quarta-feira, 30 de novembro de 2016

"Agora tenho diploma. E aí?". Ou o Brasil está desperdiçando capital humano ou não está conseguindo formar um número suficiente de profissionais qualificados no ensino superior. Provavelmente, uma combinação dos dois.

érica fraga
Èrica Fraga
É jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Mãe de três meninos, escreve sobre educação.


O Brasil pode estar jogando capital humano no lixo

Ou o Brasil está desperdiçando capital humano ou não está conseguindo formar um número suficiente de profissionais qualificados no ensino superior. Provavelmente, uma combinação dos dois.

Milhares de profissionais com ensino superior foram empurrados para ocupações de menor qualificação em 2015, como mostrou reportagem publicada na Folha neste domingo

O movimento foi efeito da recessão. Mas uma análise dos dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) revela que, embora tenha se acentuado, a tendência é anterior à crise.

DESPERDÍCIO DE DIPLOMA

Aumento de vagas ocupadas por profissionais com ensino superior (entre 2008 e 2014)
Embalador a mão
35.081
Vendedor de comércio varejista
14.015





Recepcionista em geral
10.337
Almoxarife
7.872
Operador de caixa
7.804
Faxineiro
4.620
Vigia
3.536
Porteiro de edifícios
3.204
Cobrador interno
2.261
Babá
1.662
Varredor de ruas
1.305
Servente de obras
1.015
Contínuo
914
Garçom
521
Frentista
346
Embalador a mão


Entre 2008 e 2014, o mercado de trabalho formal brasileiro estava em franca expansão. A tabela abaixo mostra que, nesse período, 15 profissões de baixa e média qualificação - como vendedor de comércio, faxineiro, vigia, servente de obras, varredor de rua e babá - criaram 94.493 vagas para profissionais com ensino superior (considerando admissões menos demissões).

Comparada à geração total de mais de três milhões de posições para trabalhadores com diploma universitário no mesmo período, esse crescimento pode parecer pequeno; equivale a pouco menos de 3% do total.

Mas o aumento de vagas para essas 15 profissões acende um sinal amarelo quando examinado sob outros ângulos.


Ele equivale, por exemplo, a quase o dobro das 53.146 vagas de engenheiro com ensino superior geradas entre 2008 e 2014 (incluindo os 67 diferentes tipos de engenharia recenseados pela Rais).

Enquanto as 15 ocupações da tabela acima registraram um avanço de 0,5 ponto percentual em seu peso no total de trabalhadores com diploma universitário ocupados, a fatia dos engenheiros encolheu quase nessa mesma proporção.

Outra ponderação é que há muitas outras ocupações de baixa e média qualificação que ampliaram sua participação no estoque de brasileiros empregados no mercado formal com ensino superior. Essas 15 representam apenas uma seleção feita a título de ilustração.

É claro que muitas profissões tipicamente de ensino superior - como médicos, enfermeiros, administradores, farmacêuticos e contadores - também ampliaram a oferta de vagas nos últimos anos. Isso é positivo.

Mas era de se esperar que, num país onde empregadores e especialistas apontavam um apagão de mão de obra qualificada, não tivesse ocorrido uma alocação tão expressiva de graduados em ocupações menos sofisticadas.

Essa tendência provavelmente tem várias explicações. A baixa qualidade de muitos cursos de ensino superior criados nos últimos anos é uma delas.

A outra é o descasamento entre o que o mercado de trabalho brasileiro demandava no auge de sua expansão (engenheiros, por exemplo) e o que o mercado de graduados ofertava (muitas ocupações na área de humanas).

Com a profunda recessão que ainda vivemos, é provavelmente melhor para esses profissionais estar em vagas de menor qualificação do que entre os milhões de desempregados brasileiros.

Mas isso não significa que o país (governo, universidades, empresas) não deva parar e pensar seriamente sobre essa questão.

Vale a pena formar universitários que terminarão fazendo faxina? A intenção dessa reflexão não é, de forma alguma, desmerecer os importantes profissionais que executam essa e outras funções de menor qualificação e que também contribuem para o desenvolvimento do país.

Mas é preciso aumentar a transparência em relação às possibilidades de mercado oferecidas por cada carreira, em cada instituição de ensino superior, para que as pessoas individualmente e a sociedade como um todo possam decidir no que querem investir.

A coluna de quatro semanas atrás falou sobre estudos que mostram que, no Chile e na Colômbia, muitas pessoas com ensino superior nunca recuperam o investimento feito para cursar uma faculdade.

A pedagoga Patrícia Ferreira Perote - que hoje faz faxina enquanto procura uma vaga de professora ou babá - se pergunta se esse será o seu caso.

"Não é vergonha ter diploma universitário e limpar casa como estou limpando, mas fico me perguntando se valeu a pena tanto esforço", afirma ela que ainda não terminou de pagar a graduação terminada em 2013.

Patrícia perdeu o emprego de professora em agosto passado. Ela conta que se desdobrou para aumentar sua escolaridade depois de ver a família passando por sérias necessidades na sua infância e escutar as pessoas dizerem: "sem estudo, você não consegue nada".

"Agora tenho diploma. E aí?". 

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