Ricardo Paes de Barros: "Nosso problema de educação nunca foi e não me parece no curto prazo que vai ser falta de dinheiro"
Por Ligia Guimarães
Especialista em políticas sociais e um dos formuladores do Bolsa Família, Ricardo Paes de Barros sustenta que o teto de
gastos, criado pela PEC 55, não prejudicará a área de educação. Egresso do Ipea, onde atuou por mais de três décadas, e
hoje economista chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, ele afirma que a educação não avança no país
porque a governança é ruim e não há estratégia. Paes de Barros lembra que a meta 3, do Plano Nacional de Educação,
previa universalização do ensino médio neste ano e isso não ocorreu, o que é "péssimo". "Nosso problema de educação
nunca foi e não me parece no curto prazo que vá ser falta de dinheiro. É muito mais falta de plano", afirmou.
Se o país conseguir elevar os níveis de governança e apresentar um projeto claro, mais parecido com o das metas
econômicas que descreva em detalhe não só objetivos educacionais, mas estratégias e prazos , não faltará dinheiro para
a educação, nem mesmo sob a vigência da PEC 55, que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos.
A avaliação é de Ricardo Paes de Barros, economista chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper. "Nosso
problema de educação nunca foi e não me parece no curto prazo que vai ser falta de dinheiro. É muito mais falta de
plano", afirma. Ex pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), onde atuou por mais de 30 anos,
Paes de Barros se dedica, desde 2015, ao uso de evidência científica para a formulação e avaliação de políticas públicas.
Na visão de PB, como é conhecido na área acadêmica, a tradição brasileira do uso do dinheiro público para educação se
baseia não em evidências e metodologia, mas nas convicções e boa vontade do gestor público federal, estadual ou
municipal.
"Na educação, e isso é muito preocupante, o que muito gestor público diz é: me dá o dinheiro, vou fazer o melhor que eu
posso. Não há nenhuma governança nisso", diz Paes de Barros, que acrescenta que a atribuição de responsabilidades a
cada avanço alcançado com o dinheiro público é parte importante para que haja mais governança no investimento em
educação.
"Hoje, o gestor não alcança o objetivo e a reputação dele não é afetada, porque nunca prometeu que ia alcançar. Ele
sempre é o pobre coitado, que com um orçamento ridículo está tentando alcançar o inalcançável. Coloca uma meta lá em
cima, e um orçamento lá embaixo", diz Paes de Barros, que considera que a falta de governança nas políticas educacionais
é um problema mais grave para o financiamento da educação do que a crise fiscal. "Eu vejo um problema fiscal dramático
na Previdência. Mas na educação, ainda não vi a importância da crise fiscal", diz.
Como exemplo do que é insuficiente, ele cita o desenho das 20 metas traçadas no Plano Nacional de Educação, que prevê
avanços educacionais a serem conquistados até 2024. A meta 3, por exemplo, estabelece que o Brasil precisa universalizar,
até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos. "Todo jovem de 15 a 17 anos já deveria estar na
escola este ano. Como o gestor ia alcançar isso?", questiona o economista, que afirma que as estratégias do PNE são menos
detalhadas do que é necessário.
O economista considera "péssimo" o fato de o PNE estar atrasado no cumprimento de suas metas, e diz que a solução não
é reduzir ou revisar para baixo as metas, mas buscar meios de cumprilas nos próximos anos.
"Temos que ser mais ousados que o PNE, não menos", diz. "Para o PNE ser um plano, falta indicar exatamente o que eu
preciso para alcançar cada meta. Eu não posso declarar que quero alcançar certas coisas e dizer que esse é o meu plano",
afirma.
"Se cada meta daquela é séria e é , preciso de uma argumentação muito séria de como se vai alcançar isso", diz Paes de
Barros. Segundo ele, com projetos bem estruturados e o desafio gigante que o país ainda tem a resolver nessas áreas, a
educação e a saúde têm tudo para serem invencíveis em relação às outras pastas na disputa orçamentária estimulada
pela PEC. "Se o Brasil tiver um projeto educacional claro, a educação vai pegar dinheiro da Previdência", afirma,
"Coitados dos outros ministérios na hora em que a educação resolver chegar lá com o projeto dela. Como vão falar que não
vão gastar na primeira infância? Quem vai tirar o dinheiro do nené para dar para o cara que não está podendo pescar
agora?", exemplifica o pesquisador, crítico do gasto com benefícios "sem sentido", como o seguro defeso, pago a
pescadores durante a piracema, período em que a pesca fica proibida para a reprodução dos peixes. "A educação competir
com aquilo é ridículo [o gasto em seguro defeso]. Os problemas da educação e da saúde são muito sólidos", diz.
Para Paes de Barros, um modelo mais eficiente que o da educação de governança é o do Banco Central, autoridade
responsável pela política monetária. "O BC é totalmente responsável pelo que está acontecendo com a economia. Já na
educação não; é sempre como se o gestor público estivesse fazendo algo para ajudar, ele não é o responsável", diz.
Ainda nessa analogia, Paes de Barros diz que, como o BC tem metas claras, quando é questionada pela sociedade e
imprensa, é sobre as medidas que toma para alcançá las. Diferentemente do que ocorre no MEC, na visão de Paes de
Barros, onde cada vez que um novo ministro ocupa o cargo, reinicia se o debate sobre o que ele deveria fazer.
"Em vez de escolhermos alguém que é responsável e presta contas para nós, nós viramos educadores", diz. "Em economia
fazemos melhor. Os jornais entrevistam economistas para perguntar: o BC vai fazer tal coisa, o que você acha? E não: o
que você faria se fosse o BC?" Para o economista, na educação nenhuma política ou plano é avaliado; quando um objetivo
não é alcançado, começa se tudo de novo, sem um diagnóstico sobre o que deu errado.
Paes de Barros cita o exemplo do Chile, que está à frente do Brasil em educação, e fez uma reforma por mais governança.
Lá, cada órgão de educação tem um papel definido: executar, cobrar, fiscalizar. "Não sei se funciona, mas o Chile está 20,
30 anos na nossa frente. E eles ainda acham que a governança dele está ruim."
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