segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"O recém-formado nunca enfrentou um cenário tão desafiador como o atual"

Fundação Estudar, Anamaíra Spaggiari (Foto: divulgação)
Anamaíra Spaggiari, coordenadora de carreiras: o jovem deve buscar o equilíbrio entre o investimento na formação e a busca de experiências práticas

Para a coordenadora de carreiras da Fundação Estudar, a crise e o excesso de opções impõem um desafio ao jovem que sai da faculdade


BEATRIZ MORRONE (TEXTO) E FLÁVIA YURI OSHIMA (EDIÇÃO)


O Brasil enfrenta uma crise política e econômica. O mundo vive colapsos ambientais e humanitários. As mazelas deste século impõem desafios para os jovens cidadãos. São necessárias cabeças pensantes que reponham o estoque de ideias e soluções para todos os setores da sociedade – da política às empresas, da tecnologia à ideologia. Cabeças dispostas a encarar essa empreitada não devem faltar. A má notícia é que os esforços para aproveitá-las talvez ainda não estejam sendo suficientes.
Em 2014, um estudo do Fórum Econômico Mundial apontou que 86% dos 1.200 líderes mundiais ouvidos acreditam que a humanidade vive uma crise de liderança. No mesmo ano, uma pesquisa divulgada pelo Grupo Empreenda apontou que, no Brasil, 71% dos diretores de empresas e 62% dos executivos de Recursos Humanos acreditam que faltam líderes em suas organizações. A ausência dessas figuras – e a falta de confiança nelas –, segundo o Fórum Econômico Mundial, coloca “um sério desafio para as perspectivas de se enfrentar os desafios mais urgentes e terríveis do mundo.”
É para combater essa carência que atua a Fundação Estudar. “Queremos formar os futuros líderes do Brasil”, diz Anamaíra Spaggiari, coordenadora de carreiras da organização, que não tem fins lucrativos. Há 25 anos, a Fundação Estudar oferece bolsas de estudos a jovens entre 18 e 35 anos que desejam frequentar cursos de graduação e pós-graduação no Brasil e no exterior. O processo seletivo leva em conta, além da excelência acadêmica e profissional, competências como proatividade, criatividade e ética.
Para expandir a abrangência de suas ações, a Fundação, a partir de 2012, passou a oferecer ações mais pontuais de apoio à formação de jovens. Os integrantes participam, em grupos, de cursos de curta duração sobre autoconhecimento, liderança e orientação de carreira ao lado de profissionais do mercado de trabalho. Ao todo, 25 mil jovens já foram beneficiados pelas dinâmicas.
“Precisamos de agentes transformadores em todos os segmentos da sociedade, do governo ao terceiro setor”, afirma Anamaíra, que há sete anos – quase quatro deles na Estudar – trabalha na formação de jovens talentos. Segundo ela, o potencial transformador de um trabalho está muito atrelado à felicidade que a função traz a quem o desempenha. E para conseguir alcançar os sucessos profissional e pessoal, o jovem deve passar por um processo de autoconhecimento. “Primeiro, é importante saber qual é seu propósito de vida para, depois, alinhar as suas decisões de carreira a ele”. Em entrevista a ÉPOCA, Anamaíra falou sobre os obstáculos e as dúvidas que universitários e recém-formados enfrentam atualmente.
ÉPOCA - Quais são os principais obstáculos que um jovem recém-formado enfrenta atualmente no Brasil?
Anamaíra Spaggiari -
 O Brasil vive uma crise. A taxa de desemprego supera os 11%. O mercado está ainda mais competitivo, também porque o número de universitários vem aumentando nos últimos anos. Mesmo que ainda falte mão de obra qualificada no país, está difícil conseguir um primeiro emprego no qual se consiga construir uma carreira. Além disso, o jovem lida com uma pressão muito grande – dele para ele mesmo – para encontrar um trabalho com o qual se identifique, que de fato realize seus sonhos e propósitos. Esses fatores tornam ainda mais desafiadoras as decisões de carreira e a inserção do jovem no mercado de trabalho.
ÉPOCA - Quais as principais dúvidas que os alunos têm na hora de escolher uma extensão ou uma pós-graduação?
