quarta-feira, 31 de agosto de 2016

"Há dezenas de ações adotadas por municípios e estados e não sabemos o que melhorou ou não"


31/08/2016 ­ 05:00

Sistemas de avaliação seguem incompletos

Por Salete Silva

Ricardo Paes de Barros, do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper:

"É necessário instrumento que permita isolar a contribuição de cada programa" 

Manter as ações com bons resultados e excluir as que não deram certo permite dar melhor rumo às políticas educacionais.

Corrigir problemas de percurso e aperfeiçoar as iniciativas que estão sendo desenvolvidas pode significar, segundo especialistas, além de maior eficiência nos programas, redução de custo. Mas os sistemas de avaliação disponíveis ainda não contam com métodos capazes de avaliar todos os fatores envolvidos na educação.

"É necessário instrumento que permita isolar a contribuição de cada programa", explica o economista­chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, Ricardo Paes de Barros. É um risco, ele aponta, investir R$ 300 bilhões em educação, equivalentes a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), sem conseguir medir qual é a contribuição de cada medida tomada.

O Brasil desenvolveu nas últimas décadas indicadores de desempenho escolar dos alunos, como o Prova Brasil, que avalia o nível da escola, e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), indicador da qualidade dos sistemas educacionais nos Estados, regiões e também no país.

Embora tenham, segundo Barros, colocado o Brasil na liderança em avaliação da aprendizagem de alunos, esses instrumentos não permitem saber de forma ampla se as iniciativas adotadas tiveram os resultados desejados e se os efeitos podem ser atribuídos à intervenção do programa.

Uma das consequências da ausência de avaliação capaz de medir cada ação, ele avalia, é a insegurança dos gestores em relação ao rumo dos programas. O gestor de qualquer área, ele compara, entraria em pânico se não soubesse a contribuição e o efeito das ações num investimento que envolvesse bilhões.

A característica assistencialista das iniciativas de educação, observa, relativiza a importância das avaliações. A ideia comum em relação às políticas educacionais, diz, é que se as ações estão fazendo o bem, não precisa avaliar. Mas destinar 1% do total investido para saber qual é a função de cada iniciativa e realizar ajustes pode significar redução de custos.

"Talvez pouparíamos, 10% ou 20% de recursos para fazer a mesma coisa", estima.

A descontinuidade das políticas educacionais agrava a ausência de avaliações de impacto. Programas são descontinuados não apenas quando há mudança de partido no governo, mas também nos casos de substituição de gestor da mesma sigla partidária, salienta a superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária 

(Cenpec), Anna Helena Altenfelder.

Os indicadores de proficiência de alunos, diz Anna Helena, têm contribuído para mostrar a evolução da aprendizagem, mas não avaliam as políticas educacionais. "Se avançamos na proficiência temos de avançar em dados contextuais que valorizem profissionais e que forneçam informação sócio econômica", afirma.

Alguns editais específicos e alguns órgãos, segundo ela, de forma isolada realizam avaliações de impacto dos programas.

O Tribunal de Contas de São Paulo, ela cita, avaliou escolas integrais. O estudo revelou a falta de equidade no programa.

As instituições de ensino integral estão localizadas em regiões centrais onde se concentra a população de maior poder aquisitivo, que é a principal beneficiada pelo programa enquanto as de menor renda ficam de fora.

Além de maior quantidade de avaliações de impacto, é necessário que seus resultados sejam divulgados, tanto os aspectos positivos quanto os negativos que não podem soar como uma crítica de governo, mas de avaliação, diz.

Descontinuidade e falta de avaliação são desestimulantes para o gestor que assume o programa e precisa estabelecer uma linha de base para dar sequência ao trabalho, segundo a presidente executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz. A carência de gestores com conhecimento de sistema de avaliação, ela aponta, e que reconheçam que avaliar é um instrumento de gestão também dificulta a criação de sistemas de avaliação de impacto.

Os sistemas desenvolvidos desde os anos 90 deveriam servir para avaliar a qualidade da educação oferecida no país, analisa a professora do programa de pós­ graduação em educação da Universidade Metodista de Piracicaba, Andreza Barbosa. Os modelos de avaliação disponíveis, diz, consideram basicamente o desempenho dos alunos.

As avaliações deveriam indicar também quão bem ­sucedidas estão sendo as políticas educacionais implementadas e possibilitar a correção dos rumos. Escolas e professores acabam sendo responsabilizados. "Quando o resultado é ruim não se questionam as políticas educacionais", afirma. 

O país, na sua opinião, não carece de avaliações. "As pessoas que estudam políticas educacionais costumam sustentar o oposto, ou seja, que temos muitas avaliações", contesta. O problema é não usar seus resultados para corrigir os rumos das políticas. Além da descontinuidade das políticas públicas, Angela Dannemann, superintendente da Fundação Itaú, aponta os altos custos como fator que tornam a prática da avaliação mais desafiadora no Brasil. Segundo ela, ausência de avaliações de impacto dificultam correções de rota realistas em projetos sociais ou políticas públicas. A avaliação, além da coleta sistemática de informação, garante consistência ao longo do tempo.

Conhecemos as notas, mas precisamos saber o que levou àquele resultado, analisa o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes. Nos últimos anos, ele lembra, o Brasil avançou na inclusão de alunos. Entre 2001 e 2014, a taxa de jovens de 15 a 17 anos inseridos no ensino médio subiu de 41,2% para 61,4%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Falta, no entanto, sistema de avaliação de impacto para saber se a política educacional melhorou. "Há dezenas de ações adotadas por municípios e estados e não sabemos o que melhorou ou não", diz.

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