
Paula Adamo Idoeta - @paulaidoeta - Da BBC Brasil em São Paulo
Quando o estudante Anderson dos Santos Andrade, 16, faz o login na plataforma
virtual da escola, tem diante de si seu plano de estudos: faltam seis vídeos de
biologia para assistir e, depois, completar os exercícios online. Um dos
questionários vem com a hashtag #cainaprova, então Anderson sabe que aquele
conteúdo ajudará a garantir pontos na nota do bimestre.
A interface mostra também que ele já completou - e acertou - as dez questões de
funções trigonométricas da aula mais recente de matemática.
Aluno do 2º ano do ensino médio do Centro Educacional Sesi 415, em Artur Alvim,
zona leste de São Paulo, ele e seus 995 colegas de escola usam a plataforma
virtual para fazer as atividades indicadas pelos professores, acompanhar o próprio
desempenho em cada matéria e classificar os conteúdos pelo seu grau de
dificuldade: de "tô de boa" a "não estou entendendo nada".
À medida que Anderson completa as atividades, o sistema identifica, via algoritmos,
o quanto ele entendeu de cada matéria - e indica quais aulas deve assistir para
sanar suas dúvidas.
Na outra ponta, os professores do Sesi 415 medem o aprendizado de cada aluno e
cada turma, passam aulas complementares e fazem a correção automática dos
exercícios.
A experiência da escola paulistana é um exemplo de como a Inteligência Artificial
pode ser aplicada na educação - uma tendência mundial ainda repleta de desafios e
oportunidades.
"Conforme os alunos usam a ferramenta, assistem às aulas e respondem as
questões, recebemos os dados e os comparamos a modelos, para entender o que
eles aprenderam e quais suas dificuldades", explica à BBC Brasil Leonardo
Carvalho, cofundador da Geekie, empresa que é a provedora da plataforma usada
pelo Sesi.
Em uma aula de História do Brasil, por exemplo, o professor pode selecionar online
as questões que quer desenvolver em classe; pede aos alunos que assistam aos
vídeos para se prepararem para a aula e, depois dela, completem os exercícios
também via internet.
O professor e seus coordenadores recebem, depois, gráficos indicando o nível de
entendimento da turma: qual porcentagem completou os exercícios corretamente e
quais foram as principais falhas.
"A Inteligência Artificial no fundo é um conjunto de ferramentas estatísticas que cria
mais conhecimento quanto mais os alunos (a utilizarem)", prossegue Carvalho.
"Em uma sala com 50 alunos, o professor não consegue ver (a dúvida exata) de
cada um. O programa faz isso de modo escalonado."
O Geekie fornece o sistema atualmente para 600 escolas privadas brasileiras, além
da rede Sesi e para algumas escolas públicas, via patrocínio de empresas. A
empresa também ofereceu, na rede pública, um game de simulado do Enem, para
ajudar os alunos a identificar suas lacunas de aprendizado para o exame vestibular.
"Para essa nova geração, que não tem a cultura da paciência, é útil ver seus
resultados rapidamente e saber o que precisa corrigir (no aprendizado)", explica
Ana Maria Machado Tonon, diretora do Sesi 415.
"E para nós (professores) é um termômetro sobre o que precisa ser aprimorado ou
corrigido no conteúdo, sobre quais alunos fizeram ou não os exercícios. Antes, a
gente gastava muito tempo tentando identificar o que estava indo errado."
Experimentos globais
Ao redor do mundo, diferentes projetos estão aplicando a tecnologia e a Inteligência
Artificial em busca de avanços no processo de aprendizado.
Na Califórnia, a AltSchool também usa uma plataforma adaptada de ensino para
cada aluno, que tem sua "playlist" de vídeos, textos e exames elaborada conforme
suas preferências e suas deficiências de ensino.
Na Índia, o programa Mindspark criou um banco de dados ao longo de dez anos, a
partir de milhões de avaliações educacionais, para ajudar professores a identificar
com precisão - em vez de pela intuição - quais são as necessidades dos alunos.
E, no Reino Unido, a empresa Third Space Learning, em parceria com a
Universidade College London, tenta melhorar o aprendizado da matemática com
uma tutoria virtual adaptada para cada criança, com base na análise de milhares de
horas de aulas prévias.
De softwares inovadores a tablets, muito se tentou em termos de tecnologia em sala
de aula, nem sempre com impactos significativos no aprendizado. Agora, com o
avanço da Inteligência Artificial, é possível motivar alunos - sobretudo os que têm
mais dificuldades - desde que as ferramentas não sirvam de muleta (ou seja,
ensinem a criança a andar com as próprias pernas) e desde que não sejam usadas
de modo aleatório, diz à BBC Brasil a professora Rose Luckin, que pesquisa o tema
na College London e acompanha o Third Space Learning.
"O mais importante é identificar bem qual o problema que a escola está tentando
resolver com a tecnologia, e daí usar a Inteligência Artificial no que ela é útil e
manter o (ensino) humano no que ele é útil", explica ela.
Computadores, explica ela, são eficazes em analisar dados e identificar padrões -
por exemplo, de erros e acertos dos alunos. "Mas não são bons, por exemplo, em
entender emoções ou replicar o intelecto e o instinto de um bom professor."
Essa acaba sendo uma questão crucial: segundo Luckin, o ideal é que a tecnologia
não substitua o professor, mas sim ajude-o a aperfeiçoar e otimizar suas aulas.
"Pode ser que no futuro haja pressão comercial para substituí-los, mas acho que
esse caminho seria equivocado. O ideal é combinar interação humana à tecnológica
(na sala de aula)."
No Brasil, o Geekie explica que um dos desafios iniciais foi justamente convencer
os professores de que a plataforma não tem a intenção de tomar o lugar do
docente.
"É para ajudar o professor e ser um facilitador do aprendizado, que é impossível de
ser mecanizado", diz Leonardo Carvalho. "A ideia é dar mais ferramentas para
auxiliar a parte que só o professor consegue fazer."
Desafio: capacitar professores
Reside aí, então, o primeiro grande desafio da Inteligência Artificial na educação: a
formação de bons professores, capazes de utilizar a tecnologia a seu favor para
melhorar a sala de aula.
"A tecnologia não dispensa o professor, mas ele deixa de ser o dono do saber e se
torna um mediador", opina Aníbal dos Santos Peça, coordenador pedagógico do
Sesi 415. "Seu papel passa a ser ensinar o aluno a ser um bom pesquisador."
Esse pode ser um entrave significativo no Brasil, onde a formação de professores é
tida por especialistas como excessivamente teórica e deficitária.
E, em segundo lugar, existe o obstáculo da infraestrutura. O Sesi 415 só conseguiu
usar plenamente as ferramentas de Inteligência Artificial no início do ano, quando a
região de Artur Alvim, afastada do centro da cidade, finalmente recebeu rede de
fibra ótica para internet rápida.
"Há até pouco tempo, algumas de nossas escolas só tinham internet discada", diz
Karina de Paula Vezzaro, analista técnico-educacional do Sesi em São Paulo. "Isso
impacta muito. A internet no Brasil é cara e ruim."
Segundo dados do Censo Educacional 2016 do Ministério da Educação tabulados
pela plataforma QEdu, 68% das 183,3 mil escolas básicas do Brasil têm internet. A
banda larga está disponível em 56% delas.
"A má qualidade da internet móvel ainda é gritante. Mas pouco a pouco a tendência
é que esses gargalos sejam superados", opina Ricardo Azambuja Silveira, professor
associado do Departamento de Informática e Estatística da Universidade Federal de
Santa Catarina e estudioso da Inteligência Artificial.
Para ele, a tendência é de que a tecnologia ajude a democratizar o ensino, mesmo
que seu uso seja mais sutil do que imaginemos.
"Às vezes, são tecnologias um pouco invisíveis para usuários finais e que vão
sendo incorporadas na rotina (da educação)", diz à BBC Brasil. "Há desde o ensino
adaptativo (moldado para cada estudante) até sistemas capazes de recomendar
sites confiáveis para estudantes de determinadas áreas. Os moocs (cursos abertos
e gratuitos online) também começam a incorporar a análise dos dados de seus
usuários (...) para identificar as deficiências dos alunos."
Desafio da democratização
Para Luckin, da Universidade College London, a democratização - ou não - do
ensino com a tecnologia é a "pergunta de um milhão de dólares".
"Acho que isso vai depender das escolhas feitas pelos humanos", diz ela. "Temos
um deficit mundial de 69 milhões de professores, e a Inteligência Artificial pode
ajudar nisso - não substituindo-os, mas provendo tutores e melhorando os
professores existentes. Mas ainda temo que os (alunos) mais ricos consigam
adquirir essa tecnologia antes e que isso aumente a distância (deles em relação aos
mais pobres).
Para Carvalho, do Geekie, um dos potenciais da tecnologia é permitir ao aluno não
depender tanto da disponibilidade física do professor. "(O sistema) não é
equivalente a ter um professor particular, mas emula esse professor a um custo
mais baixo."
É preciso levar em conta, também, os limites da tecnologia - a qual, pelo menos por
enquanto, é pouco eficiente em avaliar nuances, como a inteligência emocional dos
alunos ou sua capacidade de escrever uma redação.
Tanto que, no Geekie, as redações dos simulados do Enem foram corrigidas
manualmente por professores.
"A parte de competências emocionais ainda é uma área inexplorada", explica
Carvalho, que também almeja, no futuro, desenvolver sistemas capazes de integrar
os diferentes campos de conhecimento do currículo escolar, em vez de apenas
analisar os alunos de modo compartimentalizado - em matemática, português, física
e assim por diante.
À medida que crescem as possibilidades, será necessário aumentar, também, o
discernimento de professores e agentes políticos, opina Rose Luckin.
"A sala de aula mudará drasticamente, e todos precisarão aprender a lidar com
isso", diz ela. "Professores terão que ser treinados para decidir quais produtos
serão mais eficientes para suas necessidades, e políticos sem informação suficiente
podem comprar tecnologias achando que elas resolverão determinados problemas,
e talvez elas não resolvam."
De volta ao Sesi 415, na zona leste de São Paulo, a tecnologia tem sido encarada
como uma ferramenta para dar mais subsídios aos professores e mais
protagonismo aos alunos.
"Não é um remédio (para os problemas do ensino)", diz o coordenador Aníbal Peça.
"Ela não soluciona tudo, mas dá velocidade às soluções."
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