sábado, 26 de novembro de 2016

O novo papel da ESCOLA - Dar mais voz aos alunos, investir na formação dos professores e renovar o espaço das aulas são passos fundamentais para que o ensino brasileiro deixe de vez o século 19 rumo à realidade do século 21

Escola do século 19 precisa se adaptar a alunos do século 21

SABINE RIGHETTICOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Se fosse possível voltar ao século 19, encontraríamos uma sociedade muito diferente da atual, com transporte animal, urbanização limitada e poucos recursos médicos. Algo, no entanto, estaria praticamente igual aos dias de hoje: a escola. As instituições de ensino que conhecemos -com sala de aula, lousa, alunos enfileirados, professor e livro didático– surgiram no século 19.
“Naquela época, a ideia da nova disposição de alunos e do uso de recursos como a lousa era viabilizar o ensino simultâneo de um grupo de alunos”, diz Daniel Chiozzini, da PUC-SP, especialista em história da educação.
Até então, a educação era restrita a certos grupos e baseada na memorização.
Hoje, as escolas que inovam são aquelas que fazem algo diferente desse modelo, seja do ponto de vista pedagógico, didático ou mesmo arquitetônico -por exemplo, em uma nova disposição dos alunos na sala.
De acordo com Paulo Blikstein, especialista em educação e inovação da Universidade de Stanford, nos EUA, uma das fronteiras da inovação da atualidade é o aprendizado por projetos -e não por disciplinas.
Os alunos são convidados a responder uma pergunta, por exemplo de sua comunidade, e têm de desenvolver uma solução em grupo -o que, de quebra, trabalha os chamados “aspectos não cognitivos” do aprendizado (como a capacidade de se expressar, de resolver conflitos no grupo e de ser resiliente).
 
LOUSA EM GIZ
Modelo de aula expositiva com giz surgiu no século 19
ALUNOS EM FILEIRAS
Assistem aula de maneira passiva em modelo que lembra uma igreja: professor fala, alunos ouvem em silêncio
CONTEÚDO SEGREGADO Trabalhar conteúdo por meio de aulas expositivas oferecidas de maneira segregada (como física, química e biologia)
LOUSA DIGITAL
Professor pode preparar aula previamente e usar recursos midiáticos e internet
ALUNOS EM MESAS
Ganham habilidade para trabalhar em grupo, para liderar e para se expressar, capacidades não-cognitivas consideradas fundamentais
CONTEÚDO POR PROJETO
Trabalhar conteúdo por projetos é opção de escolas mais inovadoras do mundo 
ESCOLHA DAS DISCIPLINAS
Escolas modernas possibilitam que alunos escolham parte das disciplinas que pretendem cursar
No Brasil, escolas inovam trabalhando com os alunos em grupos e sem provas.
Há casos até em que as salas de aula foram extintas, como na escola municipal Campos Salles, em Heliópolis (zona Sul da cidade). Lá, o aprendizado acontece em grupos, em um único espaço de estudos, com conteúdo escolhido pelos alunos. Não há provas.
Quem também trabalha sem avaliações -e até sem séries– é o projeto Âncora, na Grande São Paulo.
Já o tradicional colégio paulistano Bandeirantes oferecerá em 2017 aulas de laboratório de física, química, biologia e artes de maneira conjunta em uma mesma disciplina -com vários docentes.
Se der certo, a proposta será considerada inovadora.
Isso porque, para ser uma “inovação” de fato, dizem os especialistas em educação ouvidos pela Folha, as mudanças nas escolas têm de impactar o comportamento dos gestores, dos professores e dos alunos em termos de aprendizado, ou seja, elas têm de ser eficientes.
“Inovação na escola pode ser medida por mais motivação dos alunos para o estudo e melhores desempenhos”, diz Fernando Abrucio, especialista em políticas públicas de educação da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
Trocando em miúdos: uma escola que altera sua lógica e consegue engajar alunos e melhorar resultados em exames pode ser considerada uma instituição inovadora.
“Trata-se de criar e implementar, com sucesso, novas ferramentas, metodologias ou modelos”, diz Rafael Parente, fundador do Labi (Laboratório de Inovação Educacional), ONG que desenvolve estudos na área.
Para Chiozzini, da PUC-SP, é importante não restringir a inovação na educação apenas a aspectos tecnológicos -caso, por exemplo, de instalação de lousa digital.
Inovação tecnológica sozinha não melhora os resultados na educação.
“Se usarmos a tecnologia apenas para fazer o que sempre fizemos, será decepcionante”, diz Richard Culatta, especialista dos EUA em inovação na educação do governo Barack Obama.

