domingo, 13 de agosto de 2017

EDUCAÇÃO PRECÁRIA CRIA BATALHÃO DE JOVENS SEM ESPERANÇA

“Temos mais de 15% dos nossos jovens de 15 a 17 anos fora da escola. E isso tem permanecido estável nos últimos 10 anos. É um desastre. É uma geração inteira sendo prejudicada”

Ricardo Paes de Barros


Moradora do Vasco da Gama, bairro da periferia recifense, na Zona Norte da capital pernambucana, Daniele Jéssica Xavier da Silva, 25 anos, é da geração que não estuda nem trabalha. Abandonou a escola no último ano do ensino fundamental porque engravidou aos 15 anos. Não consegue emprego por causa da baixa escolaridade. Há, no Brasil, atualmente, 1,7 milhão de pessoas com idade entre 15 e 24 anos na mesma situação de Daniele. Jovens que mal sabem ler, escrever e fazer contas. Que poderiam estar ativos no mercado de trabalho. Mas, por falta de uma boa escola e estímulo para seguir, comprometeram seu futuro. E o do País também, que sofre com mão de obra precária e mal qualificada.

“Temos mais de 15% dos nossos jovens de 15 a 17 anos fora da escola. E isso tem permanecido estável nos últimos 10 anos. É um desastre. É uma geração inteira sendo prejudicada. Nossos indicadores educacionais são muito ruins, em qualidade, em quantidade, em desigualdade”, ressalta o economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, Ricardo Paes de Barros. Na faixa etária entre 15 e 17 anos – idade considerada padrão para que o jovem esteja cursando o ensino médio – há 1.593.143 brasileiros sem estudar. É quase a população do Recife, que hoje é de 1,6 milhão de habitantes. Em Pernambuco, são 93.190 jovens na mesma situação, em um universo de 519 mil pessoas nessa faixa etária no Estado.



Com dois filhos aos 25 anos, Daniele é o retrato da geração que abandonou a escola e não trabalha

Tornar a escola atraente, sobretudo no ensino médio, com aulas e atividades que dialoguem com os anseios dessa geração, é um dos desafios. Antes disso, é preciso resolver problemas graves que aparecem no início da educação básica, como o aprendizado da leitura e da escrita na idade certa. É um dos sinais de alerta na educação pública brasileira. A alfabetização era uma preocupação para os países desenvolvidos no século 19. No Brasil já se passaram quase duas décadas do século 21 e esse é um dos entraves que repercutem diretamente na continuidade e conclusão dos estudantes da educação básica.

“Alfabetização, nos países desenvolvidos, é um tema que não se discute mais. E isso ainda é um problema no Brasil. Não estamos conseguindo alfabetizar nossas crianças. No 5º ano do ensino fundamental, 30% delas não sabem ler nem escrever. Chegam ao 9º ano e continuam ainda sem ler e escrever direito”, observa o presidente do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), Marcos Magalhães. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), de 2012, defende que a criança esteja plenamente alfabetizada até o 3º ano do ensino fundamental (quando tem, em média, 8 anos de idade). A proposta da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em discussão no País, é que esse processo seja concluído mais cedo, ao término do 2º ano.

PISA

O Pisa é uma avaliação realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a cada três anos com estudantes de 15 e 16 anos e que estejam cursando no mínimo o 7º ano do ensino fundamental. Em 2015, ano da última avaliação, o foco foi ciências, mas foram avaliadas também leitura e matemática. Setenta países participaram. No Brasil, responderam as provas do Pisa 23.141 estudantes de 841 escolas.


SEM BASE

Com deficiências no aprendizado de português e, consequentemente de matemática, a probabilidade de as crianças abandonarem a escola é grande. Quarenta por cento chegam ao final do ciclo de alfabetização sem letramento adequado, diz o diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves. “De cada cem estudantes que começaram o ensino fundamental, somente a metade chegará ao ensino médio. Mas qual é o grande drama, além da perda de gente? Daqueles que chegam ao fim do ensino básico, no 3º ano do ensino médio, somente 28% aprendem o que seria esperado em língua portuguesa. Em matemática é um caos. Chegamos ao abismo mais profundo, quando só 7% dos jovens aprendem o que deveriam em matemática, incluindo escolas públicas e particulares”, informa Mozart Neves.

