quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Como ajudar uma pessoa que está pensando em suicídio

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Para a autora, a dramaturga Camila Appel, a morte é o próximo tabu --depois do sexo-- a ser quebrado. Blog traz informações, entrevistas e o desenvolvimento do tema pelas diversas áreas do pensamento. http://mortesemtabu.blogfolha.uol.com.br/

É desolador perceber que alguém próximo de nós esteja pensando em suicídio. Optamos por não ver, não acreditar, e secretamente nos sentimos impotentes, sem saber o que fazer, sem saber como ajudar. Mas a chance de termos alguém querido, ou conhecido, numa situação grave de desespero emocional é alta. É mais comum do que imagina.
Não é um assunto muito bem-vindo no happy hour de sexta-feira, mas caso queira arriscar a pergunta, poderá ver que mais de uma pessoa da sua mesa está em um situação parecida. Um colega mais reflexivo pode até questionar quais são os sintomas de um comportamento suicida para mapear as pessoas de sua vida em busca de sinais de alerta. A categoria “suicídio” desse blog serve para isso. Compartilhar informações a respeito, seus sinais, mitos envolvidos, como prevenir, como ajudar, e divulgar grupos de apoio para esse luto tão complicado.
Um pensamento comum de pessoa em risco de vida é: eu não sou o suficiente, eu não sou bom pai o suficiente, bom marido o suficiente, bom filho o suficiente, bom amigo ou bom funcionário o suficiente, eu simplesmente não basto. Desse pensamento surge a culpa. Um peso enorme por achar que o mundo estaria melhor sem ele. Esse peso torna-se insuportável e encontra alívio em pensamentos de morte.
A maioria dos suicídios ocorre de forma calculada e não por impulso. A pessoa costuma, inclusive, avisar. Uma notícia muito boa é que, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o suicídio é possível de ser prevenido. Segundo algumas cartilhas já exploradas aqui, a principal ferramenta que você tem para ajudar é a compreensão: escutar o outro. Buscar entender sua angústia e não desqualificá-la dizendo coisas como: “ah, mas tem gente que passa fome e você aí, cheio de comida na geladeira reclamando da vida”. Essa forma de relativizar a dor de quem não vê mais espaço para si no mundo, não ajuda. Ao contrário, tende a agravar o problema.
Essa relativização aumenta o peso na consciência do suicida, que verá nisso mais um motivo para julgar a si mesmo: “poxa, eu não sou mesmo bom o suficiente para o mundo. Com tanta gente passando fome e eu aqui reclamando de boca cheia. Eu não tenho motivos para me sentir assim, eu não presto, eu não mereço viver”. Dizer que a pessoa tem filhos dependendo dela também pode ter o efeito contrário – “eu tenho filhos lindos e mesmo assim penso em morrer, eu só trago dor aos que amo, na verdade eles ficariam melhor sem mim”.
Sugerir ajuda médica, psiquiátrica, é sempre um passo fundamental. Nuery José Botega, psiquiatra, professor titular da Unicamp, sócio fundador da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio é autor de diversos livros na área. O último, “Crise suicida: avaliação e manejo” (ed. Artmed), está disponível na livraria da Folha, na Livraria Cultura, nas Lojas Americanas, no Submarino etc. Neury esclareceu ao blog um questionamento comum: devemos perguntar diretamente à pessoa se ela está pensando em se matar? Ele diz que sim.
Teríamos medo de fazer essa pergunta por dois motivos principais: medo de estimular o ato ao perguntar sobre ele e medo de se responsabilizar pela pessoa caso a resposta for um sim. “Não tenha medo de perguntar porque a sua pergunta não é capaz de induzir o suicídio de ninguém. E não fique sozinho com o temor de que uma pessoa possa se matar. Não fique com a responsabilidade de que você dará conta da vida de alguém. Não precisa ter o sentimento de onipotência, de que só você pode salvar a pessoa. Peça ajuda.” A pergunta direta seria, por tanto, benéfica. Ela é importante para o outro sentir-se compreendido, poder se abrir e nesse compartilhar da dor ter um pouco do alívio que busca.
Para Neury, há alguns sinais de um comportamento suicida. Muitas vezes não os enxergamos devido ao que ele chama de cegueira banalizadora e cegueira emocional. “O tabu impede que a gente veja os sinais que às vezes estão muito claros. Eu posso banalizar, não acreditar na possibilidade. Você vê o sinal mas não acredita que aquilo vá realmente acontecer. Considera que a tragédia (de vivenciar um suicídio) é algo distante, que só ocorre com o outro. Há algo ainda mais anterior e mais profundo que seria próximo à uma cegueira emocional – que me permite não ver que alguém está sofrendo, porque me causaria sofrimento. É melhor fazer de conta que aquilo não está acontecendo. É uma cegueira quase inconsciente”.
Alguns desses sinais são: presença de um distúrbio mental grave como depressão crônica, transtorno bipolar e alcoolismo. Neury comenta que “não é todo mundo que tem essas doenças que se mata, mas quando você pega o histórico dos suicidas, é mais comum que tenham apresentado esses tipos de distúrbios”. Ele diz ser importante prestar atenção nos sinais de agravamento e crises. Por exemplo, no caso do transtorno bipolar, há a mudança de fases com instabilidade afetiva muito grande. São períodos de maior impulsividade, descontrole do álcool, insônia e isolamento. Devemos prestar atenção em mudanças no padrão de conduta.
No caso da depressão, Neury diz haver algumas frases que podem ser interpretadas como sinais e devem ser levadas em consideração. Como dizer que “a vida não vale a pena”, e que “não há luz no fim do túnel”. E, principalmente, o comentário direto de que existe o pensamento de morte. “Quando eu dou aula de prevenção do suicídio, eu costumo usar a seguinte imagem: Cão que ladra, morde. Pode até haver um componente manipulador na ameaça, mas não adianta focar nesse componente do comportamento. Uma orientação que eu dou é: leve a sério uma ameaça de suicídio”.
Neury ressalta que há suicídios que ocorrem sem a presença de um distúrbio mental e são estimulados por um colapso emocional instantâneo. “O fenômeno do suicídio traz à tona todo nosso drama existencial. É o ápice de uma situação de muito sofrimento”. Cada pessoa pode desabar por motivos diferentes. A adolescente pode se matar por ter fotos nuas expostas na internet, e um pai de família pode se jogar de um prédio devido à crise econômica.
Neury utiliza em aula um acrônimo para falar sobre o assunto: ROC. “R” é de “risco” e significa que devemos levar em consideração que há um risco real de suicídio. “O” é de “ouvir” o outro, com respeito e sem julgamentos e o “C” é de “conduzir”. “Uma pessoa que está muito mal, não tem a motivação ou iniciativa para marcar uma consulta com um profissional de saúde. Precisamos conduzi-la, marcar e levá-la”, conclui o psiquiatra.
É importante estar atento. O suicídio tem aumentado no Brasil e no mundo – 60% nos últimos 45 anos. É uma epidemia silenciosa, ou melhor, silenciada. Alguém próximo de você pode estar passando por isso. Alguém que você ama pode não ver saída para uma angústia sem fim. Mostre que o mundo não ficará melhor sem essa pessoa e que há saídas, há recursos, há empatia, há tolerância, há união, e, acima de tudo, há ajuda disponível– ela não está sozinha. Nem você.

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