Laboratório ou oficina devem ocupar lugar da sala de aula

PAULO SALDAÑADE SÃO PAULO
“A sua escola de amanhã lembrará muito mais um laboratório, uma oficina, uma estação de televisão do que a escola de ontem e ainda de hoje.” A reflexão poderia vir de um badalado centro de estudos de inovação em educação nos Estados Unidos ou na Finlândia, mas quem fala aqui é Anísio Teixeira (1900-1971), baiano de Caetité. E já faz tempo, foi em 1963.
O professor, ou “mestre”, segundo Teixeira, seria “como um operador dos recursos tecnológicos modernos para a apresentação e o estudo da cultura moderna”.
Nelson Pretto, professor da faculdade de Educação da UFBA (Universidade Federal da Bahia), pontua: “Anísio já falava em espaços coletivos, de produção de conhecimento”.
Como aponta o pesquisador, conceitos atuais presentes no campo da inovação educacional -como autoria, autonomia, cooperação, educação por projetos, função do trabalho do professor– já aparecem na obra de Anísio Teixeira. Assim como se encontram nos trabalhos de outros pensadores brasileiros, como Paulo Freire (1921-1997) e Darcy Ribeiro (1922-1997).
Estudioso da presença da tecnologia na educação, Pretto diz que o desafio para inovar não envolve só o acompanhamento do interesse do jovem conectado de hoje. Mas, sim, “abrir portas”.
Para a socióloga especialista em inovação na educação, Helena Singer, há um senso comum de que inovar é incluir na escola coisas modernas para atualizar o modelo existente, sem propor outro.
“É difícil romper o núcleo duro do que é uma escola, com séries, notas, aulas por disciplinas”, diz.
Singer ressalta que, mesmo nas experiências inovadoras das escolas de Teixeira, chamadas Escola Parque, e nos Centros de Educação Integrada de Darcy Ribeiro, não houve grande ruptura a esse “núcleo duro”.
Em 2015, o MEC (Ministério da Educação) fez um mapeamento de iniciativas inovadoras e criativas, sob a coordenação de Singer. O projeto elencou 178 escolas de educação básica de todo o país. São organizações que, de alguma forma, inovaram em gestão, currículo, ambiente, método ou articulação com agentes da comunidade.
SEM DIVISÃO
Localizada em Cotia, na Grande São Paulo, o projeto Âncora é uma das iniciativas que aparecem na lista com inovações nestas cinco dimensões. Os alunos não são divididos em séries ou por idade, não há aulas de 50 minutos nem provas.
A Escola da Ponte de Portugal, referência internacional em inovação, é mais que uma inspiração: o educador José Pacheco, idealizador da Ponte, é mentor do Âncora.
A começar pelo picadeiro de circo no centro da escola, a impressão ao primeiro visitante é que ali não se ensina nada de “sério”. “Não tem aula, não tem turma, não tem série, mas tem uma busca coletiva na conquista da autonomia de todos e com todos”, explica a coordenadora geral, Claudia Duarte.
Essa autonomia, construída com os alunos, permite que eles definam a agenda do dia e os horários a seguir, sempre acompanhados de perto pelos professores. Os alunos têm contato com circo, música, informática, skate e o conteúdo previsto nos parâmetros curriculares.
“O que fazemos não é novo, mas é, sim, transformar teoria em prática”, diz ela.
A escola, que desde 2012 só atende ensino fundamental, vai iniciar no ano que vem o ensino médio. O estudante Lohan Machado, 14, que está no Âncora há quatro anos, se diz aliviado por não precisar mudar de escola. “Conforme os problemas foram aparecendo, nós mesmo demos uma solução”, diz ele, referindo-se às assembléias, em que os alunos decidem questões da escola.
Para iniciar o ensino médio, a escola ouviu estudantes e familiares, e dialogou com empresas vizinhas para parcerias. “O ensino médio tem uma crise porque os jovens não vêem sentido naquilo. Por isso precisamos ouvi-los”, diz a coordenadora pedagógica, Edilene Morikawa.

