sexta-feira, 30 de junho de 2017

Não é o foco, bobo. É a coragem!

Foco, foco, foco, exortam a plenos pulmões gurus de autoajuda, gerentes, tutores, treinadores, bloggers e youtubers. Estão errados


Ricardo Neves
Ricardo Neves É empreendedor, consultor, autor de seis livros sobre estratégia, usados em workshops e atividades in-company. Entre eles, destaca-se Tempo de pensar fora da caixa. Adora conversar sobre inovação e mudança. www.ricardoneves.com.br
Foco, foco, foco, ecoam todos aqueles que buscam caminhos e inspiração para deslanchar na vida e realizar seus sonhos, seja para passar em concurso público, ascender na empresa, realizar um projeto importante, ganhar uma medalha olímpica. Alegro ma non troppo, pessoal!
Cuidado com essa zoeira toda. O segredo da vida não está nessa obcecada, excessiva e mágica pontualização da atenção que faz com que transformemos foco na quintessência das virtudes. Isso pode acabar sendo um tiro no pé.
Foco excessivo pode representar riscos catastróficos, em primeiro lugar pela perda de visão lateral e em segundo lugar pela redução da capacidade de olhar prospectivamente, isto é, contemplar horizontes de médio e longo prazo.
Todos somos parte de um ecossistema complexo, dinâmico, de conexões e entrelaçamentos múltiplos, e nesse contexto o foco em excesso pode nos alienar da compreensão mais holística e criativa dessa realidade.
A turma que adora gritar “foco, foco, foco!” gosta igualmente de apregoar que quem deseja algo muito intensamente faz o Universo conspirar a seu favor. A verdade é que o Universo tem mais coisas urgentes e prioritárias a fazer do que ficar conspirando em favor dos sonhos de 7,5 bilhões de seres humanos.
Além disso, quem tem foco excessivo tem dificuldade em pivotar, isto é, de mudar de planos e igualmente de saber a hora de recuar, jogar a toalha, abandonar o navio, quando isso é a coisa mais sensata a fazer.
“Qualquer batalha se desenrola bem diversamente da maneira planejada pelos seus diretores. Esse é um fato capital”, como muito propriamente ponderou Tolstói em seu épico Guerra e paz, em seu relato da desastrosa campanha em que Napoleão, exemplo paradigmático de foco, arrastou para a morte um exército de mais de 400 mil soldados na invasão da Rússia em 1812.
Sabe o que faz mesmo a diferença, mais que o foco? Coragem!
Coragem torna os homens diferentes dos meninos, isto é, dos adultos que, por medo e conformismo, acreditam ser possível se esquivar das batalhas ininterruptas que surgem em nosso caminho do nascimento até a morte.
Coragem é o que a vida pede da gente, dizia Guimarães Rosa. Coragem é a primeira de todas as qualidades do ser humano, sustentava Winston Churchill.
É ótimo manter o foco, mas, como tudo na vida, tem uma medida certa. Mas não sejamos uns foco-bobalhões, repetindo como papagaio essa arenga que ninguém aguenta mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário