segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Secretária do MEC diz que avaliação do ensino superior no Brasil é falha

Letycia Bond - Repórter da Agência Brasil 

A secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães de Castro, afirmou nesta segunda-feira (30) que o sistema de avaliação do ensino superior do Brasil é falho. A funcionária da pasta foi uma das convidadas do seminário internacional Avaliação da Educação Superior: características e perspectivas, realizado em Brasília, em comemoração aos 80 anos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). 

"Os processos avaliativos, ao invés de criar uma dinâmica formativa que pudesse ajudar as instituições de menor qualidade a se desenvolver, acabou se transformando em um processo burocrático, que gera uma tensão muito grande", disse. 

Para a secretária, o resultado da avaliação não é verdadeiramente aproveitado, deixando, portanto, de se converter em uma adequação de currículo, de metodologias e práticas adotadas pelas universidades, faculdade e centros universitários. 

"No ano passado, cerca de 5 mil visitas foram feitas pelo Inep. E os relatórios? Milhares de relatórios. Quem tem tempo de analisá-los e de fato considerar os resultados para poder influenciar em uma mudança futura?", questionou Maria Helena. 

Como sugestão, ela apontou "mecanismos de descentralização" e "liberar de avaliações frequentes" as instituições que apresentam um bom desempenho. 

Panorama global 

Na opinião de Maria Helena, a educação superior do Brasil ainda se encontra na contramão de tendências internacionais. Ela considera que a última mudança expressiva do ensino superior brasileiro remonta a 1968, ano marcado pela ditadura militar.

"O ensino superior no Brasil não está mudando, não tem dado a devida atenção às novas grandes reformas do mundo. A Alemanha fez uma mudança gigantesca, a França também. Os Estados Unidos têm um modelo que dá enorme liberdade para que as instituições se diferenciem e se diversifiquem. Países como Portugal fizeram mudanças profundas, e o Brasil se preocupou e se preocupa muito - e com razão - com a educação básica, entendendo que o ensino superior está resolvido, mas ele precisa mudar, se renovar ", criticou. 

De acordo com Maria Helena, 75% dos universitários brasileiros estudam em instituições pagas . "A rede pública não dá conta porque pertence a esse modelo", afirmou ela, fazendo alusão ao modelo que vigora desde o regime militar. 

Após reconhecer que, entre 2003 e 2015, houve uma expansão do ensino superior gratuito, em decorrência de iniciativas como Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), política de cotas, Programa do Governo Federal de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (Reuni) e Programa Universidade para Todos (Prouni), a secretária executiva criticou a "falta de monitoramento" observada em governos anteriores ao de Michel Temer, e afirmou que o governo atual planeja reduzir a quantidade de vagas ociosas do Prouni, que, atualmente, conforme revelou, representam 40% do total. 

Brasil e EUA 

Como desafios comuns aos Estados Unidos e ao Brasil, Michael James, especialista em educação e desenvolvimento, elencou a dificuldade de financiamento dos estudos e, ainda, o tratamento dispensado a estudantes estrangeiros, que, em seu país, representam de 7% a 29% dos universitários. 

Avesso a rankings de universidades, o norte-americano destacou no seminário que a educação deve servir à formação de cidadãos globais. "Devemos questionar: 'Em que medida a educação superior é um bem público ou um bem privado? Em que medida nos vemos, não como competidores, mas como compartilhadores de recursos?'", perguntou

domingo, 29 de outubro de 2017

Os filhos da desigualdade


marcos lisboa
Marcos de Barros Lisboa, 52, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia. Foi secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e é Presidente do Insper.








Não há apenas más notícias no relatório de Ricardo Paes de Barros sobre as causas da evasão no ensino médio e as possíveis ações para reduzi-la.
O percentual de jovens de 15 a 17 anos que frequenta o ensino médio passou de 20% para 56% de 1991 a 2015, o que contribuiu para a melhora da qualidade de vida.

Os adultos com mais de 25 anos e ensino médio completo têm uma renda média de R$ 1.142 por mês, bem mais do que os R$ 534 que recebem os com ensino fundamental incompleto. Diferenças equivalentes são observadas na participação no mercado formal de trabalho, no planejamento familiar e nos indicadores de saúde. Educação importa.

O ciclo de três anos do ensino médio custa cerca de R$ 18 mil por aluno ao setor público. Por outro lado, os jovens que completam esse ciclo têm um aumento de renda durante o restante da sua vida equivalente a receber uma herança de R$ 35 mil.

Vamos às más notícias. Deveríamos ter avançado mais. Na última década, o Brasil caiu da posição 43 para a 55 quando se compara o percentual de jovens que frequentam o ensino médio entre 98 países. Todo ano, quase 1 milhão dos nossos jovens desistem da escola.


Com ensino médio
50
77
Com ensino médio
50
Sem ensino médio



Reduzir a evasão traz benefícios adicionais para a sociedade. Os adultos mais escolarizados têm menores problemas de saúde e são menos propensos à criminalidade, além de aumentarem a produtividade e estimularem o investimento privado.

No caso dos Estados Unidos, estima-se que esses fatores resultem em um custo social de US$ 137 mil ao longo da vida de cada jovem que desiste do ensino médio. Russell Rumberger sistematiza a pesquisa acadêmica sobre as razões e consequências da evasão no livro "Dropping Out".

A perda por aqui seria de R$ 95 mil por jovem, caso o impacto da evasão seja semelhante ao estimado para os Estados Unidos, o que significa um custo social total de R$ 95 bilhões. Bem mais do que o setor público gasta com o ensino médio, cerca de R$ 50 bilhões.

A evasão dos jovens prejudica as próximas gerações. Filhos de mães pouco educadas e mais pobres têm maior probabilidade de serem igualmente pobres e pouco educados. Completam o ensino médio 42% dos jovens cujas mães apenas terminaram o ensino fundamental. Esse número sobe para 78% caso as mães tenham concluído o ciclo médio.

A evidência indica que reduzir a evasão aumentará a renda dos novos adultos em meio a muitos outros benefícios sociais. Vamos utilizar os diagnósticos e as experiências de sucesso para aperfeiçoar a gestão da política pública? Ou a desigualdade será para sempre uma herança, que passaremos de geração a geração?


