Tecnologia na escola é inevitável. O aluno já está imerso na vida digital fora da sala. O desafio é usar a ferramenta de forma a fazer sentido para o professor, a criança e o conhecimento, sem ceder ao fetiche que dispositivos eletrônicos despertam, dizem educadores.
O movimento "high-tech" faz escolas substituírem cadernos por telas sensíveis ao toque e estimularem a interação com robôs. Por outro lado, não faltam instituições fiéis a métodos de ensino tradicionais, que se mantêm distantes desses recursos.
No Móbile, em Moema, um aplicativo para tablet auxilia na alfabetização. Na tela, o professor acompanha em tempo real os avanços de cada aluno. "Isso permite que ele identifique onde estão as dificuldades e preste atendimento personalizado", diz o físico Júlio Ribeiro, coordenador de tecnologia educacional do colégio.
Os tablets também servem para controlar o robô Dash, parceiro da turma no início do ensino fundamental. Desenvolvido pela empresa norte-americana Wonder Workshop, ele ensina programação básica aos estudantes.
A escola usa o Canvas, plataforma on-line onde são disponibilizados os materiais de cada disciplina, como textos e questionários. Pelo aplicativo de celular, o aluno pode se conectar à escola o dia todo e acessar as atividades propostas pelos professores de qualquer lugar. Mais ou menos como o executivo de uma empresa, plugado no trabalho esteja onde estiver?
A educadora Renata Perin, da escola Te-Arte, acha que sim. "As crianças estão mais sobrecarregadas. O ideal é deixá-las mais livres até os sete anos. A partir daí, as primeiras cobranças podem aparecer", defende.
Na escola de educação infantil onde Perin trabalha, longe de tablets e internet, 79 crianças aprendem a ler e a escrever interagindo com animais, fazendo seus brinquedos e se sujando na terra.
Salas de aula tradicionais não existem. É no quintal tomado por árvores frutíferas que elas são estimuladas a desenvolver a cognição.
"Desse jeito a criança ganha com mais facilidade as capacidades de criar e se readaptar em qualquer circunstância", afirma a pedagoga capixaba Thereza Pagani, 85, criadora do método que privilegia a brincadeira. Ela segue à frente da unidade escolar há mais de 40 anos.
Já o Colégio Visconde de Porto Seguro, no Morumbi, tem há um ano o selo "Apple Distinguished School" (escola notável da Apple, em tradução livre), dado a instituições que usam com excelência as ferramentas da marca para fins pedagógicos.
O espaço de criação digital da escola tem uma impressora 3D onde alunos podem, por exemplo, imprimir um feudo medieval após uma aula de história sobre o tema.
No Colégio Santa Maria, alunos do terceiro ano do fundamental aprendem planejamento urbano jogando a versão para tablet de "SimCity". Duplas administram cidades e passam a gestão para outros alunos na aula seguinte.
"Não usamos a tecnologia para fazer o que pode ser feito no papel. Queremos que o aluno produza coisas novas", diz Muriel Alves, professor de computação, do Santa Maria.
Tecnologia usada só como suporte pode deixar aluno ainda mais passivo
A presença na escola de novas ferramentas, por si só, não garante educação de qualidade. "A tecnologia precisa estar articulada com outras atividades para o desenvolvimento de diferentes habilidades dos alunos", diz Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare, voltado à inovação na área de ensino.
No colégio Stockler, da zona sul de São Paulo, as salas são equipadas com projetor e lousa digital, e internet.
Nem por isso há certeza de retorno pedagógico positivo, diz Mariana Stockler, mantenedora da instituição. "A tecnologia só é benéfica quando integra uma estratégica didática. Se o professor a usa só como suporte, corre o risco de tornar o aluno ainda mais passivo em sala", diz.
É como transferir todo o conteúdo de uma aula que seria feita em uma lousa tradicional para uma apresentação de "powerpoint" projetada em uma tela. "Em que isso enriquece a experiência do aluno?", pergunta Stockler.
No colégio Prima, na zona sul, os estudantes do ensino fundamental são estimulados a fomentar competências que não dependem apenas de recursos digitais, como a autonomia e a gestão do tempo.
Aluna do sétimo ano, Maria Fernanda Belmonte, 12, está quebrando a cabeça para colocar sua agenda em ordem e resolver 58 exercícios de matemática até o final do mês. "Vou ter que sacrificar todas as minhas sextas-feiras para dar conta disso", diz.
A garota é "cria" da metodologia Montessori, que estimula o aluno a desenvolver senso de responsabilidade sobre o seu próprio aprendizado. Em sala de aula, o professor é só um guia que remove obstáculos entre a turma e o entendimento do conteúdo.
Para a psicopedagoga Edimara de Lima, diretora do Prima, o recurso digital só faz sentido quando tem um viés pedagógico claro. "Não precisa de muito. Jogando 'paciência' no computador o aluno fraco em lógica aprende."
JETSONS
Antônio Batista, coordenador de pesquisa do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), não espera mudança brusca na escola pautada pela tecnologia.
"Não vamos entrar na era dos Jetsons. O que as plataformas digitais trazem são novos textos na forma oral, escrita e imagética", diz.
Para que esses textos transmitam algo, é preciso um professor preparado. Segundo pesquisa nacional feita pelo Cetic (centro de estudos na área de tecnologia), só 57% dos docentes disseram em 2014 usar internet em sala.
"O aluno tem um computador no bolso que não é explorado", diz Silvio Fiscarelli, sociólogo que estuda tecnologia no ensino.
Êxito com recursos digitais na educação depende de foco e formação
A tecnologia pode turbinar a sala de aula, deixando-a mais atrativa, e até proporcionar aprendizagem fora da escola. Para que isso seja realidade, no entanto, objetivos bem definidos, planejamento e formação adequada para o professor são essenciais.
"A tecnologia é um dos aliados, ela não vai solucionar todos os problemas sozinha", afirma Silvio Fiscarelli, cientista social da Unesp. Ele realizou uma pesquisa sobre o uso de recursos digitais na educação com 400 estudantes de ensino médio de uma escola pública.
No estudo, Fiscarelli constatou que as notas dos alunos que fizeram uso de ferramentas tecnológicas, como simulações computacionais e jogos digitais, foram, em média, 24% mais altas do que as dos estudantes que não utilizaram os recursos. Os jovens que tinham um histórico de notas mais baixas apresentaram, no experimento, um rendimento 46% maior.
Os estudantes seguiram um roteiro planejado por um conjunto de professores da escola e entregaram registros das atividades por escrito. "Isso é importante porque garante ao professor que o aluno está aprendendo o conteúdo", diz Fiscarelli.
Para se aventurar no mundo das inúmeras opções disponíveis -e ter bons resultados-, a escola precisa planejar. "É necessário ter clareza dos objetivos que a tecnologia vai ajudar a alcançar", diz Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare, ONG voltada para inovação no ensino.
Assim, segundo ela, a escola pode se preparar para instalar a infraestrutura apropriada, como internet sem fio de alta velocidade, e adquirir os dispositivos que melhor servirão às suas intenções.
CURSOS
O preparo do professor para o uso das novidades no ensino é outro desafio apontado por especialistas.
"A escola deve se preocupar em capacitar para escolher as ferramentas e operá-las. Não é qualquer recurso disponível que ajuda a atingir o objetivo", diz Penido.
A Fundação Telefônica Vivo, ONG de inovação educativa, oferece, de forma gratuita, cursos voltados aos que querem desenvolver suas habilidades para ensinar usando tecnologia. A plataforma para isso é escolasconectadas.org.br. Os cursos são certificados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Outro site, o escoladigital.org.br, também de acesso livre, disponibiliza uma lista com mais de 14 mil recursos gratuitos, já testados por especialistas e com sugestões de planos de aula.
"Esses recursos podem potencializar o ensino e, junto com a formação, oferecem ao professor os mecanismos para direcionar e tirar o melhor proveito de seu uso na escola", diz Américo Mattar, diretor da Fundação.
Segundo Mairum Ceoldo Andrade, superintendente de tecnologia do Cieb (Centro de Inovação Para a Educação Brasileira), o modelo de laboratório de informática precisa ser superado.
"Laboratórios móveis, com dispositivos que circulam pela escola, facilitam o uso pois o tornam mais natural e otimizam o tempo do professor", afirma Andrade.
Anna Penido, do Inspirare, concorda e acrescenta que o uso deve ser diversificado com diferentes tipos de tecnologia e complementado com outras atividades, como debates e experimentação.
'Terapia' ajuda pais confusos com a variedade de linhas pedagógicas
Construtivista, montessoriana, tradicional, waldorf... A dificuldade de escolher entre tantas linhas pedagógicas gerou um novo serviço nos consultórios de psicologia: o aconselhamento para a escolha da escola.
É como uma terapia breve. Na maioria dos casos, a questão é resolvida em quatro ou cinco sessões -ou até menos, se a dificuldade for apenas traduzir o "pedagoguês".
"Muitas escolas não explicam sua pedagogia de forma clara. As sessões ajudam os pais a organizar as ideias e a saber o que perguntar", afirma Irene Maluf, conselheira da Associação Paulista de Psicopedagogia.
As sessões custam entre R$ 150 e R$ 300. "O valor depende do número de encontros necessários e do tipo de atendimento", diz Maluf.
O número de encontros pode aumentar quando as dúvidas sobre a escola sinalizam outros problemas familiares.
"Muitos pais que procuram o aconselhamento estão preocupados com uma dificuldade específica do filho, não só com as teorias gerais da pedagogia", diz Nívea Fabrício, presidente da Andea (Associação Nacional da Dificuldade de Ensino e Aprendizagem).
"Parte do trabalho de escolher onde o filho vai estudar é entender melhor quem ele é", afirma a psicoterapeuta e psicopedagoga Claudia Arbex.
A ideia de colocar o filho em uma escola "forte" para prepará-lo melhor para o futuro ainda é muito influente, mas nem sempre isso é o melhor para a criança, segundo Edith Rubinstein, diretora do Centro de Estudos Seminários de Psicopedagogia.
Porém, fazer projetos para o filho é algo positivo, na visão do psicanalista Jorge Forbes. "A escolha da escola reflete a maneira com que os pais querem incluir o filho no mundo da cultura", diz ele.
O problema é quando os pais querem se defender do erro e ter a certeza absoluta de que estão fazendo a escolha certa. "Essa demanda gerou aparatos para 'garantir' uma certeza, como se a escola fosse um terno sob medida e sem nenhuma ruga no tecido", compara Forbes.
Isso não existe, mas a angústia de cometer erros faz com que alguns pais procurem a ajuda profissional para se desresponsabilizar da escolha, na análise de Forbes.
CAMINHO DO MEIO
Há também casos em que as diferenças na história escolar de cada pai influenciam as escolhas. "Por isso, muitos ficam confusos", diz Arbex.
Esse foi um dos motivos que levaram os advogados Carlos André Cavalcanti, 56, e Ana Wanderley Cavalcanti, 45, ao consultório de uma psicoterapeuta quando procuravam a escola para a filha Mariana, 6.
"Eu e a Ana tivemos realidades escolares muito distintas. Procuramos orientação para encontrar o meio do caminho", conta o pai.
O emaranhado de opções pedagógicas foi outra motivação. "As escolas falam na 'língua' delas, e as explicações não estavam muito claras para mim", diz a mãe.
O casal não saiu do consultório com respostas prontas. "Quando falamos das escolas que já tínhamos visitado, ficamos com mais dúvidas. No final, não venceu a primeira escolha de cada um, mas uma terceira opinião [a da terapeuta], que atendia a todos", afirma André Cavalcanti.
Sala de informática dá lugar a sistema interativo nas escolas tecnológicas
A escola que se propõe "tecnológica" deve prezar pela interatividade, sem medo de deixar os alunos livres para pesquisar na internet. É importante, nesse caso, oferecer infraestrutura que permita integrar esses elementos ao ensino de qualidade.
"A tecnologia precisa fazer parte do cotidiano do aluno, não só no laboratório de informática," diz Sonia Allegretti, doutora em educação pela PUC-SP e consultora educacional. "Tem que vir agregar novas coisas à escola tradicional."
Em vez de concentrar o uso da internet em momentos específicos, é necessário saber ensinar em conjunto com as possibilidades que a rede proporciona. A escola precisa, assim, oferecer estrutura básica como conexão de wi-fi rápida e tomadas nas salas.
O colégio que quiser ir além pode incorporar os tablets ao material escolar. Não faltam aplicativos educacionais no mercado, e algumas instituições até desenvolvem os seus próprios.
Isso não quer dizer que todos os alunos precisam ter esses dispositivos. Mas a escola tem de manter um estoque disponível para emprestar aos que não têm.
A sala de informática pode ser aposentada, mas é salutar que seja substituída por outros espaços.
Um exemplo é a sala multimídia, que congrega, além de computadores e dispositivos móveis, livros e materiais lúdicos para que o aluno integre todas essas fontes de conhecimento em uma mesma atividade.
Também é positiva a existência de espaços em que os alunos possam criar e pôr a mão na massa, como laboratórios de robótica, de marcenaria e, na toada das novas tecnologias, oficinas de aplicativos e mídias sociais.
