quinta-feira, 17 de novembro de 2016

'Febre de princesas' impulsiona escola e gera oficina de 'desprincesamento'

FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO

Quando abrir as portas do salão cor de rosa e dourado para sua primeira turma de alunas, em dezembro, a filial paulistana da franquia Escola de Princesas já terá um projeto antagonista na cidade: as oficinas de "desprincesamento".

Criada pela psicopedagoga mineira Natália de Mesquita, em Uberlândia (MG), a Escola de Princesas gerou controvérsia entre educadores e feministas ao anunciar que pretende formar "princesas modernas do mundo real" a partir de aulas de etiqueta social, maquiagem, culinária e organização, além de noções de auto-estima e orientações para "o passo mais importante da vida de uma mulher": o casamento.

Já as oficinas de "desprincesamento" replicarão por aqui o modelo criado em Iquique, no Chile, por um grupo de sociólogos e pedagogos, para "libertar as meninas de concepções femininas limitadoras", os chamados estereótipos de gênero, que "alimentam desigualdades profundas" entre homens e mulheres. O projeto foi encampado pelo Ministério da Justiça chileno, que nacionalizou as oficinas por meio dos serviços de atenção à infância.

"Ficamos indignadas que, em 2016, exista uma proposta de educação para meninas que não é emancipadora porque não dá liberdade para a ela escolher seus papéis e na qual o grande objetivo da vida da mulher é o matrimônio", diz Larissa Gandolfo, pedagoga e professora de filosofia e uma das responsáveis pelo "desprincesamento" no Brasil.

A psicopedagoga Natália de Mesquita defende seu método, que teria surgido em um sonho. "As críticas vêm de quem pega num ponto e não conhece o trabalho como um todo. Não é um retrocesso. A gente fala que as meninas são princesas empreendedoras. A mulher não precisa abrir mão de ser mãe, de ter um relacionamento ou de cuidar da casa por causa da carreira. A mulher pode ser bem-sucedida em todas essas áreas", diz.

Heloísa Buarque de Almeida, professora de antropologia da USP, pondera que a princesa é uma "produção de feminilidade tradicional e antiga " e avalia que "existem muitas maneiras de ser mulher no mundo". "Não precisamos estabelecer um padrão, ainda mais num momento de retrocesso político ligado a questões de costumes."

Para a apresentadora Silvia Abravanel, que levou a franquia para São Paulo, a princesa formada na escola não é antiquada. "É uma princesa moderna. Ela pode usar uma calça jeans, mas seu tênis vai estar sempre limpinho", explica.

Psicóloga, consultora em educação e colunista da Folha, Rosely Sayão vê neste padrão uma restrição à infância. "Criança tem que brincar, e quem brinca tem que se sujar. Ficar mais preocupado com a aparência do que com a brincadeira prejudica a criança", diz. Segundo ela, o estabelecimento não deveria ser chamado de escola. "Um negócio comercial deste tipo estimula preconceitos", avalia.

ETIQUETA

Para Abravanel, que fez curso de etiqueta na adolescência, a Escola de Princesas faz as meninas "viverem um conto de fadas". "É muito legal essa coisa de se portar à mesa, de sentar como uma 'lady', de fazer movimentos sutis, de docilidade, de amabilidade." Segundo ela, as prendas ensinadas na escola "preparam as meninas para se virar no mundo".

"Vender sonhos é coisa de comerciante, mas educar um pouco as pessoas não faz mal", diz Costanza Pascolato, consultora de moda, estilo e etiqueta, que avalia como positivo o ensino de competências sociais. "Na minha época, etiqueta era ensinada em casa. Mas as pessoas hoje ou não têm noção ou não têm tempo para isso."

A consultora de etiqueta Claudia Matarazzo explica que a revolução cultural dos anos 1960 e 1970 rotulou como careta o ensino de etiqueta. "Os filhos daquela época foram criados sem isso e hoje sentem falta dessas referências. Já tive de criar vários cursos de boas maneiras a pedido de empresas", conta.

Para ela, o ensino de certas habilidades não é frescura nem tem a ver com moral ou sexualidade e não deve se restringir às meninas. "Se os meninos também não forem treinados, onde essa menina vai encontrar um príncipe? O mundo tem cada vez mais sapos."

Costanza pondera a grita feminista contra os ensinamentos da escola. "Saber um pouco de tudo faz parte da educação. A menina não pode ser feminista e fazer um arroz bem feito?", questiona. Ela acredita, no entanto, que exaltar o casamento como ponto alto da vida da mulher é como "espalhar histórias da carochinha". "Nenhum casamento é um conto de fadas."

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