Um retrato dramático do ensino

Segundo a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), mais da metade dos alunos avaliados mostrou-se incapaz, mesmo tendo passado por três anos de escolarização, de ter a proficiência esperada para sua faixa etária

O Estado de S.Paulo
29 Outubro 2017 | 05h00
Divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), os números da terceira edição da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) de 2016 são desalentadores, principalmente quando se consideram temas como o crescimento do País, a redução das desigualdades sociais e econômicas e a conquista de melhores padrões de bem-estar. A avaliação consiste em duas provas – uma de leitura e escrita e outra de matemática – que foram aplicadas em 14 e 15 de novembro de 2016 a 2,1 milhões de alunos de 48 mil escolas da rede pública de ensino fundamental.
Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação prevê a alfabetização de todas as crianças até o final do terceiro ano desse ciclo educacional. O que as autoridades educacionais esperam desses alunos é que eles sejam capazes de entender o sentido dos verbos, reconhecer participantes de diálogos em entrevistas ficcionais e reconhecer a relação de tempo em verbos. 
O resultado da avaliação é assustador, mostrando que o Brasil continua perdendo a corrida educacional, dado o fosso entre essas metas e a dramática realidade do ensino fundamental oferecido pelo poder público às novas gerações. Segundo a ANA, mais da metade dos alunos avaliados – dos quais 90% eram crianças de oito anos de idade – mostrou-se incapaz, mesmo tendo passado por três anos de escolarização, de ter a proficiência esperada para sua faixa etária. Os números mostram que não sabem localizar, ler e compreender informações constantes de textos de literatura infantil, de entender anedotas desenhadas em tirinhas e de realizar as operações aritméticas mais simples, como soma e subtração. 
Mais grave ainda, os níveis de alfabetização desses estudantes está estagnado no mesmo padrão de insuficiência de dois anos atrás. Em matemática, por exemplo, 54,5% dos estudantes do terceiro ano do ensino fundamental revelaram baixo nível de proficiência em 2016, ante 57% na segunda edição da ANA, que foi realizada em 2014.
Eles não conseguem nem mesmo ler horas num relógio analógico, nem somar duas parcelas. Em leitura, 54,7% das crianças revelaram baixo nível de proficiência no ano passado, ante 56,1% na avaliação de dois anos atrás. E, em escrita, 34% dos alunos avaliados mostraram não saber redigir corretamente palavras com diferentes estruturas silábicas.
Já o número de alunos que demonstraram capacidade considerada suficiente de leitura passou de 43,83% para 45,27% do total de matriculados no terceiro ano do ensino fundamental. Em matemática, o número de alunos com proficiência adequada para a faixa etária passou de 42,93% para 45,53%, entre 2014 e 2016.
Na prova que avalia o desempenho na escrita, um terço dos alunos do terceiro ano mostrou desempenho insuficiente. O quadro também é desolador em termos de comparação regional. A avaliação mostrou que, nas Regiões Norte e Nordeste, 70,21% e 69,15% dos estudantes, respectivamente, têm nível insuficiente em leitura. Nas Regiões Sudeste e Sul, os números são de 43,69% e 44,92%, respectivamente. 
Resultantes de décadas de políticas marcadas por prioridades equivocadas e orientação populista, que arrasaram a rede pública de ensino fundamental, os números da terceira edição da ANA voltam a mostrar um grave gargalo do sistema educacional brasileiro. Deixam claro que, nos anos seguintes ao terceiro ano do ensino fundamental, esses estudantes com baixíssimo nível de proficiência em escrita, leitura e matemática não terão preparo e habilidades básicas para aprender outras disciplinas, como química, física, biologia e estatística.
Esses estudantes não terão a formação necessária para romper o círculo vicioso do atraso cultural, da desigualdade socioeconômica e da pobreza, nem para dotar o País do capital humano de que ele tanto necessita para retomar o crescimento e passar a níveis mais sofisticados de produção. 

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

O novo analfabetismo ou deformando cidadão

claudia costin
Cláudia Costin
É professora da FGV e professora-visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Bird, secretária de Educação do Rio e ministra da Administração.

O Instituto de Estatísticas da Unesco alerta, em informe recente, que grande parte dos jovens da América Latina não alcança níveis apropriados de proficiência em leitura. São 19 milhões de adolescentes que concluem o ensino fundamental sem conseguir ler parágrafos simples e deles extrair informações, num fenômeno que Silvia Montoya, dirigente do instituto, chama de "nova definição do analfabetismo".

A preocupação da diretora procede, pois a falta de competência leitora fragiliza a cidadania. Afinal, quem não consegue ler jornais ou livros depende do que a televisão lhe recomenda como condutas corretas e não consegue formular seus próprios juízos.

Além disso, em tempos em que o mundo do trabalho extermina postos baseados em tarefas rotineiras, que não demandam capacidade de concepção, as chances de sucesso profissional e de realização pessoal de quem tem letramento insuficiente se tornam muito limitadas.

Estive na semana passada na reunião da Comissão Internacional sobre o Futuro do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e falou-se muito dos riscos e desafios resultantes da automação, robotização e novas tecnologias e de como a educação deve se preparar para esse cenário. Uma pessoa que não consegue ler um texto curto terá grandes dificuldades de prosseguir seus estudos, encontrar emprego ou empreender.

Li o relatório no voo de volta e vim pensando no Brasil. Aqui, só 30% dos alunos saem do 9º ano com aprendizado adequado em leitura e interpretação, de acordo com dados do Inep. É menos que a média da América Latina, que tanto chocara Silvia Montoya.

Ora, num país de elites não leitoras, o fato de tantos jovens não estarem aptos a ler livros talvez não choque. E, no entanto, a leitura de boas obras pode ser fonte de tanto prazer —cada novo autor que descubro vive comigo uma história de amor.

Ando às voltas com o Leonardo Padura, escritor que sempre me surpreende, mas não lhe sou totalmente fiel. Divido-o com Balzac, que me trouxe, em "Ilusões Perdidas", uma visão, a partir do relato da degradação de Lucien, ambicioso poeta de província, de como a alma humana pode se corromper aos poucos. Essa possibilidade de viver outras vidas e refletir sobre o que nos faz humanos é roubada desses jovens.

