sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Pássaro querido, nunca voltarás a cantar? (Atualizado)

Escreviver
RAUL DREWNICK é jornalista. No currículo, tem 32 anos de Estadão e 20 de revista Visão. Vinte e três livros, a maioria para o público jovem. Como cronista, escreveu para o Estadão e para as revistas Veja e Cláudia. Dois livros de crônicas: Antes de Madonna (Editora Olho Dágua, 1994) e Pais, filhos e outros bichos (Editora Lazuli/Companhia Editora Nacional, 2006), além de participar da antologia Cronistas do Estadão, 1991, na qual se reúnem cronistas dos mais de cem anos de vida do jornal.

+ Não envelheça. Na vida não há nenhuma virtude mais desejada e querida, nem maior que a juventude.
+ De todas as nossas perdas, nenhuma é tão irreparável quanto a da juventude. Não há bem nem sabedoria que possam compensá-la. Prazeres espirituais, êxtases místicos? Balelas, balelas. Ou, para que fique bem claro: balelas, balelas, balelas.


+ Vai chegando o tempo em que os clamores e os brados serão só mais uma das tuas lembranças. Ressoarão ainda em teus ouvidos, mas teus lábios não conseguirão repeti-los e todas as tentativas, se as fizeres, não produzirão mais que balbucios incapazes de acordar teu sangue. Saberás então, mais do que quando eras jovem, o que é a juventude.
+ Na juventude, aspiramos ao ouro, porque não temos o tino de ver que ela, a juventude, é o ouro, uma riqueza que jamais teremos igual. Nós a gastamos, desperdiçamos, acabamos com ela inteira, como acabamos com o amor. No fim da vida, recebemos esmolas de afeto. O sorriso condescendente de uma jovem, de um jovem, uma palavra que nos dirijam, nos comovem e nos levam às lágrimas. Que vontade temos de dizer: poupem o sorriso, economizem as palavras; gastá-las com um velho é como adornar de ouro o pórtico de um túmulo.
+ Fantasmas de nós mesmos, refazemos com nossos passos vacilantes os caminhos da juventude. Nossa nostalgia nos leva à rua onde as mulheres alugavam o corpo e nos chamavam prometendo maravilhas por preços promocionais. São outras, agora, mas nos chamam ainda, como se pudéssemos deitar-nos com elas e repetir aqueles convulsivos rituais. Somos senhores, hoje, e deveríamos estar em casa, lendo talvez o Padre Vieira e preparando-nos para o pó com o qual temos encontro marcado. Elas nos chamam, nos instigam. Temos vergonha de dizer-lhes que, se houver escada a subir,  não conseguiremos. E vamos nos afastando, afastando. Viver é sempre isso: o homem afastando-se dolorosamente da sua juventude.
+ Minha relação com a prosa me dá invariavelmente a impressão de ser algo meio sorrateiro, meio furtivo, meio pecaminoso. Sinto-me clandestino, traidor, desleal. Meu amor será sempre aquele da juventude: a poesia.
+ Quando ele diz agora amor, não sente o coração agitar-se como outrora nem, nos lábios, aquela mornidão excitada que logo se comunicava a todo o corpo. Como tantas outras, o amor foi uma ocorrência exclusiva da juventude.

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