terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Inovação traz risco de extinção a atividades


A explosão das impressoras 3D deverá sacudir cadeias inteiras de fornecimento, permitindo as empresas imprimir grande parte do que elas precisam 

No último ano, as empresas iniciantes de tecnologia e "economia colaborativa" continuaram a remodelar setores tradicionais. Mas quais serão os próximos negócios a serem desafiados pela crescente digitalização e automação? Jornalistas do "Financial Times" olharam para os próximos cinco a dez anos, na tentativa de identificar quais setores e companhias deverão encolher ­ ou desaparecer completamente ­ em razão da marcha da ruptura tecnológica. Segundo eles, há cinco setores ameaçados de extinção. São eles, os agentes de viagens, fabricantes de componentes, seguradoras de veículos, oficinas mecânicas e consultoria financeira. 


No último ano, as empresas iniciantes ("start­ups") de tecnologia e 'economia colaborativa' continuaram a remodelar setores tradicionais ­ da comoção causada pelo Uber e seus concorrentes no mercado tradicional de táxis as incomensuráveis alternativas proporcionadas pelo Airbnb em relação aos serviços tradicionais de hotelaria. 

Mas quais serão os próximos negócios a serem desafiados pela crescente digitalização e automação? Correspondentes do "Financial Times" olharam para o futuro, para os próximos cinco a dez anos, na tentativa de identificar quais setores e companhias deverão encolher ­ ou desaparecer completamente ­ em razão do avanço da inovação tecnológica. Eis, segundo eles, os cinco setores ameaçados de extinção. 

Agentes de viagens 

A Tui é a maior operadora de turismo do mundo e administra agências de viagens tradicionais sob as marcas Thomson e First Choice. Mas seu executivo ­chefe Fritz Joussen diz que sua meta é se transformar em um tipo diferente de negócio, menos dependente da venda de pacotes de férias e mais focado no controle e operação de hotéis e navios de cruzeiro. 

"Hoje, cerca de 30% a 35% de contribuição para os lucros vêm dos hotéis e cruzeiros", disse. "Eu diria que em três anos estaremos bem acima de 50%. Estamos de fato transformando a companhia." 

As mudanças na Tui refletem mudanças mais amplas que estão ocorrendo no setor. As tradicionais agências físicas estão em declínio há anos, com os viajantes cada vez mais confortáveis em agendar suas viagens pela internet, em empresas como a Expedia. 

Segundo a agência de estatísticas do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, o número de agentes de viagens existentes no país caiu de 132 mil em 1990 para 74 mil em 2014. Ela prevê que esse número vai cair mais 12% até 2024. 

A Thomas Cook, uma das maiores operadoras de turismo do Reino Unido, precisou de um empréstimo de 200 milhões de libras em 2011 para enfrentar uma crise de caixa que ameaçou sua sobrevivência. Desde então, ela fechou centenas de agências físicas e pretende fechar mais se essas lojas não derem lucro. A companhia então passou a investir na venda de pacotes de viagem e na criação de roteiros de viagens usando sua própria frota de aviões e hotéis. No ano passado, ela voltou a ter lucro pela primeira vez em cinco anos. 

Henry Harveldt, fundador da Atmosphere Research, diz que as agências de viagens não vão desaparecer completamente, mas precisam mudar. "As sobreviventes serão as verdadeiras especialistas", disse. "Elas poderão ser usadas para agendar uma viagem importante ­ uma lua ­de ­mel, uma viagem em família especial ou uma empreitada complexa como o planejamento de um safári. Elas terão encontrado um nicho e usarão as ferramentas digitais para se certificar de que as pessoas saibam quem elas são, além de ajudar sua carteira de clientes... A questão para as agências de viagens é: elas precisam de lojas no varejo? Para ser honesto, a maioria não precisa." 

Alguns clientes ainda querem o contato face a face com os agentes de viagens. Uma pesquisa conduzida pela Associação das Agências de Viagens Britânicas (ABTA, na sigla em inglês) sugere que a grande maioria dos viajantes agenda suas viagens pela internet. Mas o número de pessoas que agendam suas viagens nas agências físicas aumentou ligeiramente nos 12 meses até outubro de 2016, para 19%, de 17% há um ano. 