Docente ideal une experiência em sala, vontade de experimentar e coragem para errar, dizem especialistas

FERNANDA MENADE SÃO PAULO
Se ensinar a ensinar já não é tarefa fácil, formar alguém que também inove no ensino é um desafio e tanto.
“Qualquer professor deve ser capaz de lidar com conteúdo, didática e competências interpessoais, como trabalho em equipe e com alunos de diferentes contextos sociais”, diz o cientista político Fernando Abruccio, especialista em políticas públicas de educação da FGV e autor de estudo sobre formação dos professores brasileiros.
“Inovador é aquele profissional que traz novidades para sua atividade com bons efeitos sobre os alunos, como aumento de interesse e de aprendizado”, completa.
No Brasil, não é raro falharmos já nos quesitos básicos.
Mesmo um dado positivo como o aumento da formação superior dos professores (em 1991, 20% eram graduados; em 2013, 75%) ganha outras nuances quando se observa que apenas 7,5% das disciplinas dos cursos presenciais de pedagogia remetem ao conteúdo daquilo que será ministrado em sala de aula.
Além disso, esses cursos e as licenciaturas tendem a ser muito teóricos e pouco práticos, formando professores que não experimentaram uma dinâmica com alunos.
“Um professor inovador tem de ter uma boa formação, que problematize práticas de salas de aula e metodologias. E isso é uma dificuldade para os próprios professores que formam esses profissionais”, explica Bernadete Gatti, uma das principais pesquisadoras em educação do país.
Para ela, a situação deve melhorar a partir de julho de 2017, quando entra em vigor a resolução do Conselho Nacional de Educação que estipula que 20% da formação de todas as licenciaturas sejam dedicados à educação.
CAMINHO
Especialistas apontam que a familiaridade com metodologias ativas abre caminho para a inovação na aula, bem como a organização de projetos sobre problemas reais que permitam aos alunos unir vários tipos de conhecimento.
“É preciso que o professor tenha formação integral, com conhecimento de métodos e processos cognitivos, de questões de natureza psicológica e de técnicas para usar tecnologia”, avalia César Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação.
Para Callegari, o professor inovador é menos um transmissor de conhecimento e mais um guia do processo de descoberta dos alunos. “É importante que transite por vários campos do conhecimento e misture culturas, usando Lego ou quadrinhos para explicar sua matéria”, diz Miguel Thompson, diretor do Instituto Singularidades.
O uso de tecnologia não é sinônimo de inovação, mas instrumento para ela, permitindo um diálogo mais direto com alunos nativos digitais.
“As tecnologias digitais promovem ambientes dinâmicos e responsivos capazes de oferecer, em retorno, inteligência educacional aos gestores”, diz Luciano Meira, professor de psicologia da UFPE e sócio-fundador da Joy Street, que cria soluções tecnológicas para educação.
Para Lilian Bacich, especialista em psicologia escolar e do desenvolvimento, mais que tudo, o professor tem de experimentar. “Errar faz parte do processo de inovar.”

