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domingo, 25 de setembro de 2016
Crescem doações de empresários e de ex-alunos a fundos de escolas de elite - "Sem uma boa história, fica difícil atrair doadores"
ÉRICA FRAGA
JOANA CUNHA
DE SÃO PAULO
25/09/2016
02h00
Ações de ex-alunos e contribuições de empresários têm dado impulso a fundos criados por escolas de elite do país para bancar bolsas de estudo e financiar pesquisas.
O movimento vem abrindo as portas de faculdades como o Insper e a FGV –que cobram mensalidades de R$ 3.000 a R$ 5.000– para estudantes de baixa renda e permitindo que escolas públicas como a Politécnica da USP financiem projetos com recursos privados.
Um fundo criado pelo Insper para apoiar a graduação de jovens talentosos de famílias pobres deve fechar 2016 com quase R$ 4,6 milhões. O número de alunos com bolsas integrais chegou a 78.
Os recursos ajudam a cobrir as mensalidades e, para bolsistas integrais –com renda per capita mensal de até 1,5 salário mínimo–, há uma ajuda de custos de R$ 1.000.
Empresários como Marcel Telles (Ambev) e Anderson Birman (Arezzo) contribuíram com mais da metade do dinheiro. Empresas e fundações deram um terço. Os ex-alunos entraram com pouco mais de 10% das doações.
Um dos herdeiros do grupo Votorantim e ex-aluno do Insper, José Roberto Ermírio de Moraes Filho, e seus sócios na Perfin Investimentos criaram um fundo que doa à instituição suas receitas com taxas de administração e desempenho. O Perfin Educar destina cerca de R$ 200 mil por ano ao fundo de bolsas.
"O projeto presta papel importante para a sociedade, e sem ligação com o governo. Resolvemos apoiar doando parte da nossa capacidade de gestão", diz Moraes Filho, que se formou em administração no Insper em 2007.
"Sempre achei que competência não escolhe berço e quis ajudar a formar ótimos profissionais", diz Birman, chefe do conselho da Arezzo.
GERAÇÃO MILÊNIO
A geração do milênio, com gente nascida entre os anos 80 e 90, contribui para a cultura das doações em outras escolas. Foi de uma ex-aluna a ideia de criar o fundo da FGV Direito de São Paulo que também ajuda a financiar estudantes de baixa renda e já acumulou R$ 1,45 milhão.
"Fui da primeira turma. O único defeito da escola era a falta de diversidade socioeconômica", afirma a advogada Luisa Moraes Ferreira.
A FGV Direito segue o modelo do Insper, em que o dinheiro captado é revertido ao fundo. Hoje, 16 alunos têm mensalidades bancadas pela FGV e ganham R$ 850 por mês para cobrir despesas.
A instituição está formando um fundo como os "endowments" comuns nos Estados Unidos, em que o patrimônio é preservado e só o rendimento dos investimentos é usado. A inspiração veio do fundo Amigos da Poli, da USP.
Em 2001, antes de receber o diploma da Poli, Ricardo Milani juntou-se a outros estudantes que queriam arrecadar recursos para projetos. "Não tínhamos dinheiro nem confiança de ninguém", diz.
Eles foram ousados, enviando e-mails a empresários que tinham passado pela Poli. Entre os associados estão Luis Stuhlberger, da gestora Verde, e o banqueiro Roberto Setubal, do Itaú Unibanco.
BARREIRAS
As instituições de ensino superior reclamam de barreiras tributárias e regulatórias que dificultam as doações para a educação no Brasil.
Diferentemente dos EUA, onde há incentivos fiscais para contribuições na área
educacional, no Brasil doações de pessoas físicas superiores a R$ 50 mil pagam imposto.
Em São Paulo, a alíquota do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) é de 4%. No caso de empresas, a lei permite a dedução de até 2% do valor doado sobre o lucro operacional.
"Para estimular as doações, é preciso reduzir o ônus tanto para quem doa quanto para quem administra os recursos doados", afirma Caio Mário Pereira Neto, da FGV.
Para Thiago Bottino, professor da FGV e presidente do fundo de bolsas da instituição, "a hegemonia do ensino superior norte-americano" se deve aos chamados "endowments". O maior desses fundos, da Universidade Harvard, soma cerca de US$ 36 bilhões.
"No Brasil, o Estado não tem a preocupação de estimular a cultura filantrópica", afirma o professor Bottino.
CONTRAPARTIDAS
Entre as universidades públicas, especialistas relatam a dificuldade de oferecer contrapartidas para doadores.