Não é mais suficiente ter um nível mínimo de alfabetização. Não ter competência leitora traz uma incapacidade de viver em sociedade, poder votar e entender propostas dos candidatos e seus próprios direitos e deveres como cidadãos, ainda mais num mundo em turbulência como o que vivemos, em que populismos se constroem a partir do manuseio de corações e mentes dos que não aprenderam (ou não puderam aprender) a pensar.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Vergonha nacional

Ana Maria Diniz

BLOGS
Ana Maria Diniz
A educação que vale a pena



Somente com a formulação de políticas de Estado, e não de governo, conseguiremos reverter o quadro dramático da alfabetização infantil no país e melhorar a qualidade da nossa Educação

Uma sentença para mais da metade das crianças brasileiras!
Foram divulgados ontem, em Brasília, os resultados da terceira e última edição da ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização), que mostram uma estagnação na capacidade de ensinarmos nossas crianças a ler, a escrever e a fazer contas básicas na idade certa – ou seja, até os 8 anos, segundo o MEC.
A prova, que afere os níveis de alfabetização e letramento em língua portuguesa, em matemática e as condições do ensino no Ciclo de Alfabetização (do 1º ao 3º ano do Fundamental), constatou que, em 2016, permanecemos nos mesmos patamares de 2014 e muito aquém dos níveis minimamente aceitáveis nesses quesitos.
Dos 2,3 milhões de alunos que cursaram o 3º ano em 49 mil escolas da rede pública no ano passado e que passaram pelo teste, 54,7% não obtiveram desempenho satisfatório em leitura, 54,4% não superaram os dois primeiros de quatro níveis básicos de aprendizado em matemática e 33,95% têm deficiências sérias em escrita.
Em bom português, isso quer dizer que estes estudantes, depois de três, quatro anos de escola, não são capazes de localizar uma informação óbvia em um texto, de compreender enunciados simples, de fazer contas de adição e subtração ou resolver problemas com números acima de 20 ou de ler as horas em relógios analógicos.
A criança que não consegue ler, escrever, contar e expressar ideias com firmeza até os 8 anos não avança. Vai mal em português, em matemática, em ciências. Sem conseguir participar das atividades, ela se distancia cada vez mais das aulas e perde o interesse pelos estudos. Quando chega no Fundamental 2 – se é que chega – está perdida, em todos os sentidos, e é muito difícil resgatá-la. É uma bola de neve.
A situação é crítica e muito preocupante. Sem uma alfabetização efetiva esses alunos estão praticamente condenados a ter uma vida menor A alfabetização é um pré-requisito para outros aprendizados em todas as áreas do conhecimento, na escola e ao longo da vida, e para o exercício pleno da cidadania e para a realização profissional e pessoal.
Esse quadro parece incompatível com o avanço consistente que obtivemos nos anos iniciais do ensino fundamental recentemente. Uma hipótese é que os índices divulgados ontem sinalizem que estamos perto de atingir um teto de melhorias nos resultados deste ciclo. Portanto, precisamos de atenção redobrada. 
Os dados da ANA são considerados catastróficos para o país – afinal, as crianças são o nosso futuro! -, mas não são uma surpresa. Desde 2013, a questão deixou de ser prioritária e a a atuação pública no sentido de garantir que toda a criança se alfabetize até os 8 anos perdeu contundência.
O compromisso com a alfabetização infantil tem de ser constante e o esforço para tornar esse processo efetivo e pleno, contínuo. A má alfabetização é a raiz de todas as outras distorções do nosso ensino. Se não vencermos essa batalha, jamais iremos vencer a guerra que nos impede de elevar a qualidade da nossa Educação a outro patamar.
Nesse sentido, a formulação de políticas de Estado – e não de governo – que garantam que toda criança brasileira seja bem alfabetizada, é urgente. E, para viabilizá-las, é necessário não somente a elaboração de uma diretriz de política orientadora muito clara do MEC, mas também um pacto com Estados e municípios, onde, de fato, a Educação é executada. Por fim, é preciso envolver o professor alfabetizador e capacitá-lo para a função.
Ontem mesmo, na tentativa de reverter essa realidade dramática, o governo anunciou a criação de uma nova Política Nacional de Alfabetização. O projeto engloba uma série de medidas e dispõe de um orçamento de 500 milhões de reais para melhorar a alfabetização infantil com a contratação de assistentes de alfabetização para atuar em sala de aula e reformulações na formação docente.
As intenções do governo em melhorar a alfabetização infantil são louváveis. Mas temos de estar atentos, como sociedade, e cientes de que fazer isso acontecer depende da nossa supervisão e demanda constante.
Enfim, o alerta está aí e o primeiro passo foi dado. Resta saber se, dessa vez, chegaremos ao fim do percurso.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Inovação: como aliar a tecnologia ao aprendizado?

Especialista do Instituto Ayrton Senna comenta o uso de recursos tecnológicos pelos professores

Por Denise Crescêncio, do Todos Pela Educação
Nas aulas de química do Ensino Médio, os alunos aprendem sobre os catalisadores: substâncias responsáveis por acelerar uma reação química, isto é, transformar duas partes em algo novo. Com a tecnologia, não é diferente. Amaral Oliveira, analista de projetos do Instituto Ayrton Senna, conversou conosco sobre o assunto e destaca que a inovação deve funcionar como catalisadora da aprendizagem. Com efeito, esse movimento já está acontecendo no mundo e a escola não pode ficar fora dessa.
A tecnologia integrada à proposta pedagógica está contemplada na estratégia 7.12 do Plano Nacional de Educação (PNE). A estratégia preconiza o uso dos recursos tecnológicos para melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem para Educação Infantil, (meta 1 do PNE), Ensino Fundamental, (meta 2 do PNE), e Ensino Médio, (meta 3 do PNE).
Ao mesmo tempo que há inúmeras vantagens no uso da tecnologia junto à Educação, também existem os desafios. É preciso preparar nossos professores para mediar a interação dos alunos com as inovações tecnológicas, assunto pautado na estratégia 15.6 do PNE, que prevê uma reforma curricular das licenciaturas, garantindo assim uma boa formação docente.  
Confira a entrevista com o especialista:
TPE:  De que modo os recursos tecnológicos impactam o aprendizado dos alunos?
Amaral Oliveira: Dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Ceti-Br), mostram que 52% deles já utilizam celular em atividades escolares. Além do mais, o percentual dos professores que utilizam a internet do celular em atividades com os alunos foi de 49% em 2016. Isso, porém, não é o ideal e mostra que ainda precisamos caminhar para utilizarmos, com fins pedagógicos, tecnologias que possam ser catalisadoras de uma aprendizagem que inclua tanto os aspectos cognitivos quanto os socioemocionais nas escolas brasileiras, contribuindo para o desenvolvimento integral dos alunos. 