Anamaíra - Essas dúvidas têm muito a ver com o cenário que citei. O jovem pensa: “Qual é a pós-graduação que vai me dar mais oportunidades de trabalho? Devo fazer algo mais especialista ou mais generalista? Será que se eu estudar uma temática muito específica ela vai determinar o que vou fazer pelo resto da minha carreira?” Existe muito essa visão de que uma decisão tomada hoje vai afetar e direcionar toda a vida profissional, e não é assim. O curso de graduação não necessariamente vai determinar a carreira que ele vai seguir. As possibilidades de trabalho são diversas. Eu, por exemplo, sou formada em jornalismo e trabalho com metodologias em educação.
ÉPOCA - O que pode ajudar a fazer uma boa escolha?
Anamaíra -
 Uma decisão bem pensada de carreira é baseada em três coisas principais. Primeiro, autoconhecimento. É fundamental que o jovem saiba quais são seus valores, seus gostos, seu propósito de vida e o que ele sabe fazer bem.  Depois, é importante ter um conhecimento prático de como funcionam as diferentes trilhas de carreira possíveis. Assim, ele pode identificar se aquilo faz ou não sentido para ele. Em terceiro lugar, investir em testes e experiências. Durante a universidade, ele pode participar de diferentes projetos de extensão, pesquisas, organizações estudantis e estágios que oferecem a oportunidade de começar a conhecer o que ele gosta ou não. É uma ótima chance de testar.
ÉPOCA - Você falou em conhecer as trilhas de carreira. Como fazer isso?
Anamaíra – Antes de tudo, o jovem precisa identificar que existem três setores: o primeiro, que é o setor público; o segundo, que é o setor privado; e o terceiro, composto por organizações filantrópicas. Qual desses mais o agrada? Suponhamos que opte pelo segundo setor. A partir daí, deve pensar: quero trabalhar no mercado financeiro? Em grandes empresas? Na área de consultoria? Empreender? Nessa etapa, a gente sugere que o jovem converse com profissionais, leia reportagens e busque muita informação sobre como funciona cada segmento. Se ele escolher grandes empresas, por exemplo, passa para o terceiro nível de escolha. Indústria de bens de consumo, varejo ou serviços? Só depois de definida essa etapa que ele deve passar a pesquisar as empresas que atuam nesse nicho.
ÉPOCA - Como você tem percebido a mentalidade dos recrutados hoje em dia?
Anamaíra -
 As empresas perceberam que a inovação está muito atrelada a ambientes mais multidisciplinares. Suponhamos que a minha empresa esteja diante de um desafio na área de comunicação. Se na minha equipe de comunicação houver um comunicólogo, um engenheiro, um psicólogo e um analista de sistemas, por exemplo, essas pessoas olharão para o mesmo problema a partir de diferentes perspectivas. A tendência é encontrar soluções muito mais inovadoras. Entre as empresas mais flexíveis e modernas, há uma abertura maior para receber profissionais de diferentes formações. Porém, ainda existem aquelas organizações mais tradicionais que permanecem rígidas em relação a isso. Tem de tudo.
ÉPOCA - Muitos jovens partem para o empreendedorismo e acabam deixando de lado a especialização. Como vocês enxergam isso na Estudar? 
Anamaíra - Acreditamos que o jovem tem de buscar realizar o seu sonho grande. O de muitos é empreender desde o início da carreira. Nesse caso, o incentivamos e ajudamos a pensar em como realizar esse sonho. Aqui, já vimos muitos jovens inovadores colocando suas ideias em prática e tendo bons resultados. De qualquer forma, vemos com bons olhos a possibilidade de testar e aprender com o erro.
ÉPOCA - Existe o risco de a falta da teoria fazer falta um dia?
Anamaíra - 
Acontece que o empreendedor é, por natureza, generalista. Tem de saber vender, criar uma rede de relacionamentos, pensar em desenvolvimento de produto, em captação de investimentos. São coisas que se aprende muito mais fazendo do que tendo uma teoria por trás. Por outro lado, defendemos muito o embasamento. Para empreender, é preciso entender o segmento a fundo, seus principais agentes e como se trabalha nele. Com o passar do tempo, esse novo negócio vai evoluindo e o empreendedor talvez precise entender alguma área mais a fundo. Aí é o caso de ele buscar uma pós-graduação ou uma especialização que possa dar mais embasamento para essa nova etapa da empresa.
ÉPOCA - Em histórias de empreendedorismo, é comum casos de jovens que investem em três ou quatro soluções ao mesmo tempo. Isso é um problema ou uma virtude?
