terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Veja dicas para lidar com bullying e como evitar traumas nas crianças



BULLYING

EFE


Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46,6% dos alunos já sofreram algum tipo de bullying na escola. E 7,4% declararam que são humilhados frequentemente, sendo sua aparência um dos principais motivos. Simone Domingues, professora do curso de Psicologia da Universidade Guarulhos (UNG), explica que durante o período escolar a pessoa está criando consciência sobre quem é, por isso, é natural ter inseguranças. Assim, é facilitada a ação dos agressores, já que eles se fortalecem com as fraquezas de seus alvos. Confira a seguir dicas de como identificar o bullying na escola e o que fazer para combatê-lo e evitá-lo: 

COMO IDENTIFICAR O BULLYING NA ESCOLA?
Normalmente o aluno não conta que está passando pelo problema, ele tem vergonha, por isso os pais e professores devem ficar atentos com mudanças de comportamento. Se o estudante passar a não querer ir para a escola, expressar manifestações de isolamento ou até mesmo de violência, pode ser um sinal. 

COMO IDENTIFICAR O BULLYING NA ESCOLA?
O ideal, para Simone, é que as escolas façam dinâmicas e palestras sobre o assunto, para explicar o que é o bullying, ensinar estratégias de ajuda e orientar as vítimas a falarem sobre seu tormento com um responsável. Em alguns casos, seria interessante a intervenção de um psicólogo para trabalhar a vítima e o agressor, pois em muitos casos agredir também é uma maneira de pedir ajuda.

O QUE FAZER PARA AJUDAR A CRIANÇA QUE SOFRE BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR?
Conversar com a criança vai permitir que ela expresse seus sentimentos em relação às agressões e ameaças. Evite fazer críticas e não minimize o problema. A criança precisa ser ouvida.

O QUE FAZER PARA AJUDAR A CRIANÇA QUE SOFRE BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR?
Os pais e professores precisam mostrar apoio e acolher a criança que sofre bullying na escola. É importante que os adultos reafirmem a vítima de bullying, valorizando suas qualidades e mostrando que ela não é culpada pelas agressões que sofre. 

O QUE FAZER PARA AJUDAR A CRIANÇA QUE SOFRE BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR?
Conversar com a criança vai permitir que ela expresse seus sentimentos em relação às agressões e ameaças. Evite fazer críticas e não minimize o problema. A criança precisa ser ouvida.

O QUE FAZER PARA AJUDAR A CRIANÇA QUE SOFRE BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR?
Os pais devem relatar o bullying com crianças a um responsável no colégio para tomar providências contra os agressores. Nos casos mais graves, quando há perseguição na internet, é necessário reunir provas do conteúdo abusivo. Imprimir páginas e mensagens ofensivas à criança para fazer um boletim de ocorrência. 

AÇÕES EM CONJUNTO PARA EVITAR O BULLYING NA ESCOLA
Discutir o tema em casa e na sala de aula também é um meio de conscientizar os agressores e criar políticas de não tolerância ao bullying com crianças.

AÇÕES EM CONJUNTO PARA EVITAR O BULLYING NA ESCOLA
Organizar programas antibullying na escola e na comunidade traz benefícios. Essas campanhas podem promover ações como palestras com psicólogos e capacitação dos pais e funcionários para lidar melhor com o bullying. 

Quem vai pagar a conta do Plano Nacional de Educação?


Ilona Becskeházy e Paula Louzano | Missão Aluno

É importante conhecer as estimativas de custo para implementar o Plano Nacional de Educação. Elas estão bastante substanciais para a economia brasileira.

É preciso ensinar desde pequeno a contar com o imprevisível

rosely sayão
Rosely Sayão
Psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia a dia dessa relação.

"Como ensinar aos filhos que a vida é incerta?". Foi essa a pergunta de uma mãe que se deparou com uma intensa crise do filho. Ele, tendo planejado prestar vestibular, passar e cursar neste ano a faculdade que escolhera, ficou doente e não pôde comparecer ao exame.

Acontece que o jovem ficou inconformado por ter se dedicado durante o ano todo à sua meta: saiu pouco, estudou muito e sentia-se preparado para as provas. Por isso, entrou num desânimo total e está disposto a não fazer a mesma coisa neste ano. Considerei a questão interessante e por isso vamos conversar a esse respeito.

Se você pensar bem, caro leitor, vai perceber que temos agido de um modo que parece nos proteger de tudo o que é incerto, e temos passado isso aos mais novos. Usamos agenda, estabelecemos metas, planejamos o dia, a semana, o mês e assim por diante.

Em relação aos filhos, planejamos seu futuro acreditando piamente que o que fazemos hoje funcionará nas décadas próximas para eles. Achamos importante que tenham rotinas, hábitos, e que isso os ajudará a viver bem no futuro. É por isso que cobramos tanto deles que estudem e sejam bons alunos: para garantir um bom futuro para eles.

Acontece que a vida, principalmente no século 21, é uma grande aventura, inclusive em relação ao conhecimento. O que era considerado certo até outro dia, novos estudos mostram que não é mais. Isso significa que o conhecimento compreende sempre uma ilusão, mesmo que transitória. E como é o conhecimento que nos permite ler a realidade que nos circunda, nossa leitura também corre o risco de estar comprometida.

Viver como um equilibrista: talvez seja essa uma boa lição que podemos ensinar aos filhos. Para ser equilibrista, é preciso ter, ao mesmo tempo, coragem e precaução e, principalmente, contar com a imprevisibilidade.

É preciso também saber previamente que, mesmo tendo treinado muito, dedicado grande parte de seu tempo em busca do equilíbrio na corda bamba, um vento inesperado, um passo em falso ou um leve descontrole corporal pode levar à queda. Para não desistir, o equilibrista precisa de resiliência e de persistência.