Utilizar redes sociais na Educação, por exemplo, pode ser uma forma de desenvolver a colaboração dos alunos e também o pensamento crítico. O uso de jogos, baseado no conceito de gamificação, pode ajudar a resolver problemas do processo de aprendizagem de forma lúdica. O ensino de programação de computadores, por sua vez, também ajuda a promover a criatividade. Essas competências são essenciais para uma Educação antenada com o século 21 e a tecnologia pode ser uma grande aliada dos professores.
TPE:  A tecnologia pode ser prejudicial para o aprendizado? 
Amaral Oliveira: Não basta a tecnologia pela tecnologia, ela deve estar integrada à proposta pedagógica da escola. Ela pode contribuir para uma aprendizagem mais personalizada, uma gestão de aula mais eficiente e um ensino mais efetivo. Porém, tudo isso passa por uma reflexão essencial: quem a escola contemporânea quer formar enquanto pessoa e cidadão?
Sem nenhuma mediação das dúvidas e dificuldades dos estudantes, o uso de plataformas personalizadas é prejudicial e coloca o aluno em uma linha de produção virtual, sem servir de embasamento para sua formação. Para que isso não aconteça, é importante fortalecer uma visão educacional que veja a tecnologia como uma aliada estratégica para o desenvolvimento pleno dos alunos e não apenas um suporte. Além disso, é essencial que o professor seja formado para ser um facilitador ou tutor da aprendizagem com tecnologia.
TPE: Quais os desafios para implementar os recursos tecnológicos nas escolas?
Amaral Oliveira: A conectividade (a infraestrutura), a capacitação dos professores (a formação) e a integração da tecnologia com a visão pedagógica da escola são os principais desafios. É preciso observar esses pontos de maneira integrada para que a implementação aconteça com sucesso, uma vez que não adianta capacitar o docente para usar ferramentas tecnológicas se ele não tem conectividade em sala de aula. Também não funciona ter uma proposta pedagógica que utilize inovação, caso os professores não estejam qualificados para fazer o bom uso dos equipamentos, ou, até mesmo, ter uma boa conectividade se não há integração entre a pedagogia e o uso dos recursos digitais.  

54% dos alunos que deveriam estar alfabetizados têm problemas para ler

Ana Carla Bermúdez Do UOL, em São Paulo 

Mais da metade dos alunos de oito anos das escolas públicas no Brasil tem conhecimento insuficiente em leitura e matemática, segundo dados da ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização) 2016, divulgados nesta quarta (25) pelo MEC (Ministério da Educação). 

Os números mostram que 54,73% dos alunos têm problemas de leitura --eles não conseguem, por exemplo, interpretar e localizar informações específicas em textos científicos ou de gêneros como lenda e cantiga folclórica. Além disso, eles têm dificuldade para reconhecer a linguagem figurada em poemas e tirinhas. 

Esses resultados estão estagnados desde 2014, quando 56,17% dos alunos tiveram desempenho insuficiente na habilidade de leitura. 

A ANA foi aplicada para mais de 2 milhões de crianças em novembro de 2016, quando 90% dos estudantes avaliados possuíam oito anos ou mais. 

Já 54,46% dos alunos têm problemas para fazer contas de adição, subtração, multiplicação e divisão, além de não conseguir interpretar gráficos de colunas, por exemplo. Em 2014, esse número foi de 57,07%. 

A escrita apresenta índices menos críticos, mas ainda preocupantes: cerca de 34% dos estudantes apresentam desempenho insuficiente --em geral, os alunos têm problemas de grafia e para escrever um texto narrativo coeso. 

Hoje, pelo Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), espera-se que até os oito anos, no fim do 3º ano do ensino fundamental, as crianças estejam alfabetizadas tanto em língua portuguesa como em matemática. 

Desigualdades regionais 

As regiões Norte e Nordeste apresentam o pior desempenho em todas as habilidades avaliadas. Na região Norte, 70,21% dos alunos têm desempenho insuficiente em leitura, 49,39% em escrita e 70,84% em matemática. No Nordeste, 69,15% têm problemas para ler, 47,44% para escrever e 69,46% em matemática. 

Na região Sudeste, 43,69% dos alunos tiveram desempenho insuficiente em leitura, 20,29% em escrita e 42,71% em matemática. 

Antecipação da alfabetização 

Para a ministra substituta da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, os dados mostram a necessidade de se antecipar a alfabetização do 3º para o 2º ano do ensino fundamental. A proposta vem sendo debatida desde abril, quando o MEC incluiu na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) a definição de que as crianças saibam ler e escrever aos sete anos. Há um impasse, no entanto, com o CNE (Conselho Nacional de Educação) –conselheiros têm defendido que a alfabetização continue sendo realizada até o 3º ano do ensino fundamental.

 O Secretário de Educação Básica, Rossieli Soares da Silva, destacou que o CNE ainda não tomou nenhuma decisão oficial em relação a esse impasse. "Temos uma série de discussões dentro do CNE, mas não há absolutamente nenhuma manifestação do conselho a respeito disso", disse. 

Professores assistentes de alfabetização 

O MEC anunciou ainda a criação do Programa Mais Alfabetização, que prevê a presença de professores assistentes de alfabetização em sala de aula. Segundo a pasta, os professores assistentes trabalharão em conjunto com os docentes regulares nas salas de aula do 1º e 2º anos do ensino fundamental. 

"Cada professor assistente deverá apoiar durante 5 horas por semana a turma que ele for responsável. A distribuição dessas 5 horas poderá ser feita de diferentes formas, conforme desenhado pela rede de ensino", explicou o secretário Rossieli. 

De acordo com o MEC, o investimento no Mais Alfabetização será de R$ 523 milhões até o fim de 2018, e a expectativa é que sejam atendidos 4,6 milhões de alunos

Mais da metade das crianças no terceiro ano não sabe fazer conta de adição e subtração

Dados da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) mostram que 54% dos alunos de 8 anos não conseguem fazer cálculos e têm nível de proficiência em escrita e leitura considerado insuficiente

