Para Alfie Kohn, especialista em educação, essas tarefas não só não oferecem nenhuma vantagem ao aprendizado, como causam frustração, cansaço e desinteresse
BEATRIZ MORRONE (TEXTO) E FLÁVIA YURI OSHIMA (EDIÇÃO)
14/09/2016 - 08h00 - Atualizado 14/09/2016 11h00
“As crianças devem ter a chance de ser crianças”, diz Alfie Kohn (Foto: Divulgação)
Quem acompanha a rotina de uma criança fora da escola certamente já se deparou com uma dificuldade: a hora da lição de casa. São raras as vezes em que um aluno, em seu tempo livre, se mostra entusiasmado para continuar envolvido com os assuntos da sala de aula. Sobre os ombros dos responsáveis por eles, acaba caindo a função de garantir que cumpram suas obrigações, o que não raramente gera discussões familiares. Seria esse problema culpa da quantidade de tarefas exigidas? Ou seriam todos os alunos descompromissados e preguiçosos? Para o americano Alfie Kohn, o problema está na natureza da função, não em quem a desempenha.
Kohn é especialista em educação escolar e familiar. Um de seus 14 livros é dedicado ao tema lição de casa. Em The homework mith (O mito da lição de casa, em tradução livre), ele defende que não há evidências que justifiquem a existência de atividades acadêmicas fora da escola. Ao contrário. Frustração, cansaço e desinteresse pelo aprendizado são algumas das consequências que elas trazem.
Há tempos, o debate sobre a conveniência dessas lições paira sobre o cenário educacional – no Brasil e no exterior. A discussão, na maioria das vezes, acaba por tratar da quantidade ideal de tarefas de casa ou de quanto tempo crianças de cada faixa etária devem destinar a elas. Para o especialista, são todas discussões ultrapassadas sobre uma prática ineficiente.
Recentemente, o assunto voltou à tona quando a Kelly Elementary School, escola de Massachusetts, nos Estados Unidos, decidiu extinguir a prática. Um levantamento estadual apontou que o grupo de 583 estudantes da instituição – que cursam entre o equivalente à educação infantil e o ensino fundamental brasileiros – apresentou desempenho insatisfatório, quando comparado com alunos das demais escolas da região. Para ajudar a superar os resultados, Jacqueline Gasheen, diretora da escola, sugeriu o fim das tarefas de casa. Ela apostou na máxima qualidade em vez de quantidade. “Não estou convencida de que as atividades repetitivas de lição de casa são capazes de qualificar a educação”, disse a educadora em entrevista ao portal G1.
Para Alfie Kohn, o desenvolvimento da criança precisa ser visto para além do intelecto. Seu tempo livre deve ser destinado, também, às habilidades sociais, físicas, emocionais e artísticas. “A ideia de que as crianças devem desempenhar mais atividades acadêmicas em casa sugere que nenhuma dessas outras coisas importa”, afirma.Caberá ao próprio aluno e a sua família decidir como ele aproveitará seu tempo em casa – ainda que seja se divertindo. Confira trechos da entrevista do autor a ÉPOCA.
ÉPOCA – Por que o senhor defende que escolas não passem lição de casa a seus alunos?
Alfie Kohn – Por duas razões básicas. Em primeiro lugar, estudos não identificaram, até hoje, benefícios em fazer as crianças trabalharem em um segundo turno depois de chegar da escola – pelo menos não antes dos 15 anos. Portanto, a ideia de que a lição de casa é necessária ou até mesmo útil para promover a aprendizagem não foi comprovada pelos resultados. Até mesmo no ensino médio, pesquisas mais recentes e bem elaboradas sugerem que os benefícios da lição de casa são questionáveis. Além disso, não queremos que as crianças se desenvolvam só intelectualmente, mas social, física, emocional e artisticamente. A noção de que os jovens devem fazer, em casa, mais atividades acadêmicas sugere que nenhuma das outras atividades importa. A mensagem da tarefa de casa é: o acadêmico é o que vale.
ÉPOCA – Quais são as desvantagens da lição de casa?