Anamaíra - 
A gente enxerga isso mais como um problema do que como uma virtude, pelo menos num primeiro momento. Ao querer fazer muitas coisas ao mesmo tempo, a pessoa acaba não fazendo nada direito. Antes de pensar em abrir três empresas, é melhor escolher uma para se dedicar. É preciso fazê-la andar, gerar resultados. Só quando a empresa estiver caminhando bem, com uma equipe de trabalho estruturada por trás, que se deve partir para um próximo projeto.
ÉPOCA - O quanto é comum um aluno, na sede de se preparar muito bem, pular de uma bolsa para a outra até se tornar uma espécie de estudante profissional? Quais os riscos disso?
Anamaíra -
 Essa síndrome de colecionar títulos acontece muito por causa da pressão que o jovem sofre para se preparar muito para o mercado. Fizemos uma pesquisa que mostra muito isso. Perguntamos para os jovens: “O que lhe impede de atingir seus sonhos?” Um dos motivos mais citados foi a falta de conhecimento. Por quê? Vivemos num mundo globalizado, em que as coisas mudam rapidamente, em que circula muita informação. Olhar para tudo que existe nos dá a impressão de que nunca estamos preparados o suficiente para atuar em algo. O estudante profissional, muitas vezes, é fruto dessa angústia. O risco disso é a pessoa só começar a procurar experiências profissionais perto dos 30 anos. Se por um lado ela terá um conhecimento científico acima da média para a idade, por outro faltará bagagem prática – habilidades de trabalho em equipe, liderança, tomada de decisão. É muito importante equilibrar.
ÉPOCA - Existe também o contrário. Aquele jovem que valoriza muito o conhecimento prático em detrimento do teórico. Nesse caso, quais os riscos?
Anamaíra -
 Aquela mesma pesquisa, sobre o que impede os jovens de atingirem seus objetivos, mostrou que o medo de fracassar também é um dos motivos mais citados por eles. Por isso, as pessoas acabam procurando acumular muitas experiências práticas. É o jovem que durante a faculdade se envolve em todas as atividades possíveis: palestras, empresa júnior, projeto de pesquisa do professor, estágio. Mas onde mora o erro? Acumular muitas experiências, mas nenhuma delas ser profunda o suficiente. É importante o jovem ter tempo de deixar um legado no que participa. A dica é aproveitar as oportunidades que o período na universidade oferece, sem atirar para todos os lados. Talvez escolher duas ou três para realmente se engajar e entregar resultados consistentes. Assim, ele consegue criar uma história e, quando for buscar o primeiro emprego, será considerado um jovem talento. 
ÉPOCA - É possível identificar características de estudantes brasileiros enxergadas como vantagens pelas universidades estrangeiras?
Anamaíra - Muitas pessoas dão opiniões sobre o que é a geração y de forma muito generalizada. É importante entender que existem diferentes perfis nessa geração. A Fundação Estudar tem trabalhado com estudantes que buscam felicidade própria, sucesso financeiro e gerar impacto no ambiente em que está. Acho que muito tem a ver com o momento que o Brasil vive, o país está precisando de mudanças. Vejo muitos jovens dispostos a colocar a mão na massa para participar dessas mudanças.
ÉPOCA - Vemos que muitas pessoas enxergam o trabalho como uma obrigação chata e maçante. A que você atribui essa mentalidade?
Anamaíra - De tão difundida, essa mentalidade já se tornou uma cultura no Brasil e no mundo. Passamos cerca de um terço da vida trabalhando. Vale a pena gastar tanto tempo com algo que não nos faz feliz? É claro que precisaríamos de um estudo profundo para aferir os motivos da difusão dessa mentalidade, mas a gente acredita que tem muito a ver com a falta de consciência na tomada de decisões. Vários fatores influenciam nossos rumos acadêmicos e profissionais: pressão dos pais, competitividade no mercado, valorização excessiva do status e do dinheiro. Com todos esses fatores externos, muitas vezes nos esquecemos de olhar para dentro e pensar no que verdadeiramente queremos e gostamos. A que eu gostaria de dedicar o meu tempo? Que legado eu quero deixar para o mundo?

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