Outra velha aliada que pode ser deixada para trás, segundo Anna Penido, diretora-executiva do Instituto Inspirare, é a apresentação de slides. "Hoje, se o aluno pode ver uma vídeo-aula, jogar um game, fazer um quiz, o Powerpoint é caretão. Ninguém tem muita paciência."
Para mostrar conteúdo on-line, é preciso que o professor tenha boa conexão à rede. A exibição para a classe pode ser feita por projetor fixo, por carrinho que anda de sala em sala ou até via recursos de espelhamento de iPad. Lousa digital é interessante, mas não imprescindível.
Em termos de estrutura, aponta Cláudia Prioste, professora de psicologia da educação da Unesp, é importante lembrar dos aspectos que fazem das escolas tradicionais ambientes agradáveis.
Classes com janelas que dão para ambientes arborizados, integração com a natureza no dia a dia, móveis fáceis de reorganizar para multiplicar dinâmicas de aprendizagem, quadras de esporte e bons refeitórios são itens essenciais em um espaço voltado à educação de qualidade, para além de qualquer avanço tecnológico.
Colégios atuam para conscientizar alunos sobre perigos da vida on-line
À medida que o uso da tecnologia se torna natural na vida de todos, colégios paulistanos implementam iniciativas para conscientizar seus alunos sobre riscos e responsabilidades necessárias ao convívio no ambiente digital.
O Colégio Bandeirantes investe em ações desse tipo desde 2007, quando professores e funcionários passaram a ser capacitados no tema.
No ano seguinte, depois de traçar o perfil digital dos alunos, ou seja, avaliar a maneira como se comportavam on-line, o colégio iniciou intervenções pontuais em sala de aula. O formato manteve-se até 2014, quando a questão entrou na grade regular, com a matéria "Valores".
"Eles começaram a mudar devagarinho, a pensar antes de tirar uma foto, a evitar brigas on-line", diz Cristiana Mattos de Assumpção, 52, coordenadora de tecnologia educacional do colégio.
O foco das conversas varia de acordo com a idade do estudante, diz Assumpção. Com os mais novos, são trabalhados conteúdos de segurança digital, direitos autorais e bullying; no ensino médio, as discussões são mais sobre postagens difamatórias ou preconceituosas e suas possíveis consequências.
DESDE CEDO
O colégio Móbile, que implementa ações similares desde 2010, também a partir do sexto ano do fundamental, tem um projeto ambicioso para 2017: vai inaugurar uma unidade de ensino integral na qual os alunos terão, desde os quatro anos, "letramento digital" no currículo. O objetivo é criar uma consciência da utilização da tecnologia desde cedo.
Segundo Julio Ribeiro, 31, coordenador de tecnologia educacional do Móbile, a ideia é que os temas sejam trabalhados dentro das disciplinas tradicionais, não em aula específica. Para isso, a escola vem capacitando seu corpo docente. Além de ética, "letramento digital" também incluirá linguagem de programação.
"O objetivo é fazer com que os alunos consigam utilizar programação no fim do ciclo", afirma Ribeiro.
Wilton Ormundo, 42, diretor pedagógico do ensino médio do colégio Móbile, chama a atenção para a necessidade de um trabalho contínuo.
"O que era o espaço virtual em 2010 e o que é hoje? Estávamos falando de Orkut.
Hoje falamos de WhatsApp e Snapchat. Surgiram novas formas que podem colocar o aluno em situação de risco", diz o diretor.
Segundo ele, independentemente dos meios que surjam, a escola deve atuar para que os alunos possam fazer as escolhas certas sozinhos.
Responsável por desenvolver trabalhos de conscientização em colégios de São Paulo como o Porto Seguro e o próprio Bandeirantes, a advogada e pedagoga especialista em direito digital Cristina Sleiman, 45, chama a atenção para a questão da responsabilidade on-line, que para ela é pouco discutida.
"A gente vê muitas ações relacionadas à segurança na internet. É difícil ver quem aborda responsabilidade. Vemos mais abordagem técnica, como 'não fale com estranhos', 'use antivírus'", diz.
Segundo Sleiman, muitos alunos não têm noção dos problemas que seu comportamento na rede pode causar.
Por isso, ela leva casos que saíram na mídia sobre internautas que, após uma postagem inadequada, perderam o emprego ou sofreram sanções criminais.
