sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Escola sem ideias?

claudia costin
Claudia Costin
É professora visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Banco Mundial, secretária de Educação do Rio e ministra da Administração. Escreve às sextas-feiras.

Tenho acompanhado com certa apreensão as discussões sobre um projeto de lei que propõe uma escola sem partido. Preocupam-me sempre medidas que buscam censurar a prática docente e eu, com certeza, posiciono-me contra essa iniciativa.

Proibir o professor de ensinar colocando-se inteiro no processo, com suas convicções e crenças, não é só eticamente errado, é ingênuo supor que seja possível.

Aproveito, no entanto, o inevitável debate para trazer uma reflexão. Afora o clima polarizado que precedeu o impeachment e se manteve depois dele, a relativa adesão que encontrou o projeto de lei deveria nos fazer pensar.

Os proponentes do projeto atiraram numa coisa e acertaram em outra: de fato, as escolas estão formando cidadãos críticos e autônomos em suas ideias? As aulas levam os alunos a adotar mecanicamente as visões de mundo dos mestres ou a formular seus próprios juízos acerca do que está sendo discutido?

Minha mãe estudou na Hungria no começo dos anos 1940 e contava como um de seus professores relatava, como verdade histórica, que os generais da Romênia, país vizinho, usavam calções de mulheres sob seus uniformes. A transmissão de preconceitos na escola não começou agora e é própria de uma escola que não ensina a pensar.

John Dewey defendia que é papel da escola educar para o pensar, ensinar as crianças a raciocinar, e não a receber formulações acabadas. Ora, um professor que apresenta sua visão de mundo como a verdade única não está educando, estará, isso sim, ajudando a criar um seguidor de líderes geniais das massas. 

Certamente não é isso que queremos.

A escola deve ser um espaço em que ideias circulam, hipóteses são debatidas, seja sob as lentes da ciência ou sob a análise das possibilidades.

Em matemática, mais importante que apresentar um algoritmo e depois 40 
exercícios de aplicação, deve-se ensinar a raciocinar matematicamente. Em história, não basta transmitir a sequência dos eventos e dar-lhes um nexo lógico baseado na visão do mestre ou do livro. É importante apresentar os problemas que desafiam o mundo e ouvir os alunos a respeito.

Não há possibilidade de aprender a pensar se a "verdade", seja a do professor, seja a do livro didático, for apresentada antes de perguntas ou problemas que evocam esse aprendizado serem discutidos. E isso cabe, sim, à escola fazer.

Como afirma excelente reportagem da revista "Nova Escola" sobre o projeto de lei, mais do que criar leis contra a doutrinação, a melhor saída para o ensino é colocar na mesa diferentes visões e ensinar a pensar e a debater. 

Sem ideias e debate não há educação nem democracia.

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