sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Por que os primeiros anos de vida são tão importantes


Cilene Pereira é editora da Revista ISTOÉ e tem 30 anos de jornalismo. Antes de integrar a equipe da revista, trabalhou no Jornal do Brasil, no Jornal O Estado de S.Paulo e no Jornal O Globo

São os primeiros anos da infância que, em boa parte, ajudarão a definir quem será o adulto no futuro. Ele foi uma criança bem nutrida de afeto e alimentos? Brincou livremente e se sentiu amparado por pais e cuidadores? As experiências vividas até os seis, sete anos terão muito a ver com o senso de bem-estar e as capacidades morais na vida adulta. Foi uma questão de evolução. “Ao longo de milhões de anos, o ser humano desenvolveu um conjunto de cuidados com seus filhotes para acompanhar sua agenda de amadurecimento”, explica a psicóloga Darcia Narvaez, da Universidade de NotreDame, nos Estados Unidos.

Nesse processo, surgiram seis componentes básicos determinantes para o crescimento físico e emocional saudável: aleitamento materno, oferta de conforto e acolhimento, estímulo de experiências sensoriais, respostas às necessidades do bebê – até mesmo antes do choro -, presença física constante com toque carinhoso e espaço e tempo para brincadeira. “Adultos que se recordam de receber essas atenções nas suas infâncias têm menos depressão e ansiedade, maior habilidade de enxergar a perspectiva de outras pessoas e de exercitar a compaixão”, diz Darcia. Esses são apenas alguns dos benefícios que uma infância feliz é capaz de proporcionar.

Primeira infância: a importância do afeto


Não precisa muito. Alguns minutos a mais de brincadeira no banho, um colo oferecido em um momento de medo, o olho no olho na hora de elogiar uma atitude bacana ou uma risada bem humorada quando tudo dá errado. É assim, com gestos cotidianos e aparentemente despretensiosos, que pais e educadores podem colocar em prática um consenso precioso – e por que não, um dos mais belos – da neurociência: o afeto oferecido à criança nos seus primeiros anos de vida moldará sua personalidade e servirá como efeito protetor contra doenças como a ansiedade e a depressão.
A intensidade do carinho influenciará se ela terá mais ou menos resistência às frustrações, se será capaz de compreender com maior facilidade o teor de um texto complexo e se conseguirá se adaptar em um mundo no qual tudo muda muito rapidamente. E, principalmente, se terá a dar a essa mesma sociedade amor em vez de ódio, compreensão em vez de soberba e respeito em vez de desprezo por tudo o que for diferente dela própria.
Os achados são indiscutíveis. Duas das mais importantes do mundo e mais ativas instituições a pesquisar o assunto são as universidades americanas de Harvard e de Yale. Vêm de pesquisas conduzidas nessas instituições constatações de que crianças privadas de afeto apresentam, entre outros prejuízos, alterações no funcionamento de áreas cerebrais associadas ao processamento das emoções. É a ausência do amor comprometendo a arquitetura cerebral.
Os efeitos serão observados a longo prazo, na idade adulta. Há uma clara evidência de que crianças que não desfrutaram de vínculos afetivos sólidos terão maior tendência à agressividade e ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas (depressão, por exemplo) e tendência a comportamentos agressivos e destrutivos.
Em um dos trabalhos mais importantes sobre o tema, pesquisadores da Duke University e da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, registraram o fenômeno após a realização de análises que levaram em conta imagens cerebrais e informações sobre o humor e os cuidados recebidos por adolescentes quando crianças. “A negligência emocional praticada por pais e cuidadores em relação às crianças deixa marcas nos circuitos neuronais”, disse Jamie Hanson, do Departamento de Psicologia da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e estudioso das implicações neurológicas do afeto, ou da falta dele. “No futuro, essas cicatrizes podem contribuir para o surgimento de sérios distúrbios afetivos.”
É claro que vários outros fatores contribuem para o desenvolvimento cerebral, a formação da personalidade ou para o risco de surgimento de alguma patologia psiquiátrica. A genética é um deles. Mas é fato que a associação entre os genes e o ambiente definirá o resultado. Sobre a genética ainda não há muito o que pode ser feito. Mas sobre o ambiente, sim. Portanto, cabe aos adultos – pais e cuidadores – assegurar que ele seja composto de proteção, segurança e amor.
Basta uma observação rápida para ter certeza da força do vínculo afetivo entre o menino Arthur Formiga Bueno, de dois anos e oito meses, com os pais, os médicos Bruno e Cristina.  A rotina corrida não impede os momentos de carinho, com muito beijo, abraço e declarações expressas de amor. Arthur também construiu conexões de afeto com familiares próximos e sua professora. É amparado por essa rede que ele cresce feliz e devolve carinho ao mundo.