Tudo isso precisamos ensinar aos filhos desde que eles são pequenos. Fazemos isso, em geral, nos primeiros anos de vida deles. Quando estão aprendendo a andar, por exemplo, incentivamos que continuem mesmo quando caem, não é? 

Estamos lá perto, encorajando, chamando, fazendo de tudo para que não desistam. Nesse momento, não podemos andar por eles!

Mas, aos poucos, à medida que crescem, temos a tendência de fazer por eles o que eles podem fazer sozinhos: em vez de encorajar e acolher nas frustrações que sofrem, buscamos estratégias para contorná-las; quando fracassam, mesmo tendo se dedicado, vamos em busca do bom resultado que deveria vir; quando enfrentam os imprevistos, fazemos de tudo para que eles não tenham efeitos na vida dos filhos.

Isso não é bom porque solidifica a ideia, para eles, de que na vida temos o controle de quase tudo e que não há lugar para os imprevistos, para as incertezas.

Pode ser uma boa ideia transmitir aos filhos que é possível que o improvável se realize mais do que o provável, e que precisamos saber esperar o inesperado, como diz Edgar Morin em seu livro "Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro". 

EDITORIAL A bomba do Fies


O pior ainda está por vir. A conclusão se impõe da leitura dos dados sobre o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) em reportagem desta Folha no domingo (29).

Cabe ressaltar que nada há de errado em dar crédito para alunos de baixa renda custearem um curso universitário. Ao contrário, pode ser um forte estímulo para aumentar o número de matriculados no ensino superior, que era de 7,8 milhões de pessoas em 2014.

Muito já se falou, porém, da irresponsabilidade que norteou a expansão do Fies nos governos de Dilma Rousseff (PT). Regras e condições de empréstimo foram consideravelmente relaxadas em 2010, o que levou a uma explosão na quantidade de contratos.

Naquele ano em que Dilma se elegeu presidente da República, eram 76,2 mil os financiados. Quatro anos depois, o contingente chegava a 731,7 mil contemplados com o crédito amplamente subsidiado.

Para as universidades privadas, foi o milagre da extinção da inadimplência, um problema crônico. Até alunos com renda suficiente para pagar mensalidades recebiam estímulos para aderir ao Fies.

Para o estudante, as condições eram tentadoras: juros de 3,4% ao ano, carência de 18 meses e prazo de três vezes a duração do curso mais 12 meses. Ou seja, após quatro anos de estudo, o agraciado terminaria de saldar a dívida só 14 anos e 6 meses depois de formado.

O Fies foi mais um exemplo do descaso com a sanidade das contas públicas que ajudou a reeleger Dilma. Com a deterioração que se seguiu, ela foi obrigada a rever o programa, elevando os juros para 6,5% e restringindo as condições para obter o financiamento.

Mal se começa a colher, agora, o resultado de tanta liberalidade com o dinheiro do contribuinte —dispêndio médio de R$ 13,6 bilhões ao ano no período de 2014 a 2016.

A inadimplência no Fies, que sempre foi alta, está subindo. Era de 47% em 2014 e em 2016 chegou a 53% dos 526 mil contratos que já entraram na fase de pagamento. E há ao menos 1,7 milhão de financiamentos, firmados a partir de 2013, que nem chegaram a essa etapa.

É provável que o elevado desemprego entre jovens explique parte da impontualidade dos devedores por aqui. Mas, em países que também enfrentaram crises no crédito estudantil, como os EUA, a inadimplência não ultrapassa 30%.

Há um rombo bilionário à frente. O governo federal precisa ser mais transparente sobre suas dimensões e sobre como pretende equacioná-lo —até para dar condições de sustentação a um programa vital para o Brasil.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Como a geografia e a economia do lugar onde nascemos influencia o modo como vemos o mundo

BBC
David Robson
BBC Future

Psicólogos e cientistas sociais ampliam os estudos sobre as diferenças comportamentais entre as diferentes populações

Quando o agrônomo americano Horace Capron viajou pela primeira vez até Hokkaido, a segunda maior ilha do arquipélago japonês, em 1871, ele procurava por um sinal de vida humana nas imensas pradarias, clareiras arborizadas e ameaçadoras montanhas da região.
"A quietude da morte reinava sobre a magnífica paisagem", escreveria mais tarde.
Das grandes diferenças entre Ocidente e Oriente, à variação sutil entre cada um dos Estados americanos, está ficando cada vez mais claro que a história, a geografia e a cultura podem influir na forma como pensamos de maneira sutil e surpreendente - e até na nossa percepção visual.
Nosso pensamento pode ter sido moldado pelas sementes que nossos antepassados cultivaram e um único rio pode marcar as fronteiras entre dois estilos cognitivos diferentes.

A conquista do Norte

"Nenhuma folha se agitou, não havia o som de nenhum pássaro ou coisa viva", escreveu Capron.
Hokkaido, acreditava ele, era um lugar saído da Pré-História.
Assim era a fronteira do Japão - uma espécie de versão do Oeste Selvagem americano.
A ilha mais ao norte do arquipélago, Hokkaido, era distante, separada da ilha de Honshu por um mar agitado.
Os viajantes que ousavam fazer a travessia tinham de enfrentar um inverno violento, a paisagem vulcânica e a vida selvagem.
Por isso o governo japonês deixou a região nas mãos dos indígenas Ainus, que viviam da caça e da pesca.
Isso mudaria em meados do século 19: temendo a invasão russa, o país decidiu ocupar as terras do norte e convocou antigos samurais para se instalarem em Hokkaido.
Logo outros grupos seguiram para lá. Surgiram fazendas, portos, estradas e ferrovias por toda a ilha.
Agrônomos americanos como Capron foram chamados para orientar os novos colonizadores sobre as melhores maneiras de cultivar a terra. Em um período de 70 anos, a população cresceu de pouco mais de mil pessoas para mais de dois milhões.
No começo do novo milênio já eram quase seis milhões de habitantes.
Poucos moradores atuais de Hokkaido tiveram de conquistar territórios selvagens.
Mesmo assim, psicólogos estão constatando que o espírito dos pioneiros ainda está presente na forma como eles pensam, sentem e reagem, em comparação com quem vive em Honshu, a apenas 54 quilômetros de distância.
Eles são mais individualistas, orgulhosos, ambiciosos e menos ligados às pessoas que os cercam. Na verdade, quando é feita uma comparação com países, esse "perfil cognitivo" é mais próximo dos Estados Unidos do que do resto do Japão.
Mas a história de Hokkaido é apenas uma em um crescente número de estudos de caso que investigam como o ambiente social molda a nossa maneira de ver o mundo.
Onde quer que estejamos vivendo, um maior conhecimento dessas forças pode nos ajudar a entender um pouco melhor a nossa própria mente.