Colégios buscam se adaptar à reforma do ensino médio

PAULO SALDAÑADE SÃO PAULO
Assim que a medida provisória da reforma do ensino médio foi anunciada, em setembro, a direção do Etapa, escola privada de São Paulo, iniciou estudos para adequar o currículo ao novo modelo.
A principal mudança prevista no texto apresentado pelo governo Michel Temer, que tem provocado manifestações de estudantes, é a flexibilização da etapa.
Um conteúdo comum deverá ser tratado na primeira metade do ensino médio (um ano e meio). No restante da grade, o aluno escolherá uma área para se aprofundar, entre cinco opções: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza ou ensino técnico profissional.
“Apesar de haver confusão sobre a reforma, o fato de o aluno escolher as disciplinas, desde que haja um currículo mínimo, pode influenciar soluções criativas”, diz Edmilson Motta, do Etapa.
Para Eduardo Deschamps, presidente do Conselho Nacional de Educação, essa abertura torna a reforma propícia para inovar modelos atuais.
“Há itens que permitem inovação, como não ter que trabalhar por disciplinas, mas pela lógica de competência.”
Deschamps chama a atenção para o protagonismo que o aluno pode vir a ter. “A centralização do desenho do currículo no aluno é inovadora”, diz. Para ele, no entanto, só mudanças no Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) facilitarão alterações.
O colégio Bandeirantes, em São Paulo, fez mudanças que, para o diretor Mauro Aguiar, estão em consonância com a medida provisória.
“O aluno não ter um caminho único está entre o que há de mais avançado no mundo.”
Já o trabalho de desenvolvimento de projetos feito no laboratório multidisciplinar tem empolgado alunos e gestores. O espaço junta ensinamentos de ciências, matemática, tecnologia e artes.
Aos 15 anos, Luiza Bronsarto Motta conta que desenvolveu em aula um protótipo de capa de celular que recarrega o aparelho com uma manivela. “Trabalhamos várias matérias no projeto”, diz.
Quando o governo editou a medida provisória, estudantes de vários Estados ocuparam escolas contra a proposta. Para Paulo Carrano, do Observatório Jovem da UFF (Universidade Federal Fluminense), o projeto erra “na forma e no conteúdo”.
Sem envolvimento de professores e alunos na discussão, diz Carrano, não haverá mudanças. “Não deveria haver uma parcialização do saber. Especializar logo após o primeiro ano é sonegar ao estudante uma formação integral”, diz.

