quarta-feira, 3 de maio de 2017

Professores podem romper ciclos de sofrimento de adolescentes oferecendo apenas palavras

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Jairo Marques, que é cadeirante, aborda aspectos da vida de pessoas com deficiência e de cidadania. Aqui, você encontra histórias de gente que, apesar de diferenças físicas, sensoriais, intelectuais ou de idade, vive de forma plena.










Eu tinha apenas 15 anos, mas o tempo de vida já me era suficiente para ter juntado uma mala pesada de angústias e frustrações, a maior parte delas ligadas aos meus cambitos finos e à situação de pobreza familiar.
Não gostava nada de mim, estava a léguas de uma relação tórrida de amor ou mesmo de um bom sexo espremido num fusca, situações que, imaginava eu, poderiam aquietar meus demônios. Não merecia futuro um adolescente que não tinha nem isso. Pensava que morrer seria uma saída que, embora pouco digna, me traria alívio, me livraria daqueles olhares aviltantes, daquelas ausências.
Se todo adolescente tem lá seus momentos espinhosos, os meus eram cactos afiados que brotavam mais do que mandacaru ora em minha alma, ora dentro do peito. E, para incrementar a intolerância a mim mesmo, a tudo ao meu redor, por ser cadeirante, era impossível chegar perto das pontes, dos precipícios e até mesmo dos remédios colocados no alto das prateleiras.
Também não havia refúgio para mim na vida cibernética, inexistente naquele tempo e que, pelo andar dos gigabites, pouco tem feito para que o jovem entenda as dimensões do tempo, as possibilidades amplas de estar vivo.
O finado Renato Russo martelava em minha cabeça “quando tudo está perdido, sempre existe um caminho”, um mantra inócuo diante dos pedregulhos que enxergava travando qualquer rumo que desejasse tomar. Somente o fim parecia suficientemente apaziguante para a tormenta que em meus pensamentos se negava a dormir.
Aquilo tudo só começou a amainar quando o Paulão me chamou para papear. Professor de matemática brincalhão, nossa intimidade era quase nula, mas suficiente para ter me deixado um fio por onde me agarrei para pedir a ele que me servisse um banquete de motivações.
Sem me encher de porquês, abriu as portas da casa para me ouvir falar das dores sem chaga, dos gritos sem eco, dos desmoronamentos sem castelo nem areia. Às vezes, apenas alguém que ligue uma lanterna é o bastante para romper o que se vê somente sombrio.
Professores, amigos, parentes, agregados podem romper ciclos de sofrimento de adolescentes, e jovens oferecendo um mar de palavras, uma chuva de novos pensamentos, um filme cujo enredo é a inspiração.
Em gravíssimas situações, a ação concreta pode ser a indicação de um especialista, de um apoio profissional. Mas tudo pode começar com uma atitude simples de observação e oferta de ombros, de ouvidos, de esperança. Funciona.
Desconheço um recorte de suicídios no Brasil envolvendo pessoas com deficiência, embora saiba bem quanto a adversidade física, sensorial e intelectual cria demônios para a existência. De tanto não poder, de não conseguir e de ser apartado, vai ganhando força na mente um desejo de não suportar mais a própria condição.
A dor do existir se enrosca perigosamente com a dor da exclusão, das dificuldades e obstáculos para se manter vivo com alguma sensação de relevância para o mundo e para si mesmo. A prematuridade dos calos formados por agruras do dia a dia, ao lado da impulsividade da adolescência, impede, muitas vezes, que se alcancem janelas de onde brotam novos ares, felicidade. Vai das redes de relacionamentos reais tentar ampará-los.

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