Universo 'estranho'

Até recentemente, os cientistas ignoravam amplamente a diversidade global do pensamento.
Em 2010, um artigo na conceituada publicação científica Behavioral and Brain Sciences, da Universidade de Cambridge, relatou que a grande maioria dos indivíduos que participavam dos estudos psicológicos tinha um perfil: era "ocidental, educado, de áreas industrializadas, ricas e democráticas".
Usando as iniciais de cada uma daquelas palavras em inglês, surgiu o que o artigo chamou de perfil "Weird", termo que também significa "estranho" na língua.
O perfil "Weird" passou a ser visto como um fenômeno que se espalhou pela psicologia e pelas ciências sociais.
O artigo relatou que quase 70% dos entrevistados eram americanos e, em grande parte, estudantes universitários em busca de algum dinheiro ou de créditos escolares por terem participado das experiências.
A crença implícita era de que esse seleto grupo de pessoas "Weird" poderia representar verdades universais sobre a natureza humana - ou seja, que todas as pessoas são basicamente iguais.
Se isso fosse assim, a visão ocidental não teria tido importância. No entanto, um pequeno número de estudos examinou pessoas de outras culturas e sugere que isso está longe de ser verdade.
"Os povos ocidentais - especificamente os americanos - apareciam no fim dessa divisão", disse um dos autores do estudo, Joseph Henrich, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.

Individualismo x coletivismo

Algumas das diferenças mais notáveis estavam em torno de conceito como "individualismo" e "coletivismo": até que ponto você se considera independente e autocentrado, ou ligado às pessoas a sua volta, valorizando o grupo mais do que o individual.
De maneira geral - há várias exceções - no Ocidente os povos tendem a ser mais individualistas, e nos países asiáticos como Índia, Japão e China, mais coletivistas.
Em muitos casos, as consequências são exatamente as esperadas.
Quando questionados sobre suas crenças e comportamentos, entrevistados de sociedades ocidentais mais individualistas tendem a valorizar o sucesso pessoal sobre as conquistas do grupo, o que por sua vez é associado com a necessidade de maior autoestima e a busca da felicidade.
Mas essa necessidade de autovalidação - quando somos capazes de nos reassegurar de que o que sentimos é real, importante e faz sentido - também se manifesta no excesso de confiança, com vários experimentos mostrando que os participantes considerados "Weird" superestimam suas habilidades.
Quando perguntados sobre sua competência, por exemplo, 94% dos professores americanos afirmam que são "melhores do que a média".

Pensamento holístico

Essa tendência ao autoelogio parece estar totalmente ausente em vários estudos realizados no leste da Ásia. Na verdade, em alguns casos os participantes subestimaram suas habilidades, em vez de as supervalorizarem.
As pessoas que vivem em sociedades individualistas também dão maior ênfase à escolha pessoal e à liberdade.
Crucialmente, a nossa "orientação social" parece influenciar os mais fundamentais aspectos do raciocínio.
Pessoas que vivem em sociedades mais coletivistas tendem a ser mais holísticas na forma como pensam nos problemas, concentrando-se mais nos relacionamentos e no contexto.
Já as pessoas que vivem em sociedades individualistas tendem a concentrar-se em elementos separados e a considerar as situações fixas e imutáveis.
Um exemplo simples: imagine que você vê a foto de um homem grande intimidando uma pessoa mais baixa.
Sem receber nenhuma informação a mais, os ocidentais são mais propensos a achar que esse comportamento reflete algo essencial e estabelecido sobre o sujeito grande: provavelmente ele é mau.
"Mas se você estiver pensando holisticamente, levará em conta outras coisas que podem estar se passando entre aquelas duas pessoas: talvez o sujeito grande seja o chefe ou o pai do outro", explica Henrich.
E esse estilo de pensamento também se estende à forma como caracterizamos objetos inanimados.
Imagine que alguém peça a você para relacionar dois itens entre as palavras "trem, ônibus e trilho". O que você responde?
Isso é conhecido como o "teste da tríade".
No Ocidente, a resposta vai ser "ônibus" e "trem" porque são dois tipos de meios de transporte.
Uma pessoa com pensamento holístico, por sua vez, responderá "trem" e "trilho", porque está levando em conta o relacionamento funcional entre ambos: uma coisa é essencial para o funcionamento da outra.