A especialista diz que o compartilhamento de fotos íntimas é uma das dúvidas
mais presentes entre os alunos. "Sempre tem a garotada perguntando sobre essa questão. Há uma sensibilização necessária e muito forte nas escolas em relação à conduta de fotografar, compartilhar e armazenar essas imagens."
Na sala de aula invertida, alunos antecipam conteúdo em casa
Um sofá vermelho, de cara, já quebra o protocolo. Mesas de seis lugares estão dispersas no espaço em que um dia foi tomado por carteiras enfileiradas. No teto, um projetor digital. Ainda há um computador e mais uma lousa branca. Essa é a sala do 9ºA (ensino fundamental) do Colégio Elvira Brandão, na zona sul de São Paulo.
É nesse ambiente nada convencional que 22 alunos têm experimentado um jeito de aprender pouco difundido no Brasil. Eles estão numa sala de aula invertida.
O método, criado em 2007 nos Estados Unidos e muito usado na Finlândia, muda a forma tradicional de ensinar.
Por meio de uma plataforma digital, o conteúdo é antecipado aos alunos. Em sala, a turma tira as dúvidas da disciplina e a lição, antes feita em casa, é executada sob a supervisão do professor.
A disposição do mobiliário estimula os alunos a trabalhar em grupo e permite que o docente circule pela sala fazendo um atendimento mais personalizado.
"A gente percebeu que eles tinham dificuldade em resolver os exercícios em casa. Nesse método, a gente inverte o processo e coloca o aluno em uma posição mais ativa", diz Pedro Robert, professor de matemática do colégio.
ALUNO NA LOUSA
Nas aulas de matemática do 9ºA, os alunos assumem o comando e transmitem o conteúdo com o uso de recursos audiovisuais. Cada grupo se autoavalia, recebe notas da sala e do professor.
"Meus colegas explicam na linguagem que a gente entende. Pego mais rápido a matéria", diz Eduardo Pereira, 14.
Já Mateus Juliotti, 14, afirma que foi submetido a uma autonomia forçada. "Não houve uma transição para a gente se acostumar. É muito desorganizado, nunca sei o que preciso estudar."
O professor Robert, do Elvira, diz que tem atacado as dificuldades da turma. "Para quebrar a insegurança em relação ao conteúdo, sempre faço um resumo da matéria."
Marcos Pereira, professor de empreendedorismo da Escola Internacional de Alphaville, em Barueri (Grande SP), trabalha com a metodologia na sua turma de 9º ano. Segundo ele, a maior dificuldade é engajar o aluno. "O recurso tecnológico por si só atrai, mas fazer a sala estudar antes não é nada fácil."
O professor de história Eric Rodrigues obteve bons resultados com a sala invertida. Entre 2013 e 2015, reduziu em 50% o índice de reprovação em sua disciplina numa turma da Escola Municipal Emílio Carlos, no Rio de Janeiro.
Segundo Bruna Nunes, pesquisadora do CDI (Centro para Democratização da Informática), o método é tendência por aqui. Mas, para deslanchar, os professores terão que se capacitar. "Trabalhar com sala invertida exige domínio de videoaula e de outros meios digitais. Os professores ainda não têm essa formação na licenciatura."
Para Renato Judice, diretor pedagógico do Elvira, é natural que haja resistências à nova forma de ensinar.
"O ensino híbrido é um caminho sem volta para a escola de hoje. Vamos continuar melhorando nossa estrutura para seguirmos nessa metodologia."
Escolas ensinam alunos a criarem seus próprios games em São Paulo
Com ajuda de um programa, um grupo de alunos cria um feudo medieval, enquanto outros aprendem sobre insetos numa partida no computador. Se o uso de jogos eletrônicos já é realidade em alguns colégios, a tendência é ensinar aos estudantes como criar seus próprios games.
É o que acontece no Colégio Bandeirantes, na zona sul de São Paulo. Os alunos desenham a estrutura do jogo num papel quadriculado, que depois é fotografado e vira um game para computador e celular.
"A escola precisa acolher o aluno, e a ideia é trabalhar o jogo como uma linguagem que faz parte do seu universo", diz Tiago Eugênio, professor responsável pela aula, atividade extracurricular a partir do 5º ano.
"Desde pequeno eu jogava videogame. Quando apareceu a chance de fazer essa aula, eu aproveitei na hora", conta Pedro Paes, 13, aluno do 8º ano do Bandeirantes.
