescimento é realidade e, pior, que boa parte dos casos não é identificada nem tratada.
Uma das razões é o velho estigma que cerca a depressão –tanto que a reportagem não conseguiu encontrar nenhuma família disposta a dar entrevista. Mesmo pediatras e hebiatras (médico especialista em adolescentes) deixam passar indícios que apontam para a necessidade de cuidados especializados.

Para Jackeline Giusti, psiquiatra do laboratório de adolescentes impulsivos do Hospital das Clínicas da USP, até os adolescentes acreditam que não se sentir bem é normal. "Eles não têm termômetro para a tristeza. É complicado para o leigo se dar conta do que acontece e os pais têm dificuldade de falar sobre isso", afirma.

No dia a dia, a escola pode ser uma aliada importante da família. "Uma queixa recorrente dos pais é que eles não sabem se um comportamento é esperado. Muitas vezes, eles vêm nos perguntar sobre parâmetros de normalidade", diz Janaína Canova, coordenadora do ensino fundamental 2 do Colégio Friburgo, em Santo Amaro (zona sul).

Segundo ela, há uma média de dois adolescentes com depressão por classe. "Hoje é uma das nossas maiores preocupações."

A orientadora educacional do ensino fundamental 2 da escola Santi, no Paraíso (zona sul), Maria Augusta Lara Meneghelo lembra que adolescentes depressivos não são todos iguais –enquanto alguns se isolam, outros ficam agressivos. "Quando há uma suspeita, a família é comunicada, mas ela também nos procura, porque os adolescentes têm um distanciamento natural dos pais."

Uma das principais pistas para identificar o problema é a repetição de sentimentos e atitudes negativos. "Um adolescente que se irrita e depois se diverte com os pais não apresenta sinais de depressão. Já outro que tem insônia, perda de interesse em atividades, irritabilidade constante pode estar no limite", afirma a psicóloga Cristiana Renner, doutora em ciências pela Unifesp.

Nessas horas, é fundamental que os pais demonstrem disposição para ouvir e dar apoio. "Frases como 'Não precisamos conversar agora, mas estarei disponível quando você quiser' podem ser muito reconfortantes e promover segurança", diz Lee Fu I Wang, coordenadora do Programa de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência do IPq (Instituto de Psiquiatria do HC da USP).

Por outro lado, pressionar o jovem a falar ou dizer que ele precisa ter força de vontade para melhorar podem surtir efeito contrário, segundo a médica, levando o adolescente a se sentir culpado por dar trabalho aos pais ou ser incapaz de reagir.

A adolescência sempre foi uma fase crítica devido às intensas mudanças físicas, mentais e no ambiente familiar, mas fatores como o estresse decorrente das cobranças por boa performance escolar e a baixa resistência à frustração vêm transformando muitos jovens em panelas de pressão.

"Não são apenas os adolescentes. Na sociedade atual, há maior dificuldade de as pessoas lidarem com seus problemas, todos têm que estar sempre felizes", afirma Cristiana Renner.

O descontentamento com a imagem corporal, o medo do futuro e as desilusões amorosas também são fatores geradores de estresse importantes. "Podem até ser traumáticas para um adolescente que tem que lidar com tantas outras mudanças e está tentando adaptar-se", afirma Lee.

Não por acaso, no início da adolescência, principalmente após o início do ciclo menstrual, as meninas são mais suscetíveis à depressão que os garotos.
Para os especialistas, os pais devem agir preventivamente, estando mais presentes na vida dos filhos e abrindo espaço para o diálogo.

"Parece óbvio, mas os pais têm que sair da Netflix, do WhatsApp, do Facebook e olhar para os filhos. Uma dica importante e eficaz é fazer uma refeição por dia com a família unida, porque eles vão observar se o filho está cabisbaixo, irritadiço, com problemas na escola", diz Renner.

O diagnóstico precisa ser feito com um especialista em adolescência, já que nem toda medicação para depressão é adequada para essa fase, quando cérebro, rins e fígado estão em formação. "Mas é importante tratar, porque não tratar também causa prejuízos ao cérebro", diz Antônio Geraldo da Silva, da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Embora o tratamento mais indicado seja medicação aliada a psicoterapia, nem todo adolescente precisa desses cuidados. Há casos em que algumas sessões de orientação para os pais são suficientes; em outros, a recomendação é de terapia familiar.

Leia depoimento de publicitária de 32 anos que teve depressão na adolescência

*
A depressão não brota no asfalto. Ela se aproveita de uma porção de rachaduras disponíveis.

Meu bisavô era depressivo, meus avós e meu pai também. Eu tinha 15 anos e pouquíssima relação de intimidade e cumplicidade com meus pais: era a filha mais velha, a mais cobrada, a menos ouvida.

Tinha mudado de escola: saí de uma pública e fui para uma particular, me sentia um zero à esquerda. Sempre fui aluna excelente e o meu alto desempenho provocava os demais colegas, que logo começaram a fazer bullying comigo. Estava triste o tempo inteiro, me sentindo deslocada em todos os lugares.

Minha mãe me levou a um homeopata para emagrecer (ainda tinha essa pressão para que eu fosse magra), e lá na consulta eu desabei. Saí com uma receita de fluoxetina na mão.

Minha mãe foi falar sobre terapia com a orientadora pedagógica da escola, que desaconselhou: "Filho na terapia custa caro e dá muito trabalho: os pais também precisam fazer". Até hoje tenho vontade de dizer a essa orientadora que ela poderia ter me poupado de anos terríveis e milhares de reais caso eu tivesse começado a terapia antes.

O tratamento com remédio foi péssimo porque não era o remédio certo para mim. Fui parar no limbo: nem triste, nem feliz, apenas cinza.

Depois de um tempo acabei abandonando o medicamento por conta e encontrei acolhimento num relacionamento catastrófico. Anos depois fui buscar tratamento adequado, com psiquiatra e psicólogo, que eu mantenho até hoje. Ioga também ajuda a me manter equilibrada. Três semanas atrás baixei um aplicativo pra aprender a correr.

Tenho conseguido manter um ritmo regular, o que é muito bom. Vejo a depressão como um cachorro que eu levo na coleira. Não dá para marcar bobeira, porque não precisa de muito para esse negócio virar fera.

Depressão é a maior causa de incapacitação no mundo, diz OMS

DA AFP

Os casos de depressão aumentaram quase 20% na última década, transformando-se na maior causa de incapacidade no mundo, alertou a Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta quinta-feira (30).

O número de pessoas com depressão chegou em 2015 a 322 milhões, 18,4% a mais que em 2005, indica a organização.

"Estes novos números são um sinal de alerta para que todos os países repensem sua visão da saúde mental e a tratem com a urgência que ela merece", disse a diretora geral da OMS, Margaret Chan, em um comunicado.

Segundo a definição da OMS, a depressão é muito mais que um acesso de melancolia.