Aluno quer liberdade, mas se preocupa com mercado de trabalho

BRUNO MOLINERODE SÃO PAULO
Uma escola com disciplinas obrigatórias, mas onde parte da grade é optativa. Com uso de tecnologia e professores que mostram o uso prático do conteúdo. Isso sem que deixem de preparar para o vestibular e o mercado de trabalho.
É assim, com um pé na inovação e outro na realidade, o colégio dos sonhos segundo os estudantes. “A escola deveria deixar o aluno manejar o tempo como achar melhor”, diz Julia Trindade, 17.
A Folha conversou com alunos de colégios paulistanos para saber como seria a escola ideal -e foram unânimes: um lugar com mais liberdade, em conteúdos e espaço físico, com salas sem carteiras e aula ao ar livre, por exemplo.
A opinião deles confirma uma pesquisa deste ano feita pelo Instituto Inspirare, que mostra que 42% dos estudantes entrevistados desejam disciplinas optativas ou atividades fora do horário de aula. Foram ouvidos pela internet 132 mil alunos, de 13 a 21 anos, nas cinco regiões do país.
Para eles, a tecnologia é fundamental. Segundo o mesmo levantamento, 33% dizem acreditar que o melhor jeito de aprender é com ferramentas tecnológicas, como jogos eletrônicos e conceitos de robótica. Basta ir a qualquer colégio para perceber.
Quando é hora de ir embora na estadual Ministro Costa Manso, em São Paulo, os alunos saem em disparada e deixam o colégio vazio rapidamente. Todos com celular na mão. “Se sobram cinco minutos livres, a gente já pega o celular. Por que não usar isso a nosso favor?”, questiona Laura Rodrigues, 17, sobre a possibilidade de usar smartphones em sala.
FORMA E CONTEÚDO
Levantamento da Fundação Telefônica em 2015 com 1.440 jovens de 15 a 29 anos de todo o Brasil mostra que 92% deles acreditam que a internet possibilita maior acesso a informações e que 42% já assistiram a aulas em vídeo.
Mas o professor Claudemir Belintane, da Faculdade de Educação da USP, alerta: “A tecnologia por si só pode até piorar a educação. Dar um tablet na mão de uma criança pequena, sem levar em conta que ela necessita estabelecer relação com pessoas, pode ser um grande atraso. Achar que sites e redes sociais dispensam a presença de um bom professor pode atrapalhar a vida de muitos adolescentes.”
Se, para os estudantes, a forma da escola deve mudar, o mesmo não vale para o conteúdo ou o objetivo dessas instituições. “Ela deve preparar o aluno para o mercado de trabalho e o vestibular”, diz Guilherme Gerios, 15.
Ele não está sozinho. Segundo a pesquisa do Inspirare, 50% dos alunos pensam que o colégio deve prepará-los para um ou outro. Esse aparente conservadorismo relacionado a qual deveria ser a função da escola tem explicação, afirma Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare.
“O que dá para perceber é que os alunos desejam ser preparados para o futuro. Da maneira como enxergam o mundo hoje, isso significa ingressar no ensino superior, conseguir um trabalho e alcançar bons cargos”, comenta.
Para Belintane, a preocupação com esses temas pode ser prejudicial. “Escola que só se ocupa do vestibular aproveita a ansiedade das famílias para captar o máximo de matrículas. É mais interesse econômico que educacional.”
As mudanças pedidas pelos alunos não necessariamente se aproximam das propostas pelo governo. Na verdade, o que eles buscam é um ensino quase personalizado.
“A escola se preocupa com o ‘aluno médio’. Quem é muito criativo ou tem dificuldades não consegue prestar atenção nas aulas. Só que o estudante já percebeu que não é possível fazer a mesma educação para todos. Hoje, você tem alunos do século 21 estudando com professores do século 20”, afirma Penido.

Avanços na educação podem prescindir do uso de tecnologia

PAULO SALDAÑADE SÃO PAULO
Em apenas dois anos, entre 2013 e 2015, o porcentual de jovens que acessam a internet pelo celular saltou de 42% para 85%, segundo a pesquisa Juventude Conectada da Fundação Telefônica Vivo.
Os dados reforçam a impressão de que, quando falamos em tecnologia, as coisas andam em um ritmo difícil de acompanhar.
Enquanto 92% dos jovens concordam totalmente que a internet possibilita maior acesso a conhecimentos e informações, só 19% tiveram acesso a plataformas de ensino oferecidas na escola.
“Chamou a atenção que, na última edição da pesquisa, os jovens tenham estranhado a pergunta sobre quanto tempo ficam conectados”, diz o presidente da fundação, Américo Mattar.
Mas embarcar na tecnologia é o caminho para a inovação na escola?
Mattar e outros especialistas pedem cautela. “A tecnologia não é fim em si próprio, a educação é mais rica do que a tecnologia. Mas ela permite acesso ao que não tínhamos, à universalização do conhecimento.”
A difusão de laboratórios multidisciplinares e equipados com impressoras 3D tem consolidado a “cultura maker” na fronteira da inovação na educação. Por trás das possibilidades tecnológicas, reforça-se conceitos de aprender criando, com a mão na massa mesmo.
Fábio Zsigmond, um dos fundadores do Mundo Maker, espaço focado em trazer o universo do faça-você-mesmo para dentro de contextos educacionais, pondera que “as ferramentas continuam tendo papel de ferramenta”, mas a cultura maker tem o potencial de dar sentido ao que se aprende.
“A falta de sentido do que se vê na escola faz a maior parte dos alunos sair dela sem aprender o que poderia”, diz. “Por isso a inovação tem de ser algo útil. Às vezes, chamam tablet de inovação, mas a utilidade é que está ligada à inovação. Se não tem utilidade, não é inovador.”
Inovação é construir sentido para o conhecimento, diz Ana Inoue, diretora do Centro de Estudar Acaia Sagarana e assessora do Banco Itaú BBA para projetos de educação.
“A palavra inovação remete a uma ideia de que precisamos fazer algo diferente de tudo que existe. Mas articular de forma eficiente todos os fatores que fazem a educação melhorar é sensacionalmente inovador, e só alguns estão conseguindo fazer isso”, conclui.

