Escolas públicas na Grande SP superam pobreza e chegam ao topo
Quando a equipe da escola municipal CEU Paraisópolis, na zona sul de SP, concluiu seu último plano pedagógico, uma preocupação era aumentar a participação das famílias. A saída foi transferir a reunião de pais dos dias úteis para os sábados, quando mais gente compareceria.
"É o melhor lugar onde trabalhei. Nossos alunos são muito receptivos, e o envolvimento das famílias é essencial", afirma Simone Rocha, 36, diretora há três anos.
O CEU (Centro Educacional Unificado), com piscina, quadra e até aula de esgrima, parece um oásis no aglomerado de casas com tijolo à vista da favela de Paraisópolis, onde vivem 100 mil pessoas.
Com 1.300 alunos, a escola de ensino fundamental que funciona ali integra um pequeno grupo de excelência entre as unidades públicas que reúnem desempenho invejável dos alunos apesar de eles estarem entre os mais pobres da Grande São Paulo.
Mesmo atendendo estudantes de baixa renda, a unidade conseguiu avançar no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação ) de 2015 de forma a bater a meta de 2021. Isso no ciclo 1 do fundamental –do 1º ao 5º ano.
S
omente outras duas das 55 escolas na região metropolitana que atendem alunos do mesmo perfil conseguiram isso: avançar no Ideb em 2015 e passar da meta de 2021.
Nos anos finais (6º ao 9º), foram quatro escolas entre as 132 com alunos muito pobres.
NÍVEL SOCIOECONÔMICO
O nível socioeconômico dos estudantes é um dos principais fatores de sucesso escolar. No Brasil, a nota de matemática nas escolas públicas com alunos mais pobres é 23% menor que nas mais ricas.
Para encontrar colégios com resultados de "excelência na pobreza", que incluem unidades de prefeituras e do Estado, a Folha mapeou os dados do Ideb com os níveis socioeconômicos produzidos pelo Ministério da Educação e as metas do exame fixadas pelo governo por unidade.
Na média da rede pública paulista, também houve avanço no Ideb em 2015, mas com alguns gargalos.
Nos anos iniciais do fundamental, houve salto de 5,8 para 6,2, superando a meta de 2015 (5,8), mas abaixo da de 2021 (6,6). Nos anos finais, houve avanço de 4,4 para 4,7, mas nem a meta do ano passado (5,1) foi atingida –menos ainda a de 2021 (5,8).
O Ideb dos anos iniciais na escola de Paraisópolis, a cargo da prefeitura, chegou a 5,7. A meta para 2021 era de 5,6.
Além da aproximação com a vizinhança, há na unidade um monitoramento intensivo do desempenho dos alunos nas avaliações bimestrais e reforço escolar. A maior parte da equipe de professores é antiga, atua na escola há anos.
A diretora Simone Rocha acompanha tudo de perto e tenta conhecer a maioria dos alunos pelo nome. "Temos reuniões mensais para analisar as turmas. O foco do pedagógico não é burocracia, é acompanhamento", diz.
Na porta da escola para deixar a filha Emily, 9, Edson de Lima, 42, desempregado, diz que tenta participar de tudo. "Ela gosta muito da escola, e eu gosto muito dos professores." No fim das aulas, os pais não esperam os filhos no portão –vão até a sala.
Na escola estadual Bairro das Palmeiras, em Juquitiba (Grande SP), na beira da rodovia Régis Bittencourt, houve destaque no Ideb para os alunos do anos finais do fundamental. A unidade chegou a 5,5 em 2015, superando a meta de 5,3 para 2021.
O trabalho na unidade envolve uma relação forte com a comunidade e a atenção ao currículo do Estado. "Temos uma equipe compromissada", afirma a coordenadora pedagógica Elenice da Silva, 47 –há nove anos na escola.
Para a diretora, Almicéia Lima, 47, colabora para o sucesso o fato de praticamente todos os professores serem efetivos. "Conseguimos manter um trabalho contínuo."
EMBU-GUAÇU
Giovana Nascimento, 10, ama matemática e quer ser professora, arquiteta e pediatra. José Costas, também de 10 anos, adora frações e sonha em ser "construtor" ou garçom. "Ele serve as coisas boas", explica.
Já o colega Kaike Nascimento, 11, pretende ser advogado. "Quero ser correto e ajudar as pessoas, porque muitas pessoas são presas injustamente", discursa.
Todos são alunos da escola municipal Alfredo Schunk, no bairro Cipó do Meio, em Embu-Guaçu (Grande SP).
O prédio é cercado de áreas rurais e comunidades carentes, a cerca de 8 km do centro do município -e a quase 50 km do centro de São Paulo.
A maioria dos estudantes da unidade é de baixa renda e leva para a escola dificuldades vividas em casa. "Muitos vêm pra escola para comer, então precisamos resgatar os sonhos", afirma a coordenadora pedagógica da escola, Adriana de Souza, 37.
"A gente sonha com uma escola ideal, com tudo certinho, mas não podemos deixar a peteca cair. São gerações que dependem da gente."
