sábado, 19 de novembro de 2016

Mobilidade social no Brasil

As decisões que a sociedade brasileira tomou ao longo da nossa história fizeram com que nosso país tenha se tornado altamente desigual. Falhamos principalmente por não termos investido em educação na primeira metade do século XX,  quando os países europeus e os EUA estavam generalizando o acesso ao ensino médio. Assim, enquanto nesses países a desigualdade declinou na segunda metade do século passado, no Brasil ela aumentou. 


Naercio Menezes Filho, professor titular ­ Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, professor associado da FEA­/USP e membro da Academia Brasileira de Ciências, escreve mensalmente às sextas­feiras (email: naercioamf@insper.edu.br)


"A cidade não para, a cidade só cresce, os de cima sobem e os de baixo descem". Chico Science & Nação Zumbi 

O IBGE acaba de lançar novos dados sobre a mobilidade de educação e renda no Brasil. Foi uma grande novidade, pois fazia 20 anos que não tínhamos dados oficiais comparando a situação dos pais e dos filhos no nosso país. Os resultados mostram que o avanço educacional obtido nos últimos anos não foi suficiente para nos tornar uma sociedade com igualdade de oportunidades. 

Uma sociedade justa é aquela em que todas as pessoas têm as mesmas oportunidades na vida, independentemente da sua origem familiar. Isso não significa que haverá igualdade de resultados nessa sociedade, pois os que se esforçam mais tem que ganhar mais. O que não é justo, porém, é que o sucesso na vida dependa unicamente da sorte de se ter nascido em uma família mais rica. 

Fatia de filhos de analfabetos que ganham mais do que 5 mínimos é de 3% e, entre filhos de universitários, de 46% 

As decisões que a sociedade brasileira tomou ao longo da nossa história fizeram com que nosso país tenha se tornado altamente desigual. Falhamos principalmente por não termos investido em educação na primeira metade do século XX, quando os países europeus e os EUA estavam generalizando o acesso ao ensino médio. Assim, enquanto nesses países a desigualdade declinou na segunda metade do século passado, no Brasil ela aumentou. 

A figura abaixo mostra em que medida a renda dos filhos ainda depende da educação dos seus pais nos dias de hoje. Podemos ver que 40% dos filhos de pais analfabetos recebem até 1 salário mínimo no mercado de trabalho, ao passo que entre os filhos de pais universitários essa porcentagem é de apenas 4%. Como o valor real do salário mínimo aumentou bastante nos últimos 20 anos a situação dos filhos de pais analfabetos melhorou, mas ainda está bem distante da realidade das pessoas que tiveram mais sorte ao nascer. 



Podemos ver também que a porcentagem de filhos de analfabetos que ganham mais do que 5 salários mínimos é de apenas 3%, ao passo que entre os filhos de universitários ela atinge 46%. Ou seja, a ideia de que é possível ficar rico mesmo tendo nascido em famílias pobres, bastando para isso esforço, criatividade e empreendedorismo, está bastante distante da realidade da maioria dessas pessoas.


Em termos educacionais, a melhora que houve no Brasil a partir dos anos 90 atingiu principalmente os jovens nas famílias mais pobres. Porém, os resultados em termos de mobilidade foram mais tímidos do que o esperado. A probabilidade de um filho de pai analfabeto também ser analfabeto ainda é 24%. E apenas 4% deles irão concluir o ensino superior. A parcela de filhos que concluíram o ensino médio entre aqueles cujos pais terminaram apenas o ensino fundamental é 41%. Esse é o resultado mais palpável do nosso avanço educacional recente. Porém, a parcela que concluiu a faculdade entre esses mesmos jovens permanece baixa, em torno de 27%. No outro extremo, 70% dos filhos de pais universitários também concluíram a faculdade. Vale notar que uma parte significativa deles estudaram em universidades públicas, pagas em sua maior parte pelos contribuintes mais pobres. 

Os dados mostram também que mesmo se compararmos apenas as pessoas que concluíram o ensino superior, os salários daqueles cujos pais também tiveram ensino superior é duas vezes maior do que entre os que tinham pais analfabetos. Isso reflete o fato de que, mesmo entre os jovens mais esforçados, a qualidade da educação recebida ao longo da vida, que começa nos primeiros meses de vida, passa pelas qualidade das escolas e termina no curso escolhido no ensino superior, é completamente diferente entre os aqueles que nasceram em famílias pobres e ricas. Além disso, as conexões importam muito na hora de conseguir um bom primeiro emprego. 

Assim, parece claro que a sociedade brasileira continua falhando na sua função de promover igualdade de oportunidades e dar esperança para os que nascem em famílias mais pobres. Isso provoca grande desperdício de talentos, aumenta a criminalidade e atrasa ainda mais o crescimento da produtividade. É inegável que houve grande progresso na redução da pobreza nas últimas duas décadas e que a desigualdade nutricional e de altura reduziram se bastante. Mas, infelizmente, isso não foi suficiente para generalizar o acesso à educação em todos os níveis. 

Esses resultados devem ser analisados à luz do debate atual, que tem enfatizado a necessidade de reduzirmos o tamanho do Estado e questionado a sustentabilidade dos avanços sociais trazidos pela Constituição de 1988. Realmente, é necessário reduzir a presença do Estado na economia, melhorar significativamente a gestão no setor público e cortar os salários daqueles servidores públicos que pouco produzem, a fim de ajustar as contas públicas. Mas não deveríamos reverter os ganhos sociais trazidos pela Constituição de 1988, sob o risco de tornarmos a sociedade brasileira ainda mais injusta. 

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