Primeira infância: brincar é fundamental


É só deixar acontecer. E se você for privilegiado, vai conseguir testemunhar de longe ou participar de alguns dos mais belos momentos que as crianças são capazes de produzir. Quando elas brincam, materializam-se a essência da curiosidade, o rigor da concentração, a alegria da descoberta, a poesia da imaginação. Ver uma criança brincar é ver o ser humano crescer e aprender. Por essa razão, poucas atividades são mais fundamentais na infância do que brincar. “É tão essencial quanto dormir e se alimentar”, diz a enfermeira especializada em Saúde Pública Anna Maria Chiesa, professora da Universidade de São Paulo e consultora da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. A entidade é referência em estudos e iniciativas para a primeira infância no Brasil.

De fato, tudo acontece ali. A brincadeira, por exemplo, é a principal forma de comunicação da criança. Por meio dela, os pequenos expressam suas emoções, revelam de que maneira interagem com os outros e também começam a receber parte importante de seu aprendizado social: aprendem valores como o respeito pelo outro, a paciência, a administrar frustrações e a avaliar riscos.
O desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas também se dá durante os jogos, o tempo para o desenho, os minutos dedicados a ouvir, a contar e a representar histórias. Um minucioso levantamento publicado recentemente no The Lancet Global Health demonstrou que as crianças mais estimuladas a brincar apresentam índice mais elevado de quociente de inteligência e melhor desempenho nas funções executivas cerebrais – entre elas a capacidade de pensar de forma criativa.
É interessante que os pais ou cuidadores dediquem tempo para participar de alguns desses momentos. Entre outras razões, porque as crianças gostam de ter suas conquistas reconhecidas. E como tendem a imitar aqueles nos quais confiam, conseguem aprender ao, por exemplo, observar o manuseio de um objeto por um adulto ou de que forma a mãe constrói um pensamento lógico. A seguir, as principais formas pelas quais a evolução acontece.
Tipos de jogos que fazem parte da infância*
Jogos de exercício de pensamento
Envolvem a curiosidade da criança em saber o porquê de tudo ou quando falam como se estivessem conversando consigo mesmas. Fazem isso pelo prazer de juntar palavras e formar ideias
Jogo de exercício
A criança repete gestos e movimentos, como pular e correr
Jogos simbólicos
São característicos da fase que se inicia com o aparecimento da linguagem. Ela usa o universo imaginário para realizar seus desejos e trabalhar conflitos
Jogos de construção
Estão entre o jogo e a imitação. A criança constrói e descontrói a realidade e seu mundo
*Fundação Maria Cecília Souto Vidigal
Baldinho, massinha, bichinhos. Tudo isso faz parte do universo de brincadeiras do Arthur Formiga Bueno, dois anos e oito meses. Algumas ele faz sozinho. Outras são partilhadas com os pais, os médicos Bruno e Cristina. Tem contação de história, imitação de bichos, gigantes, e até a criação de um personagem, pelo pai, de um vovô meio atrapalhado e cegueta que o menino apelidou de serelepe. É nessas horas que Arthur se diverte enquanto aprende.




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