Trata-se de um transtorno mental no qual o afetado mostra "uma tristeza permanente e uma perda de interesse pelas atividades que as pessoas costumam desfrutar, acompanhadas da incapacidade de realizar tarefas diárias, durante duas semanas ou mais".

A depressão também pode provocar sentimentos de culpa ou falta de autoestima, transtornos do sono ou de apetite, sensação de cansaço e falta de concentração. 

Nos casos mais graves, pode levar ao suicídio.

A queda da produtividade e doenças vinculadas à depressão têm um alto custo global, que a OMS calcula em um trilhão de dólares por ano.

SheJar Saxena, diretor do departamento de saúde mental e abuso de substâncias, lembrou que tanto os tratamentos psicossociais como os médicos podem ser muito eficazes, e insistiu na importância de atender mais pessoas que precisam de ajuda.

Nos países mais desenvolvidos, quase metade das pessoas com depressão não foi diagnosticada nem recebe, portanto, tratamento.

Esse número chega a entre 80% e 90% dos casos nas nações menos desenvolvidas, segundo a organização da ONU dedicada à saúde.

O tratamento pode ser de difícil acesso, e o temor a ser estigmatizado impede com frequência que os afetados procurem ajuda.

Segundo a OMS, cada dólar investido em ampliar os tratamentos produz quatro dólares de lucro, devido à melhora da saúde e da produtividade dos trabalhadores.

A redução dos casos de depressão também tem um grande impacto no número de suicídios. "Uma identificação e um tratamento precoces da depressão são uma maneira muito eficaz de reduzir o número de mortes por suicídio", disse Saxena.

Quase 800.000 pessoas se suicidam por ano no mundo, o que equivale a um suicídio a cada quatro segundos. E a relação com a depressão é clara.

Saxena mencionou estudos que apontam que entre 70% e 80% das pessoas que acabam com a própria vida nos países ricos e cerca de metade das que se suicidam no países pobres sofrem com transtornos mentais, principalmente depressão.

Fazer, sentir e pensar deveria ser o triunvirato virtuoso da Educação

Ana Maria Diniz
BLOG

Ana Maria Diniz


A educação que vale a pena

O pensamento fragmentado e desconectado, que tem início no ensino formal das escolas, é o grande mal da nossa era segundo Satish Kumar, fundador do Schumacher College

Há duas semanas eu tive o privilégio de conhecer uma figura incrível, que me impactou muito e, do alto dos seus 80 anos, passou a ser meu sonho de consumo ao envelhecer. Exatamente porque ele não tem nada de velho! Anda eretamente, fala enfaticamente sobre suas ideias inovadoras e transmite uma enorme serenidade para quem está ao seu redor. Trata-se de Satish Kumar, ex-monge, peregrino, ativista, escritor e educador indiano que fez uma palestra no Instituto Singularidades, mantido pelo Instituto Península, da minha família.
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Kumar fundou, na década de 90, o Schumacher College. A escola é totalmente diferente não só por seu environment – fica em Devon, sudoeste da Inglaterra, um lugar idílico e muito inspirador -, mas, principalmente, por sua pedagogia holística e integradora. Lá, não se pretende encher os alunos de informação, mas desabrochar as pessoas para que elas de fato aprendam a fazer, a sentir e a pensar. Nesse centro de estudos, o “aprender” é quem manda no jogo e o “ensinar” é só uma das estratégias para atiçar a busca pelo conhecimento. Pois, como explica Kumar, o “ensinar” é parcial enquanto o “aprender” é completo, holístico.
Toda a linha de seu pensamento segue a lógica da Grande Mãe Natureza, considerando a sustentabilidade e os recursos naturais, respeitando seus movimentos cíclicos, tempos e compassos que fazem parte de um extraordinário fluxo que se retroalimenta. Esse pensamento está na base de sua formação jainista, linhagem filosófica indiana na qual tudo o que é vivo tem a mesma importância.
Difícil não se ater às palavras de Kumar. Na simplicidade e coerência de suas ideias, e na sua compreensão holística da vida e do mundo, parece haver pelo menos parte das respostas que educadores, professores, pais e alunos tanto procuram nesses nossos tempos turbulentos e de grandes transformações – em que nada, muito menos a escola -, parecem fazer mais sentido.
Segundo ele, o primeiro passo para encontrarmos uma solução para os problemas que nos afligem nessa mudança de era – seja na Educação, na economia, na política, nos relacionamentos – é parar de pensar e agir de forma fragmentada. Se continuarmos a buscar respostas fatiadas para tentar salvar um mundo fracionado que já não funciona mais, não sairemos do lugar.
Dessa forma, todas as instituições de ensino deveriam pensar a Educação com “mãos, coração e mente”. Deveriam estimular seus alunos a fazer alguma coisa, a por a mão na massa, usando literalmente as mãos. Deveriam também ensinar essas crianças a sentirem seus corações, pois este é outro aspecto fundamental da formação do ser humano. “Antes de aprender sobre Galileu, Newton e Shakespeare eles devem saber fazer pão, cozinhar, cuidar e um jardim”, diz Kumar.
E as provocações não param por aí. Ele acredita que, ao sair da faculdade, os jovens não deveriam procurar um emprego, mas criar o seu próprio emprego. Neste ponto, ele não está apenas fomentando o empreendedorismo, mas estimulando os jovens a encararem o trabalho como algo maior, mesmo que ele seja simples, pois tudo deve ter um sentido maior, só assim os jovens se tornarão criadores de suas realidades.
Deixar de ensinar as pessoas sobre economia, produtos e consumo e passar a ensiná-los apenas a viver, como prega Kumar, pode parecer insuficiente. Mas, se refletirmos profundamente, há uma certa hierarquia nisso – é necessário entender os mecanismos de causa e efeito da vida e seu funcionamento.
Estamos cansados de saber que os sistemas educacionais não nos preparam para os percalços da vida. Não se fala em outra coisa nos dias de hoje. Chegamos ao início da vida adulta sabendo álgebra avançada, mas não aprendemos a lidar com erros, fracassos, nem com questões existenciais básicas. Aprender a encarar de frente a finitude, a superar a banalidade da vida cotidiana, o tédio e o envelhecer eram os principais objetivos das escolas na Grécia Antiga. Mas, por alguma razão, nos perdemos pelo caminho.
Como diz Kumar, “aprender é viver com ambiguidades e incertezas e viver é aprender com as incertezas e ambiguidades”.
Por fim, sua mensagem derradeira é uma enorme mudança no mindset atual. Para viver bem, devemos fazer as pazes com o mundo natural. Temos de aprender a viver de forma mais simples, consumindo menos, extraíndo da natureza somente o necessário e minimizando o nosso impacto no ambiente. Isso não é necessariamente incompatível com o progresso, a inovação e a moderndade, pois essas três palavras falam de futuro. E o futuro só existirá se preservarmos o nosso contexto.

quarta-feira, 29 de março de 2017

A distante busca pela equidade

Priscila Cruz
Priscila Cruz é fundadora e presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação. Graduada em Administração (FGV) e Direito (USP), mestre em Administração Pública (Harvard Kennedy School), foi coordenadora do ano do voluntariado

Se nossa opção é progressista, 
se estamos a favor da vida e não da morte, 
da equidade e não da injustiça, 
do direito e não do arbítrio, 
da convivência com o diferente e não de sua negação, 
não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção. 
(Paulo Freire) 

Pela primeira vez desde 2004, o Brasil não avançou no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), cálculo que leva em conta três dimensões da vida humana: renda, saúde e educação. Seguimos na 79ª posição entre 188 países avaliados, com índice 0,754, considerado alto pela instituição – a escala vai de 0 a 1, e quanto mais alto o índice, mais desenvolvida é a nação. 