Visões diferentes

Até mesmo seu modo de enxergar pode mudar.
Um estudo do olhar, feito por Richard Nisbett, da Universidade de Michigan (EUA), descobriu que participantes do leste da Ásia costumam passar mais tempo olhando o entorno de uma imagem - percebendo o seu contexto -, enquanto nos EUA as pessoas tendem a passar mais tempo concentradas no foco principal da foto.
Curiosamente, essa diferença pode ser vista também em desenhos de crianças do Japão e do Canadá, o que indica que as diferentes maneiras de ver algo surgem numa idade muito precoce.
"Se nós somos o que vemos, e estamos prestando atenção de forma diferente, então estamos vivendo em mundos diferentes", diz Henrich.
Embora alguns pesquisadores digam que a nossa orientação social pode ter um elemento genético, as evidências até agora indicam que a aprendemos.
Alex Mesoudi da Universidade de Essex, no Reino Unido, fez recentemente um perfil do modo de pensar de famílias bengalesas britânicas radicadas no leste de Londres.
Ele verificou que a primeira geração de imigrantes começou a adotar alguns elementos cognitivos mais individualistas e menos holísticos.
Os meios de comunicação perceberam a mudança. "Eles foram mais importantes do que os acadêmicos ao explicar essa transformação."
Mas por que a primeira coisa a mudar foi o modo de pensar?
A explicação mais óbvia é de que isso simplesmente reflete as filosofias que tiveram importância em cada região durante certo tempo.
Nisbett assinala que os filósofos ocidentais enfatizam a liberdade e a independência, enquanto na tradição oriental - como no taoísmo - eles destacam o conceito de unidade.
Confúcio, por exemplo, destacou "os deveres entre o imperador e o súdito, pais e filhos, marido e mulher, irmão mais velho e irmão mais novo, e entre amigos".
Essas maneiras diversas de ver o mundo estão incorporadas na literatura, na educação e nas instituições políticas, por isso não é surpresa ver que tais ideias foram internalizadas, influenciando alguns processos psicológicos muitos básicos.
Ainda assim, a variação sutil entre os países indica que muitos outros fatores também atuam.

Colonização

Consideremos os EUA, o país mais individualista de todo o Ocidente.
Historiadores como Frederick Jackson Turner têm argumentado que a expansão e a exploração do oeste alimentaram um espírito mais independente, já que para sobreviver cada pioneiro americano teve de enfrentar uma região selvagem e mesmo uns aos outros.
De acordo com essa teoria, recentes estudos psicológicos mostraram que nos Estados americanos que ficam no oeste mais extremo, como Montana, o individualismo costuma ser maior.
Para confirmar a chamada "teoria da colonização voluntária", no entanto, os psicólogos examinaram um segundo estudo de caso independente.
Por isso o caso de Hokkaido é tão fascinante.
Como a maior parte dos países do leste asiático, o Japão tende a ter uma mentalidade mais coletivista e holística.
A migração rápida para o norte lembra a corrida para a conquista do oeste selvagem nos EUA. O regime do imperador Meiji contratou agrônomos americanos, como Horace Capron, para ajudar no cultivo da terra.
Se a "teoria da colonização voluntária" está certa, os pioneiros tinham uma visão mais independente em Hokkaido em comparação com o resto do país.
Shinobu Kitayama, da Universidade de Michigan, nos EUA, descobriu que em Hokkaido as pessoas dão mais valor à independência e à conquista pessoal - e a emoções como orgulho - do que os japoneses das outras ilhas do arquipélago. E se preocupam menos com o que os outros pensam.
Os participantes da pesquisa também tiveram que fazer um teste de raciocínio social, no qual foi pedido que dissertassem sobre um jogador de beisebol que usava drogas para melhorar o rendimento.
Enquanto os japoneses das outras ilhas levavam mais em conta o contexto - como a pressão para vencer -, os japoneses de Hokkaido apontaram um suposto problema de personalidade ou de caráter moral do jogador.
Novamente, culpar atributos pessoais é uma característica das sociedades individualistas e se parece muito com a resposta média dos americanos.

'Teoria do germe'

Uma outra ideia é a de que diferentes raciocínios estão envolvidos na reação a germes, por exemplo.
Em 2008, Corey Fincher, da Universidade de Warwick, e seus colegas analisaram dados epidemiológicos globais para mostrar que o nível de individualismo e coletivismo pode ser relacionado à incidência de doenças: quanto mais você estiver disposto a ter uma infecção, mais coletivista você é e quanto menos, mais individualista.
A ideia básica é de que o coletivismo, caracterizado por um maior conformismo e pela deferência ao outro, deveria tornar as pessoas mais conscientes sobre como evitar comportamentos que podem espalhar doenças.
Tem sido difícil provar que as aparentes correlações no mundo real não são causadas por algum outro fator, como a riqueza relativa do país, mas alguns testes em laboratório dão algum apoio à ideia.
Quando os psicólogos estimularam as pessoas a terem medo da doença, elas adotaram modos mais coletivistas de pensar, assim como se adequaram mais aos comportamentos do grupo.

Pensamento e agricultura

Talvez a teoria mais surpreendente seja a de Thomas Talhelm, da Universidade de Chicago, que examinou 28 províncias da China. Ele descobriu que o modo de pensar também parece se refletir na agricultura da região.
Talhelm contou que foi inspirado pelas suas próprias experiências no país.
Ao visitar Pequim, no norte, descobriu que os estrangeiros eram muito mais bem-vindos: "Se eu estivesse comendo sozinho, as pessoas se aproximavam e falavam comigo".
Enquanto isso, na cidade de Guangzhou, no sul, as pessoas eram mais distantes e tinham medo de ofendê-lo.
Essa diferença parecia um sinal sutil de um raciocínio mais coletivista e então Talhelm começou a pensar no que haveria por trás daquelas duas perspectivas.
Elas não pareciam relacionadas a riqueza ou modernização, mas o cientista percebeu que uma diferença podia ser o tipo de cultivo da região: arroz nas áreas do sul e trigo no norte.
"A divisão do plantio é clara ao longo do rio Amarelo", disse Talhelm.
Plantar arroz exige maior cooperação: é um trabalho intensivo e precisa de sistemas de irrigação complexos que interligam várias plantações diferentes.
O cultivo do trigo, por sua vez, dá metade do trabalho e depende mais do regime de chuvas do que da irrigação, o que significa que os agricultores não precisam ajudar os vizinhos e podem se concentrar nas suas próprias plantações.
Mas poderiam essas diferenças se traduzir num raciocínio mais coletivista ou individualista?
Talhelm trabalhou com cientistas chineses e testou mais de mil estudantes em regiões de cultivo de arroz e trigo, usando ferramentas como o teste da tríade do pensamento holístico.
Os pesquisadores também pediram aos entrevistados que desenhassem suas relações com os amigos: nas sociedades individualistas as pessoas costumam desenhar a si mesmas maiores do que os amigos, enquanto nas coletivistas todos são desenhados do mesmo tamanho.
"Os americanos costumam se desenhar muito grandes", diz Talhelm.
As pessoas nas regiões de plantio de trigo atingiram um índice maior de individualismo, enquanto as das áreas de cultivo de arroz apresentaram um pensamento mais coletivista e holístico.
O pesquisador vem testando sua hipótese na Índia, onde também há uma clara divisão entre as regiões de plantio de trigo e arroz, com resultados idênticos.
Quase todas as pessoas entrevistadas não estão diretamente envolvidas no cultivo, claro - mas as tradições históricas das suas regiões ainda estão moldando o seu pensamento. "Existe alguma inércia na cultura", afirma.

