Por que pisamos em ovos com nossos filhos
Francisco Daudt, psicanalista e
médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros. Escreve às
quartas, a cada duas semanas.
17/08/2016 02h13
Vejo
crianças fazendo manha, gritando em restaurantes, se jogando no chão,
esperneando no shopping quando contrariadas, desrespeitando professores, sendo
insuportáveis...
Por
que essas coisas se tornaram cada vez mais comuns, e por que eram tão raras
quando eu fui criança? Lembro-me de minha mãe dizendo para meu irmão, que a
olhava furibundo depois de um merecido —e literal— puxão de orelha: "você pensa
que me mete medo com esses olhos?".
E não metia mesmo. Ao contrário de muitos pais da atualidade, ela não tinha medo de criança, ela não sofria de pedofobia.
Essas
palavras que terminam em fobia passaram a ser entendidas mais recentemente como
"ter-se ódio a", como em "homofobia", mas o sentido original é "medo de". No
entanto, o medo e o ódio não andam distantes quando o assunto é a homofobia ou a
pedofobia.
Supostamente,
somos mais fortes que uma criança, sempre o fomos. O que as tornou tão poderosas
ao ponto de temê-las, de nos sentirmos impotentes para o exercício da autoridade
tão necessária para prepará-las para a vida?
Há vários fenômenos confluentes para esse resultado, mas ele resulta de duas mudanças básicas: a maneira como vemos as crianças e a maneira como vemos a autoridade.
A
concepção do que é uma criança mudou drasticamente nos últimos trezentos anos:
de objeto da propriedade dos pais, podendo ser vendida ou morta sem
consequências legais, até virar um bibelô, coitadista, frágil, traumatizável,
tutelada por leis e estatutos protecionistas, que deve ser alvo de um amor
incondicional beirando a subserviência, para quem os pais devem dar "tempo de
qualidade", já que não devotam todas as horas de sua vida ("como deveriam"), e
diante de quem é dever moral de quaisquer pais minimamente educados se sentir
culpadíssimos por tudo o que erram em sua criação (e eles "erram muito", espere
até seu filho crescer e ir a um psicanalista para você ver a desgraça que fez
nele).
Ou
seja, as crianças passaram de moscas mortas a monstros poderosos diante de quem
os pais morrem de medo.
Nenhuma
surpresa, pois o movimento mais comum da humanidade é o pêndulo da formação
reativa: ficamos com horror das barbáries cometidas contra as crianças no
passado, e por isso, exageramos para o lado oposto, passamos a mimá-las como se
fossem quebrar com um espirro.
Antes
eram invisíveis; agora damos-lhes toneladas de atenção, até a brincar com elas
nos impomos! Antes éramos tiranos; agora as tiranas são elas, nós lhes passamos
o bastão.
É
quando o medo desperta o ódio: os filhos gritam e a gente fica de saco cheio.
Mas odiá-los é tabu impensável, pior que incesto, por isso nós o reprimimos e,
em seu lugar, surge a bondade reativa: "meu amor, mamãe vai te explicar que
gritar não é bonito". Assim mais gritos; mais "bondade".
Pais
bonzinhos podem ferrar a vida de seus filhos por falta de autoridade.
Autoridade:
depois de anos de ditadura, passamos a confundir autoridade (a condução de quem
sabe mais) com autoritarismo (imposição pela força), e com isso, me perdoem a
metáfora, jogamos o bebê fora junto com a água do banho.
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