A oficina de games começou há três anos usando o Minecraft —em que o jogador faz de pequenas construções a cidades inteiras. No início deste ano, o projeto mudou e os próprios alunos passaram a criar jogos usando aplicativos e conhecimentos de programação. "A parte mais legal é fazer o design e criar os personagens", diz Paes.
"Os jogos envolvem diferentes matérias: inglês, matemática, toda uma parafernália de física. Se você ensina o aluno a fazer um jogo, ele desenvolve essas habilidades também", diz Marco Giroto, sócio e CEO da SuperGeeks, escola que ensina programação a crianças.
PROJETO PEDAGÓGICO
No Colégio Visconde de Porto Seguro, no Morumbi, zona oeste de São Paulo, a disciplina de games faz parte do currículo a partir dos 4 anos de idade.
"A escola tem que estar mergulhada na tecnologia. Ela nunca será a vanguarda desse movimento, mas precisa levar para dentro o que os alunos vivem no dia a dia", afirma Joice Lopes Leite, coordenadora de tecnologia educacional da escola.
Para Lopes, não adianta apenas usar os jogos, é preciso que eles façam parte do projeto pedagógico. "Só usar o game na sala de aula é tecnologia pela tecnologia.
O pulo é fazer o aluno entender como funciona", diz ela.
"Já fizemos projeto de história com feudos. Pegamos os elementos característicos para construí-los", exemplifica Francisco Tupy, professor do Porto Seguro e pesquisador de tecnologia na educação.
"Eu gosto de aprender a fazer, porque sempre joguei, mas não sabia como funcionava", afirma Sérgio Bolina, 10, estudante do 5º ano do Porto Seguro.
"Quando se usa um jogo na escola, aproximamos do conhecimento o conteúdo que o aluno vê em casa. O jogo vira um objeto de estudo, permite trabalhar habilidades como visão crítica, comunicação e colaboração", completa Tupy.
Já Eugênio, do Bandeirantes, utilizou a mecânica de "Pokémon Go" num jogo cujo objetivo é capturar insetos. "Eu poderia simplesmente passar a matéria na lousa, de um jeito tradicional, mas os alunos não iriam aprender com o mesmo brilho nos olhos", afirma.
Para a advogada Alessandra Borelli, diretora-executiva de Nethics, empresa especializada em educação digital, o uso dos games no ensino é benéfico, desde que haja também atividades físicas e um claro limite de tempo diante da tela.
"A família precisa trabalhar com a escola para que a criança aprenda a separar realidade de ficção", diz.
BLOCO A BLOCO
Numa escola de São Paulo, alunos usam um jogo de computador para reconstruir de maneira virtual as áreas do município de Mariana (MG), destruídas pelo rompimento da barragem da Samarco, em novembro do ano passado.
Utilizando a interface do "Minecraft", o projeto está sendo desenvolvido pelo colégio Saint Clair, no Pari (região central de São Paulo).
"Primeiro, vimos no Google Maps como era a cidade. Depois, pesquisamos diferentes tópicos de aula que poderiam ser usados: matemática, história, geografia, ciências", diz Carla Luczyk, professora do colégio e idealizadora do projeto. "Dividimos como cada aluno trabalharia uma parte específica."
Segundo João Mattar, professor e pesquisador da Anhembi Morumbi na área de tecnologias na educação, o uso de games no ensino de outras disciplinas, como geografia ou história, aumenta o envolvimento do aluno e facilita a aprendizagem.
"As pesquisas mostram que uma classe que usou game e outra que não usou têm resultados parecidos logo após a aula. Mas, depois de alguns meses, a turma que usou games tem um resultado melhor, lembra mais da matéria", afirma.
Segundo ele, a presença dos games na sala de aula está aumentando, mas ainda costuma ser resultado de iniciativas individuais, e não parte do plano pedagógico.
"Ainda falta estrutura nas escolas. Quando esses projetos dão certo, em geral é ideia de um professor."
Se a escola não atende à expectativa, saída é trocar tablets pelo giz
Para algumas famílias, mudar de escola é a melhor opção para ajustar as expectativas à proposta da instituição, sobretudo quando se trata do uso de tecnologias em aula.
Na visão dos pais, a vida escolar de Georgia Butra, 14, estava muito confortável no
Marista Arquidiocesano, onde estudou do 1º ao 9º ano. "Minha filha precisava de situações mais desafiadoras, e vimos no novo colégio um uso muito rico da tecnologia", diz a pediatra Carla Butra, 47, que matriculou a filha no Bandeirantes neste ano.
Na escola, o uso de tablet é permitido em todas as séries e obrigatório a partir do ensino fundamental 2.
O aparato tecnológico deixou a aluna mais estimulada, mas é apenas um instrumento facilitador, na opinião de Mauro Aguiar, presidente do Bandeirantes. Para ele, o mais importante é entender a mudança do papel do professor, que se torna um gestor de dados e estimula o protagonismo do aluno.
DOMÍNIO
Ao escolher a instituição, a família precisa observar se os professores dominam os recursos e como os equipamentos são aplicados. "Não preciso da tecnologia para fazer o que já faço sem ela", resume Maria Elizabeth Almeida, especialista em tecnologias na educação na PUC-SP.
O uso de tablets, celulares e aplicativos deve favorecer a construção do conhecimento, estimular a busca de informações em boas fontes e o desenvolvimento de curiosidade e imaginação.
Nem sempre é assim, como viu Cecília Consorte, 13. No 6º ano, reclamava do uso de tablet e lousa digital. "As aulas continuavam as mesmas, a tecnologia não acrescentava nada", conta a mãe, a pianista Carla Arnoni, 52.
Cecília foi para o Equipe no 7º ano. Seus pais ficaram surpresos com o quadro-negro e o giz nas salas, mas se identificaram com a proposta. Pesaram as turmas pequenas, o estímulo ao senso crítico e as aulas de música, fotografia e teatro. "O fato de não usar tecnologia não quer dizer que a escola não seja moderna, pelo contrário: acho o Equipe bem voltado aos tempos atuais", diz Carla.
De fato, a cultura digital sempre influencia o aprendizado, ainda que a escola não use equipamentos em aula. "Muito mais pelas mudanças que já provocou no pensamento e nas relações do que por aparelhos na escola", afirma Almeida, da PUC-SP.
A fisioterapeuta Rosângela Neumann, 42, concorda. "O mundo hoje é totalmente tecnológico e ajuda a desenvolver criatividade e interação no ambiente escolar". Seus filhos Henrique, 11, e Leon, 12, se mudaram para o Elvira Brandão neste ano, deixando o Porto Seguro e a Escola Viva, respectivamente. "Achei o Porto muito rígido e a Viva muito livre. Precisávamos de equilíbrio", diz.
Fundado em 1904, o Elvira Brandão mudou recentemente a proposta pedagógica e já utiliza tablet e smartphones em aulas. No ensino médio, as carteiras enfileiradas foram substituídas por mesas coletivas e sofás.
OPINIÃO
Programa Escola sem Partido acaba com cooptação da esquerda
"A verdade é como um leão; você não precisa defendê-la. Deixe-a solta, e ela se defenderá a si mesma." Cito a frase de Santo Agostinho para fazer um paralelo com o Programa Escola sem Partido: desembaraçado das mentiras que seus adversários espalham para enredá-lo perante a opinião pública, ele se defende por si só. Por isso, usarei este espaço não para defendê-lo, mas para soltá-lo dessa rede de intrigas.
A mais importante observação a ser feita sobre a proposta é que ela não cria para os professores nenhuma obrigação que já não exista: todos os deveres explicitados no cartaz cuja afixação nas salas de aula está prevista no projeto decorrem da Constituição -liberdade de consciência e de crença dos alunos; liberdade de aprender e de ensinar; neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; pluralismo de ideias- e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), tratado internacional com força de lei no Brasil, que reconhece o direito exclusivo dos pais sobre a educação religiosa e moral de seus filhos.
Se esses deveres existem - e desafio qualquer um a provar o contrário-, os estudantes têm direito de saber. Informá-los é o principal objetivo do projeto.
"Mas isso vai criar um clima de denuncismo nas escolas", especulam, hipocritamente, entusiastas da lei da palmada e da lei Maria da Penha. Se é esse o problema, que se gravem as aulas. Aí não haverá espaço para abusos ou mal-entendidos.
"O professor não poderá falar de política." Mentira. Seria impossível ensinar história sem falar de política. Ao tratar de uma questão controvertida, porém, ele deve apresentar aos alunos as principais versões e perspectivas concorrentes a respeito (item 4 do cartaz). É livre para dar sua opinião, mas não para tentar impô-la aos alunos.
"Se tiver de respeitar as convicções religiosas dos alunos e seus pais, o professor não poderá ensinar a teoria da evolução." Por que não? Basta não abusar do discurso científico para ridicularizar os que creem no relato bíblico da criação.