Caleidoscópio cognitivo

É importante enfatizar que essas são apenas tendências gerais encontradas em um grande número de pessoas em cada população estudada.
"A ideia de preto e branco - na perspectiva antropológica - não funciona", diz o antropólogo Delwar Hussain, da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Ele trabalhou com Mesoudi no estudo da comunidade bengalesa britânica de Londres.
Hussain destaca que há tantas conexões históricas entre países do Oriente e Ocidente que isso vai significar que algumas pessoas ficarão encurraladas entre os dois modos de pensar e que fatores como idade e classe socioeconômica também terão influência.
Faz sete anos que Henrich publicou seu relatório sobre a tendência "Weird", e a resposta dos cientistas tem sido positiva.
Ele está especialmente feliz porque pesquisadores como Talhelm estão começado a fazer grandes projetos para entender o caleidoscópio de diferenças de pensamento. "Você busca uma teoria que explica por que diferentes populações têm psicologias distintas."
Mas apesar das boas intenções, o progresso tem sido lento. Como testar as pessoas em todo o globo consome tempo e dinheiro, a maior parte das pesquisas ainda examina participantes "Weird" em detrimento de uma maior diversidade.
"Estamos de acordo sobre a doença. A questão é qual deve ser a solução", conclui Henrich.

Como o desemprego está criando 'funcionários-polvo' e aumentando pressão sobre quem trabalha

BBC

Em uma grande agência de emprego no centro de São Paulo, uma cena se repete: com currículos em mãos, dezenas de pessoas formam fila para falar com a recepcionista.
"Você se cadastrou no nosso site?", ela pergunta. A frustração dos candidatos é visível, assim com o cansaço da mulher que, do outro lado do balcão, atende centenas deles em uma manhã.
O drama das 12 milhões de pessoas que hoje estão sem trabalho no Brasil é bem conhecido. Mas pouco se fala dos efeitos do desemprego para quem fica nas empresas. Com tantos demitidos, quem continua contratado pode virar um "funcionário-polvo", acumulando funções de ex-colegas, além de precisar lidar com o medo do desemprego.
Apesar de não ser medido em números, esse fenômeno é velho conhecido dos especialistas em mercado de trabalho. Segundo os professores entrevistados pela BBC Brasil, o aumento de pressão sobre os empregados é uma tendência natural em momentos de crise.
"Toda vez que uma empresa entra em dificuldade, ela precisa fazer o melhor possível com o pessoal que permanece. Fazer muito com pouco torna-se a chave do sucesso", explica o professor da FEA-USP José Pastore, que também é consultor em relações do trabalho.
Para manter o ritmo, diz Pastore, empresários ficam com os subordinados considerados mais versáteis, que podem aprender novas tarefas rapidamente. São eles os mais propícios a tornarem-se "funcionários-polvo".

Muitos em um

Relatos de acúmulos de tarefas se espalham por indústria, comércio e serviços.
Vendedor em uma loja de roupas na região metropolitana de Porto Alegre (RS), Jorge* virou caixa, estoquista e responsável pelo crediário depois que outra funcionária foi demitida.
Hoje exerce dez funções em um expediente que ficou mais longo.
"Quando minha colega saiu, tudo o que ela fazia foi para mim", diz.
O advogado Leonardo* também está trabalhando mais. Além das petições, ficou encarregado de tarefas que caberiam a um estagiário, como tirar cópias e cuidar da correspondência. Para fazer tudo, diminuiu o intervalo de almoço.
"Antes comia em uma hora, e agora almoço em trinta minutos. Uso o resto para agilizar."
Aparentemente, Jorge e Leonardo tornaram-se mais produtivos: eles executam mais tarefas quase no mesmo tempo de antes. A ligação entre produtividade e recessão foi discutida em estudos americanos feitos após a crise econômica de 2008. A BBC Brasil não encontrou uma pesquisa semelhante por aqui.
Segundo o trabalho de economistas da Universidade de Stanford e da Universidade de Utah, do último trimestre de 2007, quando a recessão dos EUA começou, até o terceiro trimestre de 2009, quando ela terminou, a produtividade no país cresceu 3,16% em setores não-agrícolas. A marca atingida em 2009 (3,2%) foi a maior desde 2003.
Para os pesquisadores, dois motivos justificaram esse crescimento: a demissão dos trabalhadores menos produtivos e, principalmente, o esforço dos que ficaram para manter suas vagas.
Mas mesmo que os brasileiros se tornem mais produtivos na crise, isso não deve durar muito, diz a professora Regina Madalozzo, coordenadora do Mestrado Profissional em Economia do Insper.
A razão é simples: as pessoas se cansam.
"Estudos mostram que você pode até aumentar a produtividade no curto prazo, mas isso não é sustentável. As pessoas não conseguem dar 100% o tempo inteiro, elas não são máquinas."
Segundo a professora, aprender novas atividades têm um lado positivo, que é tornar o trabalhador mais completo. No entanto, se isso significa ultrapassar limites físicos, a pressão tem o efeito contrário, prejudicando o serviço.
O vendedor-caixa-estoquista Jorge já percebe que suas vendas pioraram. Enquanto faz o cadastro de um cliente, deixa outros falando sozinhos.
"O patrão não acha certo cair o rendimento, mas não tem como, o atendimento não é mais o mesmo. Me sinto constrangido por não cumprir tudo."