À nossa frente, há países como Líbano e Azerbaijão. Nossa estagnação também nos deixa atrás de outras nações latinas, como Chile, Argentina, Uruguai e Venezuela. No topo da lista, novamente a Noruega, com 0,949. 

Se a estagnação por si só já é um grande sinal amarelo de alerta, quando observamos o IDH ajustado à desigualdade, o semáforo brasileiro fica vermelho. Tal procedimento serve para relativizar os avanços de um país levando em consideração as grandes diferenças entre a população de menor e maior nível socioeconômico. Assim, quando olhamos para o ranking desse IDH "especial", por assim dizer, enxergamos um cenário ainda mais devastador: a pontuação do país despenca para apenas 0,561. 

Outro dado considerado pelo relatório do Pnud 2016 que aponta na mesma direção é o Coeficiente de Gini, que mede a concentração de renda – ou seja, revela o abismo entre os mais pobres e os mais ricos. De acordo com esse coeficiente, somos o 10º país mais desigual do mundo: o índice é 0,515. A escala também vai de 0 a 1, e quanto maior o índice, mais desigual é a nação. Como sociedade, somos mais desiguais do que Panamá, Congo, Quênia e Ruanda. 

Mas o que significa ser um país desigual? Significa, em linhas bem gerais, que alguns têm muito – mais até do que precisam – e outros têm muito pouco – bem aquém do necessário para uma vida digna. Um bom exemplo está no próprio relatório do Pnud. A renda média per capita familiar no Brasil era de R$ 793,87 em 2010. No entanto, a média esconde diferenças enormes, como a existente entre São Caetano do Sul (SP), que registrou R$ 2.043,00, e Marajá do Sena, que apresentou R$ 96,25. 

Um bom antônimo de desigualdade é equidade – palavra fundamental para um Brasil mais justo, que me parece ser mais forte e mais completa do que igualdade. Isso porque a equidade considera, além da própria ideia de igualdade, a imparcialidade e a justiça no reconhecimento dos direitos individuais de todos nós, por mais diversos e diferentes que sejamos em termos socioeconômicos e culturais. 

Um caminho para uma sociedade mais equânime é obviamente a educação de qualidade – não é à toa que o Pnud a considera fundamental no cálculo do IDH. Precisamos dar mais para quem tem menos, e isso inclui as oportunidades educacionais. O relatório "Construindo uma Educação de Qualidade: um pacto com o futuro da América Latina", da Comissão para a Educação de Qualidade para Todos, formada por membros como ex ­presidentes do México e do Chile, por exemplo, afirma a urgência de priorizar a aplicação de recursos em ações que beneficiem crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, sempre visando a redução das desigualdades do continente e o uso eficiente dos recursos financeiros. 

Contudo, ainda não colocamos a educação como uma prioridade para o desenvolvimento do Brasil. Depois de séculos de descaso, avançamos em alguns pontos e colocamos muitas crianças na escola, mas ainda não saímos de um patamar muito baixo. Para avançar de verdade, é obrigatório nos desenvolvermos de forma humana, respeitando as nossas diversidades sociais e culturais e priorizando um sistema de ensino que ajude a corrigir as desigualdades. Qualquer situação diferente dessa é – ou pelo menos deveria ser – inaceitável.

Mais de 70% das crianças brasileiras com menos de 4 anos estão fora das creches

Dado do IBGE mostra que o país ainda está longe de alcançar um dos objetivos estabelecidos no Plano Nacional de Educação, que é ter 50% das crianças nessa faixa etária matriculadas até 2024.

por Frederico Goulart 
O atendimento de crianças em creches brasileiras ainda está longe do ideal. Dados do IBGE mostram que 74% dos pequenos com menos de 4 anos não cumprem essa etapa da vida escolar. O Plano Nacional de Educação estabelece que, até 2024, 50% das crianças nessa faixa etária estejam nas creches. O dado faz parte de um estudo do IBGE. O levantamento também indica a sobrecarga nas mulheres na hora de cuidar dos filhos. Ao todo, 83% das pessoas apontadas como principais responsáveis pelas crianças de 0 a três anos são do sexo feminino.
O IBGE mostra ainda que, quando as mulheres são as principais responsáveis pelas crianças, somente 45% delas conseguem espaço no mercado de trabalho. Entre os homens, o número chega a 89%.
A pesquisa também mostrou que 76% dos entrevistados consideram que as casas onde seus filhos estão apresentam melhores condições de cuidados e de segurança do que as creches. 
Apesar dessa confiança na evolução dentro de casa, 61% dos entrevistados que têm filhos fora da creche disseram estar interessados em matricular os pequenos. Desse total, 43% já tomaram alguma providência pra isso, como a inscrição em alguma fila, ou até mesmo uma ação judicial. O IBGE também relacionou a permanência de crianças em casa com a renda dos pais. Em 73% dos domicílios onde o rendimento é menor que um salário por pessoa há pelo menos uma criança com menos de 4 anos.   

Ele não gosta de ler!

COLUNISTA

Leandro Karnal



O cerne da inteligência é a curiosidade, a inquietação, a busca e a insatisfação

Meu filho não gosta de ler. A frase é dita com dor nos lares. Na sala de aula, o drama se repete. Você leva um texto que o seduz há anos para a turma, fala dele e... nada. Os alunos continuam indiferentes e o tédio é entrecortado por suspiros lânguidos e consultas ao celular. Só quem deu aulas para adolescentes sabe da cara de natureza-morta que alguns conseguem. Como fazer alguém tornar-se um bom leitor?
Vou começar com uma aparente heresia: ler não é fundamental para ser feliz. Duvida? Recomendo uma terapia de choque: frequente uma reunião de departamento de qualquer centro de humanas. Lá encontrarão pessoas que fazem da leitura seu dia a dia, seu ganha-pão e sua vocação. Examinem o ambiente e as frases por meia hora e retornem aos lares: eis uma vacina poderosa e permanente para evitar a associação entre livros e alegria existencial. Ler não nos torna mais felizes. É interessante notar que o estereótipo da bibliotecária em todos os filmes e romances é de uma mulher amarga, de óculos, imersa na obsessão do silêncio. Vivendo em meio a livros, ela não deveria ser feliz? 
Conhecimento é poder, reza a máxima atribuída a Francis Bacon, o afamado Chico Toicinho. A base de todo processo é a curiosidade. A leitura é o efeito, não a causa da curiosidade. 
Uma parte da elite brasileira fixou-se no saber formal de textos clássicos. Homero e Dante são impactantes e transformaram a minha vida. Por isso me sinto livre para dizer: eles são um caminho, não o caminho. Insisto: o cerne do sucesso e da inteligência é a curiosidade, a inquietação, a busca e a insatisfação. A Ilíada me transformou, no entanto o importante está no caminho que me levou até ela. Como entendê-lo?
O primeiro passo para pais e professores é superar a ansiedade. Querer empurrar legumes e falar que premiará com doces é o caminho seguro para ressaltar que o doce é bom e o vegetal, ruim. Conselhos são medidos pela minha identificação com quem os fornece e pelo resultado que observo no conselheiro. Uma pessoa interessante, ao dizer que livros são fundamentais, terá maior chance de ser ouvida do que outra à beira da histeria: “Você precisa ler!”. 
A personalidade do leitor fala antes dele e funciona como outdoor. É como o corpo de quem nos dá pistas sobre dieta ou suplementos alimentares: olhamos para o físico de quem fala mais do que ouvimos. A primeira pergunta honesta a fazer a todo autor de textos do estilo “você pode ficar rico” é saber se o autor possui o capital que imagina ensinar outros a adquirir.
Aqui uma observação complexa. Muitos pais intelectuais geram filhos com aversão à leitura. Santo Freud! Os tomos eram, para a criança, as entidades que subtraíam seu pai e sua mãe do convívio. Livros eram inimigos! A biblioteca ou o escritório eram espaços vampirescos que drenavam a atenção de meus pais. Como amar um concorrente desleal? 
Como valorizar conhecimento se ele foi usado para constranger? Correções gramaticais ríspidas, humilhações diante de uma ignorância tópica ou impaciência com lentidão de aprendizado vão dirigir a dor do jovem para o saber e seus usuários. Como adquirir o desejo de aprender se o resultado é virar uma pessoa chata? Conhecimento deve libertar, ampliar horizontes, ajudar na felicidade, clarear angústias e emocionar. Se a intenção for agredir, é mais ecológico um tapa na cara do que derrubar árvores para o papel. A propósito, isso é uma ironia e não um conselho. 
Curiosidade pode ser estimulada com boas perguntas. Elas devem ser dosadas e nunca podem parecer um artificialismo didático. “Phármakon” (remédio e veneno): a diferença está na dose. A ideia vem da medicina antiga e de uma ideia de Jacques Derrida sobre o poder da palavra. Empurre um romance árido e com questões existenciais acima da faixa etária de uma criança e estará lançada uma fértil semente de rejeição à leitura. O lúdico sempre tem um papel central. Machado de Assis é um gênio. Imaginar que alguém de 13 anos esteja preocupadíssimo com fidelidade conjugal como estava o taciturno Bentinho é ignorar regra básica sobre jovens. A leitura não deve ser apenas o reforço do meu mundo e dos meus valores. Porém, para que ela possa alçar voo, a caminhada deve ser coerente. Haverá um dia em que o leitor já experiente vai gostar exatamente do mundo que desconhece ou que o desafia. No início, o gancho é feito pela proximidade. Mais fácil indicar a um jovem que resiste à autoridade e ao conhecimento a identidade com Holden Caulfield, o rebelde do romance de J. D. Salinger, O Apanhador no Campo de Centeio, do que com tísicos nos Alpes da Montanha Mágica de Thomas Mann.
Posso apoiar a leitura de Harry Potter ou Paulo Coelho? Estou convencido que sim. Podemos dar adaptações de clássicos facilitados para jovens leitores ou as boas histórias em quadrinhos sobre Shakespeare? Nada impede. O filme sobre o livro pode ajudar? É claro! Apenas não pode substituir. 
Sempre e acima de tudo: que você mostre que os livros são bons e não um fardo. Até nas faculdades damos a bibliografia e chamamos de “carga” de leitura, indicando, metaforicamente, peso e dor. Livros às mancheias porque são muito bons, jamais um peso. Ler é parte do bem-viver! Boa semana para todos. 

terça-feira, 28 de março de 2017

Adolescentes buscam saídas arriscadas contra o vazio e o tédio que sentem

rosely sayão
Rosely Sayão
Psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia a dia dessa relação.

Faz algum tempo que tenho conversado com jovens para tentar entender por que é tão grande o número dos que se sentem desencantados com a vida, sem ânimo e, acima de tudo, entediados e vazios.

Um dos motivos que percebi nas conversas foi o fato de a escola e os estudos parecem ser o único objetivo, na visão dos pais e de outros adultos, da vida dos adolescentes. E mais: a meta é uma boa classificação em exames e vestibulares.
A vida, para esses jovens, tornou-se monotemática. O tempo todo os pais recomendam que estudem, cada um de seus professores fala diariamente dos exames que farão etc.

Outro fator que promove a maior pressão neles é a escolha do curso universitário. 
Eles ouviram que é muito cedo para escolher algo que farão para o resto de suas vidas, e se convenceram disso. Não é cedo e nem precisarão repetir as mesmas coisas sempre: toda profissão tem grande potencial de diversificação no mundo atual. Mas, nessa busca e com essas premissas, essa escolha torna-se quase impossível para eles: como encontrar uma profissão que os deixe apaixonados –agora é moda dizer que é preciso ter paixão pelo trabalho–, que o mercado valorize e que ofereça excelentes salários?

Os diálogos com os adultos também são pouco estimulantes para eles, que não se sentem levados a sério por seus interlocutores principais, pais e professores. 

Quase todos disseram ouvir "sermão" deles quase todos os dias, e estão tão cansados do mesmo blá-blá-blá de sempre, que nem ouvem mais. Os argumentos que eles têm quando discutem a vida em sociedade, a política, a ética, a religião etc. são, em geral, considerados bobagens pelos pais.

Acontece que o adolescente precisa de diálogos com adultos para que consiga se entender melhor –mesmo quando diz bobagens– e para construir seus próprios valores. Vamos lembrar que a adolescência é o período em que os mais novos se preparam para se tornar seus próprios pais. Sem diálogos e exemplos por parte dos adultos, isso é missão impossível.

Claro que os jovens buscam alternativas para sair desse tédio, e eles encontram, principalmente em alguns caminhos bem arriscados.

Muitos se entregam às redes sociais e aos jogos: usam a cada dez minutos e ficam tão absorvidos que se esquecem do tédio que, claro, retorna assim que eles escapam de suas malhas.
Outros, escolhem ir à baladas e ingerir drogas –lícitas e/ou ilícitas– para encontrar euforia, se desinibir, essas coisas. E sexo, é claro.