A pesquisa da ABTA sugere que "os mais ricos" ­ 4% da população britânica que representam os salários mais altos do país ­ têm uma propensão maior a fazer as reservas nas agências, com 35% preferindo essa opção. 

Joussen diz que a Tui continuará a vender pacotes de férias mas vai se concentrar menos no negócio tradicional, em que os agentes de viagens pesquisam os menores preços em nome dos clientes. Os caçadores de pechinchas vão recorrer à internet, e não às agências físicas, em busca dos melhores pacotes. 

Fabricantes de componentes 

Qualquer pessoa que vai a um show de música sabe que é mais fácil imprimir os ingressos do que comprá ­lo no local ou esperar que eles cheguem pelo correio. As empresas logo vão perceber que o mesmo se aplica a peças de reposição, equipamentos e eletrônicos. 

A explosão das impressoras 3D deverá sacudir cadeias inteiras de fornecimento, permitindo as empresas imprimir grande parte do que elas precisam, em vez de encomendar, frequentemente de fornecedores no exterior. A Bosch Rexroth, uma unidade do grupo alemão Bosch, projeta que dentro de cinco a dez anos, até 40% dos equipamentos industriais que ela usa poderão ser impressos, em vez de comprados. 

"Se olharmos para as peças de reposição para carros e motores mais antigos, protótipos de novos produtos ou pequenos lotes de produção, veremos que a impressão 3D fará uma grande diferença", segundo Stefan Hoevel, gerente de desenvolvimento de processos de fabricação da Bosch Rexroth. 

A Bosch já está imprimindo objetos para criar protótipos que antes não podiam ser construídos ou cujos processos eram muito demorados. Hoevel diz que a fabricação de equipamentos poderá se tornar até 60% mais barata que os métodos convencionais de hoje. 

A técnica às vezes é conhecida como "fabricação cumulativa" em razão da maneira como plásticos, metais e outros materiais são construídos, camada por camada.





Na feira Electronica de Munique, em novembro, a "start­up" israelense Nano Dimension mostrou como a impressão 3D vai muito além de produzir peças simples. A impressora Dragonfly da companhia, do tamanho de um computador de mesa, pode criar placas de circuito impresso multicamadas ­ iguais as encontradas em smartphones e computadores que permitem a transmissão de sinais e potência. 

Amit Dror, executivo­chefe da Nano Dimension, diz que a impressão 3D de placas de circuitos estimulará o processo de pesquisa e desenvolvimento de protótipos, possibilitando às companhias eletrônicas colocar novos produtos no mercado mais rapidamente. 

Numa demonstração dos métodos mais recentes neste ano, a HP imprimiu um elo de corrente leve, de 115 gramas, em menos de 30 minutos ­ depois, ele foi preso a um guincho e levantou um carro. A impressora Jet Fusion 3D usada é jocosamente chamada de "a impressora que se imprime", por Stephen Nigro da HP, uma vez que quase metade de suas peças podem ser impressas. "Não estamos fazendo isso porque podemos", explica. "Acreditamos que a impressão 3D terá um papel fundamental na mudança da forma como o mundo projeta e fabrica." 

 "Talvez o caso mais dramático seja o das seguradoras de veículos, que hoje geram US$ 260 bilhões em prêmios anuais para as grandes companhias globais do setor e US$ 17 bilhões em lucros. Num futuro em que frotas de automóveis sem condutores se moverão cuidadosamente, a tendência é haver menos acidentes ­ e menos demanda por seguros. Nas economias maduras, o mercado pode encolher em mais de 80% até 2040"


Seguradoras de veículos

 Imagine um futuro em que frotas de automóveis sem condutores se movem silenciosamente e cuidadosamente pelas nossas cidades e zonas rurais, embarcando e desembarcando passageiros sem percalços. Haverá menos carros nas ruas e aqueles que estiverem em circulação tenderão a se envolver em menos colisões. 

Para alguns, isso é uma utopia. Mas para as companhias seguradoras poderá ser exatamente o oposto. Os seguros de veículos são um dos principais pilares do setor. Eles geram cerca de US$ 260 bilhões em prêmios anuais para as grandes seguradoras globais e US$ 17 bilhões em lucros, segundo uma pesquisa do Morgan Stanley e da Boston Consulting Group. Eles estimam que o segmento de seguros de automóveis tem um valor de mercado de cerca de US$ 200 bilhões. 

