sexta-feira, 28 de julho de 2017

Como fugir do fanatismo

claudia costin
Cláudia Costin
É professora da FGV e professora-visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Bird, secretária de Educação do Rio e ministra da Administração.


Em livro publicado em 2006, Amartya Sen, economista indiano detentor de um Prêmio Nobel, defendia que temos múltiplas identidades e que a violência ocorre quando permitimos que uma delas se torne hegemônica e sufoque as outras. 

Somos seres plurais, em diálogo constante com o mundo que nos cerca, e vamos, num processo de homeostase, incorporando novas vivências e ideias, o que nos leva eventualmente a adquirir novas identidades.

A análise de Sen parece convergir com a de Amós Oz, escritor israelense que esteve recentemente no Brasil para lançar seu livro "Mais de uma Luz". No livro, o autor se pergunta como surge o fanatismo que, num certo sentido, envolve alienar-se de si mesmo e viver a vida de outrem ou um sistema de vida que elimine a difícil tarefa da vida adulta que é fazer escolhas e constituir identidades.

O fanático bloqueia o processo de contato com o meio em que vivemos e opta por seguir as prescrições de um líder, de uma celebridade ou de um mestre, sem reflexões ou elaborações próprias. Ele é incapaz de empatia genuína, pois, não se percebendo como pessoa independente, não consegue tampouco entender as motivações e sentimentos do outro.

Parece haver também a impossibilidade do humor, particularmente o ato de rir de si mesmo. Como há uma certa sacralização das condutas, inspiradas por um líder genial das massas ou um mestre inquestionável, o humor dirigido a si próprio torna-se quase uma heresia.

Mas não vamos confundir as coisas. O fanático, segundo Oz, pode ser um altruísta: ele genuinamente pode acreditar que, ao massacrar pessoas ou perseguir quem pensa diferente, está lutando pelo bem do outro. Trata-se de uma estranha forma do que Jonathan Sacks chama de altruísmo do mal: para o seu bem nesta ou em outra vida, vou lhe agredir.

Quando a escola não ensina a pensar, não se propõe a promover a autonomia do aluno, infelizmente se torna parte dessa engrenagem de produção de fanáticos. E, na adolescência, dadas as inseguranças naturais da etapa, é mais fácil atuar nessa direção, afinal é mais confortável se o professor dá respostas fechadas para todas as minhas perguntas, e os fanáticos, diz Oz (e, num certo sentido, alguns adolescentes também), odeiam respostas abertas.

E qual o antídoto, no ambiente escolar, para o fanatismo? Certamente a formação para a autonomia e para o pensamento independente fazem parte da solução, mas dois elementos devem integrar essa forma de instrução, a curiosidade e a imaginação, meios poderosos de compreensão do mundo, de si mesmo e do outro.

Não por acaso, integram também o receituário de Amós Oz para evitar o fanatismo.

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