E há também os que decidem desafiar a morte. Creio que quase todo mundo já ouviu falar do "jogo da asfixia", ou do sufocamento. Pode ser –e já foi– fatal.

E agora há uma nova modalidade de aventura radical praticada em outros países, que não sei se já chegou ao Brasil. Mas chegará, já que a internet conecta esses adolescentes em busca de adrenalina, como eles dizem. Nessa prática, chamada "extreme building climber", os adolescentes escalam as mais altas construções da cidade para caminhar e se pendurar nos locais mais perigosos delas. Pode ser –e já foi– fatal.

Será que não podemos desafiá-los para que se desenvolvam, amadureçam e, acima de tudo, amem a vida? Podemos, sim!
Basta começar a ouvi-los, colaborar para que se entendam e que coloquem em ato seu potencial criativo para beneficiar o coletivo, e não apenas a si mesmos.

Como tornar a escola um espaço de escuta, expressão e diálogo?

Maria Alice Setubal
Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis. 

Em entrevista recente, Claudia Costin destaca um aspecto curioso de nossa cultura escolar: o pouco espaço para o diálogo. Conforme aponta a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (Ceipe) da FGV­Rio, embora sejamos um povo que gosta muito de conversar, a troca de ideias na escola tende a ser reprimida, se não mal vista.

De fato, esse descompasso entre a nossa cultura e o cotidiano escolar já foi apontado por inúmeros estudos em diferentes períodos. Contudo, a situação parece se agravar num contexto em que o acesso à internet vem revolucionando as formas de conhecer, pensar e agir sobre o mundo contemporâneo. Não à toa, desde as jornadas de junho de 2013 até as recentes ocupações de colégios promovidas por grupos de estudantes secundaristas, tem ficado claro que as respostas de muitas de nossas instituições aos anseios e aspirações de nossa juventude e às demandas da sociedade contemporânea têm se mostrado insuficientes.

Com a escola não é diferente. Embora haja muitas iniciativas interessantes e dignas de reconhecimento na diversidade que marca nossas redes de ensino, nossa cultura escolar ainda é caracterizada por uma prática que não dá espaço para a conversa, muito menos para o debate e a troca de ideias.

Os resultados dessa lógica podem ser percebidos em múltiplos aspectos, todos com impactos perversos na vida dos jovens e na nossa dinâmica social. Eles se manifestam, por exemplo, no grande número de conflitos e agressões verbais e até físicas entre os estudantes e entre estudantes e professores; ou ainda, quando olhamos para as redações do Enem e para os resultados das avaliações externas, que mostram que faltam aos nossos jovens conteúdos e capacidade de construção de argumentos para dialogar de forma compreensível com seu interlocutor.

Reverter essa lógica e ampliar o diálogo, a mediação e a escuta é fundamental ­­não só para manter o respeito e uma convivência pacífica entre diferentes no ambiente escolar, mas também para que nossos jovens sejam capazes se expressar e se prepararem para uma participação efetiva numa sociedade que exige cada vez mais posicionamentos e diálogo. É por isso que Projetos de Lei como o Escola Sem Partido preocupam, pois apontam para a interdição do debate entre ideias, venham elas da família, do estado, da mídia, das igrejas ou de quaisquer outras instituições.

Criar este ambiente de respeito e diálogo é missão de todos e parte da tarefa tem sido protagonizada pela mobilização de nossos jovens. Cabe aos estados ouvi ­los e criar leis e normas que balizem uma gestão democrática da educação, conforme previsto pela meta 19 do Plano Nacional de Educação. Seria desnecessário dizer, não fosse a realidade truculenta com que muitas decisões sobre políticas educacionais têm sido tomadas, que tal regulamentação deve ser democraticamente construída, por meio de um amplo processo de consulta à comunidade escolar e à sociedade.

Para além da regulamentação, porém, é preciso observar que gestão democrática se dá na prática e há muito o que a comunidade escolar pode fazer. Aos professores, coordenadores, diretores e gestores das redes de ensino, cabe fomentar esta cultura, mantendo ­se abertos ao diálogo e respeitando estruturas como os conselhos de escola. Os pais e mães também podem e devem participar desses espaços e de outros como associações de pais e mestres.

Outra proposta bastante efetiva que pode ser adotada pela comunidade escolar são as metodologias de avaliação participativa, como os Indicadores de Qualidade na Educação. A proposta desses instrumentos é colocar alunos, professores, diretores e pais para, em diálogo, avaliar aspectos da realidade de sua escola, elencar prioridades, estabelecer planos de ação e implementar e monitora seus resultados.

odas essas propostas são bastante potentes para ampliar o diálogo no conjunto da instituição escolar, mas é preciso lembrar também que a troca de ideias não pode estar restrita aos processos de planejamento e avaliação. Ela precisa adentrar um dos espaços privilegiados do processo de ensino e aprendizagem: a sala de aula. Para atender às demandas de nossa juventude, é premente fazer com que as aulas e demais atividades pedagógicas estejam mais próximas do cotidiano e com experiências autênticas, que devem se articular com valores como diálogo, respeito, reconhecimento, diversidade, participação e cooperação.

A sociedade contemporânea demanda por mais participação, protagonismo e autoria nas diversas partes do mundo. Manter uma escola aberta à comunidade, às questões contemporâneas e às novas tecnologias, redefinindo se como um espaço de encontro e de diálogo, e ao mesmo tempo priorizar a construção do conhecimento pode ser considerado como o maior desafio da educação contemporânea. Enfrentá lo é fundamental para avançarmos em direção a uma educação para o nosso tempo.


segunda-feira, 27 de março de 2017

Setor educacional precisa reagir aos conteúdos de baixa qualidade na internet


Ilona Becskeházy e Paula Louzano | Missão Aluno

É importante saber selecionar conteúdos na internet. A educação tem sofrido, principalmente, em países subdesenvolvidos, como o Brasil. Nesses países, a educação não tem um valor claramente definido na cabeça das pessoas e, assim, passa a ter uma concorrência com o conteúdo que está na internet.