Simulações em computador deixam visível o que é invisível

EVERTON LOPES BATISTADE SÃO PAULO
Fazer um experimento na superfície lunar sem sair da sala de aula, ou testar o quanto uma mola é esticada por pesos variados em gravidades diferentes da terrestre. Essas são possibilidades que as simulações computacionais oferecem para aulas.
“As simulações permitem manipular variáveis e ver imediatamente o que mudou. Elas tornam o invisível visível -de elétrons a campos magnéticos”, diz Kathy Perkins, diretora do projeto de simulações interativas PhET, da Universidade do Colorado (EUA).
A plataforma on-line do projeto disponibiliza de forma gratuita mais de 130 simulações de ciência, além de materiais para auxiliar professores a incorporarem os recursos digitais em suas aulas.
Perkins diz que todo o portal, publicado sob licença aberta -o que permite copiar, reproduzir e fazer trabalhos derivados–, foi vertido ao português por voluntários.
O Brasil é o terceiro maior usuário do site no mundo, atrás apenas de EUA e Canadá, com cerca de 2,5 milhões de acessos por ano.
O professor de física Hugo Reis, da Escola Móbile, de São Paulo, diz que simulações não substituem experimentos reais. “No laboratório, existe a chance do erro e da exploração dos limites físicos e do ambiente, que são importantes para o aprendizado.”
No entanto, Reis diz que ferramentas virtuais são boas para reproduzir um experimento caro ou impossível de ser feito na escola.
“A simulação sozinha não tem significado”, alerta Ricardo Madeira, um dos fundadores do YouInLab, plataforma de simulações para o ensino que funciona por assinatura mensal ou pacote individual.
Útil para conceitos abstratos, como carga elétrica e energia, representações virtuais, segundo ele, precisam ser integradas a roteiros e exercícios, que ajudam a direcionar a atividade para o que deve ser aprendido.

