quarta-feira, 31 de maio de 2017

Mais da metade dos alunos brasileiros não sabe lidar com dinheiro, diz OCDE

BBC

Mais da metade dos alunos brasileiros não possui conhecimentos básicos sobre como lidar com dinheiro no dia a dia, de acordo com um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O teste de cultura financeira realizado no âmbito do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mede a habilidade de estudantes de 15 anos em situações do cotidiano envolvendo questões e decisões financeiras.

Na prática, isso implica desde a gestão de uma conta bancária ou de um cartão de débito, como entender as condições de uma assinatura de um serviço de telefone celular ou as taxas de juros de um empréstimo até questões mais complexas, como o Imposto de Renda.

O estudo "Cultura Financeira dos Estudantes" --que corresponde ao quarto volume dos resultados do último Pisa, de 2015-- divide o grau de conhecimentos na área em cinco níveis, que evoluem de acordo com o grau de dificuldade das perguntas do teste.

As questões no nível 1 são as mais simples e envolvem, por exemplo, saber reconhecer a finalidade de documentos como uma simples fatura.

A OCDE considera que o nível 2 representa conhecimentos financeiros necessários para se integrar à sociedade.

Ou seja, ficar abaixo desse nível significa que os alunos não são capazes de enfrentar situações financeiras diárias para poder tomar decisões --como reconhecer o simples montante de um orçamento ou saber, em função do preço, se é melhor comprar tomates por quilo ou por caixa.

De acordo com o estudo, 53% dos alunos brasileiros na faixa de 15 anos ficaram abaixo do nível de conhecimentos financeiros mínimos (não conseguiram atingir o nível 2).

Lanterna

O resultado do Brasil é o pior entre os 15 países ou províncias de economias analisadas no estudo. O Peru teve o segundo desempenho mais baixo, com 48% de alunos abaixo do nível de conhecimentos financeiros básicos.

Chile e Eslováquia também estão entre os lanternas, com, respectivamente, 38% e 35% dos estudantes com baixa performance no teste de cultura financeira.

Os chineses (das províncias de Pequim, Xangai, Jiangsu e Guangdong) conquistaram os melhores resultados: apenas 9% ficaram abaixo do nível de conhecimentos sumários.

A média obtida nos países-membros da OCDE  nessa categoria foi de 22%.

De acordo com a organização, estudantes com melhores performances na área financeira têm mais chances de saber economizar, de completar o ensino universitário e de encontrar um emprego com maior qualificação.

"Isso sugere que estudantes com cultura financeira podem ser mais capazes de reconhecer o valor de investir em seu capital humano e financeiro", ressalta o estudo.

Questões complexas

Somente 3% dos estudantes brasileiros de 15 anos (faixa etária avaliada no Pisa) conseguiram atingir o nível 5, o de maior conhecimento na área.

Eles são capazes de lidar com questões financeiras mais complexas, como custos de uma operação ou ganhos com uma transação e têm compreensões mais amplas desse cenário, incluindo temas como o 

Imposto de Renda.

A Eslováquia teve o mesmo desempenho do Brasil, com 3% dos estudantes que atingiram o nível de máxima dificuldade no teste. O Peru teve o pior resultado, com apenas 1% nessa categoria.

No caso da China, um terço dos alunos obteve a melhor performance. Nos países da OCDE, da qual Brasil e China não fazem parte, a média de estudantes que atingiram o nível máximo no teste é de 22%.

"Uma cultura financeira básica é uma habilidade essencial na vida. As pessoas tomam decisões financeiras em todas as idades: desde crianças que decidem como gastar a mesada ou adolescentes que entram no mundo do trabalho e jovens adultos que compram uma casa a pessoas mais velhas que administram economias para sua aposentadoria", destaca o estudo.

"A rapidez das transformações socioeconômicas e o avanço das tecnologias, inclusive digitais, colocam os jovens face a decisões mais complexas e perspectivas econômicas e profissionais mais incertas", afirma o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría.

"Mas frequentemente eles não possuem a educação, a formação e os instrumentos necessários para tomar decisões certas sobre questões que influenciam seu bemestar financeiro", completa.

Na média dos 15 países avaliados no estudo sobre cultura financeira, cerca de um quarto "é incapaz de tomar a menor decisão relativa a despesas correntes e apenas 10% compreende conceitos complexos como o do Imposto de Renda", diz a organização.

Matemática e leitura

Segundo a organização, "os alunos com uma boa cultura financeira têm, geralmente, bons resultados nas provas de matemática e leitura do Pisa, enquanto os que possuem competências financeiras rudimentares têm mais riscos de obter resultados medíocres nas disciplinas avaliadas".

No último Pisa, divulgado no final de 2016 com dados de 2015, o Brasil ficou entre os últimos lugares: o país obteve a 66ª colocação em matemática e a 59ª em leitura entre os 72 países avaliados.

As províncias chinesas avaliadas no recente estudo sobre cultura financeira estão entre as melhores performances mundiais, tanto em matemática quanto em leitura.

A organização também ressalta que alunos com melhores condições socioeconômicas obtêm resultados muito mais elevados do que estudantes desfavorecidos.

"A cultura financeira não é relevante apenas para quem tem grandes quantias de dinheiro para investir. Todos precisam ter conhecimentos na área, sobretudo quem vive com orçamentos apertados e tem pouca margem de manobra no caso de erros financeiros", afirma a OCDE.

Pais devem saber lidar com as mudanças dos pré-adolescentes


Revista responde: como criar seus filhos - Petria Chaves
Especialistas em educação, pedagogia, neurociência e pediatria respondem às dúvidas dos pais sobre a educação da prole.


De acordo com a diretora de redação da Revista Crescer, Daniela Tofoli, adultos devem saber que não serão mais as únicas referências dos filhos. No entanto, eles precisam apoiar esse momento.


http://download.sgr.globo.com/audios/encodeds/3/2017/05/27/90765_20170527.mp3

Onde a escolaridade no Brasil é mais desigual

Dados mostram que as populações do campo, das regiões Norte e Nordeste, mais pobres e negra são as que mais sofrem com a falta de equidade na Educação

Todos Pela Educação

Por Mariana Mandelli, do Todos Pela Educação

Será que a Educação no campo é melhor do que na cidade? Quando a gente fala sobre desigualdades no Brasil, nem sempre a área rural é tida como uma questão urgente. Os indicadores educacionais, no entanto, contam uma história diferente e alertam para a necessidade de termos olhares mais atentos e políticas públicas focalizadas para a população do campo.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE), enquanto a população urbana brasileira tem, em média, 10,3 anos de escolaridade, os moradores das zonas rurais registram dois anos a menos de estudo.
Esses dados fazem parte do Anuário Brasileiro da Educação Básica, lançado neste mês pelo movimento Todos Pela Educação e pela Editora Moderna. Em sua sexta edição, a publicação tem como eixo editorial o tratamento das desigualdades brasileiras e a defesa do Plano Nacional de Educação (PNE) como uma política de estado que precisa ser efetivada. As análises estatísticas do anuário utilizam, principalmente, as bases de dados do Ministério da Educação (MEC) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e a organização segue as metas do Plano Nacional de Educação.
Como mostra também o Anuário, as desigualdades não se resumem às disparidades entre áreas urbana e rural. Não é à toa que a meta 8 do PNE, sancionado em 2014, determina que o País eleve a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, para atingir no mínimo 12 anos de estudo para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres, além de igualar a escolaridade média entre negros e não negros.
Se compararmos os mais 25% ricos e os 25% mais pobres, a diferença em anos de estudo aumenta para 4 anos entre o quartil de maior renda. Entre as regiões, quem mora no Sudeste do País tem pelo menos um ano a mais de escolaridade do que o habitante das regiões Norte e Nordeste.
Por conta das desigualdades, a escolaridade vem avançando de maneira muito lenta quando olhamos para o Brasil como um todo. Entre 2014 e 2015, por exemplo, a taxa cresceu apenas 0,1 ponto percentual, como vem ocorrendo desde 2012. Os dados revelam a necessidade urgente de se criar e instituir políticas públicas específicas para todas as clivagens sociais brasileiras, de modo a atender toda a população de maneira equânime.
A legislação estabelece como prazo para esse objetivo 2024, último ano de vigência do PNE, mas fica muito claro que é necessário tomar medidas desde já para que alcancemos essa meta.
Para consultar mais dados, baixe gratuitamente o anuário. Acesse aqui.
V
ocê também pode consultar esse e outros indicadores no Observatório do PNE.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Se as escolas querem apenas ensinar matéria, a sociedade não precisa delas

rosely sayão
Rosely Sayão
Psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia a dia dessa relação.