O desafio de cuidar de si mesmo

Viva mais e melhor

VIVA MAIS E MELHOR


Dicas para viver melhor e se possível por mais tempo



MARCELO LEVITES é médico, clínico geral, coordenador do programa de longevidade do Hospital 9 de Julho, diretor da SOBRAMFA - Educação Médica e Humanismo, mestre em Educação e doutor em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo (USP). LinkedIn e emails: longevidade@h9j.com.br e marcelolevites@sobramfa.com.br
Hoje meu convidado é o Psiquiatra Nikolas F. Heine que aborda o mal do século – a depressão.
“- Se viu o Jurandir? Pegou depressão!
– Mentira! Justo ele?! Coitado. Ele era tão alegre, tão cheio de vida…
– Rapaz, seu Jurandir foi moço esbelto, e aprendeu a envelhecer. Fazia seu exercício todo dia. Jogava o bilhar com os colegas e não negava uma cervejinha na padaria. Passava aqui na portaria do prédio todo santo dia bem de manhazinha, pronto para sua caminhada no parque. Fazia uma brincadeira qualquer com o Timão, perguntava da minha filha e de minha mulher… Dava até gosto de ver. Mas teve um dia que ele nunca mais passou.
– Não foi depois do que aconteceu com a filha dele?
– Não sei!  Só sei que vinha só para pegar o jornal. Vinha reclamando e voltava xingando. E depois nem mais o jornal pegava.
Quando, com pena, eu ia lá entregar os atrasados, mal cumprimentava. Só dizia um silencio que me cortava o coração.  Deixou de ser o Seu Jurandir.
– Está igualzinho ao Clementino do 33.
 Depressão vem do latim. De+Primere, ou “para fora”+ apertar”. Deformar-se frente a alguma “pressão” da vida.  Sugestivamente a palavra nos dá o essencial: ceder a uma força externa a nós e que nos deforma e debilita. E, por fim, nos abate.
 “Manto de ferro” foi a descrição mais acertada dos pais da Psiquiatria. Um corpo pesado, a falta de vontade e tristeza. E como escapar desse “mal-estar” contemporâneo, ou também conhecido como o Mal do Século?
 No causo do Seu Jurandir percebemos o desmoronar contínuo de si. Deixou de ser Seu Jurandir ao deixar cada uma das atividades que o faziam ser o Seu Jurandir: a “corrida”, o despertar cedo, o interesse em futebol, a brincadeira com o Timão, a preocupação com a família do narrador, as amizades, o Jornal, o bilhar, e até a  “cervejinha”. Ele deixa de ser Seu Jurandir e passa a assemelhar-se com outro que sofre do mesmo mal. Ha infinitas formas de ser saudável, mas poucas de ser patológico.
 A saúde é conhecida pela pluralidade e flexibilidade, mas também pela incessante procura do bem estar e da saúde. Não tem receita de bolo, mas o contato humano e o “cuidar de si” sem dúvida são temperos essenciais.
 Leitura, amizades, musica, hobby, atividade física, viagens e, quem sabe, aprender algo novo são formas de preservarmos essa flexibilidade psíquica e enriquecermos a vida mental. De cuidarmos desse “Seu Jurandir” que temos dentro de nós. Tudo isso nos faz viver mais e melhor.

Como as raízes do Cerrado levam água a torneiras de todas as regiões do Brasil


Como as raízes do Cerrado levam água a torneiras de todas as regiões do Brasil - Nelson Yoneda/ICMBio


Como as raízes do Cerrado levam água a torneiras de todas as regiões do Brasil


Especial - Miligramas por vaga



Como o Vestibular está criando uma geração movida a remédios controlados  


Miligramas por vaga - Parte 1




Miligramas por vaga - Parte 2





Os filhos não devem ser confidentes dos pais

Para especialistas, fazer confidências contínuas aos filhos poder ser prejudicial para seu bem-estar emocional no longo prazo

Cindy Lamothe ,
The Washington Post

Muitos pais bem intencionados tendem a compartilhar excessivamente com os filhos o que está se passando em suas vidas pessoais - quer seja contando-lhes seu mais recente conflito no trabalho ou queixando-se de problemas em casa com o parceiro.
Segundo psicólogos, porém, fazer confidências contínuas aos filhos poder ser prejudicial para seu bem-estar emocional no longo prazo. E embora um incidente isolado de relembrar um dia ruim no trabalho não cause dano, discutir regularmente problemas adultos como se faria com outro adulto, obriga as crianças a assumir papéis parentais impróprios similares aos de terapeutas por procuração ou cônjuges substitutos.
"Os filhos não devem servir às necessidades íntimas dos pais ou ser colocados no papel de guardadores de segredos", diz Lisa M. Hooper, pesquisadora e professora da Universidade de Louisville, que realizou amplos estudos sobre os efeitos da "parentification" - termo inglês para situações em que pais projetam seu papel em filhos. Em famílias divorciadas, por exemplo, alguns pais podem cair na armadilha de se apoiar em seus filhos como "confidentes" - revelando-lhes informações privadas de maneira a descarregar sentimentos sobre o pai/mãe, ou fazendo-os mediar conflitos.
Por exemplo, não é apropriado uma mãe dizer "Seu pai nunca leva as coisas adiante, ele está sempre me desapontando - estou farta dele", diz Juli Fraga, uma psicóloga clínica em São Francisco. Especialistas acreditam que esse tipo comportamento cria uma atmosfera de negligência, porque os filhos são responsabilizados por cuidar do bem-estar emocional e psicológico dos pais enquanto sufocam suas necessidades infantis normais, tais como brincar ou desenvolver amizades com crianças da própria idade.
Hooper observa que "quando uma criança começa a servir de amiga dos pais, e os pais têm suas necessidades atendidas pela criança, isso se torna problemático".
Sua pesquisa mostra que os efeitos da "parentificação" da infância podem ser prolongados e multigeracionais. Num estudo publicado no Journal of Family Therapy, foram recolhidos dados de 783 estudantes universitários para avaliar a ligação entre seus papéis e responsabilidades na infância com seu funcionamento psicológico adulto posterior. Os pesquisadores descobriram que pessoas que experimentaram a "parentificação" na infância enfrentam um risco aumentado de ansiedade, depressão, distúrbios alimentares e uso indevido de substâncias quando adultas.
"Pais e tutores deveriam estar no topo da hierarquia do sistema familiar", diz Hooper. Um pai (ou mãe) que pede constantemente a um filho(a) conselho sobre o relacionamento ou se queixa a ele sobre outros membros da família, por exemplo, está invertendo o papel de adulto e criança, porque está se apoiando no filho(a) para fornecer o mesmo tipo de apoio emocional normalmente buscado num amigo confiável ou no cônjuge.
E embora seja verdade que filhos que assumem papéis mais do tipo de adultos possam ter resultados positivos, tais como uma forte ética do trabalho, resiliência e eficácia pessoal - quando isso é levado ao extremo, começam-se a ver crianças ansiosamente carentes, trabalhadoras compulsivas e com dificuldades de conciliar suas responsabilidades escolares com seu papel de confidente em casa.
"Uma criança imbuída de um verdadeiro senso prematuro de responsabilidade pode carregar esse traço consigo para sempre", diz Gretchen Kubacky, uma psicóloga clínica e especialista em relacionamentos de Los Angeles.
Apesar das boas intenções, aprender onde traçar a linha divisória pode ser particularmente espinhoso para pais que querem ser vistos como "melhor amigo" de seus filhos. Em muitos casos, isso acontece porque eles têm sua própria história de problemas de apego causados por crescer com tutores distantes, rígidos ou negligentes - e agora tendem a compensar tornando-se abertamente envolvidos na vida de seus filhos.
"A amizade é recíproca, baseada num mútuo compartilhamento de equanimidade e igualdade", diz Fraga. E os filhos simplesmente não possuem a mesma compreensão e maturidade emocional dos adultos. Isto não significa que não se deva ser afetuoso e amável - mas distinguir entre ser honesto e solidário e também manter os limites apropriados.
"Algumas pessoas tendem a não ver seus filhos como seres separados delas, mas como meras extensões de si mesmas", acrescenta Fraga. "Elas não têm o filtro para compreender que o filho(a) tem 7 anos, não 37."
Fraga acredita que a linha está sendo cruzada cada vez mais hoje em dia com nossa cultura de compartilhamento excessivo na mídia social e influências da cultura pop. Um exemplo desses limites borrados pode ser visto na famosa série de TV "Gilmore Girls" (Tal mãe, tal filha) - em que a relação mãe-filha entre Rory e Lorelai há muito vem se caracterizando por uma qualidade invejável de proximidade. Mas como em muitas amizades entre pais e filhos, as consequências imprevistas só se mostrarão após a adolescência.
Em temporadas anteriores, Lorelai apareceu como uma mãe com um pendor para compartilhar em excesso com a filha adolescente - muitas vezes borrando a linha entre mãe e filha. Esta forma leve de "parentificação" pode parecer inofensiva, mas ao se observar uma Rory agora com 32 anos, os limites frouxos que ela compartilhou com a mãe, voltam para assombrá-la. O reinício da nova temporada, "A Year in the Life", oferece o retrato de uma Rory que luta contra acessos de ansiedade, e com a dificuldade de confiar em suas próprias decisões com respeito a sua carreira e seus interesses amorosos.
"Quando adultas, as crianças que foram "parentificadas" tendem a não ter confiança e (ter) uma incapacidade de acreditar que podem pensar por conta própria os problemas mais comezinhos da vida", observa Fraga. "Isto pode realmente eclipsar a capacidade de uma pessoa de receber e ser amada como adulta, porque é perigoso demais deixar alguém se aproximar quando se foi esmagada."
Em seu livro "Lost Childhoods: The Plight of the Parentified Child" (Infâncias perdidas: o sofrimento da criança "parentificada", em tradução livre), o autor Gregory Jurkovic escreve que crianças que assumem papeis paternais durante seus anos formativos são posteriormente afetadas por desconfiança interpessoal, ambivalência, envolvimento em relacionamentos danosos, e um senso destrutivo de direitos como adultos.
"Os limites devem ser flexíveis, e se expandir e se contrair com base no que é apropriado para a idade", diz Hooper. É ótimo que pais compartilhem acontecimentos diários com os filhos, mas fundamentalmente, isto se resume a compartilhar informações de acordo com o desenvolvimento da criança, e não mais do que coisas com as quais ela possa lidar. Por exemplo, falar com os filhos sobre a importância das eleições recentes, contra vociferar ou esperar que eles preparem sua própria merenda para a escola porque se está preocupado demais com o que está aparecendo nos noticiários.
"Para vermos plena e separadamente as necessidades alheias, precisamos reconhecer sua subjetividade de serem pessoas muito diferentes de nós", diz Fraga. "Com pensamentos, sentimentos e fases de desenvolvimento diferentes." 
Por fim, uma paternidade responsável não é sinônimo de contenção ou de mostrar indiferença, mas a capacidade de diferenciar onde a pessoa termina e onde o filho(a) começa.
Tradução de Celso Paciornik