Analistas afirmam que a nova tecnologia ameaça grande parte dessa indústria de várias maneiras. Primeiro, menos carros e menos acidentes significa menos demanda por seguros. Nas economias maduras, o mercado poderá encolher em mais de 80% até 2040. Em segundo lugar, o seguro necessário será comprado por companhias como as montadoras, e não pelos consumidores. E como montadoras e companhias de tecnologia são melhores em coletar e usar dados, elas poderão estar numa posição mais privilegiada para vender seguros do que as próprias empresas de seguros. 

Seguradoras afirmam que, no curto prazo, o aumento da automação elevará o custo da cobertura de veículos, uma vez que é mais caro reparar carros cheios de dispositivos eletrônicos do que os modelos básicos, se eles se envolverem em acidentes. 

Murray Raisbeck, sócio de seguros da KPMG, diz que a nova tecnologia também vai criar oportunidades. "Haverá riscos diferentes que precisarão de seguro, como o risco da falha de um algoritmo, ou os riscos cibernéticos relacionados aos carros que dispensam condutores", disse. "Haverá menos metal retorcido e menos riscos de lesões corporais." 

Algumas seguradoras estão começando a reagir à mudança de cenário. No Reino Unido, a Axa uniu­se a uma série de grupos apoiados pelo governo, que estão buscando a melhor maneira de implementar a tecnologia que dispensa o condutor. No Japão, a Mitsui Sumitomo e a Tokio Marine, duas das maiores seguradoras do país, estão examinando novos tipos de produtos de seguros que possam vir a ser necessários. 

Mas Raisbeck diz que o setor como um todo precisa agir mais decisivamente para enfrentar as ameaças. "No Reino Unido, fala­se muito e se elogia muito, mas não há muito capital sendo investido em tecnologia ou em parcerias que venham a ser necessárias no futuro." 

"As seguradoras são boas em reagir à mudanças", acrescenta Raisbeck. "Mas as empresas automotivas e de tecnologia são concorrentes completamente diferentes, que aparecem para tentar roubar seu mercado."

 Oficinas mecânicas 

Os automóveis elétricos são sempre vendidos para os consumidores sob a premissa de que são mais limpos e de manutenção mais barata que os modelos movidos a gasolina ou diesel. Mas como eles não possuem praticamente nenhuma parte móvel ­ a não ser as rodas ­ os carros movidos a eletricidade apresentam outra vantagem: quase nada de errado acontece sob o capô. 

Isso pode ser bom para os condutores, mas representa um problema para as milhares de oficinas mecânicas que ganham a vida consertando automóveis movidos a gasolina ou diesel. 

O setor pós ­venda não só é uma fonte enorme de empregos dentro do setor automobilístico, como também é um dos ramos mais lucrativos dessa indústria. "O negócio de vender carros apresenta margens muito pequenas", diz Philippe Houchois, analista automotivo da Jefferies. 
"Mas enquanto tivermos carros com motor a combustão interna, os reparos continuarão sendo a principal fonte de lucros dos revendedores.

" Enquanto o motor de combustão interna de um carro vendido hoje pode ter vários milhares de peças móveis, o motor de um Tesla elétrico tem apenas 18 peças móveis, segundo o Crédit Suisse. 

"Os motores elétricos não precisam praticamente de nada", diz Steve Nash, executivo ­chefe do Institute of Motor Industry (IMI). 

A IMI estima que há 40 mil empresas pós ­venda somente no Reino Unido, que vão de grandes grupos como a Kwik Fit a um grande número de pequenas oficinas mecânicas independentes. É difícil calcular um número exato porque muitas não são afiliadas à IMI.



Analistas acreditam que a grande maioria dos carros elétricos que serão vendidos nos próximos anos terão uma forma de tecnologia híbrida que usará um motor e uma bateria. Mas os carros movidos apenas a bateria, uma parte crescente do mercado, exigirão um conjunto fundamentalmente diferente de técnica para serem mantidos, como conhecimentos elétricos. 

