segunda-feira, 24 de julho de 2017

"O homem cuja vida inteira é dedicada a realizar poucas operações simples, cujos efeitos também talvez sejam sempre os mesmos... em geral se torna tão estúpido e ignorante quanto é possível a uma criatura humana."

TIM HARFORD
DO "FINANCIAL TIMES"

Essa citação sobre o efeito estupefaciente do trabalho industrial repetitivo parece ser de Karl Marx. Mas é de Adam Smith (1723-1790), em "A Riqueza das Nações".

No mês do aniversário de morte de Smith, a ocasião é propícia para refletir sobre o filósofo escocês. Smith sabia que a especialização e a divisão do trabalho não estavam por desaparecer. Por isso advogava a criação de escolas bancadas por verbas públicas como um meio para trabalho e lazer satisfatórios.

O advento de linhas de produção em massa fez Smith parecer profético, mas muito trabalho repetitivo foi assumido por máquinas, desde então. Seu alerta é obsoleto?

"A Riqueza das Nações" foi escrito há quase 250 anos. Não esperamos que cada palavra continue válida. Mas a citação ainda ressoa -não só para quem faz trabalho repetitivo mas para o trabalhador do conhecimento, o programador, o advogado, o colunista de jornal.

Não enfrentamos a monotonia, mas a tentação da internet. Facilmente, porém, podemos cair no ciclo do que os projetistas de caça-níqueis designam "loop lúdico", repetindo ações: verificar e-mail, Facebook, Instagram, Twitter, e-mail. Repetir.

Smith nem sonhava com o smartphone, mas que melhor definição para um loop lúdico do que "realizar poucas operações simples, cujos efeitos talvez sejam os mesmos"?

Smith estava preocupado com empregos sem desafio mental: se surpresas ou problemas nunca surgem, o trabalhador "não tem ocasião de exercer sua inventividade para remover dificuldades".

Para o moderno trabalhador do conhecimento, o problema não é a facilidade de evitar desafios. O argumento é exposto pelo cientista da computação Cal Newport no livro "Deep Work". O trabalho que importa muitas vezes é difícil. Pode ser absorvente e satisfatório, mas é incômodo, causa dor de cabeça e costuma requerer recomeços.

O e-mail é mais fácil. Lendo o livro de Newport, percebi que o e-mail representa dupla tentação: ele nos liberta de tarefas árduas e ao mesmo tempo parece trabalho. Ser um ninja do e-mail parece profissional, mas muitas vezes representa um escape.

Em seu novo livro, "Micromastery", Robert Twigger elogia o domínio de pequenas competências, como não cozinhar, mas fazer o omelete perfeito. Devemos nos aprofundar -como requer Newport-, mas o domínio dessas pequenas competências é satisfatório.

Extraio três lições disso. A primeira é que aprender importa. A segunda é que trabalho sério requer esforço, e fugir disso pode ser tentador. Ter a liberdade de evitar pensamento fatigante é um privilégio, mas prefiro não abusar.

A terceira lição é que os métodos artesanais do passado nos ofereciam algo especial. Para Smith, era o desafio que vinha de resolver problemas imprevisíveis. Para Twigger, é a variedade de termos de fazer muitas coisas pequenas. Para Newport, é o fluxo que surge da imersão em uma competência que precisamos dominar. Talvez os três estejam tentando dizer a mesma coisa.

Smith percebeu que a era industrial iminente ameaçava essas alegrias do trabalho. 
A era pós-industrial também ameaça, de modo diferente. Felizmente, temos escolha.

Tradução de PAULO MIGLIACCI 

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