Isabela Palhares, O Estado de S.Paulo
25 Outubro 2017 | 12h05
SÃO PAULO - Mais da metade (54,5%) dos alunos do terceiro ano do ensino fundamental no Brasil não dá conta de resolver problemas simples de Matemática e nem consegue  interpretar textos de literatura infantil.
Os dados são da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) 2016, divulgados nesta quarta-feira, 25, pelo Ministério da Educação (MEC).  A prova foi realizada em novembro do ano passado por 2,1 milhões em 48 mil escolas públicas do País. Quase 90% dos estudantes possuíam 8 anos ou mais.
Os resultados mostram que o País praticamente não avançou na qualidade do ensino nessa etapa inicial. Em 2014, 57% das crianças tinham nível de proficiência considerado insuficiente em Matemática. Em 2016, o índice caiu para 54,5%.
A avaliação classifica o conhecimento dos alunos em Matemática em quatro níveis. Em dois deles, o desempenho foi considerado insuficiente para crianças dessa faixa etária. Nessas idades, a criança não lê as horas no relógio analógico nem consegue fazer cálculo de adição de duas parcelas ou resolver problema de subtração com números de até dois algarismo. 
Em Leitura, 54,7% das crianças estão nos níveis considerados insuficientes - em 2014, eram 56,1%. Em escrita, 34% dos estudantes apresentaram proficiência insuficiente. A edição do ano passado teve mudanças metodológicas nos testes de escrita, o que impossibilita a comparação dos dados com a avaliação anterior. 
"Os resultados não são bons. Indicam que estamos estagnados, a mesma situação de insuficiência, que os resultados de 2014 mostraram, foram repetidos em 2016. Não houve melhoria estatisticamente significativa", disse Maria Helena Guimarães de Castro, ministra substituta da Educação. 
A ANA foi criada com o Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), lançado pela presidente Dilma Rousseff em 2012. A edição da prova de 2015 foi cancelada por falta de verbas. 
Especialistas alertam que os dados são preocupantes uma vez que a dificuldade no ciclo de alfabetização e a falta de interpretação de texto acompanham o aluno em toda a trajetória escolar. Nos anos seguintes, as crianças terão problemas para aprender Ciências ou Geografia por falta dessas habilidades básicas.

Revolução Russa – da esperança à tragédia O fim trágico do socialismo real acabou por legitimar o capitalismo

‘O mais difícil é saber o que é bullying’, diz professor de Psicologia
Formação. Miguel Perosa diz que problema é vivido com mais intensidade na adolescência Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Renata Cafardo, O Estado de S.Paulo
25 Outubro 2017 | 05h00
SÃO PAULO - A grande dificuldade em casos de bullying é justamente caracterizar o bullying. Porque ele só existe por causa da consequência que é provocada. “A mesma brincadeira com outro colega pode resultar em nada”, explica o professor de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em adolescência, Miguel Perosa. Segundo o professor, é preciso observar a reação do adolescente. “Se ele (o adolescente) se cala e se submete, aí é bullying.” 
Ao comentar o caso do menino de 14 anos que matou dois colegas semana passada em uma escola em Goiânia, no entanto, ele diz que o bullying não pode ser olhado separadamente. “Se o adolescente não consegue retrucar, ele tem ideias de que precisa se defender e tem a possibilidade de pegar uma arma dentro de casa... são circunstâncias muito específicas. O que se aplica a ele não se aplica a todos.”
Como pais podem ter certeza de que o filho está sofrendo ou praticando bullying, quando o adolescente não conta?
Sempre que me perguntam isso em relação aos pais, e não só a bullying, de ter a dimensão do que está acontecendo, a resposta é você ter a abertura de diálogo com o filho. Porque você não tem outro jeito de saber. A não ser que, de repente, ele comece a ficar muito retraído, diferente do que ele normalmente era, aí despertam a atenção e a preocupação. No geral, é diálogo. Já o agressor pode manifestar arrogância, necessidade de ser superior. 
Mas, às vezes, ele pode não ser agressivo em casa.
Não vamos colocar de imediato uma intenção de bullying nos adolescentes. Pode ser apenas uma brincadeira.
Mas como as escolas conseguem perceber o que é e o que não é bullying?
O bullying é permitido na escola em geral. Mas é difícil também caracterizar o bullying. Porque a gente só caracteriza como bullying dependendo da consequência que é provocada. A mesma brincadeira com outro colega pode resultar em nada. E ele não dar nenhuma bola. Também tem a questão da identidade pessoal, quando qualquer referência externa fica muito importante. Se uma outra pessoa tiver já uma identidade mais assegurada, o mesmo comportamento do colega, que com um era bullying, com outro pode não ser. Então é preciso perceber pela reação do outro, se ele se cala e se submete, aí é bullying. Se ele não consegue rebater, retrucar, ele só se fecha em si mesmo, ai é ruim, não faz bem.
Essa questão da formação da identidade é mais presente na adolescência, por isso bullying é mais difícil nessa etapa?
O bullying é vivido com mais intensidade na adolescência, quando a gente ainda está com a identidade pessoal em formação. O adolescente ainda não tem a clareza de que aquilo que falam de você não representa aquilo que você é e que você não é uma esponja da opinião dos outros. Você é alguém. Mesmo que você não saiba direito quem. Isso pode ser vivido com injustiça, indignação, ou você pode se submeter, ficar quieto e duvidar de si. 
No caso do adolescente de Goiânia, é possível dizer que o fato de ter pais policiais militares influenciou em algo?
O que eu acho do que eu li a respeito é que ele vive em um ambiente que visa a autoproteção. Os militares precisam se cuidar porque eles estão sempre em contato com perigo de morte. A ideia de se proteger é alguma coisa muito importante naquela família. Se proteger quando atacado. Mas não acho que seja uma causa única.
O que diferencia um adolescente que sofre bullying e reage cometendo um crime daquele que não reage assim?
São circunstâncias. Se o adolescente não consegue reagir, retrucar, ele tem ideias de que precisa se defender e ele tem a possibilidade de pegar uma arma dentro de casa... São circunstâncias muito específicas. O que se aplica a ele não se aplica a todos adolescentes.
A violência em filmes e games influencia casos como esse?
Para mim, a cultura da impunidade influencia mais. Nós não vivemos numa cultura de paz. O Estado brasileiro há muito tempo abandonou a periferia das cidades, a educação, a saúde. O interesses são particulares, não há um interesse público. Então, nós não damos exemplos para os nossos filhos. Filmes, games, isso é menor. Porque é de mentirinha. O que ele vive é de verdade. 
Como os pais devem falar desse episódio com os filhos?
Primeiro, comentar a notícia, o horror que foi. E perguntar como é na escola do filho, se isso existe, e é claro que existe em toda escola. Aproveitar pra ver se tem algum caso na escola do filho e tomar providência para denunciar. 
Discutir conflitos na escolas, desde cedo, ajuda a prevenir casos de bullying? 
Muito. É preciso legitimar a possibilidade do bullying, do sofrimento e da superação disso. Por meio do diálogo. O importante é ter o diálogo permanente para que isso seja dito, seja resolvido por meio da palavra. Aristóteles disse que o homem é um animal que fala, é o nosso diferencial. É o que gente tem de mais humano. 

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Bônus por desempenho a professores não melhora educação, conclui Unesco

PAULO SALDAÑA
DE SÃO PAULO

Relatório da Unesco de Monitoramento Global da Educação conclui que sistemas de bonificação de professores por desempenho tiveram efeitos prejudiciais. O documento deste ano da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura teve foco na discussão da responsabilização dos diversos atores sociais para o obter avanços diante dos desafios da educação.