A Volkswagen disse recentemente que vai reciclar sete mil engenheiros em tecnologia elétrica, já que a montadora alemã quer que um quarto dos automóveis que produz sejam movidos a eletricidade até 2025. 

"Como eles se parecem com carros comuns, os políticos assumem que alguém que trabalha com automóveis também poderá se adaptar aos elétricos", diz Nash, chamando atenção para a necessidade de treinamento especializado e também para os riscos elevados de se mexer com um carro elétrico. 

"É arriscado ocupar­se de um carro elétrico. A bateria de um carro desses pode produzir até 400 volts de corrente elétrica. Isso é pior do que ser amarrado a uma cadeira elétrica." 

Consultoria financeira 

Os consultores financeiros tradicionais se depararam com uma regulamentação intensa nos últimos anos e agora correm o risco de serem usurpados pelos algoritmos. A profissão começou a ter problemas em 2006, quando o órgão regulador do setor financeiro do Reino Unido anunciou uma investigação sobre a maneira como os fundos estavam sendo vendidos aos pequenos investidores. 

Novas regras introduzidas em 2013 alteraram o modelo de negócios dos consultores, impedindo as gestoras de fundos de pagar comissões a eles e aumentando o nível mínimo de qualificações que os consultores precisam ter. 

A Liberatum, uma associação de consultores financeiros, estima que 13.500 consultores deixaram o setor após a implementação das novas regras, enquanto a Financial Conduct Authority do Reino Unido (FCA) coloca esse número em dois mil. 

A proibição da comissão, que eliminou a principal fonte de renda dos consultores, forçou aqueles que permaneceram no negócio a aumentar as taxas cobradas dos pequenos investidores, ou aumentar os investimentos mínimos aos quais eles oferecem consultoria. 

Subitamente impedidos de ter consultores, grupos de investidores começaram a se voltar para uma nova espécie de "consultores robô", surgida em 2012. Os consultores robôs ­ sites que recomendam uma carteira de fundos com base nas respostas dos investidores a um questionário online ­ vêm tentando transformar a consultoria face a face tradicional, oferecendo uma alternativa de baixo custo aos clientes que se mostram cada vez mais confortáveis com o investimento digital. 

O Citigroup estima que os ativos gerenciados pelos consultores ­robôs poderão chegar a US$ 5 trilhões em termos globais na próxima década. Bancos, gestores de ativos e de fortunas também detectaram o potencial do consultor ­robô para ajudar os clientes de varejo, entrando em um espaço antes dominado por ágeis companhias de tecnologia financeira. 

Os bancos britânicos Barclays, Royal Bank of Scotland, Lloyds Banking Group e Santander UK estão desenvolvendo sites de investimentos online, assim como o banco suíço UBS e as gestoras de fortunas Investec Wealth, Brewin Dolphin e Killik & Co. 

Outras grandes companhias compraram "start­ups". A gestora de ativos Schroders adquiriu uma participação de 12 milhões de libras na consultora ­robô Nutmeg, enquanto a Allianz Global Investors comprou uma posição na Money Farm, lançada na Itália. 

Nos EUA, os serviços automatizados de gestão de fortunas cuidam de carteiras de ETFs e também reinvestem dividendos e otimizam a eficiência tributária. A Betterment, que cobra de 0,15% a 0,35%, hoje administra US$ 6,7 bilhões em ativos para 210 mil clientes. 

Na revisão do mercado de consultoria financeira feita pela FCA este ano, ela e o Tesouro britânico disseram que iriam tentar facilitar o oferecimento de consultoria financeira online a baixo custo, depois que constataram que dois terços dos pequenos investidores estavam comprando produtos financeiros sem aconselhamento. 

A popularidade crescente dos fundos passivos também parece que vai estimular o crescimento dos consultores ­robôs nos próximos anos ­ eles geralmente encorajam os investidores a aplicar seu dinheiro em carteiras passivas, em vez de fundos gerenciados por administradoras mais caras. 

Segundo a Morningstar, os ativos administrados por fundos passivos cresceram 230% em termos globais desde 2007, atingindo US$ 6 trilhões. No mesmo período, os fundos administrados de maneira ativa dobraram de tamanho, para US$ 24 trilhões. 

(Traduzido por Mario Zamarian)

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