domingo, 4 de setembro de 2016

Para pesquisadora, são necessários até 25 anos para ver mudanças; permanência do estudante ainda é desafio

‘É uma política que só faz sentido se for geracional’

Para pesquisadora, são necessários até 25 anos para ver mudanças; permanência do estudante ainda é desafio

Marco Antônio Carvalho e Juliana Diógenes,
O Estado de S.Paulo
04 Setembro 2016 | 05h00

SÃO PAULO - Pesquisadora da área de expansão do ensino superior, a professora Vera Cepêda ressalta o combate à desigualdade social que a política de cotas tem representado e pede atenção para a necessidade de apoio à permanência dos estudantes. 
Foi atingida em 2016 a meta de destinação de 50% de vagas nas federais para cotistas. Qual o próximo passo?
A meta era trazer para a universidade os atores sociais que haviam sido excluídos pela barreira da formação mais qualificada, que infelizmente é perversa e persistente para alunos de baixa renda. Nos últimos anos, temos acompanhado que não adianta oferecer o ingresso, tem de dar condições de permanência para que se termine a graduação de maneira eficiente. O desafio agora não é mais a política de entrada, é a política de permanência. O desafio será como encaixar o estudante nas áreas de capacitação e inovação, na pós-graduação e na pesquisa. É uma política que só faz sentido se for geracional, vamos levar 15, 20, 25 anos, repetindo esses instrumentos para que se tenha uma modificação. 
Como a eventual dificuldade de alunos no acompanhamento deve ser enfrentada no ambiente acadêmico?
Quem disse que o problema dos impactos pedagógicos diz respeito somente ao aluno, que vem de uma situação de vulnerabilidade? Por que não pensar que, do outro lado, é obrigação das instituições preparar o corpo docente para lidar com a tarefa formativa? As instituições têm de achar um jeito de lidar com a realidade, e a realidade brasileira diz que somos uma sociedade desigual. Vamos deixar a universidade reproduzindo seus círculos de bem-estar para grupos que são socialmente bem colocados ou vamos forçá-la a entender o desafio nacional? Lidar com isso fará com que as universidades aumentem suas capacidades, e não diminuam.
Que tipo de transformação as cotas têm permitido?
O cidadão que passa pelo ensino superior de qualidade tem acesso a um conjunto de informações, de conhecimento, de capacidades, que lhe permite fazer uma transição social, seja por ingresso no mercado de trabalho em postos mais elevados ou por outros meios. Permite a transformação em lideranças do ponto de vista intelectual, de inovação, cultural ou politicamente, e portanto arrastam a expectativa a membros que estão ao redor. Olhando de forma social, a multiplicação de atores capacitados vai reverberar, com efeitos de médio e longo prazo, nos seus contextos de origem.
'Sistema mascara a má qualidade do ensino’
Na opinião do ex-coordenador do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e hoje professor de Física da instituição, Leandro Tessler, as cotas “mascaram a má qualidade” da educação básica no País. Mesmo assim, Tessler ponderou que “certamente” estão mudando a cara das universidades públicas. 
“As federais, por força da lei, foram na direção das cotas. Mas essa política faz de conta que o problema em educação básica está resolvido só garantindo o acesso ao ensino superior”, afirmou. “Mas na universidade já é tarde para recuperar anos de má formação básica.” 
Segundo Tessler, as cotas são medidas paliativas. “Tudo isso escapa de se conseguir educação básica de qualidade e mais igualitária”, destacou. O docente disse que já soube de reclamações de colegas professores de algumas áreas em relação ao peso da formação escolar, nos ensinos fundamental e médio, dos alunos cotistas.
“Tem gente reclamando em alguns cursos dessa má formação anterior. Mas acho que isso não é muito importante. Um bom aluno consegue superar eventuais dificuldades de formação se ele se dedicar fortemente”, afirmou. 
O docente defendeu que as próprias universidades, e não uma lei, deveriam determinar a melhor forma de selecionar os estudantes. “As cotas são arbitrárias. Por que chegaram a esse número de 50%? Ninguém sabe. Foi uma opção brasileira. Aqui, tudo é resolvido por lei. Mas acho que não é a cura para todos os males”, disse. 
“É bom trazer outros resultados, além da prova escrita. Seria interessante que o histórico desse aluno contasse também. Por exemplo, o que ele fez da vida? Que tipo de atividade social desempenhou? Realizou alguma atividade filantrópica?”
Para Tessler, há métodos de ação afirmativa mais eficientes do que cotas. Ele cita o bônus, política de admissão adotada na Unicamp. O bônus é adicionado à nota dos estudantes de escolas públicas, bem como à de negros e pardos. “É o que chamamos de pontuação de compensação. Hoje, o bônus é três vezes superior ao que era quando o método foi implementado.” 

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