A conclusão, segundo a Unesco, é que a falta de responsabilidade pode prejudicar o progresso para a educação, "permitindo que práticas danosas se tornem parte dos sistemas educacionais". Entretanto, alguns mecanismos de responsabilização podem ser prejudiciais, se forem mal desenvolvidos.

Nesse sentido, a Unesco indica que há poucas evidências de que haja melhora nos sistemas educacionais ao se adotar um processo de responsabilização com base no desempenho –que enfoca os resultados em detrimento dos insumos [condições para o processo de ensino].

Sistemas como o de bônus para professores com base no desempenho dos alunos em avaliações pioraria, segundo o relatório, a colaboração entre os pares, produzindo uma restrição curricular e um foco maior nas matérias que são abordadas nas avaliações de larga escala.

A adoção de bônus por desempenho tem sido debatida no país e no mundo como estratégia para melhorar o desempenho na educação. A rede estadual de São Paulo, por exemplo, adota desde 2008 sistema de bonificação baseado nos resultados de um indicador de qualidade.

Esse indicador é calculado a partir de um prova feita pelos alunos, o Saresp. Os resultados educacionais do Estado apresentam estagnação, com exceção dos dados referentes aos iniciais do ensino fundamental –que seguem uma tendência de melhora

Com o tema "Responsabilização na educação: cumprir nossos compromissos", o relatório monitora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para educação. Trata-se de um conjunto de metas assumidas pela comunidade internacional com prazo até 2030, reforçando princípios de uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade.

Atualmente, 264 milhões de crianças e jovens não frequentam a escola no mundo. Em todo mundo, a taxa de conclusão do ensino médio, por exemplo, foi de 45% entre 2010 e 2015. Mas há grande disparidade entre as nações.

Nos países classificados como ricos, esse percentual é de 84%; entre os pobres, de 13%. No Brasil, foi de 63%.

O relatório atual reforça que a responsabilidade para superar os desafios impostos é de uma missão que envolve todos na sociedade. "Para que alcancemos uma educação de qualidade, equitativa e inclusiva, precisamos que todos os entes estejam envolvidos com o seu papel", diz Rebeca Otero, coordenadora de Educação da Unesco no Brasil.

O que envolve, reforça ela, os governos, os professores, as escolas, os setores privados, organizações internacionais e os estudantes. "É importante que haja uma cobrança formativa e não punitiva."

METAS

O Brasil tem um destacado sistema de monitoramento do sistema educacional na comparação com a maioria dos países do mundo, mas isso não tem garantido que o país supere desafios de inclusão e qualidade escolar. De 209 países, 108 publicaram relatórios nacionais de monitoramento da educação pelo menos uma vez desde 2010, mas apenas cerca de 1 em cada 6 países do mundo o faz regularmente.

O relatório celebra, por exemplo, a iniciativa de o Brasil ter um Plano Nacional de Educação (PNE). Vigente no país desde 2014, o PNE estipula metas para educação no prazo de dez anos.

O plano brasileiro também determina metas intermediárias, a maioria atualmente descumpridas. O país deveria, por exemplo, garantir a universalização do acesso escolar a todos os jovens entre 15 e 17 anos, idade adequada para o ensino médio.

De acordo com dados levantados pela Unesco, há cerca de 1,7 milhão de jovens nessa faixa etária fora da escola. Em números absolutos, o Brasil tem um dos maiores contingentes do mundo. Em todos os países analisados, são 140 milhões de jovens nessa faixa etária fora da escola –nem todos os países têm dados disponíveis.

Na educação básica, o Brasil registra equidade de escolarização entre meninos e meninas. O que não ocorre ao redor do mundo –apesar de, na comparação com dados de 2010, a situação tenha avançado. Apenas 66% dos países alcançaram a paridade de gênero na educação primária (o equivalente aos anos iniciais do ensino fundamental no Brasil) e 45% nos anos finais. No ensino médio, esse índice é de 25%.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

'Educação deve preparar para enfrentar problemas'

Pesquisador de neurociências, Pedro Calabrez defende a reforma estrutural das universidades


O Estado de S.Paulo

Para fechar o abismo entre ensino superior e necessidades do mercado, o pesquisador de neurociências Pedro Calabrez defende a reforma estrutural das universidades. Mas alerta aos jovens: a graduação continua indispensável. 
Numa sociedade em que a informação está disponível facilmente, muitas vezes de graça, uma graduação ainda é importante?
Em diversos campos existe um abismo entre o que se ensina e o que é exigido no mercado. É comum ouvir que o aprendizado no Brasil é “on the job”. Ou seja, aprende-se mais trabalhando do que na faculdade. Isso não significa, no entanto, o fim dos cursos de graduação. Em um mundo com tanta informação disponível, certamente aumenta a quantidade de conhecimento de qualidade, mas junto aumenta, em proporção muito maior, a quantidade de informação falsa e distorcida. As universidades necessitam, urgentemente, de uma reforma na graduação, para se adequarem melhor ao mundo contemporâneo.
Além da oportunidade de um emprego melhor, o que a educação formal pode oferecer de benefícios? 
Educação não é mero meio para obter emprego. Ela é a base de todo comportamento necessário a um bom cidadão, a um bom ser humano. Uma sociedade carente de educação, como a brasileira, não saberá votar, gerir suas finanças domésticas, abrir e manter um negócio, compreender as mudanças políticas, sociais e econômicas. Educação é a base da independência de um cidadão. 
Na faculdade, deve-se privilegiar o contato com colegas, a ampliação do repertório cultural ou atividades voltadas ao mercado? 
A formação técnica, pragmática, voltada ao mercado, é essencial. Como formar um engenheiro ou um médico sem isso? Mas o mercado muda com grande velocidade. A universidade deve, além das questões de mercado, formar indivíduos capazes de usar seus conhecimentos para transformar o país, de enfrentar problemas inéditos de maneira flexível. Indivíduos que compreendam o papel de seu trabalho, enxergando o mundo de forma sistêmica. E isso tudo vai muito além do ensino pragmático. 
Como fazer os jovens refletirem sobre seu aprendizado, desenvolvendo uma mentalidade de crescimento acadêmico constante? 
Quando o filho tira boa nota, os pais dizem: “Parabéns, você é muito inteligente”. Parece que a inteligência faz parte da natureza da criança, como a cor do cabelo. Estudos mostram que esse tipo de mentalidade faz com que a criança internalize a ideia de que é inteligente e de que não precisa se esforçar. Quando o desempenho piora, culpam a professora, a prova, a escola. A ciência psicológica recomenda o desenvolvimento de uma “mentalidade de crescimento”. O elogio adequado seria: “Parabéns pelo seu esforço”. No entanto, a mentalidade fixa é disseminada em nossa sociedade. Quanta gente diz coisas como “sou ruim em matemática”. Ora, você não estudou o suficiente para ficar bom. A educação deve incentivar crianças e jovens a enfrentar as dificuldades, conscientes de que o aprendizado é um caminho fantástico e encantador.
QUEM É PEDRO CALABREZ
+ Pesquisador do Laboratório de Neurociências Clínicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Pedro Calabrez foi responsável pela criação dos primeiros cursos de neurociências aplicadas aos negócios do Brasil, assim como de disciplinas de Neurociências Aplicadas para o Centro Universitário Belas Artes, Instituto Europeo di Design e Escola Supersior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP). Hoje é sócio-fundador da Neuro Vox, uma consultoria de comportamento. Junto com Clóvis de Barros Filho, ele é autor do livro Em Busca de Nós Mesmos (CDG Editora). 