Na semana passada recebi a foto de um comunicado colocado na frente de uma escola e, simultaneamente, a reportagem sobre uma escola que oferece serviço de "faz-tudo" para pais. As escolas se localizam em Estados diferentes e, mesmo sendo exemplos radicais, nos permitem refletir a respeito da tal parceria família/escola.

A primeira escola colocou um "lembrete aos pais". Nele, ela estabelece que cabe aos pais ensinar aos filhos a dizer "Bom dia, boa tarde, por favor, com licença, desculpe e muito obrigado". E continua: é em casa que o filho deve aprender a "ser honesto, ser pontual, não xingar, ser solidário, respeitar os amigos, respeitar os mais velhos, e RESPEITAR OS PROFESSORES PRINCIPALMENTE!". As letras maiúsculas e a exclamação estão no texto da escola.

"É em casa que se aprende a não falar de boca cheia, a ser limpo e a não jogar lixo no chão", diz o cartaz. Não terminou, caro leitor: "Ainda em casa é que se aprende a ser organizado, a cuidar das suas coisas e a não mexer nas coisas dos outros." O que cabe à escola, nesse comunicado? "Na escola os professores ensinam matemática, português, história, geografia, inglês, ciências e educação física", e "reforçam o que o aluno aprendeu em casa!!!", com as três exclamações.

Já a segunda escola, segundo a reportagem, oferece "serviços técnicos" aos pais para que eles tenham mais tempo com os filhos. Professores para prestar serviço de babá, papinhas congeladas, lavanderia e corte de cabelo são alguns dos serviços oferecidos.

São os pais que deveriam realizar o que chamamos de socialização primária: ensinar aos filhos a se comunicar, a se cuidar, a se alimentar, a conviver, a entender e a apreender os valores e costumes daquela sociedade, por exemplo. Esse processo ocorre durante toda a infância e esses ensinamentos se dão no ambiente familiar e com os que são próximos da família, o que significa que a criança pode entender –e irá testar isso– que em locais públicos ela pode se comportar de modo diferente.

Como as crianças vão para a escola bem cedo, cabe também à instituição escolar esse papel. Além disso, tem também a tão falada "educação para a cidadania", que deve contemplar o ensino da convivência respeitosa entre pessoas que não são amigas, próximas, ou conhecidas. A essas pessoas damos o nome de colega, que não é sinônimo de amigo.

Só na escola uma criança pode aprender isso! Se ela quer apenas ensinar conteúdos escolares, pode fechar suas portas: a sociedade não precisará mais dela já que esses conteúdos podem ser aprendidos –e, em geral, de um jeito bem mais interessante para os mais novos– em muitos outros locais. Na internet, por exemplo.

E os serviços que ter um filho exige dos pais? Lavar roupa, levar para cortar o cabelo, alimentar, por exemplo. Cabe à escola esse papel? Melhor abrir uma lavanderia, uma fábrica de comida congelada, um salão de cabeleireiro, não é? Ah! Mas assim demandará mais trabalho aos pais. Isso é cuidar dos filhos que eles desejaram ter.

Resumo da ópera: parceria família/escola é entendida como determinar o papel do outro e/ou atender as demandas do outro. E os alunos? E a educação deles? Precisamos deixar de ver apenas o que queremos e olhar para o que os filhos e alunos precisam e devem aprender, não é?

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Idiotas da tecnologia se julgam livres porque trabalham usando WhatsApp

luiz felipe pondé
Luiz Felipe Pondé
Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência. 

A primeira vez que ouvi a expressão "cansaço dos materiais", de um amigo engenheiro, me pareceu muito peculiar, uma vez que significa que pontes, cimento, prédios, ferros se cansam. Se eles, que são indestrutíveis, se cansam, que dirá nós.

Achei, com o tempo, que se tratava de uma expressão de rara elegância. Até os átomos ficam de saco cheio de viver na função de ser átomo. Uma ponte cansa de ser ponte, um prédio de ser prédio, uma viga de ferro de ser viga de ferro. 

Pareceu-me ser este cansaço indício de que exista um Deus. E que os materiais foram feitos também à sua imagem e semelhança. E que não haveria um Deus mais sincero do que um Deus cansado do que criou.

Somos um mundo fadado ao cansaço, mas sem direito a ele. O imperativo do sucesso é a prova de que nosso mundo está condenado. O simples fato de que o normal, esperado e necessário, é o crescimento econômico eterno já nos devia fazer duvidar do que fazemos todo dia.

Você é uma daquelas pessoas que pensam ter resolvido esse problema só porque tem tempo de ir a pé para o trabalho? Ou come sem pressa de manhã porque esse hábito em nada vai alterar sua capacidade de consumo? Bem, se você for uma dessas pessoas, ou é rica ou não tem qualquer possibilidade de sobreviver (e nesse caso não estaria me lendo nesse exato instante, estaria passando fome em algum lugar), ou vive só com muito pouco e jamais deixará de ser só porque faz parte da cultura single (hoje em dia o marketing dá nomes em inglês para justificar seus custos, tipo "cozinhar em casa" virou "comida comfort"), ou seu pai paga pra você não ter pressa de manhã e você fará duas pós-graduações, uma em Nova York e outra em Barcelona.

Não há saída dessa economia non-stop. Quer saber por que não há saída? É fácil descobrir. Venha comigo. Quem pode abrir mão de wi-fi, cultura mobile, Airbnb, aviões cada vez mais seguros, direitos civis cada vez mais definidos, hospitais cada vez mais equipados, exames laboratoriais cada vez mais precisos, Netflix, gente fácil pra fazer sexo sem encher o saco depois, bikes cada vez mais leves, crianças cada vez mais caras e da cidade de Gonçalves como paradigma de gente bacana, tolerante e cool (esse tipo de gente custa muito caro)?

Ninguém abrirá mão dessas coisas, e muitas outras —a lista é interminável e cansativa, então não vou insistir nela.

Nunca houve na Terra uma geração de jovens mais cansada e sem futuro. Claro que falam muito deles como estrelas high-tech. Uma mistura de high-tech com sensibilidade vegana. Pais babam quando bebês colocam os dedinhos na tela do iPhone 7 e sorriem. Como são inteligentes esses pequenos!

Ouço constantemente de jovens que eles são narcisistas, intolerantes com pessoas reais (e tolerantes com rúculas, baleias e crianças na África), ansiosos e arrogantes porque nós lhes legamos um mundo em chamas. Um mercado de trabalho incerto os acompanha há algum tempo. Alguns idiotas da tecnologia acham que o Chatbot fará um mundo melhor graças a sua brilhante inteligência artificial. O novo gozo é com o "algoritmo", mas o que ele vai fazer mesmo é destruir empregos na velocidade da luz. Esses idiotas da tecnologia se julgam mais livres porque trabalham pelo WhatsApp em casa no domingo.

Mas como escapar dessa economia frenética, se o Waze e o Uber são formas de algoritmo, e se sem esses dois as pessoas bacanas não existem? E temos que criar algoritmos cada vez melhores e mais rápidos e mais precisos para termos mais gente superbacana.

Todos os que afirmam ser possível escapar desse frenesi da produção têm um neurônio a menos. Faça um teste e liste o que você considera essencial pra sua vida. Sem mentir, tá? Se pegar um celular na mão, desista de qualquer utopia, você já perdeu a partida porque esse seu celular "cool", provavelmente, depende de salários baixos em algum elo da cadeia produtiva, do contrário ele seria ainda mais caro do que é.

A China venceu. Você compra roupa "cool" feita por mão de obra quase escrava sem culpa porque no Facebook xinga o Trump e acha o Haddad um grande estadista.

domingo, 28 de maio de 2017

Raízes da violência extrema no Brasil: o que leva jovens a matar sem motivo aparente?

A evasão escolar é um dos principais motores da violência entre jovens no Brasil
A evasão escolar é um dos principais motores da violência entre jovens no Brasil.

BBC

Dois grupos de jovens de idade semelhante, todos homens, pobres e criados na mesma região. Um grupo vira matador e o outro, trabalhador. Por quê?

O sociólogo Marcos Rolim procurou essa resposta ao investigar a violência extrema, aquela que mata ou fere mesmo quando não há provocação nem reação da vítima. Modalidade que, acredita ele, está em alta no Brasil.

Em experimento inédito no país, ele entrevistou um grupo de jovens violentos de 16 a 20 anos que cumpriam pena na Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo) do Rio Grande do Sul. Ao final, pediu que indicassem um colega de infância sem ligação com o crime e foi atrás dessas histórias.

Rolim esperava que prevalecessem, no grupo dos matadores, relatos de violência familiar e uso de drogas, mas outro fator se destacou: a evasão escolar (quando o aluno deixa de frequentar a escola). 

E, aliado a isso, a aproximação com grupos armados que "treinam" esses jovens a ser violentos.

Entre os que cumpriam pena, todos, sem exceção, tinham largado a escola aos 11 ou 12 anos. E citavam motivos banais: são "burros" e não conseguem aprender, a escola é "chata", o sapato furado era motivo de chacota. Os colegas de infância continuavam estudando.

Ao comparar esses e outros casos (111 ao todo), incluindo dois grupos de presos jovens do Presídio Central de Porto Alegre, uns condenados por homicídio e outros por receptação, e alunos de uma escola de periferia sem histórico criminal, concluiu que o chamado "treinamento violento" respondeu por 54% da disposição para a violência extrema.

Em outras palavras, isso significa que sem a experiência do "treinamento violento" - aquela que ensina a manusear armas, bater antes de apanhar e exalta atos de violência -- a disposição para esses crimes extremos cairia para menos da metade nos casos analisados.

As conclusões de Rolim, que foi vereador em Santa Maria (1983-1988), deputado estadual (1991-1999) e deputado federal pelo PT gaúcho (1999-2003) e hoje não tem filiação partidária, estão no livro recém-lançado "A Formação de Jovens Violentos - Estudo sobre a Etiologia da Violência Extrema" (editora Appris).

"Muitos meninos que se afastam da escola são, de fato, recrutados pelo tráfico de drogas e são socializados de forma perversa. E isso provavelmente deverá se repetir se a pesquisa for reproduzida em outros locais, pois a diferença estatística foi muito forte", diz Rolim à BBC Brasil.

A conclusão prática, segundo o sociólogo, é que a prevenção da criminalidade deve levar em conta a redução da evasão escolar, aspecto que costuma ser negligenciado no Brasil quando o assunto é segurança pública.

Considerados os índices de evasão escolar, o cenário no Brasil seria, de fato, favorável à violência extrema.

Em 2013, por exemplo, uma pesquisa do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostrou que um a cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no país abandona a escola antes de completar o último ano.

O Brasil figurava no estudo com a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países de maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), atrás apenas da Bósnia e Herzegovina e do arquipélago de São Cristóvão e Névis.

Razões da evasão

E por que as escolas não conseguem manter esses jovens na escola?

Embora o assunto não tenha sido foco da pesquisa, Rolim arrisca algumas possíveis explicações, a partir do contato com colegas que desenvolvem pesquisas em instituições de ensino.

A primeira, diz, é o despreparo de professores para lidar com alunos mais vulneráveis e problemáticos.

"O jovem de área de exclusão, que nunca abriu um livro e tem pai analfabeto, tem toda uma diferença de preparação, e grande parte dos professores não está preparada para lidar com ele", afirma.
Rolim cita como exemplo um caso recente registrado em Porto Alegre.

"A pesquisadora presenciou uma cena de indisciplina de um aluno de 10 anos em uma turma pequena; a professora conhecia todos. Ela disse ao menino: 'Tu vai ser bandido como seu pai'. Esse tipo de reação é inaceitável", conta.

Outra possível causa, segundo Rolim, está na falta de conexão das escolas com as comunidades em regiões violentas.

"Pelo medo do crime, a escola deixou de se relacionar com as comunidades nas periferias. 

Transformaram-se em 'bunkers' com grades, cadeados, polícia na frente. Não prestam serviços, não abrem aos fins de semana, pais e parentes não a frequentam."

O terceiro problema seria a própria educação oferecida nas escolas públicas.

"Basicamente, a mesma de 50 anos atrás", afirma o sociólogo.

"Hoje é impossível lidar com crianças conectadas, mesmo as mais pobres, do mesmo jeito. A escola se tornou espaço de pouco interesse e atração para o jovem das periferias", acrescenta.

Violência futura

Em 2015, último dado disponível, o Brasil registrou 170 assassinatos por dia -foram 58 mil homicídios naquele ano, número mais alto do que os de países em guerra. A taxa daquele ano, de 29 casos por 100 mil habitantes, insiste em não baixar.

Na visão de Rolim, o Brasil está "contratando violência futura" em escolas, prisões e nas próprias instituições policiais.

Nas prisões, isso se dá, segundo ele, pela reclusão por crimes patrimoniais.

Dados do governo mostravam que, ao final de 2014, 66% da população carcerária brasileira estava atrás das grades por crimes de drogas, roubos ou furtos -- casos de homicídios eram apenas 10%. 

Jovens negros e de baixa escolaridade são maioria.

"Temos um perfil de encarceramento que não pega autores de crimes mais graves, e pegamos um monte de jovens pobres na periferia, pequenos traficantes e usuários, e vamos recrutando essas pessoas para as facções que atuam nos presídios", diz Rolim, para quem o Estado brasileiro é o "principal recrutador de mão de obra para as facções criminosas".

E os homicídios continuam em alta -- estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Publica mostrou, por exemplo, que um em cada três brasileiros diz ter parente ou amigo vítima de assassinato -- porque falta investigação e foco dos governos nesse problema, opina o pesquisador.

"A redução dos homicídios não é a prioridade número 1 em nenhum lugar do Brasil. Como grande parte das vítimas é pobre, não há pressão social para investigação. E você lança uma mensagem de que o crime compensa", afirma Rolim. Estudos costumam apontar que menos de 10% dos homicídios no Brasil resultam em condenação.

O investimento, avalia o especialista, deveria ser reforçado na repressão a homicídios e a crimes sexuais.

"E se for para continuar a política de repressão ao tráfico, temos que ir atrás de financiadores, rotas e usar muito mais inteligência do que em prisões em flagrante", argumenta.
Iniciativas de resultado.

No meio do que classifica como "desgraça geral" das políticas de segurança no Brasil, Rolim destaca iniciativas voltadas a jovens que mostraram bons resultados na prevenção da violência.

O POD (Programa de Oportunidades e Direitos) RS Socioeducativo, criado em 2009 no Rio Grande do Sul, atende jovens infratores de 12 a 21 anos que deixam o sistema de internação.

Cada jovem passa a receber, por um ano, uma bolsa de meio salário mínimo (R$ 468,50), vale-transporte e alimentação, desde que frequente cursos de formação em áreas como informática, mecânica e manutenção predial.

Segundo o governo gaúcho, a cada dez jovens atendidos pelo programa, apenas três reincidem no crime.

No entanto, Rolim acredita que iniciativas semelhantes ainda sejam pouco divulgadas.

"A população gaúcha, por exemplo, pouco sabe da existência desse programa, porque gestores ficam provavelmente com medo de divulgar e ser criticados por 'estarem dando dinheiro a bandidos'", diz.
"Essa ideologização do tema da segurança pública é outro lado tenebroso dessa história; você acaba perdendo a capacidade de execução de políticas no setor", acrescenta.

A cidade de Canoas, na Grande Porto Alegre, criou o programa Cada Jovem Conta, que procura identificar jovens de escolas públicas com comportamento de risco para ações de prevenção à violência.

O jovem passa a ser acompanhado por uma equipe de diferentes secretarias, como saúde, educação e assistência social, para que frequente atividades esportivas e culturais, entre outras.

A Prefeitura de Canoas afirma que mais de 60% dos jovens atendidos melhoraram o desempenho escolar ou voltaram à escola, e suas famílias passaram a frequentar mais os serviços públicos locais.

Neste mês, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou um projeto do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para elevar de três para oito anos o tempo máximo de internação para jovens infratores.

A medida, que ainda deverá ter mais uma votação na comissão antes de ir à Câmara, valeria para atos infracionais análogos a crimes hediondos -- como estupro e homicídio -- cometidos com uso de violência ou grave ameaça.

Rolim diz concordar com o aumento do tempo de internação para um "perfil restrito de jovens" reincidentes, mas criticou a associação com crimes hediondos, que no Brasil incluem o tráfico de drogas.

"Isso colocaria a maioria dos jovens sob a possibilidade de (cumprir) oito anos de pena. Hoje se um jovem der um cigarro de maconha a outro, for flagrado e o ato for equiparado a tráfico, é crime hediondo. Elevar o tempo de internação não é problema, mas estabelecer isso para crimes hediondos é uma impropriedade absoluta", conclui.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Aprender com os erros nos permitirá reconstruir o país

claudia costin
Cláudia Costin
É professora visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Banco Mundial, secretária de Educação do Rio e ministra da Administração.

As incertezas que vivemos no Brasil não nos permitem olhar com complacência para os erros cometidos pelos dois lados em que se divide este nosso polarizado país. Esses erros comprometem não apenas a credibilidade de nossas jovens instituições como os recursos disponíveis para a educação das futuras gerações.

Parte importante dos erros advém de heranças históricas e de um modelo de campanhas eleitorais extremamente caras e com mecanismos de financiamento bastante obscuros. Certamente, os responsáveis por erros devem ser responsabilizados, mas temos que diminuir os incentivos para que tais descalabros aconteçam, olhar com coragem para o que agora é iluminado e corrigir.

Houve oportunidades de aperfeiçoar o sistema político e os legisladores continuamente postergaram as chances de aperfeiçoar a democracia, muitas vezes por interesses escusos. Há uma omissão perversa de parlamentares que apenderam a navegar no mar escuro das nossas regras políticas e não pretendem construir outros aprendizados.

Ora, erros são oportunidades únicas. Um bom professor sabe que, quando um aluno erra, em vez de imediatamente corrigi-lo, vale a pena gastar um pouco de tempo trazendo à luz o seu raciocínio equivocado e refletir com os estudantes sobre como aperfeiçoar a abordagem. Para ensinar a pensar matematicamente ou até para incentivar alunos a inovar e ter abertura para novas experiências, por exemplo, nada como debater diferentes hipóteses que os alunos apresentam e ensiná-los a entender os pressupostos que estão por trás delas.

Na construção de um país, guardadas as proporções, isso igualmente faz sentido. Grandes homens e mulheres erram e devem responder pelo mal causado, mas o país pode aprender com os erros cometidos. Alguns dos autores desses mesmos erros foram grandes justamente porque perceberam o equívoco, souberam mudar políticas e práticas e isso fez toda a diferença.

Mas, infelizmente, essa prática é rara entre nós. Erros são escondidos debaixo do tapete ou associados a críticas consideradas descabidas no grande flá-flu que se tornou nossa política, retirando de nós, assim, a oportunidade de aprender com eles.

A vantagem do cenário atual é que o tempo escancarou os principais erros cometidos por parlamentares, governantes e grandes empresários. Há uma oportunidade única de aprendermos de forma profunda com eles e de corrigir uma realidade que poderá destruir não apenas o presente mas o futuro do país.

Não podemos desperdiçar essa chance, temos que punir quem errou e construir regras mais adequadas para uma democracia mais sólida, transparente e madura. O Brasil merece! 

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Aprender com os colegas é mais fácil, eficiente e divertido


Pesquisas realizadas nas últimas décadas mostram que um estudante que aprende com o colega retém de 30% a 40% mais do conhecimento estudado do que outro que só frequentou aulas tradicionais e expositivas


Nos anos 90, sete anos depois de ser convidado para lecionar Física em Harvard, Eric Mazur era uma estrela, tinha certeza de que era um bom professor. Seus alunos elogiavam as aulas, tiravam boas notas e, aparentemente, compreendiam o conteúdo.
Porém, certo dia, ao desafiar a sua turma com um problema diferente dos que costumava propor, ele se deparou com uma verdade dolorosa: seus alunos se saiam bem em exercícios que podiam ser resolvidos com um punhado de fórmulas, mas não eram capazes de responder a uma questão mais analítica, que envolvia a compreensão de conceitos fundamentais da Física.
Consternado, Mazur tentou explicar o assunto para a classe mais uma vez. E outra. Mas os alunos continuavam perdidos. Sem saber o que fazer, ele sugeriu que os estudantes discutissem o tema entre si – uma atitude que, à época, não achava condizente com o seu papel. Para sua surpresa, em poucos minutos o problema estava resolvido.
“Nesse momento, me dei conta de que não era um professor tão bom quanto pensava que era. “Tinha me esquecido de como é ter 17 anos e do quanto é difícil para um jovem falar de um assunto que acabou de aprender com alguém que aprendeu o mesmo assunto há muito tempo e o domina”, disse Mazur à Harvard Magazine.
Surgia, assim, o peer instruction, ou aprendizado por pares, metodologia criada por Mazur cuja ideia central reside na construção do conhecimento a partir da interação entre os estudantes.
O método consiste no seguinte: o professor recomenda que os alunos estudem antecipadamente um conteúdo, seja por leitura, vídeo ou pesquisa. Quando chega em sala de aula, o professor propõe questões para serem discutidas em duplas e respondidas em classe. Cabe ao docente auxiliar os alunos e intervir nas discussões para garantir que o trabalho seja produtivo. Os alunos aprendem porque se trata de uma grande troca entre iguais. Nessas interações, os estudantes se sentem menos inibidos em expor suas dúvidas e fazer quantas perguntas forem necessárias para a compreensão da matéria.
Adotado em universidades do mundo inteiro, o peer instruction só agora começa a chegar com força nas escolas. Essa propagação acontece na esteira da inserção tecnológica e da disseminação do ensino híbrido, modelo que mescla a aprendizagem online e o presencial a fim de garantir uma Educação mais eficiente, interessante e personalizada.
A tecnologia não só tornou o peer instruction mais atraente e exequível. Com a popularização da internet, o método ganhou novas e poderosas dimensões. À essa evolução, dá-se o nome de Educação Peer-to-peer, aprendizagem descentralizada e democrática baseada na troca e no compartilhamento de informações, que pode acontecer dentro ou fora da escola, ao longo da vida.
A eficácia da aprendizagem por pares já foi comprovada por pesquisas realizadas em universidades de vários países que aderiram ao método ao longo das últimas décadas. Os resultados foram bastante parecidos. Em média, um estudante que conta com o apoio de um colega retém de 30% a 40% mais o conhecimento estudado do que outro que frequentou aulas tradicionais e expositivas.
Enfim, a aprendizagem por pares, seja presencial ou virtual, é um grande ganha-ganha. Melhora o aprendizado tanto de quem transmite a informação, por repeti-la, repensá-la e buscar a melhor maneira de explicá-la, quanto de quem a recebe de forma elucidativa. Promove uma maior interação com outras pessoas, estimula o protagonismo estudantil e desenvolve suas habilidades de comunicação e de colaboração, essenciais para a vida neste século.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Saúde na escola para um país saudável

Priscila Cruz
Priscila Cruz é fundadora e presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação. Graduada em Administração (FGV) e Direito (USP), mestre em Administração Pública (Harvard Kennedy School), foi coordenadora do ano do voluntariado no Brasil e do Instituto Faça Parte, que ajudou a fundar


Educação e saúde costumam aparecer sempre juntas em faixas de protestos e em debates políticos em período de eleições. Tradicionalmente estão entre as principais demandas da população brasileira, seja nas ruas ou nas redes sociais. 

Não é à toa: as duas são pilares de uma vida digna para qualquer ser humano: saúde para garantir o bem-estar físico e mental, e educação para inseri-lo no mundo do conhecimento e, consequentemente, das oportunidades. 

Além disso, ambas são direitos sociais garantidos pela Constituição de 1988, o que significa que a população pode – e deve – demandar serviços de qualidade, e que os gestores públicos não fazem mais do que a obrigação ao assegurá-los.

A relação entre educação e saúde, porém, vai além das pautas políticas e chega, de fato, à sala de aula. O processo de aprendizagem – tema tão complexo e misterioso, estudado pela neurociência – envolve obviamente a disposição do aluno para ouvir, falar, dialogar e compreender os conteúdos e atividades propostos pela escola. 

Como realizar tudo isso se o corpo e a mente não estão sãos? Um corpo bem nutrido e saudável acorda melhor, anda melhor, pensa melhor e aprende melhor. Além disso, a escola deve servir como um espaço de orientação e discussão que revele às crianças e aos jovens como a qualidade de vida é importante. 

Ou seja: além das famílias, ela também é responsável por ensinar aos alunos dicas e hábitos de higiene, alimentação e cuidados físicos com o corpo. E não faltam pesquisas para mostrar como isso está relacionado.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) é o melhor exemplo disso, pois trabalha no mundo inteiro tentando promover ações nesse sentido, considerando que programas de saúde no ambiente escolar têm o poder de desenvolver, ao mesmo tempo, as duas áreas essenciais para o progresso de qualquer nação.

Segundo a entidade, as infecções por vermes ainda são a maior causa de doença entre crianças e adolescentes entre os 5 e os 14 anos de idade. A deficiência de vitamina A é outro problema grave, pois segue sendo a maior causa de cegueira infantil que poderia ser evitada.

Em alguns países, é a AIDS que emerge como a maior questão de saúde pública. Neles, 60% de todas as novas infecções por HIV acontecem na faixa etária entre os 15 e 24 anos. Na África, por exemplo, além da AIDS, infecções do sistema respiratório, meningite e diarreia são as principais enfermidades que atingem a população em idade escolar

A OMS também alerta para o consumo de álcool e tabaco na infância e na juventude, que reduzem drasticamente as chances de uma vida adulta saudável – vale ressaltar que 5% das causas de morte de jovens entre 15 e 29 anos são atribuídas ao uso de álcool. Segundo a organização, todos esses problemas podem ser evitados exatamente com ações efetivas de saúde no ambiente escolar.

No Brasil, esses dados, assim como os da OMS, também revelam uma realidade cheia de riscos no que tange à saúde da população em idade escolar. O maior exemplo disso é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Na edição de 2015, divulgada no ano passado e que envolveu 2,6 milhões de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental das redes pública e privada, os dados mostram que 21% deles afirmaram ter se embriagado ao menos uma vez na vida. Além disso, 9% dos estudantes já usaram drogas ilícitas. 

Quanto ao cigarro, 19% já o experimentaram. A maioria deles – 65,6% – afirmou não praticar atividade física, classificando-se como sedentária.

Essas porcentagens mostram a necessidade mais que latente de integrar políticas de saúde à esfera escolar. Uma nação saudável é aquela que garante os direitos de seus cidadãos, permitindo que eles tenham uma vida com educação e saúde. 

Sabemos que o Brasil não vive seu melhor momento, mas é justamente em períodos como esse que devemos olhar para o que é fundamental para (re)construirmos nosso país. E, nesse sentido, o desenvolvimento pleno de nossas crianças e nossos jovens, incentivado por meio de políticas públicas inter-setoriais, é vital.

Com a colaboração de Mariana Mandelli

Base curricular mira o século 21, mas formação do professor segue no 19



CLÁUDIO GOLDBERG RABIN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) proposta pelo governo federal inova ao introduzir diretrizes voltadas para o ensino investigativo, focado na resolução de problemas. O que permanece não resolvido na equação é que, enquanto a base mira o século 21, os professores têm uma formação nos moldes do século 19.

Essa é a opinião das especialistas em educação que participaram da primeira mesa de debate do 2º Fórum de Inovação Educativa, promovido pela Folha em parceria com a Fundação Telefônica Vivo e com o apoio do movimento Todos pela Educação, nesta quarta-feira (24).

"A educação tem avanços, mas coleciona fracassos. A escola brasileira não ensina a pensar cientificamente", disse Claudia Costin, colunista da Folha e ex-secretária de Educação do Rio de Janeiro. "O mundo está mudando: as demandas que exigem elaboração são mais cobradas do que atividades que exigem a repetição", continuou.

Para Guiomar Namo de Mello, diretora da Escola Brasileira de Professores, os docentes trazem na bagagem uma formação antiga, que deixa o desenvolvimento pessoal a desejar.

"O problema é como ensinar o professor a ensinar o que está escrito na base nacional. É preciso que ele aprenda nas mesmas condições que ensina", afirmou.
A educadora lembrou que a base curricular prevê uma progressão contínua e articulada de conteúdos, mas, ao mesmo tempo, há falta de diálogo entre os profissionais da pedagogia e das licenciaturas que permita transformar o professor em um instrumento de capacitação.

Mello lembrou que as universidades também precisariam se adaptar ao novo modelo, já que são as responsáveis pela formação dos docentes.

"São questões complicadas, porque as universidades federais são autônomas. Além disso, as que mais formam professores são as particulares", disse Teresa Pontual, diretora de Currículos e Educação Integral do Ministério da Educação (MEC).

Pontual afirmou que a base nacional em si já é um avanço, por trazer os conteúdos que os alunos devem aprender. "Mas a gente não consegue garantir que os professores saibam os conteúdos que precisam ensinar".

Sobre as competências socioemocionais previstas na base, houve um consenso de que uma disciplina apenas com este foco seria pouco eficiente. Para Costin, o impacto maior é quando o professor ajuda a desenvolver essas competências.

Mello concordou: "Ninguém dá aula de solidariedade e resiliência. A questão é fazer que os conteúdos ancorem isso na realidade"

‘A dor nos faz crescer’


Médicos tiram dúvidas sobre doenças, tratamentos e bons hábitos de saúde.

Em entrevista ao Revista CBN, o consultor da ONU, Luis Henrique Beust, disse que um estudo de 30 anos da Universidade da Pensilvânia, uma das três principais universidades dos Estados Unidos, mostra que como fator isolado o otimismo é a principal causa para a felicidade, a saúde e o sucesso. Uma pessoa otimista é perseverante. Ele acrescenta que as pessoas mais felizes não são as que tiveram vida fácil. A dor nos faz crescer. Esse processo de dor e sofrimento acontece também com a sociedade. É preciso enfrentar.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Estima-se que 30% dos cânceres estão relacionados à dieta

“Nós estimamos que,  aproximadamente, 30% dos cânceres estão relacionados com a dieta”, explica um dos mais destacados oncologistas de São Paulo, Dr. Antônio Carlos Buzaid. Nessa entrevista com Dr. Drauzio Varella, o chefe geral do serviço de oncologia do Hospital São José da Beneficência Portuguesa, explica qual é a relação da dieta e da incidência geral de câncer.


A insegurança dos pais só aumenta numa época em que sobram teorias sobre como criar os filhos




O casal Cibele e Christian Oliveira, de Barueri (SP), nunca tinha ido a uma apresentação de música clássica. Quem mudou essa história foi a filha deles, Helena, 9, que subiu ao palco da Sala São Paulo para, como integrante do coro infantil da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), cantar diante de 4.500 pessoas em três apresentações. “Ela se inscreveu no coral da escola e depois avisou a gente. Viram que ela era afinada e encaminharam para a Osesp. Tudo foi iniciativa dela, e a gente apoiou”, relata a mãe.

O exemplo mostra como alguma autonomia pode ajudar na formação de uma identidade singular, que muitas vezes acaba sendo totalmente diferente do perfil dos pais. Em uma época repleta de manuais e receitas para educar, os pais buscam cada vez mais especialistas para não errar. O problema é que não há uma fórmula ideal para essa missão. “Hoje em dia, os pais leem teoria pedagógica e sabem até jargão da área, mas muitas vezes essa informação acumulada aumenta ainda mais as dúvidas. Falta cultivar a intuição e espaços para trocar experiências”, afirma Bruna Mutarelli, educadora e sócia da casa Ubá, local de atividades e aprendizagem de crianças até dez anos.

A insegurança também pode ser reflexo de casais cada vez mais atarefados e isolados. “Os pais estão mais sozinhos, conectados virtualmente a muito mais pessoas, mas de um jeito menos coletivo. São poucos os lugares públicos de encontro, como praças ou mesmo as calçadas onde as pessoas se encontravam e ajudavam a cuidar das crianças daquele pedaço”, resume Patrícia Grinfeld, psicóloga de relação familiar e parental da rede profissionais Ninguém Cresce Sozinho. “Hoje, andamos com o vidro dos carros fechados, em apartamentos que nem sempre sabemos quem é o vizinho ao lado, correndo contra o relógio. Neste modelo social, com quem os pais podem contar?”, pergunta.

AUTONOMIA JÁ

As pessoas têm opinião para tudo - comida, ideologia, religião, futebol, novela etc. Já as famílias têm rotinas, valores e limitações de todo tipo. Como é possível promover a liberdade de escolha das crianças dentro de mundos pré-moldados em que os pais vivem? “Autonomia não se dá. É a pessoa que conquista e não tem volta”, sintetiza Cristiane Moscou, professora que é mãe de Dorah Madiba, 6. “Ela nasceu gostando de tudo o que é oriental, adora comida japonesa e desenhos como o Pokémon. Isso é dela. Eu não participo, mas permito que ela desenvolva. Mas também ensino que ela tem uma identidade negra para ela estar preparada para encarar nossa sociedade”, conta Cristiane, que gosta de ir a shows de rap e leva sempre a filha.

Outra mãe que enfrenta os dilemas de dar autonomia ao filho é Tina Simi. “Eu sou contra o consumismo, e meu filho é consumista. Mas, de tanto conversar sobre o assunto, às vezes eu vejo ele repetindo meu discurso para outras pessoas. Isso dá uma dorzinha no coração, mas eu sou o que sou, e esse é um valor meu. Mas tenho de me controlar ao máximo para que ele desenvolva suas próprias ideias e opiniões”, confessa a mãe, que estudou letras na USP (Universidade de São Paulo) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), se define como “do povo de Humanas” e cria um filho que adora matemática.

Ela tenta controlar o apreço de Jonathan, 9, por games, streaming de vídeos e televisão, preferências comuns entre os nativos digitais. A justificativa é não deixá-lo sair da tutela dos pais para cair no colo da indústria do entretenimento. “Teve uma época que nem televisão a gente tinha em casa. Foi um inferno para ele. Hoje temos Netflix, que é o menos ruim porque evita a propaganda. Deixo ficar [assistindo] duas horas por dia”, conta.


INFÂNCIA NO DIVÃ




O PAI-HERÓI E A SUPERMÃE

Os pais ensinam mais os filhos pela dinâmica das relações do que com lições de moral, e a identidade familiar acaba sendo assimilada nessa rotina. “Se aprende mais com exemplos práticos do que com regras ditadas. As opiniões dos pais vão se manifestar de forma direta ou indireta. O dia-a-dia da casa passa muitos desses valores, coerências e incoerências. E as crianças são esponjas dessa convivência”, afirma o psicoterapeuta e educador Leo Fraiman.


E não adianta bancar a mãe protetora ou o pai super-herói porque isso também não funciona. “Será que o que meu filho precisa é ‘como eu gostaria que meus pais tivessem sido comigo’? Para ser esse ‘super-herói’ é preciso mentir, esconder fraquezas e camuflar emoções”, argumenta Paula Armond, consultora em educação.

A transmissão familiar dá à criança senso de pertencimento àquele grupo. Ela só é ruim quando não há flexibilidade. “Muitas coisas passam de pais para filho sem que isso seja um problema. Mas, se as coisas são impostas de um jeito inquestionável, sem deixar nenhuma brecha para que o desejo da criança apareça, certamente ela se prejudicará de algum modo, pois temos aí uma submissão, que aliena e atrapalha o desenvolvimento”, opina Grinfeld.

PAIS PARA QUÊ?

O modelo tradicional de família vem sendo desmontado desde a década de 1960 com o surgimento dos anticoncepcionais e a aprovação de leis de divórcio. 


Antes, não havia grandes dilemas existenciais na criação dos filhos. “Daí em diante, especialistas de todas as áreas foram convocados para entrar na vida privada das famílias. O saber dos especialistas, difundido inclusive pela mídia, se tornou um saber absoluto a ser seguido pelas famílias. Diante de um saber que vem do outro (às vezes, imperativo), que pode até fazer sentido na teoria mas não na prática, muitos pais acabam ficando inseguros”, afirma Grinfeld.

Um dos livros mais iconoclastas nesse assunto foi escrito em 2016 pelo casal de antropólogos Robert e Sarah Levine, ambos da Universidade de Harvard (EUA): “Do Parents Matter?” (“Os Pais Realmente Importam?”, em tradução livre para o português). A conclusão básica é que os pais não são tão essenciais quanto pensam. Eles cumprem papéis de patrocinadores e protetores, mas nem tudo que eles fazem será parte da psicologia da criança.

O casal estudou relação entre pais e filhos em áreas da África, Ásia e América Latina, comparando com a criação nos Estados Unidos e Europa e mostrando que o mundo é um laboratório gigante do desenvolvimento humano. Sempre foi. 


Eles citam tribos africanas em que a mãe não pode olhar diretamente para o olho da criança, e nem por isso as crianças viraram adultos sem boas relações familiares e sociais. Para os autores, educar é mais uma arte que uma ciência e encorajam os pais a serem mais céticos e menos esquemáticos quando escutam as instruções e dicas dos tais especialistas. E convidam os pais a relaxarem: deixem as crianças serem elas mesmas.

DEIXA A CRIANÇA BRINCAR

Há pais que escolhem escolas maternais trilíngues acreditando que estão garantindo o futuro dos bebês no mercado de trabalho. Será que eles sabem o que os filhos vão precisar daqui a 20 anos? “Os pais não têm esse controle. 

Acham que devem dar muitos estímulos para achar um talento da criança e investir nele. É importante o ócio. Sobrecarregadas, elas roem unha e ficam ansiosas como adultos”, sentencia Mutarelli. Para Fraiman, não dá para medir o tamanho da influência dos pais. “A influência percorre muitos caminhos inconscientes, não-verbais, como os pais se vestem, por exemplo”, afirma. 


Também não adianta tentar moldar o temperamento das crianças. “Antes, acreditava-se que a formação da personalidade terminava na infância. Já, hoje em dia, se sabe que a plasticidade cerebral vai até a vida adulta. Nosso cérebro muda até o último dia de vida”, argumenta. 


O psicoterapeuta acredita que os pais devem buscar se conhecer para ter segurança na educação das Fraiman aponta a terceirização como uma medida equivocada dos pais. “No consultório, vejo as famílias que delegam para as escolas ou para os avôs as responsabilidades educação, horários e outras necessidades básicas. Lavar as mãos sobre a criação costuma sair muito caro, financeiramente e emocionalmente. 


A sensação de abandono, de não ser visto e de não ter real valor para os pais pode ser devastador para o espectro emocional da criança.” 


Talita Oliveira, educadora e diretora da Associação de Educação Montessoriana, concorda com ele. “Essa terceirização é prejudicial para a formação, principalmente em relação às habilidades e competências socioemocionais”, completa.


COM VOZ E SEM BIRRA

Um consenso entre educadores e psicólogos é a necessidade de dar voz às crianças. Mas isso está bem longe da ideia de que a família é uma unidade democrática. Afinal, cabe aos pais a palavra final sobre assuntos que exigem a maturidade ausente aos outros habitantes da casa, como finanças (principalmente), educação, saúde, alimentação, horários e vestimenta, entre outros. 

Há muito espaço para acordos e combinações, mas nada de birra. Aliás, dar opções para as crianças é uma das formas de evitar horas de choro e gritaria no chão, segundo Alan Kazdin, diretor do Centro de Cuidados Parentais da Universidade de Yale (EUA). Levando em conta pesquisas da instituição, a sensação de que está escolhendo entre alternativas diminui a teimosia infantil.

“Tem criança que chega aqui e pergunta: ‘o que eu tenho que fazer?’ São tantas atividades que os pais determinavam, que as crianças ficam sem vontades próprias, nem têm ideias de brincadeiras”, conta Lilia Standerski, sócia da casa Ubá, espaço de jogos e aprendizagem.

Isso é bem diferente com Cristiane e sua filha, Dorah. “Dependendo do assunto, ela argumenta bastante. Eu acho ótimo que ela argumente”, afirma Cristiane. 

“Se a criança não fica o tempo todo perguntando para a mãe o que pode fazer, ela ganhou espaço para experimentar. Ela está fora da asa. Mas, nesses casos, o desafio dos pais é proteger essa criança, para que ela tenha liberdade sem entrar em perigo. Eu tenho que ser ninja no olhar porque a Dorah é lisa e desaparece em um instante”, relata a mãe.

Educar um filho vai ser sempre trabalhoso. E cada criança é uma experiência única, então, não adianta projetar um “júnior” ou um “mini me”. Os pais autoritários, da educação tradicional, estão saindo de cena, mas o problema é substituí-los pelos “pequenos ditadores”, filhos de uma formação muito permissiva, com genitores que sonham em proporcionar a felicidade para seus rebentos. Entre esses extremos, há muitas formas boas de criar. 


“Cada ser humano deve ter a chance de se desenvolver para ser quem ele é de fato. Não ser o que os pais esperam ou o que a sociedade espera”, resume Tina. Deixe seu filho ser ele mesmo.

Agradecimentos Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), Casa Ubá, Ninguém Cresce Sozinho, Associação de Educação Montessoriana e aos grupos de pais da Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima   Fale com o TAB tabuol@uol.com.br   Publicado em 21 de maio de 2017 

A decadência da democracia que mal começou: a culpa também é sua, sim!

Guilherme Perez Cabral
Guilherme Perez Cabral é advogado e professor, doutor em filosofia e Teoria Geral do Direito

A aprendizagem da democracia somente pode ocorrer a partir de sua própria vivência. Não nascemos democratas nem autoritários, honestos nem corruptos.
Somos honestamente democratas, na medida em que agimos, no nosso cotidiano, de forma democrática e honesta. Não bastam belas ideias e discursos. De tanto praticar, nos tornamos os adjetivos de nossas ações. Somos os nossos hábitos e práticas cotidianas.
É a lição antiguíssima de Aristóteles, para quem "as diferenças de caráter nascem de atividades semelhantes. É preciso, pois, atentar para a qualidade dos atos que praticamos".
Isso explica, um pouco, porque as leis e instituições democráticas custam tanto a "pegar" no Brasil. Somos um país historicamente antidemocrático infestado de corruptos.
Valores democráticos, como o respeito ao outro e o respeito às regras do jogo, não são coisas que vemos muito por aí. Não são coisas que vivemos no dia a dia. Fica difícil aprendê-las na prática, fazendo delas um hábito.
A aprendizagem da democracia entre nós será um processo longo, difícil, complexo, sem que possamos afirmar de antemão se será ou não bem-sucedido.
E só vamos aprendê-la praticando-a, nos envolvendo sempre mais nos problemas e conflitos que nos dizem respeito, no âmbito da escola, do bairro, da cidade, do país. Só assim, na prática, aprenderemos a respeitar o outro e a opinião do outro, a aceitar críticas e reconhecer que o melhor para a sociedade pode significar uma facilidade ou um privilégio a menos para nós.
É verdade: a participação, essencial à democracia, não é algo que a democracia nos imponha. Nossa liberdade, garantida pela democracia, vai tão longe que nos permite, inclusive, não participar e ficar em casa, com nossas verdades e preconceitos nunca praticados. Mas podemos usá-la, também, em favor de hábitos democráticos.
Quando reduzimos a nossa participação ao ato de votar de dois em dois anos enfraquecemos muito as possibilidades da democracia. Aprendemos pouco (ou nada) sobre ela e podemos continuar vivendo com nossos hábitos antidemocráticos.
Quando afirmamos "a culpa não é minha, eu votei no Aécio", nos desresponsabilizamos política e moralmente de qualquer envolvimento maior nos rumos de nossa democracia.
Deixamos de vivê-la para continuar vivendo de hábitos antidemocráticos. Quando defendemos o governo Lula por seus feitos sociais esquecendo dos custos que isso envolveu (abandono da bandeira da ética na política, alianças com canalhas e, sempre ela, a corrupção), também.
Do mesmo modo, deixamos de vivenciar a democracia para continuar vivendo de hábitos antidemocráticos quando vestimos vermelho ou verde e amarelo para protestar contra a corrupção dos outros, fechando os olhos para a corrupção dos nossos.
Quando, finalmente, desiludidos com a política e com a democracia das quais jamais participamos --e que jamais se tornaram um bom hábito para nós--, depositamos nossas esperanças de salvação em uma única pessoa (um líder populista petralha, um empresário, um apresentador de TV ou um coxinha mimado qualquer que se intitula "não político"), terminamos nosso serviço sujo e matamos de vez nosso bebê moribundo, a democracia.
Sim, a culpa disso tudo que está acontecendo também é minha e sua.