Medo do desemprego

Concentrar tarefas não é a única pressão que os brasileiros sofrem com tantos demitidos no mercado. Com o desemprego acima de 11%, segundo o IBGE, o medo de ser mandado embora é outra preocupação constante.
De acordo com índice da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o medo do desemprego ficou em 64,8 pontos em dezembro - o indicador vai de zero a cem pontos e, quanto mais alto, maior é o temor. O resultado do mês passado foi o maior desde 1996.
O receio de ser o próximo demitido nem sempre coincide com o acúmulo de funções. O motivo pode ser justamente o contrário: a demanda cai tanto que o trabalhador fica ocioso. Ele teme que não seja mais necessário.
"Me sinto inútil. Saio de casa, enfrento o transporte, para chegar aqui e não fazer nada", diz Ana sobre a agência de marketing onde trabalha. Antes da crise, ela desenvolvia campanhas publicitárias. Com as demissões, foi remanejada para o treinamento, setor que está parado.
"Você tem que fingir que está trabalhando, porque não quer ser demitido."
Para ela, a relação com os patrões piorou. Ana diz que o discurso "se você não quer, tem quem queira" é comum.
"Ele existe abertamente. Quando a gente questiona os gestores, diz 'olha não está legal assim', ele respondem de forma ofensiva."
Trabalhadores de outras áreas relataram a mesma situação à BBC Brasil. De forma mais ou menos exposta, dizem, a carta do desemprego tem sido usada com frequência.
Contratada de uma empresa da indústria alimentícia, Giovana diz que esse "alerta" não vem diretamente da chefia, mas chega de outras formas.
"Recentemente tivemos uma reunião sobre benefícios e o responsável pelo RH disse 'antes de reclamar da alteração no plano de saúde, devíamos olhar as taxas de desemprego'. A ameaça velada ficou evidente."

Relação patrão-empregado

A relação patrão-empregado no Brasil não é só difícil em tempos de recessão, diz a professora Carmen Migueles, que fez doutorado em sociologia das organizações.
Migueles afirma que esse contato é árido por natureza. Segundo ela, os subordinados muitas vezes não percebem que os chefes também estão numa posição difícil. Por outro lado, os empresários não costumam compartilhar o que está acontecendo com seu negócio e subestimam a ajuda que seus empregados podem lhe oferecer.
"O Brasil é um dos países que mais tem uma visão negativa dos pares, do chefe e das instituições. Quando falta recursos, é a guerra de todos contra todos."
Sobre as pressões exercidas pelos patrões, a professora diz que perfis autoritários ou paternalistas são muito comuns no país. Há também o que chama de "psicopatas", que se aproveitam da situação para ameaçar e cobrar seus funcionários.
No entanto, para Migueles, os subordinados também têm parcela de culpa num relacionamento tão desgastado. O brasileiro, afirma, possui uma propensão a sentir pena de si mesmo, o que mostraria sua falta de maturidade profissional.
"É muito comum no Brasil o perfil da vítima: ninguém cuida de mim, meu emprego está por um fio. Muitos querem que a empresa trate-os como filhos", diz.
"O brasileiro acho que o empresário é um super-homem: ele deve assumir os riscos, resolver os problemas e motivar as pessoas. Essa posição de desigualdade no Brasil deixa as duas pontas sozinhas: empregado e executivo."
A falta de maturidade, dizem os entrevistados, já teria se mostrado nos anos de prosperidade econômica, quando as vagas eram abundantes - naquele momento os trabalhadores faziam o jogo hoje dominado pelos patrões.
"Em 2014, você conversava com um empresário e ele não conseguia segurar ninguém, as pessoas pulavam de lugar para outro. Agora a mesa virou", diz a professora de Administração da FGV-SP Beatriz Lacombe.
Empresários de várias áreas consultados pela BBC Brasil afirmaram que os cortes foram necessários para a sobrevivência de seus negócios e que também estão sendo afetados pessoalmente pelas incertezas da economia. Alguns disseram que redistribuíram tarefas para não prejudicar suas equipes.
De acordo com os especialistas, o ideal seria que patrões e empregados formassem uma "coalizão" para que, com sacrifícios mútuos, pudessem passar juntos pela recessão. Essas mudanças, no entanto, exigem tempo e são recomendáveis durante períodos de crescimento, quando não há tanta tensão.