O diretor do Instituto Ayrton Senna apresenta outro dado preocupante: a cada minuto, um jovem do ensino médio larga a sala de aula. “São cerca de 545 mil jovens que abandonam a escola, por ano, no Brasil. Isso custa, só com o abandono, 3,3 bilhões de reais”, enfatiza Mozart Neves. “Se a gente contabiliza abandono e reprovação, os dois juntos, nas três etapas da educação básica, anos iniciais e finais do ensino fundamental e o ensino médio, o prejuízo chega a R$ 23 bilhões”, destaca.

“Não tinha com quem deixar meu filho e precisava cuidar da casa. Também durante a gravidez fiquei muito enjoada, sem paciência e muito cansada. Hoje me arrependo porque se está difícil conseguir emprego para quem tem estudo, imagine para quem não tem. Já tentei, mas não acho trabalho”, conta Daniele Jéssica, que abandonou a escola quando chegou ao 9º ano e é mãe de um menino de 9 anos e uma garota de 4 anos. O marido dela só estudou até o 5º ano do ensino fundamental.

Assista à entrevista

Tânia Bacelar
(Economista)








PRESENTE E FUTURO

Apesar do quadro negativo, não é pouco o que se investe em educação no País. Segundo o Ministério da Educação (MEC), as verbas destinadas à área representam 6% do Produto Interno Bruto (PIB), o que equivale a cerca de R$ 343,8 bilhões (dados de 2014). “O orçamento do MEC triplicou ao longo de 12 anos, mas isso não produziu resultados. Pelo contrário. Temos graves problemas da educação infantil ao ensino médio, na educação básica. E isso interfere diretamente na produtividade. Tanto que a produtividade média da economia brasileira está estagnada há anos. E um dos aspectos que se considera para essa estagnação é fruto dessas deficiências educacionais”, enfatiza o ministro da Educação, Mendonça Filho.

“A qualidade dos profissionais que vão para as empresas está diretamente ligada à qualidade da educação que eles receberam. Isso vai impactar em produtividade, em competitividade, em inovação. Não existe país desenvolvido que não tenha um bom nível de qualidade educacional”, enfatiza o secretário de Educação de Pernambuco, Frederico Amancio.

“Educação não é apenas um investimento social. É também um investimento no desenvolvimento econômico. E tem que envolver governantes, empresários, políticos e a sociedade para que efetivamente possamos perceber mudanças”, complementa o secretário. Do setor privado, ele cita parcerias no Estado, com Natura, com os Institutos Sonho Grande e Ayrton Senna, Banco do Brasil, Unibanco, Oi, Grupo Moura, Fiat, entre outros.

DISTÂNCIA ENTRE ESCOLA E MERCADO PREJUDICA ECONOMIA

A má qualidade do ensino não é o único problema da educação brasileira. O descompasso entre o conteúdo que as escolas e universidades passam aos estudantes e o que o mercado de trabalho espera receber desses profissionais é outro obstáculo. Jovens brasileiros não só concluem etapas importantes do ensino com deficiência nos conteúdos essenciais. Têm pouca noção do que o mundo do trabalho espera deles. O cenário se torna ainda mais desafiador em um momento de crise econômica: segundo o IBGE, enquanto a taxa média de desemprego no Brasil fica em 13%, na faixa de 18 a 24 anos o percentual salta para 28,8%.

Uma das maiores dificuldades nas instituições de ensino é acompanhar a velocidade das mudanças no mercado. As empresas dependem da inovação para continuarem competitivas, enquanto o funcionamento da sala de aula fica na dependência de seus gestores, de capacitações dos professores e adequações curriculares. Assim, os processos ficam mais lentos e o mercado brasileiro perde em produtividade.

"Quando nós cruzamos essa percepção (de profissionais sem qualificação básica) por parte das empresas brasileiras com os problemas de qualidade do sistema educacional, há uma convergência, e se explica o porquê de nós ocuparmos as últimas posições nos rankings de qualidade”, analisa o diretor de Educação e Tecnologia da CNI, Rafael Lucchesi.

