sexta-feira, 23 de setembro de 2016

ANÁLISE - Reforma não resolve problemas que desembocam no ensino médio



Uma das principais bandeiras do governo Michel Temer (PMDB), a reforma do ensino médio pode melhorar um pouco a situação de quem está na última etapa da educação básica. Não resolve, porém, os deficits educacionais que despontam no ensino médio.

A proposta visa ampliar a carga horária e flexibilizar o currículo, criando uma série de disciplinas optativas. Também substitui as atuais 13 disciplinas rígidas por quatro grandes áreas do conhecimento e mais ensino técnico.

É uma aproximação do Enem (Exame Nacional do Exame Médio) –que, sob Temer, volta a ser coordenado por Maria Inês Fini, criadora da prova no governo FHC.
COMO É HOJEO QUE O PLANO PROPÕEVANTAGENSENTRAVES
Carga horária mínima é de 800 horas anuais (ensino parcial)Grade será ampliada gradualmente para 1.400 horas anuais (ensino integral)Há evidências de que a carga expandida melhora o desempenho dos alunosModalidade integral requer um bom projeto pedagógico e gastos maiores
Alunos cursam 13 disciplinas obrigatórias nos três anosSó parte da grade será igual para todos; depois, aluno poderá se aprofundar entre cinco opções: linguagens, matemática, ciências da natureza, humanas e ensino técnicoFlexibilizar a grade dá autonomia e atrai os adolescentesOferta de habilitações pode ser desigual entre escolas e redes
Ensino médio é dividido, em geral, em três anosEscolas poderão adotar sistema de créditos em algumas disciplinasMedida também dá mais liberdade ao estudanteMudança depende de uma organização complexa das redes
Professores têm que ser formados na área e passar por concursoPoderão ser contratados professores sem concurso e apenas com notório saberAção ajuda a suprir demanda de professores na ampliação do ensino técnicoQualidade dos profissionais e do ensino pode diminuir
Educação física e artes eram obrigatórias no ensino infantil e em todo o básicoDisciplinas deixam de ser obrigatórias no ensino médioMudança diminui o número de disciplinas obrigatóriasPrejudica a formação cultural e a saúde dos estudantes
Governo federal tinha programas menores de incentivo ao ensino integralUnião dará aporte financeiro por quatro anos a escola que introduzir ensino integralInvestimento incentiva instituições a aderirem à modalidadeGoverno diz que valor respeitará disponibilidade orçamentária, mas vive momento de cortes

Flexibilizar a grade e ter disciplinas optativas dá autonomia aos alunos e funciona bem em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos.

Pode ser uma forma de segurar na escola quem conseguiu passar bem pelo chamado ensino fundamental 2 –aquela fase da escola em que os estudantes (pré-adolescentes) começam a ter um monte de docentes e de disciplinas. 

Não resolve, no entanto, o problema de quem chega ao ensino médio com dificuldades.

Se o aluno carregar deficits de anos anteriores –o que tem acontecido–, não haverá disciplina opcional que o segure na escola. Ele vai desistir.

É especialmente no fundamental 2 que o aluno começa a derrapar nas notas. O Ideb 2015 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), principal referência de qualidade da educação, mostra que as notas começam bem nos primeiros anos escolares, mas despencam a cada nova série.

No fundamental 1, houve um crescimento de 5,2 para 5,5 entre 2013 e 2015 –alcançando a meta do Ideb de 2017.
Já no fundamental 2, apesar do avanço de 4,2 para 4,5, a nota segue fora da meta de 4,7 do ano passado –e mais distante ainda da de 2017 (5).

Mais: no Brasil, o aluno corre o risco de escolher apenas as disciplinas com as quais tem um pouco de afinidade e pode deixar de lado aquelas em que ele tem dificuldade. Com isso, pode terminar a escola com uma defasagem gigantesca –e sem condições de competir, com igualdade, por vaga no ensino superior.

Ser "protagonista do seu percurso", como prega o ministro Mendonça Filho ao falar de escolha das disciplinas, é uma ideia tentadora. Vale lembrar, no entanto, que adolescentes ainda não têm condições psicológicas nem fisiológicas para decidir sozinhos.

A parte cerebral responsável pelo planejamento de longo prazo, por exemplo, só amadurece por volta dos 24 anos. A escolha de disciplinas e o planejamento de estudos, portanto, devem ser feitos com orientação e mentoria. Isso vai acontecer de maneira efetiva ou os alunos ficarão soltos à própria sorte?

A possibilidade de abrir mão de educação física da grade também pode ter resultado desastroso. Há estudos em várias áreas do conhecimento que mostram que os esportes, além de melhorar a auto-estima, essencial na escola, aprimora a capacidade de concentração e memorização.

Alguns especialistas chegam a recomendar redução de horas de estudos e aumento de horas de esportes –prática bastante adotada na Finlândia, um dos países-modelo em educação no mundo, inclusive durante os rigorosos invernos daquele país.

Alguém, aliás, consultou os estudantes sobre isso?

Hoje, o ensino médio encontra meninos e meninas desanimados e com dificuldades nas aulas, que vão ficando mais complexas. É um convite para a evasão escolar. Na prática, metade de quem começa a estudar no Brasil não termina o ensino médio.

Se as disciplinas do ensino médio continuarem separadas da realidade do aluno, com professores exaustos, em aulas antiquadas no formato giz e lousa –e se a opção de ensino integral apenas ampliar a quantidade de horas dessas disciplinas conservadoras–, o estudante acabará largando a escola do mesmo jeito. 

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