Fortalecer disciplinas de ciências e matemática é vital para que o país chegue ao futuro como protagonista
Por Virgilio Almeida e Danilo Doneda
Virgilio Almeida é professor visitante na Universidade de Harvard e foi secretário de política de informática no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no período 2011/2015.
Danilo Doneda é professor da Escola de Direito da UERJ e especialista em direito do consumidor e privacidade
13/10/2016 05:00
Com ou sem crise, a digitalização da economia e da sociedade segue sua marcha inexorável. O Facebook já ultrapassa 1,7
bilhão de usuários e, a cada minuto, o Google responde a mais de 2,4 milhões de consultas e o WhatsApp envia mais de 21
milhões de mensagens para 1,1 bilhão de usuários. Uber e Airbnb seguem causando mudanças nas indústrias de
transporte, automobilística e hoteleira. Das dez maiores empresas globais, cinco são de tecnologia digital: Apple, Google,
Microsoft, Facebook e Amazon. Esse é o lado brilhante da digitalização. O lado cinza é a questão do emprego. Na esteira
do avanço das tecnologias digitais e, em particular, da inteligência artificial, existe uma discussão em torno do emprego e
da substituição do trabalho humano por robôs e algoritmos.
Empresas como Tesla e Amazon dependem essencialmente de robôs para várias tarefas, desde a manufatura em si até a
logística de suas operações. Além disso, novas tecnologias de produção e logística estão alterando as cadeias globais de
manufatura. Impressoras 3D, robôs, algoritmos, inteligência artificial e manufatura avançada vêm gradativamente
redesenhando o mapa global de produção, valorizando a inovação e a qualificação da mão de obra.
Na última reunião anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência, o cientista Moshe Vardi afirmou que nos
próximos 30 anos o avanço da robotização deve levar a uma taxa de desemprego superior a 50%. Um estudo da assessoria
econômica da Casa Branca apresenta dados importantes e preocupantes não apenas para os EUA, mas para a economia
global. O estudo mostra que os primeiros trabalhadores a serem substituídos pela automação são os de menor
qualificação que, nos EUA, ganham menos de US$ 20 por hora.
Frente a esse avanço da automação, a pergunta é: como o Brasil deve se preparar para o futuro digital? Ainda que o debate
em torno do emprego no Brasil não tenha a automação como um de seus eixos principais, é certo que o país já está
sofrendo as suas consequências. O país não pode apenas aguardar a chegada do futuro. O país necessita de ações de curto
e médio prazo ao longo de três pilares fundamentais, que giram em torno de três temas: arcabouço jurídico institucional,
segurança cibernética e capacitação da sociedade.
Preparar se institucionalmente para o futuro do trabalho implica uma série de providências e uma delas é a modernização
do marco regulatório que será aplicado aos setores da economia afetados. Neste sentido, há o exemplo virtuoso do Marco
Civil da Internet que, ao mesmo tempo em que estabelece garantias e direitos para o usuário da rede, proporciona a
empresas que atuam na internet a necessária segurança e clareza sobre as regras que deverão seguir o que é vital para o
desenvolvimento de setores competitivos na economia da informação e para a atração de negócios.
O exemplo do Marco Civil não é, porém, uma panaceia e há diversas áreas e setores que sofrem com uma regulação
anacrônica e pouco inclinada à proteção de direitos e promoção da economia na Sociedade da Informação, em áreas nas
quais urge a modernização normativa. Destas, talvez o que seja mais premente é o estabelecimento de um marco
normativo sobre proteção de dados pessoais no Brasil. Ou seja, o estabelecimento de normas que garantam ao cidadão
controle e transparência sobre a utilização de seus próprios dados pessoais, condição indispensável para o exercício da
cidadania e para a democracia na sociedade contemporânea.
Esse é um assunto sobre o qual o país está em franco atraso (contamse hoje em 109 os países que possuem leis deste
gênero!), o que causa tanto problemas comerciais, devido à incompatibilidade da legislação nacional com a de outros
países, como acarreta ao cidadão brasileiro lacunas bastante graves em seus direitos.
A confiança no espaço digital é elemento chave para a digitalização da
economia. Confiança nas transações comerciais, na identidade dos cidadãos e
consumidores, confiança na estabilidade e segurança da internet. Confiança
na prevenção e punição de crimes cibernéticos. O Brasil fez progressos
significativos nos últimos anos com a criação do Centro de Defesa Cibernética,
ligado às Forças Armadas. A aceleração da economia digital, porém, requer
iniciativas que envolvam empresas e cidadãos.
A cibersegurança depende do comprometimento de todos os setores da
sociedade e não é assunto que deva nem possa ser tratado unicamente no plano militar. Recentemente, por exemplo, o
presidente Obama anunciou um plano nacional de ações de cibersegurança, no qual a responsabilidade pela segurança
cibernética do país é compartilhada entre governo, empresas e os cidadãos.
O Brasil precisa preparar sua força de trabalho para os desafios digitais, desde a formação maciça de engenheiros e
cientistas de computação até a inclusão do pensamento computacional nos currículos dos ensinos fundamental e médio.
A preparação da sociedade para o futuro digital passa pela formação de capital humano capaz de gerar produtos e
tecnologias competitivas e capacidade de usar adequadamente as tecnologias digitais nos mais diferentes setores da
economia.
O fortalecimento das disciplinas de ciências e matemática (as disciplinas STEM ciência, tecnologia, engenharias e
matemática) é essencial para que o país ingresse no futuro digital como protagonista e não como um observador periférico
do mundo digital.
O futuro digital carrega várias incertezas em relação a emprego, concentração de riquezas e mudanças em valores
fundamentais como privacidade e segurança. Mas traz também oportunidades de desenvolvimento econômico e de
políticas de inclusão social e econômica. O caminho a seguir depende de ações e iniciativas do governo, empresas e
sociedade. E um ponto é certo: a preparação deve começar imediatamente, para que o país não chegue despreparado no
futuro digital.
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