Produtividade de um trabalhador estrangeiro x brasileiro




Para se ter uma ideia, um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que o salário médio real dos trabalhadores industriais brasileiros cresceu 1,8% entre 2002 e 2012, mas a produtividade média individual só evoluiu 0,6%. Na prática, os dados reforçam que o País pouco avançou na competitividade em uma década, sendo deixado para trás por inúmeros concorrentes que sofrem com falta de mão de obra jovem, como Itália e Espanha.

Os dados ruins de eficiência do País, no entanto, destoam do tamanho da economia brasileira. Nações como Noruega e Cingapura, com índice de produtividade muito superior ao nosso, não aparecem sequer entre as maiores economias do mundo. “O Brasil é, de um lado, uma das economias mais pujantes do planeta, uma das mais expressivas em termos de PIB, mas de outro se coloca numa situação vexatória do ponto de vista educacional, principalmente na educação básica”, lamenta o ministro da Educação, Mendonça Filho.

Os 15 países que mais destinam recursos públicos para a educação*

*Gastos desde o ensino fundamental até o superior em percentual




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*Em milhões de dólares (2016)

Além de deficiências de conteúdo tradicional – como português e matemática –, as empresas sentem falta de uma formação humana que desenvolva características como proatividade, criatividade e liderança. “Percebemos um sistema de ensino muito acadêmico, distante das necessidades organizacionais que estão em constante mudança. Os desligamentos dos estágios acontecem, em sua maioria, por motivos comportamentais, uma vez que o conhecimento técnico é desenvolvido ao longo do treinamento prático. As empresas têm se queixado do perfil dos estudantes, sobretudo nas limitações de expressão verbal e escrita, na utilização da informática básica, bem como na apresentação pessoal até durante a entrevista”, analisa a superintendente adjunta de Operações do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), Ana Patrícia Gomes de Oliveira.

O presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger, destaca a necessidade da formação de profissionais conectados com a realidade social. “As escolas devem formar profissional-cidadão, aquele que está no trabalho sabendo o que aquilo representa, sabendo os resultados do que ele produz e os impactos disso”, sugere.



Para tentar mudar o quadro de baixa qualificação, muitas empresas oferecem a base que o profissional não teve na escola. Levantamento da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD) referente a 2016 mostra que, das instituições que investiram em capacitação, apenas 29% não incluíram conteúdos curriculares do ensino fundamental e médio nos cursos oferecidos.

“A tendência é que os diversos setores passem a investir em educação. Estamos chamando de economia do conhecimento o que vem por aí”

Empresas de todos os segmentos, estão percebendo a necessidade de oferecer capacitações, sejam elas direcionadas ou básicas. Segundo estudo realizado pela empresa de auditoria e consultoria Deloitte, entre os anos de 2014 e 2016, houve um aumento de 42% no número de empresas que contam com equipes próprias focadas em educação. Dessas, 37% ainda precisam lidar com conteúdos chamados de “soft skills”, que abrangem os chamados aspectos comportamentais. Iniciativas localizadas são sempre bem-vindas, mas a necessidade de acabar com o abismo entre mercado e escolas precisa ser encarada como política de Estado. Só assim o País crescerá de forma sustentável.

Mas esse gap não fica restrito aos anos escolares. O ensino técnico e superior também apresentam desafios importantes na formação de mão de obra que atenda às expectativas do mercado. No Brasil, a indústria foi uma das pioneiras no investimento em educação, a exemplo do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Criado na década de 1940, já formou 68 milhões de trabalhadores e seu modelo foi replicado por setores como comércio e transporte, com o Senac e Senat, respectivamente.

“A indústria brasileira, de forma geral, está mais exposta à competição internacional. As atividades de serviço são menos sensíveis à competição por serem locais. Certamente a atividade industrial, sobretudo nos mercados mais competitivos, tem que se movimentar na direção dos melhores padrões globais”, defende Rafael Lucchesi.

Justamente por isso, a indústria está de olho na chamada revolução 4.0, em que o rápido desenvolvimento tecnológico deve fazer nascer funções que hoje nem existem. Por isso, uma educação alinhada com as demandas econômicas será cada vez mais urgente. “A tendência é de que os diversos setores passem a investir em educação. Estamos chamando de economia do conhecimento o que vem por aí. O nome já diz. Onde é que a gente adquire, transmite e cria conhecimento novo? Então o sistema educacional é uma das peças centrais desse processo”, acredita a economista e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tânia Bacelar.


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