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

EDITORIAL Juventude evadida

EDITORIAL

Juventude evadida


Com tudo o que já se diagnosticou e debateu sobre evasão escolar, o país ainda faz muito pouco para manter os seus jovens no ensino médio, nível mínimo de escolaridade para que obtenham formação, emprego e renda dignos. Basta contemplar os números de reportagem publicada na terça-feira (17)por esta Folha.

Dos 10,3 milhões de moças e rapazes brasileiros de 15 a 17 anos, 1,5 milhão nem mesmo se encontrava matriculado em 2015 (último dado disponível). Outro 1,9 milhão abandonou a escola ou foi reprovado (1,2 milhão), desperdiçando seus esforços e os dos professores, além dos R$ 7 bilhões investidos na manutenção dessas vagas.

Entre não matriculados e evadidos, o Brasil tem 22% de jovens nessa faixa etária ausentes dos bancos escolares. Mantido o ritmo de inclusão dos últimos anos, seriam necessários uns dois séculos para universalizar o acesso.

Apenas 58,5% dos jovens de 19 anos tinham concluído o ensino médio, como deveriam, em 2015. Houve algum progresso, verdade, pois em 2010 eram 51,6% os diplomados. Mas não o suficiente.

Pode-se até imaginar o pior. Após a crise econômica e em meio à lenta recuperação do emprego, não será surpresa se mais jovens deixarem os estudos para ingressar no mercado de trabalho, de modo a reforçar a renda familiar.

A reforma do ensino médio recentemente aprovada, que busca torná-lo mais flexível e aproximá-lo dos interesses dos adolescentes, vai na direção acertada. Entretanto seus efeitos vão demorar, e resta ainda complementá-la com a adoção da base curricular comum para esse estágio do ensino.

Além disso, o problema está longe de se limitar às aulas. São várias as causas da evasão: externas à escola (pobreza, violência, gravidez adolescente), internas (qualidade do ensino, ambiente escolar) e inerentes ao próprio jovem (baixas resiliência e motivação).

Para combater a evasão de modo menos lento, urge recorrer a um arsenal mais robusto. Há que pensar em medidas variadas e complementares, contemplando modalidades de transferência de renda e melhorias na infraestrutura da escola, do transporte escolar ao acompanhamento individual de alunos em dificuldade.

O Brasil precisa investir muito mais —tempo, atenção e recursos— na sua juventude. Em primeiro lugar, porque é uma obrigação para com a sociedade; depois, porque precisa de sua capacitação para dar o salto de produtividade sem o qual o desenvolvimento do país continuará marcando passo.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

O custo de jovens fora da escola para o país pode chegar a R$ 98 bilhões

O valor é muito superior ao que seria gasto caso terminassem a educação básica. Refere-se a gastos adicionais que o país tende a ter com os 2,8 milhões de jovens de 15 a 17 anos que não estudam hoje


FLÁVIA YURI OSHIMA

Os investimentos feitos em educação nas últimas duas décadas não produziram resultado num dos principais problemas da área: a evasão escolar. Entre 2000 e 2015 o número de jovens de 15 a 17 anos fora da escola permaneceu estável, enquanto na maior parte do mundo diminuiu. De acordo com os dados mais atuais, 22% dos brasileiros nessa faixa etária, que representam 2,8 milhões de adolescentes, estão fora da escola. Em 2000, 43% dos 63 países que participam da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tinham índices de evasão menor do que o Brasil. Quinze anos depois, esse percentual subiu para 55%, o que significa que o país está hoje mais atrasado do que já esteve. Apenas 16% dos países avaliados pela entidade têm um número maior que o Brasil de jovens entre 15 e 17 anos fora da escola.
As informações são do estudo liderado por Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, em parceria com o Instituto Unibanco e a Fundação Brava. O estudo cruzou dados coletados pela OCDE, pela Unesco e pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE.
Esses dados são alarmantes. Eles evidenciam o fracasso das políticas públicas de educação voltadas para o ensino fundamental II (de 5º a 9º ano) e para o ensino médio, os dois períodos que concentram crianças daquelas idades. As consequências se dão tanto nos cofres públicos como na vida privada desses jovens e na sociedade. De acordo com os cálculos feitos por Paes de Barros, o custo de ter 2,8 milhões de jovens fora da escola é de R$ 98 bilhões.
Esse valor é calculado de acordo com os ganhos que o jovem que abandona a escola deixa de ter e os custos que essa decisão pode lhe causar ao longo da vida. A criança que não conclui o ensino médio ganha um salário menor ao longo da vida, tende a poupar menos, a ter hábitos alimentares piores e gastos maiores com problemas de saúde. Esse jovem também tem mais chances de se envolver com atividades ilícitas. Esse conjunto de fatores produz custos maiores para os serviços públicos. “Optamos pelos valores mais conservadores para fazer esse cálculo”, diz Paes de Barros. “Os custos podem ser muito maiores, principalmente, em relação a jovens que se envolvam com crimes.”
É difícil pontuar com objetividade os fatores que levam os adolescentes a deixar a escola. Eles podem envolver desde o desinteresse pelas aulas até a falta de estímulo na família e causas como gravidez precoce e necessidade de ir para o mercado de trabalho muito cedo. O que o estudo coloca como certo é que, sejam quais forem os fatores, todos eles impedem que o jovem se sinta engajado pelo ambiente escolar.
Chamar a atenção para a importância de produzir o engajamento do jovem é especialmente relevante neste momento em que a reforma do ensino médio está em curso. “Na teoria, essa reforma aborda questões que podem contribuir para o envolvimento do estudante com a escola, como é o caso da possibilidade de ele escolher as disciplinas que mais lhe interessem”, diz Paes de Barros. “A questão é saber quão efetiva será a implantação dessas mudanças”, diz ele.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Com evasão escolar empacada, país levaria 200 anos para incluir jovens

PAULO SALDAÑA
DE SÃO PAULO

O Brasil não tem conseguido colocar todos os jovens na escola e, mantendo o ritmo de expansão da escolaridade dos últimos 15 anos, levaria 200 anos para universalizar o atendimento.