Enxaqueca e tendinite

Enquanto essas relações não mudam, a pressão dentro dos escritórios começa a afetar a saúde dos trabalhadores.
A Associação Nacional dos Médicos Peritos estima que o número de pedidos de auxílio-doença subiu até 30% no último ano. Os dados de 2016 ainda não foram divulgados pela Previdência Social.
O presidente da entidade, Francisco Cardoso, cita o caso de um homem que sofreu um burnout, problema conhecido como doença do esgotamento profissional, depois que todas as 40 pessoas do seu setor foram demitidas. Só ele ficou.
A síndrome de Burnout inclui sintomas como agressividade e falhas de memória.
"É um caso isolado, mas tipifica aqueles que, pelo acúmulo de funções ou pela necessidade de afastar o desemprego, acabam trabalhando além do recomendável. Tem acontecido muito."
Giovana*, que gerencia a área de segurança de produto de uma indústria, diz que o excesso de trabalho trouxe de volta sua enxaqueca. Ela também foi parar no hospital por problemas nas costas e tendinite.
Segundo Giovana, na filial brasileira da empresa, apenas duas pessoas atendem as demandas que, na matriz, são realizadas por 30. O quadro de pessoal no Brasil foi cortado em 30% nos últimos anos.
"Me pressiono cada dia mais, trabalhando além do expediente para manter tudo funcionando normalmente, mas a sensação de ser o 'gargalo' de um processo do qual não temos controle chega a ser desesperadora."
O cansaço dos trabalhadores não é algo que se resolverá imediatamente com a recuperação econômica, alerta a professora Regina Madalozzo, do Insper. O esgotamento dos brasileiros trará consequências a longo prazo, sobretudo para as empresas que continuarem pressionando seus funcionários acima de seus limites.
"Quando sair da crise, será aquilo que vemos nos filmes: todo mundo doente, se demitindo ao mesmo tempo. Você tem que ter um mínimo de incentivo para ir ao trabalho todos os dias."
Esta reportagem terminaria aqui. Mas Iasmin*, uma editora de livros didáticos, queria incluir sua história: "é bom poder falar".
Ela descreveu crises de dor de cabeça que duram uma semana, além de confusão mental e perda da visão periférica. Em semanas tranquilas, costuma acumular dez horas extras.
Suas respostas demoraram a chegar e, por pouco, não ficaram de fora. A justificativa, no entanto, não poderia ser um final mais propício: "o trabalho come até o tempo que a gente deveria usar para denunciar quanto tempo o trabalho come".
*Todos os trabalhadores entrevistados tiveram os nomes alterados para preservar suas identidades.

'Grande homem é o que, no meio da multidão, conserva a independência da solidão'


Mario Sergio Cortella | Academia CBN

Frase do filósofo americano Ralf Emerson em sua obra 'Ensaios' fala sobre a audácia exigida quando eu estou comigo no meio dos outros.

Falta de grana mata o amor porque ele perece diante da falta de horizontes

luiz felipe pondé
Luiz Felipe Pondé
Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência.

Afeto tem preço? Sim, tem. E, enquanto você não descobriu o seu preço, ainda não pensou a fundo no tema.

Algum tempo atrás, nesta coluna, escrevi que hoje em dia é difícil saber separar afeto de grana (referia-me especificamente ao amor entre pais e filhos, mas o tema vai além disso, tocando o amor romântico também). Recebi alguns e-mails de leitoras revoltadas dizendo que era um absurdo eu não ser capaz de separar amor e grana. Eu já acho o contrário. Enquanto não pensarmos claramente no quanto amor e grana se misturam, não veremos nenhuma fronteira entre os dois.

Em nossa época, mentiras viraram moeda de troca no mercado do pensamento público. Agradar aos outros é métrica de valor. Eu não jogo esse jogo.

Devemos escapar da armadilha comum de pensar que assumir um preço para o afeto implica ser uma pessoa interesseira. Claro que esse caso óbvio também existe. Penso em pessoas motivadas pelo afeto mesmo e que, tristemente, às vezes, se batem com o limite material delas. Não era outra coisa que o grande Nelson Rodrigues tinha em mente quando dizia que dinheiro compra até amor verdadeiro.

O fato é que grana é um potencializador da vida. Com ela você pode criar um ambiente no qual confiança, bem-estar e um forte sentimento de muitas perspectivas se abrem diante de você. Onde bons sentimentos nascem? Num final de semana prolongado em Roma ou no trânsito de oito horas para Praia Grande?
Grana cria horizontes no quais você se desenvolve e pode sonhar com melhores modelos de você mesmo. Grana dá a você a chance de ser generoso, ousado, seguro de si mesmo. No caso das meninas se dá a mesma coisa.

Acrescentaria que no caso das meninas existe também um delicado sentimento (às vezes enterrado no mais fundo do cotidiano) de que, se alguém te dá uma bijuteria no lugar de uma joia, você se sente uma bijuteria, e não uma joia. E, em alguma medida, com razão. Porque o preço de uma joia representa o valor investido na mulher para quem você dá essa joia.

Homens, que na maioria das vezes ganham mais e são mais escravos da obrigação do sucesso material, se sentem investidos de amor pela mulher quando ela demonstra serem eles a sua prioridade. Quando ela reconhece potência em tudo o que eles fazem –o que não significa só ganhar dinheiro.

Falta de grana mata o amor porque ele perece diante da falta de horizontes. Do sentimento de que a vida está acabada naquela fórmula pobre de ser. Num cotidiano em que a rotina é sempre a da falta de liberdade de escolha. A dificuldade de enxergar isso torna ainda mais o afeto dependente da grana. A mentira sobre isso torna o amor ainda mais barato porque mais indefeso diante das contingências do dia a dia.

Quer outro exemplo? Você se casa com um cara que tem uma ex-mulher. Se ele der muita atenção para ela e se preocupar muito em deixá-la "bem materialmente" mesmo depois da separação, você vai, sim, achar que ele ainda a ama. Não minta sobre isso só pra ficar bem com o marketing do bem, que deixa o mundo ainda mais cretino do que ele já é normalmente.

O caso do amor entre pais e filhos não é tão diferente, apesar de depender mais da classe social e da cultura do país. No Brasil, da classe média alta pra cima, se você não der um apartamento para cada filho, fracassou como pai.

Imagine que seu pai deixou sua mãe por uma mulher 20 anos mais nova do que ele, e que ele teve um filho com ela. Sei, sei, dizem por aí que todos os jovens tiram isso de letra hoje, mas isso é, também, uma mentira do marketing do bem.
Agora imagine que ele nega para você uma viagem para Paris nas férias, mas faz um lindo quarto de bebê com todas as frescuras que sua nova jovem mulher pede. 