Máximo González, do Amigos da Poli, da USP, diz que o fundo quer atrair novos doadores além dos tradicionais, que em geral têm laço emocional com a universidade.
"Queremos partir para doações de empresas que aceitem contrapartidas, como placas com o nome dela na escola, o uso de uma sala ou o acesso aos currículos dos alunos para recrutamento", afirma González.
Oferecer esses benefícios, porém, não é simples. Há pouco mais de dois anos, a Justiça obrigou a USP a devolver uma doação de R$ 1 milhão à família do banqueiro Pedro Conde, que havia contribuído para a reforma de um auditório da Faculdade de Direito e queria que o local fosse batizado com seu nome.
Na mesma época, Harvard recebeu da família de um ex-aluno uma doação de US$ 350 milhões para o ensino de saúde. A contrapartida foi renomear o edifício. Em 2015, a USP publicou um programa para facilitar relações da instituição com empresas.
Bom desempenho de bolsistas ajuda a convencer doadores
JOANA CUNHA
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
25/09/2016
02h00
Os gestores das instituições de ensino que buscam contribuições do setor privado dizem que, embora a prática de doar tenha crescido, ainda não é fácil convencer empresários e profissionais liberais a patrocinar projetos.
"Sem uma boa história, fica difícil atrair doadores", afirma o professor Caio Pereira Neto, presidente do fundo de bolsas da FGV Direito SP.
Para financiar bolsas, o desempenho dos alunos beneficiados é um ponto importante no convencimento.
Os bolsistas do Insper têm coeficiente de rendimento médio de 7,15, superior aos 6,68 dos demais alunos. Na FGV Direito, os bolsistas tiveram em 2015 nota 7,63, ante 7,23 da média de todos os alunos.
A atração de estudantes de baixa renda, dizem as instituições, ajuda a aumentar a diversidade e fortalecer a cultura meritocrática das escolas. "Intensificamos o esforço tanto para atrair doadores como bons alunos", diz Marcos Lisboa, presidente do Insper.
A faculdade fez parceria com instituições que apoiam estudantes talentosos do ensino básico, como o instituto Ismart e a ONG Primeira Chance, que identificam jovens de baixa renda com alto desempenho acadêmico.
Foi assim que encontrou Kassiopeya Cristina Nascimento Costa, 19, que vem de família de baixa renda de Fortaleza e hoje cursa o sexto semestre de administração. Sempre entre os melhores alunos, ela recebeu bolsa especial da Fundação Brava.
"É muito bom ter essa oportunidade e não me sinto tratada diferente pelos demais alunos por ser bolsista."
A FGV Direito adotou estratégia parecida para atrair bons alunos de baixa renda. Fez ajustes também em seu vestibular. "Foram mudanças para evitar que esses jovens ficassem de fora por falta de um nível de erudição mais típico de classes de renda alta, de jovens que viajaram muito", diz Pereira Neto.
NOMES
Outra estratégia usada para atrair novas contribuições é convencer doadores de peso a divulgar seus nomes.
"No início, os doadores mais antigos não queriam que seus nomes aparecessem. Convencemos a maioria de que essa divulgação era importante para ajudar a disseminar a cultura de doação", afirma Camila Du Plessis, gerente de relacionamento institucional do Insper.
O fundo Amigos da Poli, da Politécnica da USP, divulga os nomes dos doadores, mas ainda depende de contribuições de ex-alunos que têm laços emocionais com a escola.
Antonio Carlos Pipponzi, presidente do conselho da RaiaDrogasil, maior rede de farmácias do país, se formou pela instituição no fim dos anos 70 e vê no investimento uma forma de retribuição.
"Não paguei um centavo quando cursei a universidade, embora tivesse condições de pagar", diz o empresário, que é herdeiro de uma das famílias fundadoras do grupo.
Além de doar, o empresário atua no conselho do fundo. Para ele, a escola forma bem as habilidades técnicas dos alunos, mas é preciso estimular o espírito de liderança e empreendedorismo.
Os gestores das instituições que têm procurado doações ressaltam a importância da transparência e de boas práticas de governança.
Apesar de as escolas relatarem um maior interesse, a prática de doação do brasileiro ainda é limitada se comparada com à de outros países.
O Brasil aparece em 105º lugar, numa lista de 145 países, na edição de 2015 do ranking de generosidade da ONG Charities Aid Foundation.
Fátima Zorzato, sócia da consultoria INWI Consulting e doadora do fundo de bolsas do Insper e de outros projetos, diz ainda não sentir uma "cultura de generosidade".
"Falo muito com empresários e o que ouço com frequência é: 'Faço cestinhas de Natal'."
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