Kohn – Todos nós conhecemos as desvantagens da lição de casa. Muitas vezes ela cria frustração, cansaço, conflitos familiares e a perda do interesse por aprender. Isso significa que as evidências dos efeitos positivos da tarefa de casa precisariam ser esmagadoras para compensar todos os danos que ela causa. Essa evidência não existe, especialmente entre as crianças mais jovens.
ÉPOCA – Em sua opinião, a lição de casa pode ser positiva em alguma situação?
Kohn – Francamente, não acho que a lição de casa seja necessária, mas penso que há certas circunstâncias em que devemos estar abertos a considerá-la. Primeiro, se ela ajuda as crianças a pensarem profundamente em questões importantes – em vez de apenas fazê-las memorizar fatos esquecíveis, ler livros terríveis ou praticar habilidades por repetição. Em segundo lugar, se a tarefa de casa for capaz de ajudar as crianças a se interessarem por aquilo que estão aprendendo – ou até a ficar animadas com o assunto. Em terceiro lugar, se os próprios jovens participarem do processo de decidir se, por que, como e quando uma atribuição deve ser feita depois da escola. Quando as crianças, assim como os adultos, são simplesmente condenadas a fazer algo sem que possam opinar sobre o assunto, é improvável que a ação produza benefícios. Os resultados de um comportamento não são determinados pelo engajamento das pessoas nele (como em fazer a lição de casa), mas pelos objetivos, pelas atitudes e pelas perspectivas que os indivíduos têm quando envolvidos nesse comportamento.
ÉPOCA – Alguns educadores afirmam que a lição de casa é importante para desenvolver habilidades como autonomia e organização. O que o senhor pensa sobre essa afirmação?
Kohn – Ouço esses argumentos com muita frequência. Por mais de uma década, estive em busca de evidências que sustentassem essa sabedoria popular, mas não encontrei nenhuma. Muitas dessas afirmações se mostram pouco lógicas quando examinadas de perto. Por exemplo: por que dizer às crianças o que elas devem fazer promove sua autonomia? Como dizer a elas que estudem para uma prova as ajudaria a fazê-la melhor? E será que esse objetivo vale a pena, já que sabemos que provas não são bons indicadores de desempenho intelectual? Muitos dos nossos melhores professores têm descartado as provas em favor de formas mais autênticas de avaliação. Não importa como você fatia os dados, simplesmente não há nenhuma razão para acreditar que a lição de casa oferece benefícios – acadêmicos ou não. E isso, é claro, vale também para as restrições à lição de casa baseadas em valores, como o argumento de que cabe aos familiares, e não à escola, decidir o que acontece durante o tempo em família.
ÉPOCA – O senhor já acompanhou bons exemplos de escolas que não são adeptas às lições de casa?
Kohn – Conversei com muitos professores que optaram por eliminar completamente a lição de casa de seu programa. Falei também com administradores de colégios que adotaram a mesma conduta como política escolar. Em todos os casos, foram registrados resultados fabulosos, como descrevo em meu livro. Essas evidências reforçam a falta de suporte empírico para justificar as tarefas de casa. É hora de repensar as premissas dessa prática ultrapassada em vez de ficar debatendo a quantidade de lição de casa que é dada às crianças.
Kohn é especialista em educação escolar e familiar. Um de seus 14 livros é dedicado ao tema lição de casa. Em The homework mith (O mito da lição de casa, em tradução livre), ele defende que não há evidências que justifiquem a existência de atividades acadêmicas fora da escola. Ao contrário. Frustração, cansaço e desinteresse pelo aprendizado são algumas das consequências que elas trazem.
Há tempos, o debate sobre a conveniência dessas lições paira sobre o cenário educacional – no Brasil e no exterior. A discussão, na maioria das vezes, acaba por tratar da quantidade ideal de tarefas de casa ou de quanto tempo crianças de cada faixa etária devem destinar a elas. Para o especialista, são todas discussões ultrapassadas sobre uma prática ineficiente.
Recentemente, o assunto voltou à tona quando a Kelly Elementary School, escola de Massachusetts, nos Estados Unidos, decidiu extinguir a prática. Um levantamento estadual apontou que o grupo de 583 estudantes da instituição – que cursam entre o equivalente à educação infantil e o ensino fundamental brasileiros – apresentou desempenho insatisfatório, quando comparado com alunos das demais escolas da região. Para ajudar a superar os resultados, Jacqueline Gasheen, diretora da escola, sugeriu o fim das tarefas de casa. Ela apostou na máxima qualidade em vez de quantidade. “Não estou convencida de que as atividades repetitivas de lição de casa são capazes de qualificar a educação”, disse a educadora em entrevista ao portal G1.
Para Alfie Kohn, o desenvolvimento da criança precisa ser visto para além do intelecto. Seu tempo livre deve ser destinado, também, às habilidades sociais, físicas, emocionais e artísticas. “A ideia de que as crianças devem desempenhar mais atividades acadêmicas em casa sugere que nenhuma dessas outras coisas importa”, afirma.Caberá ao próprio aluno e a sua família decidir como ele aproveitará seu tempo em casa – ainda que seja se divertindo. Confira trechos da entrevista do autor a ÉPOCA.
ÉPOCA – Por que o senhor defende que escolas não passem lição de casa a seus alunos?
Alfie Kohn – Por duas razões básicas. Em primeiro lugar, estudos não identificaram, até hoje, benefícios em fazer as crianças trabalharem em um segundo turno depois de chegar da escola – pelo menos não antes dos 15 anos. Portanto, a ideia de que a lição de casa é necessária ou até mesmo útil para promover a aprendizagem não foi comprovada pelos resultados. Até mesmo no ensino médio, pesquisas mais recentes e bem elaboradas sugerem que os benefícios da lição de casa são questionáveis. Além disso, não queremos que as crianças se desenvolvam só intelectualmente, mas social, física, emocional e artisticamente. A noção de que os jovens devem fazer, em casa, mais atividades acadêmicas sugere que nenhuma das outras atividades importa. A mensagem da tarefa de casa é: o acadêmico é o que vale.
ÉPOCA – Quais são as desvantagens da lição de casa?
Kohn – Todos nós conhecemos as desvantagens da lição de casa. Muitas vezes ela cria frustração, cansaço, conflitos familiares e a perda do interesse por aprender. Isso significa que as evidências dos efeitos positivos da tarefa de casa precisariam ser esmagadoras para compensar todos os danos que ela causa. Essa evidência não existe, especialmente entre as crianças mais jovens.
ÉPOCA – Em sua opinião, a lição de casa pode ser positiva em alguma situação?
Kohn – Francamente, não acho que a lição de casa seja necessária, mas penso que há certas circunstâncias em que devemos estar abertos a considerá-la. Primeiro, se ela ajuda as crianças a pensarem profundamente em questões importantes – em vez de apenas fazê-las memorizar fatos esquecíveis, ler livros terríveis ou praticar habilidades por repetição. Em segundo lugar, se a tarefa de casa for capaz de ajudar as crianças a se interessarem por aquilo que estão aprendendo – ou até a ficar animadas com o assunto. Em terceiro lugar, se os próprios jovens participarem do processo de decidir se, por que, como e quando uma atribuição deve ser feita depois da escola. Quando as crianças, assim como os adultos, são simplesmente condenadas a fazer algo sem que possam opinar sobre o assunto, é improvável que a ação produza benefícios. Os resultados de um comportamento não são determinados pelo engajamento das pessoas nele (como em fazer a lição de casa), mas pelos objetivos, pelas atitudes e pelas perspectivas que os indivíduos têm quando envolvidos nesse comportamento.
ÉPOCA – Alguns educadores afirmam que a lição de casa é importante para desenvolver habilidades como autonomia e organização. O que o senhor pensa sobre essa afirmação?
Kohn – Ouço esses argumentos com muita frequência. Por mais de uma década, estive em busca de evidências que sustentassem essa sabedoria popular, mas não encontrei nenhuma. Muitas dessas afirmações se mostram pouco lógicas quando examinadas de perto. Por exemplo: por que dizer às crianças o que elas devem fazer promove sua autonomia? Como dizer a elas que estudem para uma prova as ajudaria a fazê-la melhor? E será que esse objetivo vale a pena, já que sabemos que provas não são bons indicadores de desempenho intelectual? Muitos dos nossos melhores professores têm descartado as provas em favor de formas mais autênticas de avaliação. Não importa como você fatia os dados, simplesmente não há nenhuma razão para acreditar que a lição de casa oferece benefícios – acadêmicos ou não. E isso, é claro, vale também para as restrições à lição de casa baseadas em valores, como o argumento de que cabe aos familiares, e não à escola, decidir o que acontece durante o tempo em família.
ÉPOCA – O senhor já acompanhou bons exemplos de escolas que não são adeptas às lições de casa?
Kohn – Conversei com muitos professores que optaram por eliminar completamente a lição de casa de seu programa. Falei também com administradores de colégios que adotaram a mesma conduta como política escolar. Em todos os casos, foram registrados resultados fabulosos, como descrevo em meu livro. Essas evidências reforçam a falta de suporte empírico para justificar as tarefas de casa. É hora de repensar as premissas dessa prática ultrapassada em vez de ficar debatendo a quantidade de lição de casa que é dada às crianças.
ÉPOCA – Diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, no Brasil a maioria dos alunos não frequenta escolas em período integral. Quando a duração média de estudo é de quatro horas, sua opinião sobre a lição de casa permanece a mesma?
Kohn – Sou mais aberto à possibilidade de propor atividades acadêmicas fora da escola para crianças que estudam por quatro horas, do que para as que estudam por seis horas. Mesmo assim, continuo cético sobre essa necessidade, principalmente para as crianças mais jovens. No mínimo, deveríamos inverter o padrão: a expectativa geral é nenhuma lição de casa, exceto quando há um forte argumento que a justifique. Deve ser algo que os professores podem optar por recorrer, mas não algo proposto automaticamente. E, novamente: é fundamental que eventuais atribuições fora do horário de aula proponham o entendimento de ideias, não o preenchimento de planilhas – e permitam que os estudantes tomem decisões sobre o assunto.
Kohn – Sou mais aberto à possibilidade de propor atividades acadêmicas fora da escola para crianças que estudam por quatro horas, do que para as que estudam por seis horas. Mesmo assim, continuo cético sobre essa necessidade, principalmente para as crianças mais jovens. No mínimo, deveríamos inverter o padrão: a expectativa geral é nenhuma lição de casa, exceto quando há um forte argumento que a justifique. Deve ser algo que os professores podem optar por recorrer, mas não algo proposto automaticamente. E, novamente: é fundamental que eventuais atribuições fora do horário de aula proponham o entendimento de ideias, não o preenchimento de planilhas – e permitam que os estudantes tomem decisões sobre o assunto.
ÉPOCA – Quais atividades o senhor sugere que sejam feitas em casa, em vez da lição de casa? Quais os benefícios dessas atividades?
Kohn – Essa decisão cabe às crianças e seus familiares. Muitos vão optar por desempenhar atividades intelectualmente valiosas, como aprender matemática cozinhando ou ler e escrever on-line. Outros podem preferir fazer coisas que promovem o desenvolvimento físico e social. E algumas crianças podem apenas querer relaxar e se divertir – exatamente como os adultos fazem depois do trabalho –, o que é absolutamente positivo! Muitas vezes, a lição de casa é atribuída principalmente para manter as crianças ocupadas. Isso sugere que não confiamos nelas, que elas não merecem um tempo livre ou que precisam estar envolvidas em atividades instrutivas até a hora de dormir. As crianças devem ter a chance de ser crianças.
Kohn – Essa decisão cabe às crianças e seus familiares. Muitos vão optar por desempenhar atividades intelectualmente valiosas, como aprender matemática cozinhando ou ler e escrever on-line. Outros podem preferir fazer coisas que promovem o desenvolvimento físico e social. E algumas crianças podem apenas querer relaxar e se divertir – exatamente como os adultos fazem depois do trabalho –, o que é absolutamente positivo! Muitas vezes, a lição de casa é atribuída principalmente para manter as crianças ocupadas. Isso sugere que não confiamos nelas, que elas não merecem um tempo livre ou que precisam estar envolvidas em atividades instrutivas até a hora de dormir. As crianças devem ter a chance de ser crianças.
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