Quando encontra com você, só fala do novo "irmãozinho". Que tal?
Invertamos a situação. Imagine que você dedicou 40 anos da sua vida para seu filho. Imagine que agora ele é bem-sucedido profissionalmente, mas deixa você viver numa casa de repouso miserável paga com sua aposentadoria.

Onde está a fronteira entre amor e grana aí? Em Roma ou Praia Grande?

domingo, 29 de janeiro de 2017

O país onde os professores podem se transformar em celebridades milionárias

BBC

Cha Kil-yong é conhecido como Mr. Cha. Ele parece um ator famoso ou uma estrela pop mas, na verdade, ele é um professor de matemática, o mais famoso da Coreia do Sul.
Cha recebeu a reportagem da BBC durante uma sessão no cabeleireiro, enquanto se preparava para uma aula online.
Durante a entrevista, parte de um documentário da BBC sobre ensino, o professor descreveu o penteado que fazia como "fogo artificial", para "ensinar os estudantes sobre a paixão que tenho pelo ensino".
Cha usa roupas extravagantes, perucas e faz caretas enquanto ensina equações complicadas. Tudo para entreter e motivar os estudantes.
Quando não está dando aulas, pode ser visto junto com outros ídolos dos sul-coreanos, como uma cantora pop com quem gravou uma música que pedia que os alunos sorrissem enquanto se preparam para a grande prova de suas vidas: o KSAT, exame para qual os alunos estudam intensamente durante três anos e que pode abrir as portas das universidades do país, determinando assim o futuro de todo adolescente.

Professor e rei

Na Coreia do Sul os professores estão entre os membros mais respeitados da sociedade. Um provérbio antigo afirma que o professor e o rei têm o mesmo status, e outro garante que ninguém deveria sequer pisar na sombra de um professor.
Os estudantes mais talentosos querem entrar nas cobiçadas faculdades de magistério, que selecionam os melhores entre milhares de candidatos.
E se os professores também são bons de mídia, podem chegar a se transformar em celebridades milionárias.
Cha, por exemplo, fez fortuna em apenas seis anos, ensinando em uma escola particular online que conta com 3 milhões de jovens inscritos, que pagam cerca de US$ 22 por mês (cerca de R$ 70) para assistir suas aulas de matemática.

Obssessão nacional

A Coreia do Sul é um dos países da Ásia que frequentam os primeiros lugares dos rankings globais de educação, como as provas do PISA, por exemplo.
O país tem um dos sistemas de educação mais bem-sucedidos do mundo em termos resultados, mas também um dos mais severos.
Na Coreia do Sul muitos jovens estudam desde as 8h da manhã até as 11h da noite e os pais gastam fortunas com escolas particulares.
"Há 60 anos quase 80% dos sul-coreanos eram analfabetos", conta Sian Griffiths, editora do jornal britânico Sunday Times e apresentadora do documentário da BBC.
"Hoje a Coreia do Sul é um gigante econômico. E eles conseguiram isto através da educação."
Com isso, a sociedade e as famílias consideram o sucesso acadêmico algo primordial para a vida dos jovens e para o futuro do país.
E para conseguir isso eles estão dispostos a fazer grandes sacrifícios.

Aula depois da aula

Depois de terminar as seis ou sete horas que passam na escola, a maioria dos estudantes sul-coreanos vai estudar mais horas em bibliotecas ou academias particulares noturnas, chamadas hagwon, que são parte fundamental da gigantesca indústria de educação do país.
Estas hagwon usam os "professores estrelas" para atrair mais alunos. São tão populares e competem de um jeito que o governo teve que intervir e legislar que as hagwon deveriam parar com as aulas às 10h da noite.
Mas, mesmo com este limite de horário, muitos alunos continuam estudando em casa ou voltam para os colégios, que podem continuar abertos até a meia-noite.
A BBC seguiu um destes alunos, Young Chan, nesta rotina movimentada.
"Descobri que me ajuda muito repassar no colégio o que aprendi no dia. A biblioteca perto de casa abre até as 10h da noite, por isso, se quero estudar mais, volto ao colégio e fico até meia-noite."
Neste dia, depois da escola, Chan participou de uma sessão de estudos de cinco horas na biblioteca local, mas antes teve que ficar em uma fila, pois a entrada estava muito concorrida.
O pai trabalha longe da família durante a semana para pagar os estudos de Chan.
"Da perspectiva ocidental, é um sacrifício enorme. Mas na Coreia, se separar da família para poder pagar a educação dos filhos é muito comum", disse.

Estudantes mais infelizes

A ideia de que se você não tem sucesso nos estudos não terá na vida exerce uma pressão enorme nos jovens sul-coreanos.
As obrigações escolares quase não deixam tempo para que eles possam dormir, brincar ou socializar. E, segundo os próprios resultados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), os estudantes sul-coreanos são os mais infelizes do ranking.
E um dos sintomas é a alta taxa de suicídios, a mais alta dos países industrializados, na faixa etária dos dez aos 30 anos.
Do Yen Kim estudou 16 horas por dia durante três anos para poder entrar na famosa Universidade de Seul. Ao falar com a BBC a respeito desta época de sua vida, se emocionou. Vários de seus amigos não aguentaram a pressão e cometeram suicídio quando tinham apenas 15 ou 16 anos.
"A competição era muito dura", lembra.
Muitos também criticam o autoritarismo e a falta de criatividade no modelo de ensino do país.
O ex-ministro da Educação sul-coreano Ju Ho Lee afirmou que já é hora de fazer mudanças no sistema escolar para preparar a próxima geração.
"Nossas crianças talvez vão precisar de uma série de habilidades diferentes dos meros resultados numéricos. Deveriam ser fomentadas a comunicação, a colaboração e a criatividade", explicou.
Mas, por enquanto, os professores "popstar" como Mr. Cha podem continuar construindo um império graças à obsessão nacional pelos resultados acadêmicos.