Francisco Daudt
Francisco Daudt, psicanalista e médico, é autor de 'Onde Foi Que Eu Acertei?', entre outros livros. Escreve às quartas, a cada duas semanas.
14/09/2016 02h03
"Antes do meu primeiro casamento eu não era solteiro, era imbecil: tinha vergonha do meu desejo, pensava que apresentá-lo a uma moça seria um insulto, que elas deveriam ser tratadas como deusas em pedestais".
O relato de consultório, feito por pessoa inteligente, diz: a pessoa pode emburrecer ao longo da vida; essa burrice pode ser revertida.
Conceituando inteligência como a capacidade de se ligar dois ou mais arquivos de memória (que Richard Dawkins chamou de "memes") para formar terceiros, e de burrice a incapacidade de fazer tal coisa, constatamos que: a) a humanidade tem um predomínio de imbecis; b) erudição não é sinônimo de inteligência (há eruditos cuja cabeça parece um museu de aves empalhadas: são belos exemplares, mas eles não se cruzam nem procriam).
Mas se a imbecilidade é variável, o que nos torna imbecis? E o que facilita a inteligência?
Há crianças que se destacam pelo brilho, mas dificilmente se vê uma criança imbecil. Elas têm um despudor e uma leviandade de pensamento –e de palavra– que fazem sua inteligência brilhar. Isso lhes dá maleabilidade, agilidade e plasticidade de processamento de ideias, parte fundamental da inteligência.
Há crianças que se destacam pelo brilho, mas dificilmente se vê uma criança imbecil. Elas têm um despudor e uma leviandade de pensamento –e de palavra– que fazem sua inteligência brilhar. Isso lhes dá maleabilidade, agilidade e plasticidade de processamento de ideias, parte fundamental da inteligência.
Mas isso vai se perder: rapidamente a criança é apresentada ao que é próprio e ao impróprio, ao pensável e ao impensável. Começam a ser construídas cercas eletrificadas em seu cérebro: se ela ousa ultrapassar, toma choque. Na minha infância católica havia o pecado mortal de pensamento: eu iria para o inferno só por pensar, por exemplo, em sacanagem.
Começa aí a patrulha do pensamento, a "crimideia" orwelliana que vai nos emburrecer. Claro, vem ainda o politicamente correto...
Para piorar, na adolescência passamos a ter que lidar com assuntos de complexidade enorme, sem o menor preparo para isso: a sexualidade e as preliminares do mundo adulto.
É quando começamos a sucumbir ao senso comum, não o dos pais (eles agora são o inimigo), mas o da tribo a que aderimos, no auge de nossa insuficiência: temos que nos homogeneizar, eliminar qualquer traço de diferença com relação a eles. Por reação às nossas inseguranças, adquirimos certezas absolutas: não existe melhor contribuição para a burrice.
É quando começamos a sucumbir ao senso comum, não o dos pais (eles agora são o inimigo), mas o da tribo a que aderimos, no auge de nossa insuficiência: temos que nos homogeneizar, eliminar qualquer traço de diferença com relação a eles. Por reação às nossas inseguranças, adquirimos certezas absolutas: não existe melhor contribuição para a burrice.
Se não fosse suficiente, o adolescente ainda corre o risco da maconha, das drogas estupefacientes (fazedoras de estúpidos), além de se levar a sério. Levar-se a sério é pior que maconha, para emburrecer.
Mas crescemos. Aí mora nossa chance: se caminharmos para a independência, poderemos tomar o caminho de recuperar a inteligência.
Claro, ainda há ciladas pela frente: crenças absolutistas, políticas ou religiosas; novas tribos para aplacar inseguranças; neuroses (que nos aprisionam ao passado); depressão; a atração pelo dramático, que impede a reflexão.
Fico feliz por trabalhar como um "recuperador de HD": num ambiente seguro, o pensamento redescobre o despudor e a leviandade necessários para rever sua história e livrá-la do lastro de burrice que corrompeu seu processador. Uma vez separados o pensar e o agir, o primeiro escolherá em liberdade uma ação mais inteligente.
Logical Song - Written and Composed by Roger Hodgson - Voice of Supertramp
A Canção Lógica
Quando eu era jovem
Parecia que a vida era maravilhosa
Um milagre, ah era tão bonita, mágica
E todos os pássaros nas árvores
Cantavam tão felizes
Ah, alegres, brincalhões, eles me observavam
Mas depois eles me mandaram para longe
Para me ensinarem a ser sensato
Lógico, ah responsável, prático
E me mostraram um mundo
Onde eu poderia ser muito confiável
Ah, clínico, intelectual, cínico
Parecia que a vida era maravilhosa
Um milagre, ah era tão bonita, mágica
E todos os pássaros nas árvores
Cantavam tão felizes
Ah, alegres, brincalhões, eles me observavam
Mas depois eles me mandaram para longe
Para me ensinarem a ser sensato
Lógico, ah responsável, prático
E me mostraram um mundo
Onde eu poderia ser muito confiável
Ah, clínico, intelectual, cínico
Há momentos quando todo o mundo dorme
Em que os questionamentos são grandes demais
Para um homem tão simples
Por favor, diga-me o que aprendemos
Eu sei que parece absurdo
Mas por favor diga-me quem eu sou
Em que os questionamentos são grandes demais
Para um homem tão simples
Por favor, diga-me o que aprendemos
Eu sei que parece absurdo
Mas por favor diga-me quem eu sou
Agora cuidado com o que você diz
Ou eles vão te chamar de radical
Um liberal, ah fanático, criminoso
Aceitável, respeitável, ah apresentável, um vegetal!
Ou eles vão te chamar de radical
Um liberal, ah fanático, criminoso
Ah, por que você não assina o seu nome?
Gostaríamos de ver que você éAceitável, respeitável, ah apresentável, um vegetal!
À noite, quando todo o mundo dorme,
Em que os questionamentos são grandes demais
Para um homem tão simples
Por favor, diga-me o que aprendemos
Eu sei que parece absurdo
Mas por favor diga-me quem eu sou
Quem eu sou, quem eu sou, quem eu sou.
Em que os questionamentos são grandes demais
Para um homem tão simples
Por favor, diga-me o que aprendemos
Eu sei que parece absurdo
Mas por favor diga-me quem eu sou
Quem eu sou, quem eu sou, quem eu sou.
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