Dados de 2015, os mais recentes disponíveis, mostram que 22% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola. O índice é similar ao registrado em 2000, quando eram 25%, segundo estudo do economista Ricardo Paes de Barros.

Na comparação internacional, o Brasil vem perdendo posições. Enquanto na virada do milênio 43% dos países tinham resultados melhores que o Brasil, atualmente mais de 55% encontram-se nessa situação. Ou seja: têm um percentual menor de jovens fora da escola.

Essa faixa etária é a ideal para o ensino médio, etapa considerada um dos maiores gargalos da educação brasileira. Mas 56% dos jovens de 15 a 17 anos hoje na escola estão atrasados, ainda no ensino fundamental. Além disso, mais da metade dos que já abandonaram o fizeram antes de chegar ao ensino médio.
O estudo faz um balanço da realidade dos jovens que perdem o engajamento da escola e joga luz aos motivos, além de refletir sobre os custos para a sociedade.

De todos os 10,3 milhões de jovens brasileiros com idade entre 15 e 17 anos registrados em 2015, cerca de 1,5 milhão nem sequer se matricularam na escola no início do ano. Outros 1,9 milhão até se inscreveram, mas abandonaram a escola antes do fim do ano ou foram reprovados.

O volume de abandono e reprovação representa um custo estimado de R$ 7 bilhões por ano para o país. "Trata-se de um enorme desperdício de recursos, uma vez que esse gasto precisará ser realizado novamente no ano seguinte quando esses mesmos jovens, caso não evadam, retornarem à escola para cursar a mesma série", aponta o estudo, organizado pelo Insper, Fundação Brava, Instituto Ayrton Senna e Instituto Unibanco.

CUSTOS

Mas o custo maior será para aqueles que não terminam a escola, como pontua também o documento. A remuneração ao longo da vida de uma pessoa com ensino médio pode ser, por exemplo, entre 17% e 48% maior que a daquela com o mesmo perfil, mas com escolaridade até o ensino fundamental. Outros índices de qualidade de vida, como saúde e planejamento familiar, também são desfavoráveis, segundo Paes de Barros.

A equipe do pesquisador elencou os principais fatores determinantes para o abandono da escola, divididos em três dimensões: externas à escola (como pobreza, violência, gravidez), internas à escola (qualidade no ensino, clima escolar) e relacionada aos próprios jovens (baixa resiliência).

Ainda elencou ações educacionais já existentes nos colégios –iniciativas das redes ou de organizações não governamentais– e que atuam para cada tipo de desafio. "Cada jovem abandona por um motivo e é necessário um conjunto de ações para combater a evasão e acolher o jovem", afirma Paes de Barros, que é economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper.

Segundo o estudo, a sociedade deveria estar disposta a gastar o dobro do que atualmente investe por aluno do ensino médio –hoje na casa de R$ 4.000 por ano por aluno. Considerando o total de alunos afetados, a pesquisa calcula que o país precisaria de mais R$ 98 bilhões. Hoje, investe-se no ensino médio cerca de R$ 65 bilhões ao ano.

Mirela Carvalho, gerente de Gestão de Conhecimento do Instituto Unibanco, lembra que intervenções focadas precisam ser articuladas com os entraves sistêmicos. "Carregamos uma série de desafios que chegam no ensino médio, como problemas de disponibilidade de escola, carência de professores, absenteísmo e infraestrutura."

A obrigatoriedade de matrículas dessa faixa etária foi incluída na Constituição somente em 2009, quando se estipulou o prazo final para 2016. Esse limite foi reafirmado na lei do PNE (Plano Nacional de Educação), de 2014, mas não foi atingido.

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a orientação recente da política educacional brasileira, com a centralidade do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), criado em 2007, esvaziou a pressão dos gestores para universalização da educação.

"Quem está fora da escola são as pessoas com maior vulnerabilidade, que não têm voz no debate público", diz. "E os gestores públicos não têm como princípio a universalização de matrículas porque, se ele buscar incluir, os índices vão cair", completa, relacionando os índices educacionais ao nível socioeconômico dos alunos.

A recente reforma do ensino médio anunciada pelo governo Michel Temer não é citada no leque de ações possíveis. Entretanto, a flexibilidade curricular –ampliada com a mudança–é apontada como estratégia para melhorar o engajamento dos alunos. "Ela pode dar significado à escola, mas depende de como será implementada", afirma Paes de Barros.

TRABALHO É PRINCIPAL CAUSA

Jonathan Ribeiro da Silva já tinha 18 anos e estava no 2º ano do ensino médio quando descobriu que a namorada estava grávida. Quatro meses depois, com a expectativa de precisar sustentar uma criança, trocou a sala de aula por um trabalho como metalúrgico. A mãe de seu filho, de quem ele já é separado, também parou de estudar.

O trabalho tomava toda a tarde e a noite. O jovem estudava à noite e, na escola estadual onde estava, em Guaianases, zona leste, não teve oportunidade na época para se transferir para a manhã. "Eu gostava da escola, sinto saudades, era um momento de aprendizagem e poderia ter mais oportunidade e um emprego melhor", diz.

Hoje, aos 23 anos, Jonathan trabalha como gari e ainda não conseguiu retornar à escola. "Não consigo conciliar, é muito cansaço", afirma. "Mas ainda vou voltar", completa ele, que diz incentivar o filho, hoje de 4 anos, a estudar. "Ele adora."

Quase 60% dos jovens veem a necessidade de trabalhar como a causa principal para terem abandonado a escola, segundo pesquisas citadas no estudo de Paes de Barros. "O conflito entre escola e trabalho, em particular no ensino médio, cresce de forma acentuada com a idade", afirma o levantamento.

A necessidade de fazer renda também afastou da escola Vinicius Vieira Soares da Silva em 2015. Precisava ajudar a mãe com as contas de casa e, no 3º ano do ensino médio, deixou de estudar.

"Comecei a trabalhar e chegava tarde. Como a entrada na escola era às 19h, não dava", diz, hoje aos 18 anos. Silva foi trabalhar numa fábrica de camas e hoje trabalha em instalação de box de banheiro. "Espero poder voltar a estudar".