A diretora Viviane Prado diz se emocionar com o que os alunos contam. "Nos últimos dias, uma menina contou que iria abrir uma lojinha de presilhas de cabelo pra ajudar o pai, que está desempregado", afirma. "Mas ela só tem 9 anos e ainda não sabia como conseguiria o dinheiro."
A unidade atende 300 alunos dos dois ciclos do ensino fundamental. O pátio é apertado e a quadra não tem cobertura. Após um assalto em 2009, todos os computadores foram levados e, desde então, a escola não conta mais com sala de informática.
Apesar das dificuldades e do perfil dos alunos, a unidade subiu no Ideb em 2015: de 6,2 para 7, superando a meta para 2021, estipulada em 5,5.
Foi a melhor nota entre escolas com o mesmo perfil de alunos e a 39ª mais alta entre todas as 1.089 escolas públicas de anos iniciais de toda a região metropolitana.
AÇÕES
A escola foi criada em 1979 e era de responsabilidade do governo do Estado até 2005, quando foi municipalizada e a Prefeitura de Embu passou a cuidar da gestão. Quase todos os 22 professores estão na escola há mais de dez anos.
"Eu dou aula por três anos para os mesmos alunos. A gente consegue acompanhar, conhecê-los", diz a professora Luzimar Antônia dos Santos, 46, enquanto dava aulas para 23 alunos do 2º ano A. Santos atua na escola, entre idas e vindas, desde 1989.
Segundo Viviane Prado, essa permanência tem ajudado na melhoria nos resultados. Mas são os próprios dados das avaliações, tanto as internas quanto as de larga escala dos anos anteriores, que têm direcionado parte do trabalho pedagógico.
A equipe gestora analisa, por exemplo, os descritores da Prova Brasil (avaliação que compõe o Ideb) para identificar as competências em que as turmas têm maior dificuldade, a partir dos resultados de cada ano.
"A gente faz reunião com os professores todo mês para identificar os alunos com maior dificuldade e avaliar se é necessária a recuperação", diz a diretora Viviane, há sete anos na Alfredo Schunk.
Como o país não conta com uma Base Nacional Comum Curricular, que está em debate pelo MEC, o currículo seguido nas escolas do município é baseado nas diretrizes curriculares e também na Prova Brasil. A coordenadora Adriana de Souza guarda no seu caderninho os objetivos de aprendizagem divididos por cada bimestre. "Tentamos seguir à risca", diz.
Caso haja necessidade de reforço, os estagiários assumem algumas atividades para a classe toda, enquanto os professores trabalham com quem tem dificuldades.
"Certamente termos a Viviane como diretora muda tudo, temos muita sorte", diz Adriana.
ISOLADO
O protagonismo da direção é característica comum em escolas que conseguem sucesso, explica o professor Cipriano Luckesi, da Universidade Federal da Bahia.
"O sucesso depende de muitos fatores, mas muitas vezes a sorte de uma boa gestão, de uma liderança que está à frente da escola e incentiva os professores a produzir efeitos satisfatórios é o principal", diz. "Se houvesse formação adequada, poderíamos ver mais casos como esse e não contar com a sorte".
Anna Helena Altenfelder, do Cenpec (centro de estudos sobre educação), diz que a lacuna deixada pelo poder público colabora para que práticas conhecidas e que dão resultado não cheguem a todas as escolas. "A gente vê que essas ações estão ligadas a iniciativas de pessoas ou de um grupo, e não como políticas".
"Mas é importante ressaltar que há condições, como permanência dos professores, que são mais favoráveis a certas escolas. Não precisamos copiar, mas produzir conhecimento que possa subsidiar escolhas", afirma.
O Ideb é produzido a cada dois anos com base em avaliações de português e matemática feitas pelos alunos e dados de repetência e evasão.
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SEM RECURSOS, PORÉM BOAS
Escolas mais pobres da Grande SP chegam ao topo do Ideb no ensino fundamental
Critérios
A reportagem visitou três das escolas de nível socioeconômico mais baixo na Grande SP que já bateram a meta do Ideb para 2021*
A reportagem visitou três das escolas de nível socioeconômico mais baixo na Grande SP que já bateram a meta do Ideb para 2021*
O que é Ideb
O índice foi criado pelo MEC para avaliar a qualidade das redes de ensino no país. Ele combina a taxa de aprovação escolar com o desempenho dos alunos em provas de português e matemática
O índice foi criado pelo MEC para avaliar a qualidade das redes de ensino no país. Ele combina a taxa de aprovação escolar com o desempenho dos alunos em provas de português e matemática
Nível socioeconômico
É possível saber quais são as escolas mais pobres usando uma classificação do MEC que separa as instituições em sete níveis, de acordo com a renda dos alunos
É possível saber quais são as escolas mais pobres usando uma classificação do MEC que separa as instituições em sete níveis, de acordo com a renda dos alunos
Exceção
A classificação do MEC vai do nível muito baixo ao muito alto. Na Grande SP, porém, os alunos mais pobres estão no nível médio
A classificação do MEC vai do nível muito baixo ao muito alto. Na Grande SP, porém, os alunos mais pobres estão no nível médio
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