Sérgio C. Buarque é economista especializado em Desenvolvimento Regional, mestre em Sociologia e
sócio da consultoria Multivisão Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários.
*Referência à afirmação "É a economia, estúpido!" utilizada por James Carville, responsável pelo marketing eleitoral de Bill Clinton, na campanha presidencial de 1992 nos Estados Unidos, desmontando o discurso de George H. Bush (pai) concentrado no triunfo na primeira Guerra do Golfo enquanto o país afundava na recessão econômica
Nas últimas décadas (pelo menos antes da atual recessão econômica), o Brasil registrou uma redução forte da pobreza e
das desigualdades de renda. Na verdade, quase todos os indicadores sociais do Brasil vêm melhorando continuamente,
desde a década de 80, mesmo sem qualquer política explícita e ainda em momentos de alta inflação e baixo crescimento,
quase como um processo inercial.
A primeira queda relevante da pobreza e das desigualdades de renda no Brasil ocorreu
bem antes do governo do PT, com o Plano Real, por conta da redução drástica da inflação, melhoria decorrente,
sobretudo, do comportamento da economia e não de políticas sociais.
A redução da pobreza e da concentração de renda decorre do efeito combinado de três fatores: queda da inflação que
corroía a renda da população pobre, moderado crescimento da economia a partir de 2004 e mudança demográfica com
redução significativa do tamanho médio das famílias.
O novo padrão demográfico gera por seu lado um problema fiscal: a crise da previdência social
Este movimento de indiscutível melhoria social se acelerou ao longo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
levando a maioria dos analistas a creditarem os resultados à política de distribuição de renda, particularmente ao
programa Bolsa Família. Mas também no governo Lula a melhoria dos indicadores sociais, principalmente a redução da
pobreza, também tem mais a ver com a combinação da dinâmica da economia com a mudança demográfica que com
políticas de assistência social.
A continuidade da política macroeconômica pelo presidente Lula, operando com um superávit fiscal maior do que no
governo anterior, manteve a inflação em patamares baixos e criou as bases para um crescimento econômico médio. Os seis
primeiros anos da gestão petista contaram com excepcionais condições externas de acelerado crescimento econômico,
fluxo amplo de capital e elevada demanda de commodities.
Este crescimento da economia brasileira coincidiu com o aprofundamento de importantes mudanças demográficas: baixo
crescimento da População em Idade Ativa e queda significativa do tamanho médio das famílias. Desde 1991, a PIAPopulação
em Idade Ativa no Brasil (acima de 15 e a abaixo de 65 anos) vem crescendo a taxas fortemente declinantes: de
2,6% ao ano (de 1991 a 2000), caiu para 1,9% nos cinco anos seguintes (2000/2005) e para apenas 1,2%, de 2005 a 2010.
Mesmo considerando que parte desta população apta para o trabalho não busca emprego (cerca de 50% da PIA busca
trabalho, ou seja, constitui a PEAPopulação Economicamente Ativa) é deste segmento etário que emerge a oferta de mão
de obra no país. Tamanha redução no ritmo de expansão da PIA explica o aparente mistério de queda do desemprego em
um período de crescimento apenas mesmo moderado da economia: a oferta de mão de obra cresceu muito menos que a
demanda, o que promoveu também o aumento do salário real do trabalhador. E como a produtividade do trabalho
praticamente estacionou no Brasil, o desemprego caiu e os salários reais cresceram pelo jogo do mercado de trabalho de
forma completamente independente de políticas.
A esta alteração na estrutura etária da população do Brasil corresponde uma drástica diminuição da fecundidade
(número muito menor de filhos) e, como decorrência, do tamanho médio das famílias brasileiras. Em 1991, as famílias
brasileiras tinham, em média, 2,9 filhos (eram 5,3, em 1970), declinando para 2,4 em 2000, e apenas 1,9 filhos, em 2010,
o que corresponde a famílias com média de apenas 3,3 membros.
Nestas últimas décadas, segundo o demógrafo mineiro José Alberto Magno
de Carvalho (matéria da Piauí nº 80), a redução da fecundidade e do
tamanho das famílias foi mais acentuada na população pobre, mesmo porque
este movimento já tinha ocorrido antes entre os mais ricos. De modo que a
renda domiciliar per capita entre os pobres cresceu mais que na média da
população, na medida em que o denominador da relação tamanho da
família despencou ao mesmo tempo em que o salário real também cresceu.
Como resultado destes dois movimentos aumento do salário real e redução
do tamanho das famílias a renda domiciliar per capita cresceu bastante (maior renda para menos pessoas na família),
levando ao declínio da pobreza e das desigualdades de renda. Conclusão: o silencioso processo de mudança demográfica
levou à melhoria dos indicadores sociais independente das políticas sociais. Ou seja, foi o mercado de trabalho e a
mudança demográfica que promoveram a queda da pobreza e das desigualdades de renda no Brasil e não as políticas de
distribuição de renda.
Com a recessão econômica, o desemprego cresceu e a renda per capita dos brasileiros registrou uma queda de 9,4% (de
2014 a 2016), segundo IBRE/FGV, impactando negativamente os indicadores sociais. A deterioração social não está
sendo maior graças ao novo padrão demográfico (baixo crescimento da população e da população em idade ativa e
reduzido tamanho médio das famílias). Entretanto, ao mesmo tempo em que modera a dramática situação social do
Brasil no meio da recessão, o novo padrão demográfico gera, na outra ponta, um delicado problema fiscal: a crise da
previdência social decorrente do acelerado envelhecimento da população.
*Referência à afirmação "É a economia, estúpido!" utilizada por James Carville, responsável pelo marketing
eleitoral de Bill Clinton, na campanha presidencial de 1992 nos Estados Unidos, desmontando o discurso de George H.
Bush (pai) concentrado no triunfo na primeira Guerra do Golfo enquanto o país afundava na recessão econômica
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