"O professor não poderá falar de sexo nem de gênero." Depende. Se não invadir a área reservada aos pais dos alunos pela CADH, tudo bem. Quanto à teoria ou ideologia de gênero, o que o projeto não permite é que alunos sejam feitos de cobaias em experimentos de engenharia social.
"Trata-se de uma intervenção estatal na educação." Não: o ensino obrigatório é que é uma gigantesca intervenção estatal na vida de indivíduos e famílias. O projeto apenas explicita os marcos jurídicos dessa intervenção.
"O projeto é de direita." Mentira. É 100% sem partido; mas, se aprovado, vai desmantelar a máquina de cooptação ideológica gramscianamente montada pela esquerda no sistema educacional. Por isso a militância esquerdista -na política, nos sindicatos, na academia e na imprensa- está mobilizada para impedir que isso aconteça.
"O projeto é desnecessário." Visite www.escolasempartido.org, conheça os fatos, e tire suas conclusões.
OS DEVERES DO PROFESSOR, SEGUNDO O PROJETO
1 - O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
2 - O professor não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
3 - O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4 - Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa - isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria.
5 - O professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
6 - O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.
Pela proposta, um cartaz com os deveres dos professores deverá ser afixado em todas as salas de aula
MIGUEL NAGIB, procurador do Estado de São Paulo, é coordenador do Movimento Escola sem Partido
OPINIÃO
Programa Escola sem Partido está do lado do retrocesso
Talvez influenciada pelo acirramento político, a proposta de inclusão do Programa Escola sem Partido na LDB é um conjunto de medidas contrárias a uma suposta doutrinação política e moral empreendida por professores em sala de aula. Faço algumas críticas à iniciativa que tramita no Senado.
A primeira advém do fato de impor à escola que ensine a educação religiosa e moral da família. De qual família? Se a moral familiar provém, na maioria das vezes, da opção religiosa, é um equívoco supor que no país predomine um segmento. Mesmo nas denominações cristãs a heterogeneidade é a marca. A questão revela a contradição de um programa que diz defender "pluralismo de ideias no ambiente acadêmico".
Na escola as diferenças se encontram e os jovens refazem seus valores ao se depararem com outros. Desse encontro surge uma sociedade mais tolerante que a dos nossos pais. Basta verificar o avanço sobre o papel da mulher, no enfrentamento do racismo e da homofobia.
O programa também implica riscos para o livre trabalho do docente e abre brecha para práticas macarthistas. No Art. 8º está previsto que "o ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato".
Um problema de partidarização do conteúdo, algo bem diferente do debate político, não deveria ser resolvido na própria escola? A apropriação coletiva não teria efeito pedagógico ao propiciar que a comunidade escolar estabelecesse limites?
Outra dúvida: as escolas foram consultadas? A Associação Brasileira das Escolas Particulares, que reúne colégios com excelentes desempenhos em rankings, criticou em nota o Escola Sem Partido, afirmando que "o diálogo franco e aberto é sempre o melhor recurso para a correção de eventuais desvios".
Ademais, tal proposta subestima o senso naturalmente crítico dos jovens. Eles adoram discordar mesmo concordando. Adicionalmente, há tantos acessos a vloggers, sites, Wikipedia, que eles se informam e debatem qualquer posição.
Levam novidades para a aula, o que enriquece o debate com professores.
Não por acaso, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, em nota técnica ao Congresso, concluiu pela inconstitucionalidade da proposta. A Carta estabelece que o ensino deve ter por fundamentos o princípio da "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber". Restringir a liberdade de cátedra significa impedir o direito de aprender com o embate livre e plural de ideias.
O Escola sem Partido tem partido: o do retrocesso. Além de se situar na contramão da visão contemporânea de família, quer proibir o debate da dimensão de gênero. Num país com 13 milhões de analfabetos em que 40% dos jovens não concluem o ensino médio, tal proposta é, no mínimo, inoportuna.
OS DEVERES DO PROFESSOR, SEGUNDO O PROJETO
1 - O professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
2 - O professor não favorecerá nem prejudicará ou constrangerá os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas.
3 - O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
4 - Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa - isto é, com a mesma profundidade e seriedade -, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria.
5 - O professor respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
6 - O professor não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de estudantes ou terceiros, dentro da sala de aula.
Pela proposta, um cartaz com os deveres dos professores deverá ser afixado em todas as salas de aula
MARCO ANTONIO CARVALHO TEIXEIRA é professor do departamento de gestão pública da FGV-SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário