segunda-feira, 22 de maio de 2017

Legamos a nossos filhos mais sintomas do que valores

luiz felipe pondé
Luiz Felipe Pondé
Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência.

Os inteligentinhos hoje devem ir brincar no parque porque vamos falar coisa de gente grande.

Você quer saber se você é inteligentinho? Se começar a ficar incomodado e, para resolver isso, convencer-se de que a "educação que está dando para seu filho" fará dele uma pessoa mais tolerante, mais evoluída e mais ética, você é um inteligentinho.

Se acreditar que "a educação que está dando para seu filho" fará ele escolher sua religião e seu "gênero" de forma "autônoma e consciente", você é um inteligentinho.

Dizer frases do tipo "a educação que estou dando para meu filho" já é coisa de gente boba. Mas, quando você de fato acredita nisso, você é mesmo inteligentinho.

Legamos a nossos filhos mais sintomas do que valores. A psicanálise sabia disso, mas hoje, como tudo mais, aderiu ao marketing existencial e político. Em termos de ferramenta para pensar a realidade histórica, a psicanálise hoje é parte do sintoma e não da solução. Mais atrapalha do que ajuda.

De certa forma, a literatura de autoajuda é mais honesta do que psicanalistas pensando o mundo para salvá-lo. Pelo menos a autoajuda se sabe barata e vulgar. Os psicanalistas se acham chiques e sólidos em sua histeria cega (uso histeria aqui no sentido freudiano do termo –quem não souber o que é que olhe no Google).

O parricídio é um tema clássico na literatura especializada. Freud e Dostoiévski são dois dos maiores exemplos de quem pensou nisso.

Freud achava que "Os Irmãos Karamázov", de Dostoiévski, era o maior romance da literatura ocidental porque havia compreendido plenamente o complexo de Édipo. Dostoiévski pensava o parricídio tramado por seu filósofo Ivan Karamázov como profecia acerca da modernidade.

O projeto da modernidade era matar o pai como uma repetição festiva do macabro assassinato do pai da horda primitiva do mito freudiano "Totem e Tabu". Matamos o pai para sermos livres.

Para Dostoiévski, Ivan preconizava o projeto moderno de matar o pai: a tradição, a herança ancestral humana, Deus, o significado da vida herdado dessa herança, enfim, todo o arcabouço organizado da vida humana que alguns lacanianos chamaram um dia de "nome-do-pai".

Freud, por sua vez, sabia da entropia moderna: sabia que a modernidade na sua fúria carregava em si o projeto escondido da pulsão de morte, que é "a destruição do eu".

Hoje, "somos todos o pai". Toda a demonização do patriarcalismo como culpado até da poluição da Lua é apenas a parte ridícula disso.

A simples aniquilação de toda referência que não a do dinheiro e a da autonomia individual produziu uma devastação do mundo. A promessa era que a cultura e a política tomariam o lugar dos deuses e do pai. Hoje sabemos que a cultura é "fast food" e a política é histérica.

Sou um descendente direto de Ivan Karamázov, portanto, que os inteligentinhos não me venham com o eterno blá-blá-blá de que este seria um discurso nostálgico. Não.

Falo do lugar mais niilista possível: aquele de quem participa do ritual do assassinato do pai da horda primitiva a cada dia. Não há retorno para lugar nenhum. O estrago está feito. E, como sabia muito bem Freud, o pai era terrível.

O passado nunca foi feliz, como idealizaram os românticos. Faltam aos psicanalistas de hoje profundidade e coragem de não fazer parte do marketing existencial e político. Se vivessem na época de Freud, iriam condená-lo por falar obscenidades sexuais a serviço da depravação. A psicanálise se tornou histérica.

Veremos agora o matricídio. Se matamos o pai em nome da liberdade, agora afogaremos a mãe na eliminação pura e simples da maternidade a serviço da emancipação feminina e do mercado de carreiras.

Enquanto a verborragia sobre crianças e sobre valores femininos do "cuidar" cresce, as maternidades quebram por falta de mercado.

A maternidade prática desaparece sob o salto da maternidade teórica. Ninguém quer ter filhos, exceto quem não tem opção melhor. Ou gays, para se sentirem "normais". Os meninos se derretem de medo e as meninas se tornam fálicas sob as palmas da psicanálise rendida à histeria. 

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