domingo, 26 de março de 2017

Empatia piora o mundo, diz psicólogo canadense

O psicólogo Paul Bloom dá conferência no ciclo Fronteiras do Pensamento, em Florianópolis, em 2014

HAMILTON DOS SANTOS, 54, é jornalista, bacharel e mestre em filosofia pela USP e diretor geral da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). 

RESUMO Em entrevista à Folha, o psicólogo canadense Paul Bloom, autor de livro recente em que ataca a noção de empatia, diz que a identificação com sentimentos e aflições de terceiros não deve nos servir de bússola moral. Sentir a dor do outro, segundo ele, embaralha nosso julgamento, conduzindo a respostas irracionais.

À primeira vista, parece uma tese feita para chocar, com um título talhado para chamar a atenção da mídia. No entanto, o livro recém-lançado nos Estados Unidos, mas sem previsão de sair no Brasil, do psicólogo canadense Paul Bloom, está longe de ser só isso.

"Against Empathy: The Case for Rational Compassion" [Ecco, 304 págs., R$ 71,29, R$ 40,16 e-book] (contra a empatia: por uma compaixão racional) compra uma briga formidável com a indústria da autoajuda (só na Amazon, há mais de 1.500 livros com a palavra empatia no título ou no subtítulo).
Nesse lucrativo nicho, a identificação interpessoal constitui o princípio ativo do remédio que os autores costumam prescrever para a cura de relacionamentos desfeitos, a falta de criatividade e até a dificuldade em arranjar emprego.

Mais do que confrontar o filão editorial, o que Bloom faz é argumentar sistematicamente contra a ideia de que os percalços éticos, morais e econômicos do mundo se devem em grande parte a um deficit de empatia.

Ele ataca o impulso natural que os homens têm de sentir os sentimentos alheios (ou de se projetar neles) e afirma ser justamente esse instinto uma das causas mais significativas da desigualdade e da imoralidade que predominam na sociedade atual.

Sem se ater a sutilezas semânticas nem aos diversos sentidos que o termo empatia assume ao longo da história da filosofia, o autor tem uma intenção manifesta: demonstrar que, em vez de representar a bala de prata da ética, ela é um dos combustíveis da irracionalidade.

"Vários estudos mostram que a empatia nos impele a dar mais importância ao que acontece com uma pessoa do que [ao que ocorre] com muitas", diz o professor, em entrevista à Folha. "Ela leva não só indivíduos, mas também nações e organizações, a tomar as piores decisões. As pessoas mais empáticas são também as mais propensas a represálias violentas."

Bloom não é desconhecido do público brasileiro. Esteve no país em 2014 para participar do ciclo Fronteiras do Pensamento e para lançar "O Que Nos Faz Bons ou Maus" (ed. Best Seller), livro em que tampouco foge à controvérsia ao sustentar que os bebês conseguem distinguir o bem do mal.

Apesar de nunca abandonar o registro científico, Bloom tem se mostrado reiteradamente como um ensaísta fino. A clareza e a capacidade de enredar o leitor em suas argumentações estão presentes tanto em textos publicados em revistas científicas (como "Nature" e "Science") quanto nos assinados na grande imprensa, em veículos como "The New York Times" e "The New Yorker".