Jardim da infância no Japão usa arquitetura como ferramenta de ensino

ANA ESTELA DE SOUSA PINTOENVIADA ESPECIAL A TÓQUIO
Quase 60 crianças de três a seis anos correm no telhado da escola. Uma delas escorrega e vai parar no gramado.
Poderia ser uma tragédia, mas no jardim da infância Fuji é só mais uma brincadeira.
O prédio, em forma de rosca oval, contrasta com os caixotes de alvenaria que caracterizam as instituições japonesas e trouxe fama à escola. Com um pé-direito de 2,1 m (mais baixo que os tradicionais 3 m), o teto é coberto por um piso de madeira que forma uma “pista infinita”.
Mas a maior inovação está no térreo: as salas de aula sem paredes. Amplas vidraças deixam ver o lado de fora e portas corrediças vazadas se abrem para o pátio interno. Armários de madeira servem de divisórias e permitem aumentar ou reduzir o espaço. Não há isolamento acústico nem visual: a ideia é que as crianças se concentrem não por obrigação, mas porque estão interessadas.
Tudo na arquitetura foi pensado para ser uma “ferramenta de ensino”, diz o diretor da Fuji, Sekiichi Kato.
Seguindo o método montessoriano, ele defende que as crianças aprendam pela ação, experiência própria e dificuldades que encontrarem. Torneiras não ligam sozinhas, para que as crianças desenvolvam a motricidade fina. O pátio é irregular, para promover equilíbrio, e forrado de grama (no verão), neve (no inverno) ou algo intermediário nas outras estações.
Os pequenos também cultivam uma horta comunitária. No final de outubro, divertiam-se lavando batatas roxas que haviam colhido.
Os tubérculos, símbolo do outono para os japoneses, serviriam de modelos numa sessão de desenho, antes de serem cozinhadas e comidas por todos: cerca de 600 alunos e cem professores.
A sala dos profissionais é totalmente aberta e, de uma mesa virada para o pátio interno, o diretor vê tudo e é visto por todos. Isso cria proximidade, afirma Kato. Enquanto conversa com a Folha, as crianças o tratam com familiaridade. Trazem bilhetinhos, acenam, chamam. É um comportamento inusual na sociedade japonesa, em que se deve cumprimentar o diretor com reverência, chamá-lo de senhor e usar a forma de tratamento polida.
Fundada em 1971, a escola foi dirigida pelo pai de Kato até 2000, quando ele assumiu. O novo prédio, concebido pelo casal de arquitetos Takaharu e Yui Tezuka e pelo próprio diretor, foi inaugurado em 2007. Virou referência em revistas de arquitetura e de educação e passou a inspirar novos projetos.
Todos os anos, 300 candidatos disputam as 200 novas vagas. “Há pais que se mudaram para Tachikawa (a uma hora de trem do centro de Tóquio) só para matricular os filhos aqui”, diz o diretor da Fuji -nome de uma flor cujo ideograma é o mesmo do sobrenome do diretor.
Para atender a demanda, Kato tem planos de construir novos jardins da infância e uma escola fundamental.
O sucesso não afetou o preço -só um pouco acima da média, segundo pais ouvidos pela Folha-, mas tumultuou a rotina do diretor.
No dia desta reportagem, ele já havia recebido uma delegação de 30 chineses e ainda daria entrevista à Universidade Honsei, de Tóquio. “Virei um guia turístico”, reclamava, bem-humorado.

Crianças e jovens de comunidades isoladas têm aulas ao vivo via satélite no Amazonas

PAULO SALDAÑAENVIADO ESPECIAL A MANAUS E TEFÉ (AM)
Todos as noites Kely Cavalcanti, 32, navega 15 minutos de canoa pelos rios Solimões e Tefé, no centro do Amazonas, para ir à escola. Ela mora na comunidade Barreira de Cima, mas só na vizinha Nova Esperança há ensino médio, onde o conteúdo chega de mais longe, pela TV.
Aulas via satélite são a aposta da secretaria de Educação do Estado para levar ensino a regiões isoladas. Na chamada “educação mediada por tecnologia”, os professores ministram as disciplinas de dentro de um estúdio, e o conteúdo é transmitido para turmas de todo interior do Estado ao vivo.
Diferente do ensino a distância, aqui os alunos têm de estar na classe e interagem por vídeo, chat e entre si. Ainda realizam exercícios e provas em sala -onde fica um professor mediador.
Dos sete estúdios do Centro de Mídias, uma estação de TV na sede da secretaria, em Manaus, são transmitidas até 12 aulas por dia. Com apoio de antenas parabólicas instaladas nas escolas, 35 mil alunos estudam pelo modelo atualmente. Eles são divididos em 2.100 turmas.
A realidade geográfica impõe desafios: o Amazonas registra baixa densidade demográfica, com populações concentradas em locais de difícil acesso. O sistema atende hoje 2.983 comunidades -nem metade das 6.300 espalhadas pelo Estado.
“O projeto é para locais onde é inviável manter uma escola e professores”, diz o secretário executivo da Educação, Raimundo Otaíde.
Em Tefé, 18% dos 62 mil habitantes moram na área rural. Em uma noite no início de novembro, Kelly e os colegas do 2º ano do ensino médio assistiam pela TV à aula de inglês na escola indígena Santa Cruz, a 30 km da cidade - e a 526 km de Manaus.
Da etnia ticuna, Kely parou de estudar na 8ª série, após “arranjar marido e filho”. A falta de escola por perto adiou a retomada dos estudos. “Lá não tem ensino médio”, diz ela, que vive “da roça”. “Minha vó faleceu, mas deixou isso de herança. Ela não estudou, mas queria. Tenho fé de chegar na faculdade.”
As aulas contam com vídeos e até realidade aumentada, o que agrada Raizineide Damião, 23, aluna do 1º ano que assistia a aula de química com a filha Ketlyn, 1, nos braços. Se pudesse escolher, preferiria a professora na sala. “Mas o importante é terminar os estudos”, diz.
Segundo a dirigente regional de ensino Assunta de Araújo, o “tecnológico” tem levado educação onde nunca houve. Principalmente de ensino médio, etapa escolar que concentra 81% das matrículas. “O modelo ainda valoriza o local de origem deles.”
Antes de cada transmissão, há uma pré-produção pedagógica de aulas pouco comum nas escolas tradicionais. A professora de artes Lucia Santos, 49, conta que, ao longo do ano, passa dois meses diante de câmeras. “O resto é planejamento. Toda aula é diferente, nada é gravado.”
Priscila Cruz, do Movimento Todos Pela Educação, diz que a principal virtude do Centro de Mídias é o planejamento. “O sucesso é a pedagogia”, diz.
A secretaria de Educação do Amazonas não informou o orçamento do programa nem forneceu dados de aprendizado dos alunos participantes.


