sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Menos armas, mais educação

30/09/2016 ­ 05:00
A educação dos jovens em todo o mundo oferece o caminho mais seguro, ­ na verdade, o único ­ para um desenvolvimento mundial sustentável. 

Por Jeffrey Sachs

Os EUA precisam transferir seus gastos militares para a educação, de mudanças de regime apoiadas pela CIA para um novo Fundo Mundial para a Educação (FME). Há centenas de milhões de crianças em todo o mundo fora da escola ou em escolas com professores de baixa qualificação, escassez de computadores, salas de aula com número excessivo de alunos e sem eletricidade ­ e por isso muitas regiões do mundo caminham para uma situação de enorme instabilidade, desemprego e pobreza. 

O século XXI pertencerá aos países que educam adequadamente seus jovens para uma participação produtiva na economia mundial. O atual desequilíbrio americano entre gastos com a educação mundial e programas e investimentos militares é impressionante: US$ 1 bilhão por ano para educação e cerca de US$ 900 bilhões para defesa. Programas relacionados a fins militares incluem o Pentágono (cerca de US$ 600 bilhões), a CIA e agências similares (cerca de US$ 60 bilhões), Segurança Interna (cerca de US$ 50 bilhões), sistemas de armas nucleares não controlados pelo Pentágono (US$ 30 bilhões) e programas para veteranos de guerras (US$ 160 bilhões). 

Como que é que políticos e formuladores de políticas podem, em sã consciência, acreditar que a segurança nacional americana será melhor garantida por uma relação de 900 para 1 entre gastos militares e investimentos em educação mundial? 

Claro, os EUA não estão sozinhos nisso. A Arábia Saudita, o Irã e Israel desperdiçam, todos, enormes somas numa aceleração da corrida armamentista no Oriente Médio, onde os EUA são o principal financiador e fornecedor de armas. Estamos, ao que parece, cortejando uma nova corrida armamentista entre as grandes potências, num momento em necessitamos efetivamente uma corrida pacífica focada em educação e desenvolvimento sustentável. 

Desde 2000, os EUA e outros países desperdiçaram trilhões de dólares em guerras e armamentos. Chegou o momento de uma nova abordagem para elevar os investimentos em educação e ao mesmo tempo reduzir os gastos com guerras, golpes de Estado e armamentos. 

Vários relatórios internacionais recentes, entre eles dois publicados neste mês ­ pela Unesco e pela Comissão Internacional para Financiamento Mundial da Educação, presidida pelo ex­ primeiro ­ministro Gordon Brown ­, mostram que a ajuda anual ao desenvolvimento mundial para educação primária e secundária deve aumentar de cerca de US$ 4 bilhões para cerca de US$ 40 bilhões. 

Somente este aumento de dez vezes poderá permitir aos países pobres implementar uma educação primária e secundária universal (tal como definido pela Quarta Meta das das Metas de Desenvolvimento Sustentável).

Diante disso, os EUA e outros países ricos deveriam agir, neste ano, criando o FME, provendo os recursos necessários mediante uma transferência dos atuais orçamentos militares. Se Hillary Clinton, provável próxima presidente dos EUA, acredita verdadeiramente em paz e desenvolvimento sustentável, ela precisa anunciar sua intenção de apoiar a criação da FME, assim como o presidente George W Bush foi, em 2001, o primeiro chefe de Estado que aprovou o então recém­proposto Fundo Mundial de Combate à AIDS, à tuberculose e à malária. Hillary deveria exortar a China e outros países a aderirem a esse esforço multilateral. 

A alternativa ­ continuar gastando enormes somas com defesa, em vez de educação mundial ­ seria condenar os EUA ao status de Estado imperial em declínio, tragicamente viciado em centenas de bases militares no exterior, dezenas de bilhões de dólares em vendas anuais de armas e guerras perpétuas. 

O desafio orçamentário básico é o seguinte: num país pobre, para educar uma criança são necessários pelo menos US$ 250 por ano, mas os países de baixa renda podem arcar, em média, com apenas cerca de US$ 90 por criança por ano. Há um déficit de US$ 160 por criança, para cerca de 240 milhões de crianças em idade escolar, ou cerca de US$ 40 bilhões por ano. 

As consequências do déficit de recursos para a educação são trágicas. As crianças deixam a escola prematuramente, muitas vezes sem serem capazes de ler ou escrever em um nível básico. 

Essas crianças muitas vezes passam a fazer parte de gangues, de grupos de traficantes de drogas e até mesmo jihadistas. Meninas casam se e começam a ter filhos ainda muito jovens. As taxas de fertilidade permanecem elevadas e os filhos dessas mães (e pais) pobres e pouco instruídos têm poucas perspectivas realistas de escapar da pobreza. 

Os custos da não criação de bons empregos baseados em boa escolaridade são instabilidade política, migração em massa para os EUA e para a Europa, e violência relacionada com a pobreza, drogas, tráfico de seres humanos e conflitos étnicos. Logo, chegam os drones americanos para agravar a instabilidade subjacente. 

Em suma, precisamos mudar o foco ­ da CIA para o FME, dos caros fracassos americanos em tentativas de mudança de regime (como as focadas contra os taleban no Afeganistão, contra Saddam Hussein no Iraque, Muamar Kadafi na Líbia e Bashar al­ Assad na Síria) para investimentos em saúde, educação e empregos decentes. 

Alguns dos que criticam a ajuda argumentam que os recursos para a educação serão simplesmente desperdiçados. No entanto, os críticos disseram exatamente o mesmo sobre o controle de doenças em 2000, quando eu propus uma ampliação do financiamento à saúde pública. 

Dezesseis anos depois, os resultados estão aqui: a incidência de doenças caiu acentuadamente e o Fundo Mundial provou ser um grande sucesso (os doadores, hoje, também concordam, e recentemente renovaram suas contribuições). 

Como primeiro passo para estabelecer uma contrapartida exitosa no campo educacional, os EUA e outros países deveriam reunir sua ajuda num novo fundo unificado. O fundo, então, convidaria os países de baixa renda a apresentar propostas para candidatarem­se a receber ajuda. 

Uma comissão técnica ­ e não política ­ avaliaria as propostas e recomendaria os candidatos a serem financiados. As propostas aprovadas receberiam, então, ajuda, com monitoração e avaliação de implementação a cargo do FME, permitindo que os governos com bom desempenho estabeleçam históricos e reputações de gestores responsáveis. 

Desde 2000, os EUA e outros países desperdiçaram trilhões de dólares em guerras e armamentos. Chegou o momento de implementar uma nova abordagem sensata, humana e profissional para incrementar os investimentos em educação e, simultaneamente, reduzir os gastos com guerras, golpes de Estado e armamentos. 

A educação dos jovens em todo o mundo oferece o caminho mais seguro ­ na verdade, o único ­ para um desenvolvimento mundial sustentável. 

(Tradução de Sergio Blum) 

Jeffrey D. Sachs é diretor do Instituto Terra, na Universidade Colúmbia, e diretor da Rede de Soluções para Desenvolvimento Sustentável da ONU. 

opyright: Project Syndicate, 2016. www.project­syndicate.org

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