O bem-sucedido projeto antibullying que a Finlândia está exportando à América Latina

BBC
Por Laura Plitt

Não importa se são públicas ou particulares, em bairros privilegiados ou em regiões mais pobres na China, no Reino Unido ou no Brasil. Na maioria das escolas do mundo há - em maior ou menor medida - casos de bullying.

Nem mesmo a Finlândia, país considerado uma liderança em educação, é uma exceção.

 Mas, desde 2009, o bullying nas escolas do país vem diminuindo drasticamente graças a um método revolucionário para combater situações nas quais um estudante ou um grupo hostiliza de forma sistemática um colega.

Segundo levantamento com 30 mil estudantes entre 7 e 15 anos, o modelo adotado, desenvolvido na Universidade de Turku, no sudoeste do país, chegou eliminar completamente o bullying em até 80% das escolas e reduziu a prática em outras 20%.

O sucesso do método - batizado de KiVa (acrônimo de Kiusaamista Vastaan, que quer dizer "contra o bullying" em finlandês) - não passou despercebido na Europa, onde foi implementado em cerca de 20 países.

Além do continente europeu, algumas instituições de ensino de países da América Latina - entre eles Argentina, China, Colômbia e Peru - também decidiram adotar o programa.


O papel das testemunhas

A chave do KiVa seria que, diferentemente das metodologias tradicionais, que trabalham com as vítimas e os responsáveis pelo bullying, o programa também "incorpora as testemunhas".

"(O programa) leva em conta as pessoas que ficam caladas e sofrem passivamente com os insultos. 

Porque embora ninguém goste de participar de uma situação na qual uma pessoa é violentada, muitas crianças não sabem o que fazer para sair do problema ou como defender a vítima", explica a psicopedagoga Francisca Isasmendi, responsável pelo KiVa no Colégio Santa María de Salta, um dos pioneiros no uso do método na Argentina.

Ainda que as testemunhas não sejam os protagonistas mais óbvios da história, o silêncio e as risadas dessas pessoas reforçam o poder do agressor.

Por isso, trabalhar com esses observadores para que eles tomem consciência do seu papel nesta situação e encontrem formas de mudar seus comportamentos faz com que agressor acabe perdendo seu público.

"E quando um grupo deixa de apoiar o agressor e este fica sozinho, ele para", explica a psicopedagoga.

Pelo método, uma vez que é identificado um caso de bullying, uma equipe treinada trabalha seguindo um protocolo específico com a vítima, o agressor e as testemunhas de forma individual, sem enfrentá-los.

"O impacto do sistema se sente sobretudo nos agressores, porque se as atitudes dos demais envolvidos muda, agredir passa a não ser mais tão divertido", explica a diretora do programa KiVa no Instituto Escalae na Espanha Tiina Mäkelä, que também realiza treinamentos sobre o programa em países de língua espanhola.

Antes que aconteça

Outro componente fundamental do programa - e do qual todos participam - é a prevenção.

"Isso inclui lições e atividades que acontecem duas vezes por mês, durante 45 minutos, onde se não falam de casos particulares, mas de conceitos gerais", explica Mäkelä.

Todas essas atividades servem para criar um ambiente amável, generoso e respeitoso com os demais. As crianças são ensinadas a diferenciar um conflito entre colegas (aceitável) de uma situação de bullying, que não deve ser tolerada.

Iván Galindo, proprietário e diretor do Colégio Erik Erikson, em Querétaro, que fica perto da Cidade do México, conta que atuar antes que o bullying ocorra - ou seja, prevenir essa prática - foi importante para melhorar o bem-estar dos alunos da escola.

"Antes nós só atuávamos quando nos dávamos conta de que algo errado estava acontecendo, quando o leite já havia sido derramado. Agora nós antecipamos o problema e é mais fácil de identificá-lo do que antes", conta ele à BBC Mundo.

Isasmendi concorda sobre a importância da prevenção.

"Os alunos agora sabem que se estão em uma situação na qual não se sentem cômodos ou se sentem violentados podem pedir ajuda", disse.

O trabalho de prevenção e conscientização envolve ainda pais e os professores, além dos alunos.

"É preciso mudar a cultura, porque aqui muitas vezes o bullying é tratado como se fosse algo normal e dizem que é 'coisa de criança, elas que se resolvam entre si'. E, como consequência disso, muitos passam toda a vida escolar se sentindo mal", afirma.

Apesar de reconhecer os resultados, Isasmendi afirma que é um trabalho lento, ainda que paradoxalmente atualmente, segundo sua experiência, pareça haver mais casos de bullying.

Segundo ela, isso acontece porque "agora os casos aparecem mais porque há uma maior consciência de que não se trata de algo normal".

Da Finlândia à América Latina

Mas em que medida um método criado para uma cultura e sociedade tão diferentes da latino-americana pode trazer os mesmos resultados?

Para Mäkelä, ainda que alguns aspectos da metodologia precisem de mais ou menos atenção em determinadas regiões, "há problemas básicos que são iguais em todos os países".

"Os professores aqui na América Latina precisam de mais apoio do que na Finlândia porque lá eles têm mais autonomia e mais tempo de preparar suas aulas."
Outra diferença é a colaboração com as famílias.

"Muitas vezes na América Latina, em vez de se colaborar, se buscam os culpados: a família culpa a escola e vice-versa. Em vez disso, é preciso buscar soluções", afirma.

No caso da escola de Salta (Argentina), envolver as famílias nos processos ajudou a agilizar as transformações.

"Precisamos que as famílias participem porque notamos que, com elas, as mudanças eram muito mais rápidas", conta.

Passado pouco mais de um ano desde a adoção do método, ainda é cedo para quantificar o impacto do KiVa na Argentina, mas a julgar pelos testemunhos dos alunos e professores, a melhoria do ambiente escolar já é evidente.

"O KiVa me fez sentir mais seguro e confiante. As aulas do método me fizeram mais sociável e com mais empatia", disse um aluno.

"A prática motivou aos alunos a serem mais reflexivos e a tomar mais conta um do outro", afirmou uma coordenadora escolar.

Para Isasmendi, se trata de muito mais do que uma ferramenta válida para interferir no ambiente escolar.

"É mais que um programa antibullying. É uma filosofia de vida que visa o bem-estar escolar, a criação de um clima de trabalho onde os alunos possam ter tolerância e respeito."