Colégios rurais adotam pedagogia que permite ao aluno alternar períodos na instituição com outros em casa

EVERTON LOPES BATISTAENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ DO SUL (RS)
Uma semana na escola, outra em casa. Assim funciona a pedagogia da alternância, incorporada por algumas escolas rurais no país. Nelas, os alunos devem considerar a experiência de pais e vizinhos, pequenos produtores agrícolas, para integrá-la ao conhecimento formal.
O tempo que os alunos passam em casa é ocupado com atividades como entrevistas com pais e moradores próximos de onde vivem.
As respostas dão a direção das aulas na semana em que os jovens voltam à escola.
“A pesquisa pode servir para que se trabalhe a história local, por exemplo. O professor de matemática pode ensinar demografia com dados dos moradores”, diz João Paulo Reis Costa, coordenador da Efasc, Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (RS), no Rio Grande do Sul.
Desde 2009, a Efasc formou 150 jovens: 1/3 deles já frequentam a universidade e cerca de 90% estão vinculados à agricultura familiar.
“Nossos alunos continuam auxiliando as famílias, seja orientando os pais ou, até mesmo, tocando a propriedade”, afirma Costa. Maurício Dorfey, 18, é um deles. Aluno do 3º ano da Efasc, ele usa parte do sítio da família para cultivar os orgânicos que vende na feira.
Existem hoje 148 escolas que aplicam essa pedagogia no país. Elas tiveram cerca de 16 mil matriculados em 2016.
Nascida na França nos anos 1930 da insatisfação de agricultores com a educação do país, que não atendia a suas expectativas na formação dos filhos, a pedagogia da alternância chegou ao Brasil em 1969, com a implantação de três escolas no Espírito Santo.
“Muitos alunos já ouviram que, se ficarem na roça, é porque não servem para outra coisa”, conta Costa. Segundo ele, é preciso recuperar o valor do conhecimento que o pequeno agricultor possui.
Cláudia Souza Passador, coordenadora do Gpublic (Centro de Estudos de Gestão e Políticas Públicas Contemporâneas), da USP, lembra que ainda é comum no país a associação entre rural e arcaico ou ultrapassado. Mas, argumenta, grande parte dos municípios brasileiros depende da atividade agrícola.
“Escolas que praticam a pedagogia da alternância assumem que o aluno é filho de agricultor e trabalham a partir desse fato. Isso gera valorização da agricultura familiar e têm efeito positivo na auto-estima do estudante”, acrescenta Passador.
“A educação do campo é voltada para um Brasil que não existe. Se a escola não é adequada para a vida do estudante, o conteúdo deixa de fazer sentido e o desempenho fica comprometido.”




Nenhum comentário:

Postar um comentário