Professor de psicologia na Universidade Yale, o canadense se dedica a pesquisas no campo da ciência cognitiva, notadamente na seara do desenvolvimento infantil. Entre seus parceiros acadêmicos está Steven Pinker, professor de Harvard e autor de livros como "Tábula Rasa" e "Como a Mente Funciona" (ambos lançados no Brasil pela Companhia das Letras).
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Bloom.
*
Folha - Por que a empatia não é um guia confiável para nossas ações morais?

Paul Bloom - Por uma só razão: das capacidades e faculdades humanas, ela é a mais tendenciosa. A empatia –entendida como a capacidade de compartilhar dos sentimentos alheios e, acima de tudo, de sentir a dor alheia– é um grande desastre moral. O exercício da empatia nos conduz às piores decisões e a um mundo pior.

As mais recentes pesquisas da neurociência e a experiência do cotidiano revelam que é relativamente fácil se colocar no lugar daqueles que você ama, de alguém próximo, atraente, amigável ou que se parece com você. Mas a empatia por quem lhe é distante se dá com bem menos naturalidade.

Além disso, a empatia não pode ser quantificada e naturalmente expandida. Ela funciona como um holofote, isto é, só podemos centrá-la em um indivíduo ou num grupo pequeno. Vários estudos mostram que, estranhamente, a empatia nos impele a dar mais importância ao que acontece com uma pessoa do que [ao que ocorre] com muitas.

Por fim, a empatia pode ser usada para induzir pessoas a endossar posições políticas das mais cruéis.

A que tipo de crueldade o senhor se refere?

Políticos, ativistas, artistas e até certos filósofos e sociólogos têm visto a empatia como uma espécie de fonte de bem-estar e paz social, atribuindo nossos fracassos sociais a um deficit de empatia. Eles estão equivocados. A empatia leva não só indivíduos, mas também nações e organizações, a tomar as piores decisões.

No século 18, [o economista e filósofo] Adam Smith (1723-90) notou que quanto mais empatia tivermos por alguém que sofre, mais desejaremos retaliação contra aqueles que causam esse sofrimento. As pessoas mais empáticas são também as mais propensas a represálias violentas.

A empatia compromete o nosso julgamento: damos naturalmente mais importância a uma menininha que caiu num poço do que a crises que afetam milhões de pessoas, como a mudança climática. A empatia deflagrada por histórias de vítimas inocentes é facilmente utilizada para incitar ódio contra grupos minoritários, ou para gerar apoio a guerras desnecessárias.

Qual é a relação fundamental entre empatia e justiça?

Quando consideramos que a justiça requer algum tipo de imparcialidade –ou seja, que a importância ou a beleza de uma pessoa não deveria ser levada em conta no modo como a tratamos; que a resposta empática a alguém que está na fila do transplante de órgãos não deveria nos levar a passá-lo na frente dos demais–, torna-se claro que a empatia constitui, sim, um guia muito pobre para a moral.
Trata-se, repito, de um princípio da natureza humana excessivamente tendencioso.

De onde vem essa crença, a seu ver exagerada, na força moral da empatia?

Vem de um retrocesso geral à era da irracionalidade. Muita gente, principalmente na academia, mostra entusiasmo exagerado com o poder das emoções e dos sentimentos, tornando-se cética em relação à racionalidade. Nossos heróis morais são pessoas de grandes sentimentos, não de grande inteligência. Somos encorajados a usar nossos corações, não nossas mentes. Acredito que a consequência dessa fé nos sentimentos pode ser vista de várias formas –a mais recente eleição presidencial nos EUA é um bom exemplo disso.

O sr. diria que há uma ligação entre empatia e corrupção?

Sem dúvida. A corrupção tem origem na cobiça e no interesse próprio. Além disso, boa parte dela se deve ao impulso de favorecer amigos e familiares. Esse tipo de tendência tem sua raiz, ao menos em parte, na empatia.

Ao mesmo tempo em que desenvolve uma argumentação contra a empatia, seu livro faz uma longa apologia da compaixão. Por quê?

A distinção entre essas duas capacidades humanas é crítica para o meu argumento contra a empatia. Ela é feita de forma brilhante pelas neurocientistas Tania Singer e Olga Klimecki em um artigo na revista "["Current Biology"]":http://www.cell.com/current-biology/abstract/S0960-9822(14)00770-2.

Elas escrevem que, "em contraste com a empatia, a compaixão não significa compartilhar do sofrimento do outro: antes, se caracteriza por sentimentos calorosos, como zelo e cuidado com o outro, assim como por uma forte motivação para melhorar o seu bem-estar. A compaixão é sentir algo pelo outro, e não sentir algo com o outro".

Ou seja, a empatia nos leva a confundir nossos sentimentos com os dos outros e nos coloca em uma situação de pleno envolvimento. Isso não acontece no processo da compaixão, que nos coloca muito mais como observadores. Logo, é possível concluir que a empatia tende à irracionalidade, enquanto a compaixão deixa uma janela aberta para a razão.

A psicologia costuma descrever dois tipos de empatia: a emocional e a cognitiva. O "contra" do título de seu livro se refere sobretudo à primeira categoria, não é?

Sim. A empatia cognitiva é definida como a capacidade de entender o que está se passando na mente de uma outra pessoa (o que ela quer, em que acredita, como se sente), sem necessariamente compartilhar dos sentimentos dela. É uma forma de entendimento.
Mas não representa por si uma força positiva. Frequentemente chamada de inteligência emocional, ela pode ser usada para o bem ou para o mal, como qualquer tipo de inteligência.

A empatia não tem nada de bom?

Ela pode desempenhar um papel importante nos relacionamentos íntimos. Normalmente, queremos que pessoas próximas a nós sintam o que sentimos, sobretudo quando se trata de emoções positivas.
Além disso, a empatia pode ser uma fonte imensa de prazer. É uma das alegrias de termos filhos: viver experiências com as quais já se estava acostumado como se fosse a primeira vez. A empatia amplifica o prazer da amizade e da comunidade, do esporte e dos jogos, do sexo e do namoro.
Não é só a empatia para sentimentos positivos que nos engaja. Há um fascínio em ver o mundo pelos olhos do outro, mesmo quando o outro sofre. A maioria de nós é muito curiosa acerca da vida dos outros, e o ato de tentar simular essas vidas é transformador.
Um mundo sem empatia seria terrível. Só precisamos ter o cuidado de evitar usar a empatia como um guia moral.

O sr. admite que o seu livro poderia perfeitamente se chamar, por exemplo, "Contra os Maus Empregos da Empatia". Por que insistiu num título tão direto? Marketing?

As vendas são importantes, mas não é esse o motivo. Eu o intitulei "Contra a Empatia" simplesmente porque sou radicalmente contra a empatia!
Mas é preciso ter em mente que o livro traz um subtítulo a meu ver muito significativo ("por uma compaixão racional"), que deixa claro que não sou contra a bondade, a gentileza e o altruísmo. O que faço é oferecer uma alternativa para que se alcancem tais qualidades.