09/09/2016 05:00
"Praticamente todos os indicadores dizem: onde há melhores escolas, há menos homicídios"
Por Ligia Guimarães
Elevar a qualidade da educação oferecida a jovens de 15 e 17 anos que moram
nas áreas mais pobres e violentas reduziria os homicídios no país, aponta
estudo divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). "Praticamente todos os indicadores dizem: onde há melhores escolas,
há menos homicídios", diz o pesquisador Daniel Cerqueira, autor do estudo.
Embora o Brasil seja um dos países mais violentos do mundo responde por
10% de todos os homicídios do planeta os crimes são muito concentrados
em poucas áreas que, além de mais violentas e pobres, têm baixa oferta de
escolas e ensino de pior qualidade.
Nos últimos dez anos, mais de 290 mil jovens foram assassinados no Brasil e mais de 2 milhões passaram pelo sistema
prisional. Um grupo de 81 municípios colocados como prioridade no Plano Nacional de Redução de Homicídios,
principal proposta de segurança do governo da ex presidente Dilma Rousseff concentrava 48,6% do total de 22.776
homicídios do país em 2014, com mais forte concentração em poucos bairros.
No Rio de Janeiro, por exemplo, metade dos homicídios foi praticada em 10% dos bairros da cidade.
"Um quarto dos
homicídios no país é registrado em 470 bairros. Dá pra gerenciar", diz Cerqueira.
A pesquisa "Trajetórias Individuais, Criminalidade e o Papel da Educação" reuniu indicadores de educação e violência e
analisou aspectos acompanhados pelo Ministério da Educação, como abandono escolar, taxa de reprovação, defasagem
idadesérie, complexidade da gestão escolar e o número de alunos por turma.
Na comparação entre os bairros mais e menos violentos do Rio, por exemplo, a taxa de reprovação é 9,5 vezes maior onde
há mais violência.
Por outro lado, taxa de abandono e a distorção idade série também são, respectivamente, 3,7 e 5,7
vezes mais altas nas localidades mais violentas. Tal discrepância, de acordo com Cerqueira, não se deve somente às
conhecidas desvantagens educacionais do aluno mais pobre, mas também à ação do poder público, que coloca mais
recursos em regiões mais desenvolvidas.
Tomando como exemplo as escolas localizadas em Santa Cruz, bairro do Rio de Janeiro em que se observou o maior
número de homicídios em 2014, o estudo conclui que a região tem oferta expressivamente pior de serviços educacionais
em relação a áreas mais ricas.
"O poder público eleva a desigualdade ao prover serviços educacionais de baixa qualidade
para as regiões mais pobres e de melhor qualidade para as regiões mais nobres", afirma o estudo.
As políticas de segurança pública, para serem mais eficientes, deveriam ser focalizadas, afirma Cerqueira. "Temos que dar
mais atenção naqueles lugares.
O estudo aponta a necessidade de se pensar políticas de políticas públicas localizadas,
não só por idade, mas geograficamente", afirma o pesquisador.
O modelo educacional brasileiro, alerta o estudo, não reconhece as diferenças sociais do país. "Quem é o principal cliente
da escola? É uma criança que tem amor, supervisão, ou é uma criança que passa por sérios problemas?", diz Cerqueira. "É
muitas vezes o aluno que apanhou dos pais, da polícia, que não é ouvido em casa".
O modelo de educação atual, diz o estudo, despeja "conteúdos enciclopédicos" sobre o aluno, sem considerar suas
vulnerabilidades. "Quando ele não se encaixa, é expulso, como uma série industrial", diz. "É o que gera casos como escolas
administradas pela polícia, em que se decide enquadrar todo mundo. Isso é absolutamente errado", afirma Cerqueira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário